Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Santa Clara em quatro tempos – II

Continuamos a nos encantar com as considerações de Felix Timmermans sobre Clara de Assis.


Segundo tempo:

CLARA DECIDE SEGUIR FRANCISCO NA VIDA DE POBREZA

Ninguém soube dos encontros secretos entre Clara e Francisco a não ser os irmãos e a tia de Clara que sempre a acompanhava. Todas as conversas entre eles eram sobre os mesmos assuntos com novas palavras. Falavam sobre Jesus, o céu, a pobreza. Francisco dizia a Clara: “O caminho da pobreza é cheio de flores, mas também repleto de espinhos”. “Eu quero ser forte como você irmão”, respondia-lhe ela. “Eu sei que me tornarei forte por causa de você. Sou a flor que você cultivou, e pode planta-la entre espinhos, ou na sombra, mas ela florescerá”.

“Que beleza, você é forte como um exército em batalha”. “Irmão, por meio do Senhor e por seu intermédio, desejo fazer de meu corpo um templo de Deus. Minha alma se consome em desejo de celebrar as núpcias com o Rei celestial”.

A seguir, ele voltou a lhe contar sobre sua vida, e ela, como desde jovem estava à espera de um milagre que transformasse sua vida simples numa chama flamejante e luminosa como agora em que realizou este milagre por meio dele, pela sua pobreza e pela sua pregação… Decidiram, então, que ela deveria integrar a fraternidade no Domingo de Ramos. A figura do pai de Clara, no entanto, era uma sombra que pairava sobre sua mística felicidade. Este homem, caso lhe roubassem a filha, seria capaz de assassinar todos os frades menores.

Francisco tomou muito cuidado. Contudo, nem milhares de pais assim poderiam fazer Clara desistir. Sua única arma era a oração.

Numa tarde reuniu os irmãos e lhe contou tudo. “Irmãos, ajudem-me com suas orações.! Na próxima semana, Jesus vai iniciar sua via-crucis, na semana santa, e vamos suavizar suas dores entregando nossa primeira irmã ao seu coração. Por isso, antecipadamente, agradeçamos ao Senhor”.

Ajoelhou-se e todos se ajoelharam com ele. A lua rompeu entre as nuvens e espalhou sua luz por entre as árvores sobre os irmãos prostrados com a cabeça inclinada até o chão. Contudo, um deles, de chapéu na cabeça, permanecia em pé. Este, enfiado em seu chapéu, deu meia-volta. “Não”, disse em alta voz para si mesmo. “Aqui não há lugar para qualquer mulher”, fechou a porta.

Era um lindo Domingo de Ramos. Durante a missa solene, o órgão tocava e o bispo abençoou os ramos de oliveira. Clara e seus parentes, ajoelhados em almofadas, ocupavam a primeira fila. Seu pai era um homem altivo forte, de olhar desconfiado e obscuro, uma barba loura rente ao rosto avermelhado. Conversava sem parar com o irmão Monaldo. Clara estava sentada entre a mãe e Inês, a irmã mais nova. Atrás dela, magro e tímido, estava sentado o cavaleiro que lhe fora destinado em casamento. Além de sua tia, ninguém mais saberia que aquela noite Clara iria fugir da casa de seus pais. Ela trajava um vestido branco de seda crepitante e exalava um perfume de flores. Suas mãos e seu peito brilhavam com as joias. Seus grandes olhos azuis olhavam para o altar, mas não o viam, porém, a visão que tinham era do Amor e da Pobreza. As pessoas nunca a tinham visto tão bonita e pensavam consigo: Que grande felicidade ser tão rica e tão bela! Ela era bela e rica, mas nesta noite abraçaria a vida dos mais pobres. Sua alma se rejubilava, mas mantinha-se calma como uma estátua. Estava calma e forte. O bispo começou a distribuição dos ramos e o povo vinha recebê-los de suas mãos. O coral cantava: “Com ramos de oliveira em suas mãos, os filhos dos hebreus vinham ao encontro do Senhor, cantando: Hosana nas alturas”. Esse canto que parecia cantado para ela comoveu-a profundamente. Seus levantaram-se para buscar um ramo de oliveira, mas ela permaneceu sentada. Emocionada, nem se deu conta que o bispo a esperava. Todos os olhares se voltaram para ela. O bispo, ao perceber que ela não se aproximava e estava demorando, foi ele mesmo até ela e colocou em suas mãos o ramo de oliveira. Olhou profundamente para seus olhos cheios de pureza. Ela percebeu que ele sabia de tudo. Então inclinou-se para esconder as lágrimas que lhe brotaram dos olhos.

Passou o dia entre parentes e conhecidos e o cavaleiro não saía de perto dela. Passeou e brincou no jardim. Houve música e cantos que Clara também cantou. Do jardim podia-se ver o bosque lá embaixo onde moravam os frades. Ninguém olhava para aquele lado e muito menos clara que permanecia calma e firme. Mas a tia ficou nervosa e angustiada e precisou retirar-se para o quarto. O sol maravilhoso se pôs naquele dia e tudo se tornou lindo. Rapidamente, o céu se cobriu de estrelas, trazendo uma noite maravilhosa, perfumada e silenciosa. Aos poucos, a vida ia se extinguindo em Assis e todos foram dormir.


Felix Timmermans
A harpa de São Francisco
Vozes, p. 168-171

(continua)

Frei Almir Guimarães

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