Mensagem do Ministro Geral pelo 350º aniversário da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil
09/12/2025

Caríssimos irmãos da Província da Imaculada Conceição,
O Senhor lhes dê a paz!
Com grande alegria me uno a vocês na celebração dos 350 anos da presença franciscana no Brasil. Dou graças ao Senhor por tantos irmãos que, ao longo dos séculos e ainda hoje, vivem com generosidade a vocação de frades menores no meio do povo de Deus.
Em 15 de julho de 1675, o Papa Clemente X, por meio da Bula Pastoralis Officii, erigia oficialmente a Província, desmembrando-a da Província de Santo Antônio de Lisboa. Ela nascia com dez conventos, herdeira de uma presença iniciada em 1584, quando os primeiros frades da Província de São Francisco (Porto, Itália) iniciaram a missão em terras brasileiras.
Três séculos e meio de história: das aldeias coloniais às periferias metropolitanas, do Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro – sede provincial por dois séculos – às fronteiras digitais; das missões rurais à abertura da Custódia em Angola.
Olhamos para esse caminho – não com nostalgia, mas como memória viva, que nos interpela e sustenta.
Fidelidade criativa: uma herança que permanece viva
A expressão que melhor descreve a história desta Província é fidelidade criativa: fidelidade ao carisma, criatividade nas respostas. Essa identidade nasce de heranças que se entrelaçam:
- A herança portuguesa alcantarina (1584–séc. XIX) transmitiu rigor na Regra, no espírito de devoção e austeridade. Os primeiros frades fundaram conventos e iniciaram a catequese entre indígenas e africanos escravizados.
- A herança alemã recoleta (sécs. XIX–XX) trouxe organização, formação sistemática, obras estruturadas e zelo apostólico.
- A herança brasileira, amadurecida pela inculturação, integrou frades filhos de imigrantes europeus, japoneses, afrodescendentes e de matriz portuguesa, levando o Evangelho do litoral ao sertão, dos povos indígenas às favelas.
Essas raízes diversas sempre deram à Província uma capacidade concreta de viver a minoridade entre o povo, especialmente entre os pobres. E hoje, como traduzir a radicalidade portuguesa, o rigor alemão e a criatividade brasileira nas condições atuais do Brasil?
Minoridade entre os pobres
Os irmãos que os precederam responderam aos desafios do seu tempo com ousadia: catequese, missões itinerantes, assistência aos pobres, acolhida nas portarias. Não como benfeitores a partir de cima, mas como irmãos menores no meio do povo.
A Igreja latino-americana nos lembra que a opção preferencial pelos pobres é essencial ao nosso carisma. Ela não consiste apenas em realizar obras, por mais necessárias que sejam, mas antes em partilhar a vida, fazendo-nos companheiros dos pequenos.
Também hoje os pobres — nas favelas, nos sertões, entre povos indígenas, quilombolas, migrantes e pessoas sem terra e teto — continuam a nos chamar à conversão.
As perguntas permanecem atuais: onde moramos? Com quem partilhamos a vida? De que coisas nos apropriamos sem perceber?
Sine proprio: liberdade, sobriedade e partilha
Os conventos históricos — alguns vivos, outros em ruínas — lembram que as pedras passam, mas o espírito permanece. O capítulo VI da Regra é claro: nenhuma forma de apropriação.
Em uma sociedade consumista, somos chamados a um testemunho profético:
- Partilhar os bens — pessoais, comunitários e provinciais — a serviço da missão;
- Viver sem nada de próprio, cultivando liberdade interior e sobriedade;
- Escolher as periferias como lugar estável de vida fraterna.
As decisões recentes da Província — como a presença de fraternidades em contextos vulneráveis — mostram que este caminho é possível. Mas a pergunta permanece como critério de verdade: nossas estruturas servem à missão ou à nossa segurança e bem-estar?
Sinodalidade: a minoridade na vida da Igreja
A convocação do Papa para uma Igreja sinodal toca profundamente a nossa vocação. Francisco não se colocou acima do povo de Deus, mas no meio dele.
Isso significa, de modo muito concreto:
- Purificar e prevenir formas de clericalismo e autorreferencialidade;
- Valorizar as fraternidades leigas (OFS, Jufra) e a corresponsabilidade dos leigos, especialmente no campo formativo, na pastoral e nas obras;
- Criar processos reais de discernimento comunitário, escutando os pobres, os jovens e as mulheres.
A sinodalidade no estilo franciscano é minoridade eclesial. Em muitas de suas presenças — paróquias, escolas, obras sociais — já se percebem sementes deste estilo. Custodiem-nas e façam-nas crescer.
Cristo pobre: contra o risco do acomodamento
Este aniversário é ocasião de gratidão, mas também de um exame de consciência corajoso. O risco é real: uma vida religiosa que se acomoda, busca seguranças e perde a força profética.
Seus predecessores enfrentaram colonização, escravidão, secularização, e permaneceram fiéis com criatividade.
E vocês, hoje?
As perguntas ajudam no discernimento:
- Vivemos vida fraterna simples ou certo conforto burguês?
- Fazemos uso sóbrio dos recursos ou nos apropriamos deles?
- Escolhemos as periferias ou preferimos lugares cômodos e prestigiados?
- Nossas obras nascem do escutar o povo ou de programações pré-definidas?
Seguir Cristo pobre significa estar com os últimos, denunciar injustiças, cuidar da Casa Comum e testemunhar que outro modo de viver é possível. É caminho exigente, mas fonte de alegria e credibilidade evangélica.
Memória que abre o futuro
O Brasil espera testemunho profético: violência crescente, devastação de biomas, migrações, crise democrática, novas pobrezas. Mas muitos sinais de esperança já brotam em suas presenças — nas grandes cidades, no sertão, na Amazônia e na missão em Angola.
Por isso os encorajo:
- Retornar sempre às fontes – Evangelho sine glossa, Francisco, a Regra, a nossa tradição viva;
- Verificar a vida com honestidade: estilo, prioridades, bens;
- Escolher de novo as periferias: favelas, sertões, aldeias indígenas;
- Formar para a minoridade: conversão pessoal e comunitária;
- Colaborar de modo efetivo com os leigos, sobretudo na missão evangelizadora;
- Cuidar da Casa Comum com gestos concretos e cotidianos.
Há 350 anos, a Pastoralis Officii constituiu esta Província. Hoje, o Espírito os confirma novamente, chamando-os a recomeçar pelo Evangelho, vivido ao modo de Francisco.
O passado sustenta; o Evangelho impulsiona.
Como irmão, peço-lhes um passo a mais: assumir as periferias como casa, partilhar os bens com liberdade interior, abrir processos sinodais reais com os leigos e deixar que os pobres continuem a evangelizá-los. Onde já começaram caminhos novos — nas fraternidades periféricas, na missão em Angola, nas obras sociais, educativas e de comunicação — deixem-se encorajar: são sinais luminosos de fidelidade criativa.
Que estes 350 anos não sejam apenas memória, mas se tornem um chamado pessoal e comunitário: “Eis-me aqui, Senhor, envia-me”, para que a Província Franciscana da Imaculada Conceição — hoje menor em número, mas animada e aberta ao futuro — continue oferecendo ao Brasil o rosto de uma fraternidade simples, próxima e profética.
A Virgem Imaculada os cubra com seu manto e fecunde a missão que lhes foi confiada;
São Francisco lhes obtenha um coração livre, capaz de arriscar pelo Evangelho;
Frei Galvão interceda para que vivam com frescor e alegria hoje a nossa vocação.
Com afeto, acompanho-os e lhes concedo minha bênção de coração.
Fr. Massimo Fusarelli, ofm
Ministro Geral
Dado em Huoi Tau (Laos), 8 de dezembro de 2025
Solenidade da Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria, Rainha da Ordem


