Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Irmãos (III)

irmaos 

No mês de novembro de 2014, nesta rubrica que leva o título de  Franciscanamente,  começamos uma série de reflexões  sobre  grandes valores evangélico- franciscanos.  O primeiro que abordamos foi o tema da fraternidade, do irmão, que queremos terminar com esta edição de janeiro-fevereiro de 2015. No intuito de examinar diferentes aspectos da fraternidade continuamos  a seguir de perto no texto de Michel Hubaut, “Chemins d’intériorité  avec Saint  François”, já mencionado  na primeira reflexão sobre o tema, em novembro de 2014.

Introduzindo

1. Assim rezam as Constituições da Ordem dos Frades Menores:

“Como filhos do Pai celeste e irmãos de Jesus Cristo no Espírito Santo e seguidores da forma evangélica revelada pelo Senhor a São Francisco, os irmãos levam vida fraterna em comum, amam-se e nutrem-se mutuamente mais do que uma mãe ama e nutre seu filho carnal” (Art. 38).

“Pelo amor de Deus derramado em seus corações pelo Espírito Santo, todos os irmãos tenham entre si o hábito de espírito familiar e de mútua amizade, cultivem a cortesia, a jovialidade e todas as demais virtudes, de forma que, sendo um para o outro um constante estímulo de esperança, de paz e de alegria, cheguem à plena maturidade humana, cristã, religiosa unidos em verdadeira fraternidade” (Art. 39).

2. Viver aqui e agora a utopia da fraternidade

“O dom dos irmãos é para ser acolhido gratuitamente na hospitalidade recíproca. Em uma cultura marcada por um consumismo que se insinua também nas relações pessoais, o frade menor é chamado a ser testemunho de não-apropriação: no serviço ao irmão restituímos tudo ao Altíssimo. Como todos os sonhos de Deus, a fraternidade é dom e, ao mesmo tempo, tarefa que interpela a nossa responsabilidade. Construir de modo constante a fraternidade não é principalmente questão de horários e de estruturas; pressupõe a escuta sincera daquele chamamento do Senhor que nos desinstala de nossas seguranças e nos põe a caminho para ousar, com lucidez e audácia, viver aqui e agora a utopia da fraternidade universal, em nossa realidade concreta, com os irmãos aos quais nos é dado viver hoje” (Sois chamados à liberdade. A formação permanente na Ordem dos Frades Menores, Secretariado Geral para a formação e os estudos, Roma 2008, n. 10).

1. A Fraternidade como lugar de conversão – A autenticidade de nossa vida de fé se mostra no plano dos relacionamentos. Desde o momento do beijo do leproso, Francisco ficou sabendo que converter-se ao Evangelho significa sair de si mesmo. Aproxima-se dos leprosos, derruba as fronteiras sociais, culturais e psicológicas que o separam desses seres marginais, para ouvi-los, servi-los e viver com eles. Nesse momento descobre a fraternidade. Cada manhã, na verdade, precisamos sair de nós mesmos e caminhar na direção do Senhor e dos outros. Nossa vida de fé é sempre um êxodo. Os irmãos que o Senhor nos dá são apelos à conversão, não somente porque eles nos fazem sair de nós mesmos, mas também porque nos revelam a nós mesmos e nos fazem enxergar para além das aparências. Somente o homem que é verdadeiro consigo mesmo pode acolher os outros com suas fraquezas e limites. Quem procura a comunidade ideal, ou no casamento o casal ideal, ainda não assumiu a sua própria verdade. Ficará sonhando com o ideal e não construirá, dia a dia, a fraternidade ou o casamento.
Um dos fundamentos da fraternidade é o realismo que acolhe e assume as grandezas e misérias do homem. “Trata-se de uma páscoa cotidiana, lugar de parturição dolorosa no Espírito. O mistério da cruz está plantado no coração da vida comunitária e da vida conjugal. Trata-se de ir além dos conflitos, além de si mesmo por amor do outro. Fazer morrer em nós tudo aquilo que pode ferir ou esterilizar o amor. Esta é a verdadeira conversão pascal”.

Quando Lucas escreve nos Atos dos Apóstolos que “a multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma e que ninguém dizia que era seu um bem, mas entre eles tudo era em comum” (cf. At 4, 32), sabia perfeitamente que a fraternidade é um ideal evangélico para o qual dever-se-á tender incessantemente mas ainda não atingido.

Literalmente Michel Hubaut afirma: “A vida fraterna não é outra coisa senão uma vitória cotidiana, vitória do Espírito sobre o caos do pecado. As duas formas de vida cristã: a vida religiosa comunitária e o matrimônio cristão são dois atos de fé públicos. Confessam que o Cristo vivo é o vencedor do mal, da fatalidade do egoísmo humano. Digamos claramente: a fraternidade cristã não existe ainda. Será construída dia a dia. É uma história, uma utopia criativa, uma tensão fecunda. Cada um de nós nunca acaba de se converter ao amor fraterno” (p. 82). As forças do mal procuram impedir a implantação da fraternidade. Normal que em toda fraternidade, como em todo o povo em êxodo, existam pessoas amargas, idosos impotentes que precisam ser socorridos, pessoas fracas, pessoas difíceis. Não haveremos de idealizar a fraternidade fundada por Francisco. Ainda literalmente Hubaut: “Francisco viveu a fraternidade como um lugar pascal. Encontrou nela suas maiores alegrias e seus maiores sofrimentos. Foi o lugar onde experimentou a verdadeira pobreza evangélica”.

2. Fraternidade, lugar de acolhida de todos ou caráter universal da fraternidade – Tornar-se irmão é entrar pouco a pouco na visão universal do coração de Deus. Nenhuma comunidade evangélica, familiar, paroquial ou religiosa pode sobreviver se não for acolhedora para todos. A fraternidade não é um ninho quente. Ela precisa ser aberta a todos e os que a frequentam criam laços com as pessoas de fora, do mundo, de longe: “E quem vier procurar os irmãos, amigo ou adversário, ladrão ou assaltante, seja recebido benignamente. E onde quer que estiverem e em qualquer lugar em que se encontrarem, devem os irmãos espiritual e diligentemente cuidar um dos outros e honrar-se mutualmente sem murmuração” ( Regra não Bulada 7, 14-15).

Francisco acredita na bondade fundamental do homem. O Poverello não é um ingênuo otimista. Sabe muito bem como o homem pode reusar ou destruir o amor de Deus. Isso fica claro em seus textos. Mas está convencido também que este peregrino no caminho de sua realização está sempre sendo acompanhado, “perseguido” pela misericórdia de Deus.

A fraternidade evangélica precisa ser o espaço privilegiado onde cada um possa fazer a experiência do perdão de Cristo. Na sua Carta a um Ministro escrevendo a respeito do procedimento para com um irmão que peca Francisco manifesta sua fé no poder do amor. Recomenda que nenhum irmão venha a sair da presença do ministro sem uma palavra de bondade, mesmo um irmão que o tenha ofendido pessoalmente. O perdão, que não é esquecimento, não tem medida humana. Ele é manifestação do Espírito do Cristo. Há os que afirmam que a etimologia de perdão é ter parte no dom. São sinais claros de falta de fraternidade e de perdão: o julgamento, os comentários maldizentes, irônicos, ferinos, feitos pelas costas. Eles destroem a fraternidade. Francisco é severo contra este veneno, este germe de morte nos relacionamentos fraternos. Será preciso afastar o ouvido dos maldizentes e murmuradores: “Bem-aventurado o servo que tanto ama e respeita seu irmão quando este estiver longe dele como quando estiver com ele; e não disser por dele aquilo que, com caridade, não pode dizer diante dele” (Admoestação 25).

3. A fraternidade se constrói por gestos concretos – Francisco não é um teórico. Raramente emprega a palavra fraternidade, mas o termo “irmão” em situações bem concretas. Não ama com palavras (cf. Regra não Bulada 11, 5-8). Apoiando-se no comportamento de Cristo que manifesta por gestos concretos a ternura de Deus, Francisco procurará encarnar este espírito na fraternidade. O Poverello deu à caridade o rosto da amizade, da cortesia e da delicadeza. Tem agudo senso do gesto gratuito: amar sem interesse, querer bem ao doente que não pode retribuir. Celano procura mostrar comportamentos do Pai seráfico que abalavam as convenções. Tinha grande solicitude para com os doentes. Assumia os sentimentos dos que sofriam, falando-lhes com compaixão. Comia nos dias de jejum para que os doentes não ficassem envergonhados de comer. Pedia carne para os irmãos doentes nas cidades e lugares onde era conhecido. Satisfazia o desejo do irmão enfermo de comer uvas nos dias de penitência. E ele, o Francisco irmão, era o primeiro a comer (cf.2Celano 175-176).

Francisco possuía grande capacidade de escuta. Escutar é arte que demanda aprendizado. Conhecemos as necessidades das pessoas que estão perto de nós? Sabemos escutá-las? Conhecemos seus gostos, suas preferências, suas dificuldades? Quando encontramos os outros falamos de nossas coisas ou, com sinceridade, em primeiro lugar abrimos nosso coração à fala do outro? A vida de fé, como a vida humana, conhece crises de crescimento, umbrais psicológicos e espirituais a vencer. Quando um irmão perde o sentido da vida religiosa, quando se desvia, manifestamos delicadeza ou o deixamos de lado? Francisco “tinha todo amor pelo pequeno rebanho que arrastara após si, temendo que, depois de perder o mundo, viessem a perder o céu também. Achava que não teria glória se não fizesse gloriosos em sua companhia aqueles que lhe tinham sido confiados, pois os estava dando à luz do espírito muito mais trabalhosamente que a suas mães os tinham posto no mundo” (2Celano 174).

4. A confiança mútua, fonte de crescimento – Através de muitos textos dos biógrafos sabemos que Francisco confiava nos irmãos. Um dos fundamentos da vida franciscana sempre foi a confiança. Confiar no irmão é acreditar nele, acreditar no progresso, na conversão sempre possível de nossos irmãos. O maior inimigo dos relacionamentos fraternos é a rotina, os hábitos que são colocados formalmente, sem alma. Pode acontecer que venhamos a “engessar” pessoas, confrades para sempre, catalogados, classificados definitivamente.

O homem é, por natureza, um ser inacabado, que nunca termina de revelar-se a si e aos outros. Cada um de nós esconde surpresas. Se rapidamente pensamos que nos conhecemos e aos outros, não somos mais capazes de nos criar mutuamente. O homem só cresce e faz progressos diante dos que acreditam nele e nele confiam. A confiança é a dimensão dinâmica do amor fraterno. Supõe um olhar de fé animado pelo Espírito de Cristo que se recusa a reduzir um irmão a seu defeito predominante ou ao seu bloqueio psicológico.

Não se trata de não querer ver, de uma “piedosa” cegueira. Importa ter um olhar lúcido como o de Cristo que faz diferença entre pecado e pecador. Identificar o irmão ao seu pecado significa matar seu crescimento. Nos relacionamentos humanos há olhares homicidas e olhares libertadores. Nunca haveremos de esquecer que nossos confrades, nosso cônjuge, nossos filhos precisam ser amado para se tornarem eles mesmos. Nossos confrades esperam que os amemos para serem melhores e nós esperamos que sejam melhores para os amarmos.

Eis algumas questões de Michel Hubaut que merecem atenção: “Que clima de confiança inspiro à minha volta? Quando estou presente as pessoas podem se exprimir com toda liberdade? A troca de ideias é mais fácil ou há bloqueios. Há pessoas que suscitam o melhor de nós mesmos, nos convidam à criatividade, enquanto outras nos paralisam. Que clima difundo à minha volta”.

Conclusão

a) Existimos para difundir o amor de Cristo

“Todo discípulo de Cristo deveria ser possuído por esta paixão: criar laços fraternos. Toda fraternidade, todo grupo de cristãos deveriam ser esboço modesto mas real do Reino de Deus. Através da qualidade de nossos relacionamentos é alguma coisa desse reino que emerge lentamente das trevas deste mundo. Nossa primeira conversão é tornarmo-nos cada dia um pouco mais irmão para todos. Isto supõe amar nosso mundo de hoje, tal como ele é, com sua grandeza e sua miséria. É este mundo e não um mundo sonhado que Cristo ama e quer salvar. Francisco nos convida a cultivar um olhar lúcido, fraterno, nunca desanimado para com toda a criação de Deus. Quando irmãos e irmãs tomam consciência de que não estão reunidos para eles mesmos mas para acolher e difundir esse dom de Deus, então muitos problemas desaparecem “ (Hubaut, op. cit., p. 100).

b) Não apenas uma equipe

“A nossa fraternidade pretende ser a reunião de homens provenientes, sob o impulso do Espírito, de diferentes meios sociais e culturais e que se esforçam por criar entre si verdadeiros laços de amizade, de respeito, de aceitação mútua; não é simplesmente uma equipe de trabalho, mesmo apostólico. Na nossa fraternidade todos são irmãos, homens iguais, se bem que diferentes, livres e co-responsáveis. Se ela põe de lado estruturas pesadas e minuciosas, comporta no entanto o necessário serviço de unidade e coesão exercido pelos “ministros e servidores” da fraternidade, a quem os frades devem obedecer. Procurando assim conjuntamente o que agrada ao Senhor, acatando-se mutuamente, limitando a sua liberdade com a liberdade dos outros, submetendo-se às exigências da vida em comum e às estruturas indispensáveis da fraternidade, os frades vivem a verdadeira obediência de Nosso Senhor Jesus Cristo” ( A Caminho rumo ao Capítulo Geral Extraordinário. “A vocação da Ordem hoje – Cúria da OFM, 2005, p.18).

Frei Almir Guimarães

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