Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Especial Jubileu 350 anos: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

Frades ilustres: Frei Francisco de Santa Teresa Jesus Sampaio e o Convento de Santo Antônio

Contextualização

No Largo da Carioca, bem no centro da cidade do Rio de Janeiro, as edificações de épocas e estilos diferentes formam um conjunto de arquitetura repleto de memórias. Do alto do morro de Santo Antônio, a imponente construção do complexo franciscano ao longo de seus 417 anos de fundação carrega muitas histórias de viés religioso, cultural, político, educacional, artístico, científico e de valores materiais e imateriais. 

Com a presença dos frades franciscanos desde 1608, essa região da cidade maravilhosa foi ganhando importância e o seu desenvolvimento foi acontecendo ao longo de todos esses anos. O complexo franciscano é formado pela Igreja e Convento Santo Antônio, residência dos religiosos e da Igreja São Francisco da Penitência, e o Museu Sacra Franciscano pertencente a terceiros, dos irmãos e irmãs leigas, pessoas civis, solteiras ou casadas. De relevante importância móvel e imóvel, o complexo franciscano, que foi erguido pelo trabalho de africanos escravizados e frades leigos, foi tombado separadamente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1938. Desde então os seus bens históricos e artísticos móveis e integrados são protegidos pela legislação para garantir a sua preservação em âmbito nacional.

No festejo jubilar da celebração dos 350 anos da fundação da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, apresentamos a Igreja e Convento no período do século XIX e um dos seus ilustres residentes, Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio (1778-1830). A igreja conventual foi a primeira construção e ao longo de quatro séculos passou por diversas obras de reformas e restauros. Da estrutura conventual, a igreja possui nave única e decoração pontual e capela mor com seus retábulos dedicados a Santo Antônio, a São Francisco de Assis e a Nossa Senhora da Imaculada Conceição, padroeira da Província. Sua decoração predominante é em estilo barroco, mas com elementos ornamentais do estilo rococó, neoclássico e algumas obras do século XX, em harmonia aos estilos acima pontuados. O convento franciscano foi a segunda construção do local e a edificação atual é resultado de uma grande obra realizada nos anos de 1750-60. Com o passar do tempo também teve diversas obras de reformas e restauros para melhor abrigar seus residentes e as funções de uso e pastorais. 

Da arquitetura colonial, é a sacristia conventual que terá a sua originalidade mais preservada, ou seja, a que menos teve intervenções desde a sua construção. Foi considerada no século XIX a sacristia mais bela da cidade, e não é por menos, pois sua espacialidade de grande dimensão é ornamentada por painéis de azulejos portugueses e mobiliários de requinte fabricação em madeira de lei e forro com pinturas em recortados painéis emoldurados em folha de ouro. No claustro, com seus jardins de plantas variadas, bem ao gosto franciscano, são destaque as oitos capelas de diferentes composições artísticas e materiais diversos, dando originalidade conventual e sendo o único exemplar de claustro no país a possuir mais de duas capelas. Todas elas estão relacionadas com os elementos da espiritualidade franciscana: encarnação e paixão de Jesus, minoridade, pobreza, despojamento, misericórdia e discipulado. 

Todas as capelas, devido a sua sacralidade, seguem a norma franciscana de decoro e beleza. As demais partes do convento são divididas em áreas comuns (refeitório, cozinha, serviços, oficinas, salas de reuniões e estudos, etc) para o convívio fraterno e as celas (quartos) espaços individuais com objetos despojados e apenas necessários para uma vida simples. 

Cada centenário foi marcado por muitas histórias. Até o século XVIII o convento viveu o auge da história com uma população de mais de cem frades e atuantes em diversas frentes de trabalho pastoral. Já o período dos Oitocentos foi marcado também por histórias brilhantes, mas deixou tristes marcas com o decréscimo numérico de frades, as intervenções na vida religiosa e ocupações dos espaços conventuais por outras instituições que marcaram o declínio e a decadência. No livro, o Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, sua história, memórias, tradições de autoria de Frei Basílio Röwer (1877-1958), publicado em 1937, e reeditado em 2008, dois capítulos são dedicados ao século XIX e o leitor poderá ler nas pesquisas do historiador franciscano as alegrias e dores da história desse período com mais profundidade. 

Dentre os guardiães do convento no século XIX, foram 18 frades brasileiros e 8 portugueses, sendo algumas vezes um ou outro guardião por mais de um período. Esses frades cuidaram do patrimônio arquitetônico ao seu modo, conforme o tempo e disponibilidade financeira, fazendo empreendimentos de reparações na igreja e no convento. Não foi uma época de obras grandes, mas de conservação e melhorias, como instalações de água com aquedutos, bombeamento e tanque para atender todo edifício, casa de lenha, matadouro, curral, novas sepulturas na sala capitular, melhorias e pequenos acréscimos na igreja, reparo no órgão musical entre outros cuidados realizados também no convento. A falta de frades e de recursos econômicos para manutenção do patrimônio provocou a venda de parte do terreno. De venda em venda de partes do morro e de seus arredores, a comunidade conventual foi encontrando meios financeiros para sobreviver, ficando apenas com a igreja e convento, e uma pequena parte de terra para a criação de animais e plantações. 

A crise foi marcada pela falta de vocação, privilégios e honrarias dadas a alguns frades, secularização de frades, intromissão de leigos e autoridades civis, proibição de entrada de noviços, fim dos sepultamentos nas igrejas e claustro, entre outros fatores. Com pouquíssimos franciscanos em toda província, isto é, nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, a grande enfermaria do convento deixou de funcionar em 1855, e assim também a sua botica e outras importantes oficinas. Com o esvaziamento, as dependências do convento passaram a ser objetos de interesse do governo imperial e, no interior do claustro franciscano, foi instalado o arquivo público, pagadoria das tropas, um batalhão do exército em sequência, e serviu de asilo para muita gente de fora: padres, leigos e alguns estudantes.

 Com toda essa gente e ocupação, é importante lembrar que o convento nunca deixou de funcionar como casa religiosa, mesmo restando apenas um único frade, Frei João do Amor Divino Costa (1830-1909), que viveu solitariamente por mais de vinte anos. A igreja e o convento, desde a criação da província em 15 de julho de 1675, foram a sede provincial até 1909. Nesse período residiram dezenove provinciais, sendo sete portugueses e 13 brasileiros.

Com a chegada da família real no Rio de Janeiro, a igreja e o convento passaram a ser visitados pelos monarcas e, ao menos na festa de São Francisco de Assis, Dom João VI passava parte do dia com os franciscanos. Além dos festejos, ele aproveitava para conhecer melhor os frades. Assim, muitos desses religiosos serviram a corte e prestaram diversos trabalhos, como na educação, nas capelanias real e imperial, como examinadores da mesa da consciência e ordens, capelães da armada, da marinha, diretor do museu real (museu nacional), diretor da biblioteca real (biblioteca nacional), entre outros cargos e serviços à monarquia e à comunidade. 

No ano de 1810, Dom João VI elevou, por patente de 25 de outubro, a imagem de Santo Antônio ao posto de Sargento-Mor da Infantaria. Diversos foram os sepultamentos até 1850 na igreja, sala do capítulo e corredores do claustro; de homens e mulheres; de ricos e pobres; de autoridades e escravizados do convento e do paço imperial. Em 1871, num dos salões foi pintada a obra artística “Batalha Naval do Riachuelo”, feita pelo célebre pintor Vitor Meirelles.

O convento foi abrigo de religiosos cultos e afamados sobretudo pelos sermões pregados em ocasiões festivas. Esses frades não poderiam ser menosprezados e, reconhecidos os seus dons, foram designados para diversos serviços da corte real e imperial. Recordamos alguns frades, que além das páginas dos livros de histórias e documentos, estão imortalizados nas pinturas do artista Tirone. Obras pintadas em 1860 e que até os dias atuais ornamentam salas do convento e perpetuam a importância deles para a história da cidade e do Brasil. Frei José Mariano da Conceição Veloso (1742-1811), botânico, autor da Flora Fluminense, autor e tradutor de diversos livros e diretor da Casa do Arco do Cego; Frei Antônio de Santa Úrsula Rodovalho (1762-1817), provincial, pregador da capela real, bispo eleito de Angola, censor régio, examinador da Mesa da Consciência e Ordens; Frei Francisco Solano Benjamim (+1818), provincial, desenhista e pintor; Frei José da Costa Azevedo (1763-1822), cientista, diretor do museu real e responsável pelo gabinete Mineralógico e Físico da Academia Militar; Frei Francisco de São Carlos (1763-1829), poeta e pregador da capela real e examinador da Mesa da Consciência e Ordens; Frei Francisco de Monte Alverne (1784-1858), correspondente do Instituto Histórico da França, membro honorário do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil e pregador imperial; e Frei Antônio do Coração de Maria Almeida (1823-1870), provincial e pregador da capela imperial.

Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio

Depois do breve cenário conventual do Oitocentos descrito acima, algumas palavras sobre o ilustre prócere Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio (1778-1830). Por ocasião do bicentenário da Independência do Brasil, a vida desse frade foi também assunto dessa festividade mostrando o quanto ele foi importante para a nação brasileira. Filho da cidade do Rio de Janeiro, patriota ardoroso, amigo de Dona Leopoldina e de Dom Pedro I, professor, exímio orador sacro, político e examinador da Mesa da Consciência e Ordens. Ingressou na Ordem Franciscana em 1793, no Convento Bom Jesus da Ilha, atual ilha do Fundão – RJ, e estudou no Convento São Francisco, em São Paulo. Em 1799 foi transferido para o Convento Santo Antônio, sendo ordenado sacerdote em 1801, no Rio de Janeiro. Em 1808, Dom João VI o nomeia pregador da capela real e em 1813 é nomeado capelão-mor de sua alteza real. 

Entre 1818 a 1821, foi o guardião do convento Bom Jesus da Ilha. Em 1824 foi nomeado por Dom Pedro I como deputado da Junta da Bula da Cruzada. Entre 1821 a 1830 reside novamente no Convento Santo Antônio do Rio. Como pregador, fez sermões e orações em ocasiões especiais em dias santos, funerais e em dias de Ação de Graças. No arquivo provincial estão guardados os sermões na festa de Santa Rosa, em 1808; do Coração de Jesus, em 1814; fúnebre de Dom João VI, em 1826; e oração fúnebre de exéquias de Dona Leopoldina, em 1826. 

Foi nas bibliotecas dos conventos de São Paulo e do Rio de Janeiro que Frei Sampaio se formou intelectualmente. Antes de ser frade, estudou por três anos na “universidade” do convento Santo Antônio, criada em 1776. Sem sair do país, aprendeu com os seus confrades mestres e estudos em sua solitária cela, aprimorando seus conhecimentos em história antiga, bíblia e línguas estrangeiras. Frei Francisco viveu na província os bons momentos áureos e ainda participou na vida pública, isto é, na política por apenas cinco anos, mas que foram de suma importância para a nação brasileira. 

Como franciscano e cidadão patriota, defendeu a Independência, fazendo parte do grupo do Clube da Resistência e não mediu esforços para isso, adentrando a clausura franciscana com o grupo dos conspiradores. No interior do convento foi o mentor intelectual do grupo com bases fundamentadas nos reinados das civilizações antigas e bíblicas, com uma visão ampla sobre o país. Imbuído do modo de pensar e agir franciscano, contribuiu para redigir o texto do manifesto a ser divulgado para o povo e depois apresentado a Dom Pedro I. 

O dia do “Fico”, importante acontecimento histórico, foi fruto de muitas ações de grupos diversos reunidos pelo país, mas coube ao frade franciscano carioca transcrever em palavras as motivações que originaram a decisiva ruptura com a coroa portuguesa. Não é à toa que Frei Sampaio foi considerado o homem mais sábio da corte do Rio e isso é também uma grande honra desse jubileu que celebramos. 

Na “sala do Fico” – salão sobre a sacristia onde possivelmente eram realizadas as reuniões e, provavelmente, onde foi redigido o manifesto – existe um quadro que representa Frei Sampaio, entre outras obras para perpetuar o memorável evento histórico no convento.

Referências bibliográficas

Para conhecer e aprofundar mais sobre este assunto:


Frei Roger Brunório

Apresentação da Série 350 Anos

Toda história bem contada gera frutos para o futuro, assim como perpetua a existência de pessoas e situações que ajudaram a compor um conjunto de elementos que dão forma à missão de contribuir com as marcas deixadas pela humanidade.

Desde a pré-história, o homem já tinha a necessidade de deixar suas marcas nas paredes das cavernas como forma de registrar suas impressões e interpretações sobre os fatos daquele momento, bem como os impactos gerados pelos acontecimentos que viveu.

Intencionalmente ou não, sempre sentimos a necessidade de nos expressar para revelar a outros a forma de ver e sentir o mundo e nossas realidades. Recortes que contam histórias e eternizam o passado para que possamos compreender o presente.

Do período Paleolítico para cá, muita coisa mudou, especialmente nas formas como registramos os fatos. Temos inúmeros recursos para isso, e as tecnologias são pontes fundamentais nesse processo. No entanto, a figura humana continua sendo fundamental, pois somos nós que damos o tom, nós que sentimos, vivemos e temos a necessidade de continuar partilhando fatos da nossa trajetória e do compromisso que assumimos em nossa Casa Comum.

Neste ano em que a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil inicia seu Jubileu dos 350 anos de história, também assumimos o compromisso de registrar a caminhada dos frades dessa grande fraternidade, presente em cinco estados brasileiros e também em Angola.

Estamos além das paredes das cavernas, mas marcamos nossa história nas paredes da vida de tantos espaços por onde passamos e estamos desde a nossa chegada ao Brasil e o nascimento desta Província, em 1675.

A partir de agora, traremos a você uma série de textos sobre a Província, que serão disponibilizados gradativamente nesta publicação especial, para que você possa conhecer a nossa história, a partir do olhar dos frades franciscanos, aqueles que ajudam a compor a história da nossa existência. Mas os autores de toda essa história são todas as milhares de pessoas, ou quem sabe, milhões, que nesses 350 anos escreveram uma história corajosa e única, a da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil!


Adriana Rabelo Rodrigues 

Ministro Provincial: Mensagem de abertura

Em julho deste ano de 2025, exatamente no dia 15, movidos por reconhecimento e gratidão, iremos celebrar o Jubileu de Trezentos e Cinquenta (350) anos de criação da “Província Brasileira da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria da Região Meridional”. O texto, agora apresentado, inaugura uma série de registros que almejam trazer à memória e ao coração as escolhas e projetos, as conquistas e percalços, os sinais de fidelidade e também de debilidades que, desde o último quartel do século XVII até hoje, forjam a história dos irmãos que deram e continuam a dar vida a esta porção da Ordem dos Menores.

Os artigos versarão sobre a configuração desta Entidade nascida no ano de 1675, desmembrada que foi da Província de Santo Antônio do Brasil. A história dos pioneiros; a recordação do florescimento das vocações e consequente ampliação da presença dos irmãos para além da região litorânea do nosso país; a contribuição dos frades para o estabelecimento da identidade do Brasil como nação; a quase extinção da Província que antecedeu a vinda dos restauradores alemães; a ampliação do número de casas na região Sul e o estabelecimento de Paróquias e Santuários como meios privilegiados de anúncio e serviço do Evangelho; a inserção dos frades no mundo da Educação, da Comunicação; as antigas e novas formas de solidariedade com os empobrecidos; o ardor missionário, sempre presente e que há trinta e cinco anos nos levou às terras fecundadas pelo rio Kwanza; o cuidado com os jovens frades e o estabelecimento de Casas de Estudo e Formação, entre outros temas, merecerão abordagem e não pretendem servir para fomentar um comportamento ufanista ou laudatório intimista com pretensões de apenas exaltar as próprias virtudes. Os eventos que celebrarão o Jubileu serão um convite ao reconhecimento da generosidade, desapego e coragem dos primeiros frades, da criatividade e atenção aos sinais dos tempos dos que vieram depois, da necessidade de, continuamente, renovar nossa visão e, com ousadia e confiança, sonhar alvissareiras manhãs.

Excertos da Bula “Pastoralis Officii”

“O dever pastoral nos confiou, por disposição divina, o governo da Igreja Católica difundida pelo mundo inteiro. Este dever exorta-nos a que nos dediquemos ao governo e comando feliz e próspero dos fiéis de Cristo, que fugindo da agitação do mundo, buscaram refúgio na vida religiosa. Assim sendo, compete-nos também providenciar a criação de novas Províncias sempre que, sob a inspiração do Senhor, julgarmos que isto seja conveniente para a glória e progresso da Religião e para a salvação das almas, atendendo criteriosamente as circunstâncias dos lugares, pessoas e tempos” (cf. Bula de criação da Província).

“Dever Pastoral” é a expressão que inaugura a Bula expedida pelo Papa Clemente X que erigiu oficialmente a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, no dia 15 de julho de 1675. Não há que se buscar exortações espirituais neste documento papal. Seu caráter formal, entretanto, não deixa de revelar alguns dons do Espírito que marcaram a identidade da Província criada. A nova Entidade se originou da Província de Santo Antônio do Brasil, que havia sido fundada dezoito anos antes (1657). Destaca-se, nesta época, a vigorosa expansão do espírito missionário franciscano. O movimento que fez com que um expressivo número de frades que, “fugindo da agitação do mundo, buscaram refúgio na vida religiosa”, vieram para as terras brasileiras pode ser observado noutras partes do globo. O desejo do martírio, a disposição para o testemunho do Evangelho, a liberdade para estar em casa em todos os lugares, sustentavam a experiência dos frades. Com convicção e destemor, a partir da sua pobreza e confiança, os missionários venciam obstáculos, superavam temores e passavam a fazer penitência num lugar totalmente novo.

A Bula fundamenta a criação de novas Províncias mencionando a inspiração do Senhor, o conveniente juízo para “promover a glória e o progresso da religião e para a salvação das almas”, e o atendimento criterioso “dos lugares, pessoas e tempos”. A eclesialidade e o proveito pastoral, valores de ontem e de hoje, são tomados como referência para a criação da nova Província. Progresso da religião e salvação das almas podem ser tidos como o Plano de Evangelização adequado ao tempo em que a Província foi criada. O olhar atento aos lugares, pessoas e tempos é condição fundamental para que seja garantida a eficiência de qualquer atividade apostólica. A atenção aos sinais, aliás, é uma das atitudes reclamadas a todos os que ousam sondar o “Espírito do Senhor e sua santa operação”.

“Este nosso predecessor (papa Alexandre VII) separou-a da Província de Portugal, por vários motivos, como por exemplo, a longa distância, o grande número de frades e de conventos e outras condições, erigindo-a como Província separada (…) O Ministro Provincial e os Comissários Visitadores, designados pelos Ministros Gerais da Ordem para fazerem a visita canônica dos frades e dos conventos quase nunca conseguiam realizar a visita completa de toda a Província. Esta situação representava um grave prejuízo para a observância regular”.

Clemente X alude ao mesmo argumento citado na criação da própria Província de Santo Antônio. A longa distância separava os que deveriam orientar, visitar e promover a vida fraterna e apontar os caminhos da fidelidade ao Evangelho dos demais, e isso constituía uma ameaça à forma de vida franciscana. A criação de uma nova entidade, circunscrita à uma região menos extensa, poderia vir a favorecer a integração e a mútua ajuda. O compromisso de comunhão entre os irmãos, além da proximidade fraterna, sempre favoreceu o testemunho franciscano.

“Dado em Roma, em Santa Maria Maggiore, sob o anel do Pescador, em 15 de julho de 1675, sexto ano do nosso Pontificado”.

Entre as quatro Basílicas papais, São João do Latrão, São Paulo Extramuros, São Pedro e Santa Maria Maior, aquela que é a primeira igreja do Ocidente dedicada a Maria, em fins de abril deste ano, atraiu a atenção do mundo inteiro. Para obedecer a um pedido contido em seu Testamento, o corpo do Papa Francisco foi ali sepultado. O “papa do fim do mundo”, primeiro latino-americano a desempenhar a tarefa de ser o servidor de todos os católicos espalhados pelos quatro cantos do mundo, pautou seu pontificado a partir da inspiração e ideais de Francisco de Assis. A recente despedida do “papa franciscano” pôs em relevo o que poderia ser apenas um despretensioso detalhe da Bula de criação da Província. O documento foi assinado na mesma Basílica onde, como semente, o corpo do Papa Francisco foi depositado na terra. A Mãe da Igreja, a Mãe da Ordem dos Menores, que mereceu tanto carinho de Francisco de Assis e foi tão reverenciada pelo Francisco de Roma, a partir da Basílica que louva seu nome, interceda pela Província ali nascida. Ao recordar os 350 anos de criação da Província, agradecidamente, louvamos a bondade do Criador pela dádiva assinada pelo Papa Clemente X, em 1675, e nos comprometemos a zelar, reverentemente, com o legado deixado a nós pelo Papa Francisco.

A criação da Província, um breve resumo

Da pena de Frei Clarêncio Neotti, podemos ter um resumo bastante objetivo dos registros históricos que narram a origem da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil: “No dia 13 de março de 1584 foi instituída a Custódia de Santo Antônio, filha de uma jovem Província portuguesa, também dedicada ao Santo de Lisboa e Pádua. Quando alcançou fundar 12 conventos, tornou-se Província (1657) e, no primeiro Capítulo que celebrou, desmembrou os conventos do Sul e os erigiu em Custódia (1659), com sede no Rio de Janeiro e lhe deu o nome de Imaculada Conceição. Com o aumento dos frades e criação de outros conventos, a custódia foi declarada Província, em 1675. As vocações eram numerosas. Mas a Coroa portuguesa pusera como condição para reconhecer a Província que ela não passasse de 200 religiosos. A Coroa tinha medo que os conventos, por sua cultura e liderança, se tornassem foco de apoio a movimentos separatistas. E exigira que o número de frades portugueses fosse sempre maior do que o de brasileiros. Em 1739, o Provincial conseguiu licença para elevar o número de religiosos a 350. O auge foi conseguido em 1761, quando alcançou o número de 481 frades. A Província teve membros famosos por sua santidade e ciência. Assim o irmão porteiro Frei Fabiano de Cristo (português), até hoje venerado no Convento Santo Antônio, no Rio de Janeiro; Frei Antônio de Sant’Ana Galvão, paulista de Guaratinguetá, sepultado no Mosteiro da Luz, em São Paulo e canonizado em 2007; Frei Francisco do Monte Alverne, o maior orador sacro brasileiro; Frei Francisco Sampaio, que escreveu a primeira Constituição do Brasil independente, promulgada por Dom Pedro I; Frei José Mariano Veloso, mineiro, de que se diz não se saber o que nele brilhava mais, se a ciência da Botânica, se a santidade seráfica. Um decreto imperial de 1855 proibiu definitivamente a recepção de noviços. Com isto, a Província entrou em inevitável declínio, chegando ao extremo de haver um único frade sobrevivente ao se proclamar a República, no dia 15 de novembro de 1889. A queda do Império e a consequente separação entre Igreja e Estado favoreceram a restauração” (1).

Expansão da Ordem Franciscana: Cempoala e Nhoesembé (Vera Cruz e Porto Seguro)

No mês de maio do ano passado (2024) a União das Conferências Franciscanas da América Latina (UCLAF) celebrou os Quinhentos (500) anos da chegada dos frades menores ao nosso Continente. A celebração havida na cidade de Vera Cruz, no México, recordava a chegada dos doze (12) missionários franciscanos, conhecidos como “Doze Apóstolos”, enviados pelo Governo Geral da Ordem para viver franciscanamente no “Novo Mundo”, continente assim tratado pelos que ignoravam a longeva e fecunda história construída pelos povos que, desde há muito, habitavam estas terras. A celebração jubilosa no México se deu nas proximidades da Solenidade de Pentecostes. Ao saudar a Ordem pela Solenidade litúrgica, o Ministro Geral aproveitou para mencionar o evento no México. Frei Masssimo Fusarelli destacou a relevância da data para toda a Ordem e identificou a chegada dos “Doze Apóstolos” como dom do Espírito Santo. Ele lembrou também a motivação que trouxera os frades até aqui: a liberdade do Espírito, alma de toda vocação missionária; para ele, o envio dos missionários foi uma verdadeira resposta ao dom do Espírito. O Ministro Geral disse ainda, “muitos frades navegaram para as Américas compelidos pelo desejo de viver e anunciar o Evangelho através de um forte impulso voltado para a reforma da vida franciscana e da Igreja para um mundo novo. Estes “Doze primeiros franciscanos” – e muitos dos frades que chegaram depois deles – vieram das correntes do reformismo espanhol da época. O ideal missionário destes frades nasceu num contexto de luta por um estilo de vida baseado em duas notas fundamentais: o radicalismo evangélico e o eremitismo contemplativo, no clima da liberdade do espírito que chama a viver o Evangelho”. Ao recordar a instrução dada pelo Ministro Geral que enviou os frades ao México, frei Francisco de los Ángeles Quiñones, frei Massimo ressalta a forma franciscana de ir pelo mundo, por sinal, válida até hoje: “Uma vez que ides plantar o Evangelho nos corações que ainda não o receberam, fazei-o de tal modo que a vossa maneira de viver não se desvie dele. E isso fareis se vigiardes diligentemente sobre a observância da Regra, que é fundada no Santo Evangelho, observando-o pura e simplesmente, sem glosas e dispensações” (2).

Sem ofender a comemoração no México, ainda no ano 2000, a Família Franciscana do Brasil promoveu grande mobilização para recordar que o primeiro traço do cristianismo na Terra de Santa Cruz deve ser creditado aos franciscanos. Quando falamos sobre a chegada das caravelas portuguesas ao “Nhoesembé”, em português “lugar dos pescadores” ou “lugar onde se pesca”, logo vem à memória a famosa tela de Victor Meirelles (1832-1903). O pintor, baseando-se no relato de Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, e inspirado pela obra do francês Horace Vernet (1789-1863) que anos antes havia retratado a “Primeira missa na Argélia”, identifica os participantes do solene ato com suas indumentárias próprias. Se nos atentarmos aos detalhes, tais como as tonsuras e as sandálias, o capuz que salta da casula do presidente da Eucaristia e da sobrepeliz de quem o assiste, a piedosa devoção de outros frades ladeando o improvisado altar, poderemos conferir o matiz franciscano do evento.

Os registros históricos nos dão conta de que, além do reconhecido frei Henrique de Coimbra e seus confrades registrados no quadro da Primeira Missa, muitos outros franciscanos, desde as primeiras horas, perambularam pelas terras do “Novo Mundo”. A denominação de localidades e tantos acidentes geográficos atestam que o burel franciscano esteve presente em muitos lugares desta nossa terra. Há um artigo de Frei Sando Roberto da Costa onde ele aborda o “Protagonismo dos Franciscanos na Evangelização do Brasil”. Frei Sandro relata a experiência missionária na atual cidade de Laguna – SC. Em 1537, a expedição que saiu da Espanha tendo como destino o atual Paraguai trazia cinco frades espanhóis. Não conseguindo entrar pelo Rio da Prata, foi parar em Laguna. Ao comentar a missão e presença franciscanas, frei Sandro afirma: “Os franciscanos em toda a América Latina, na sua atuação missionária, por onde passaram deixaram sua marca, não só no anúncio e pregação, mas através de uma preocupação com a qualidade de vida do povo. No Brasil muitos fundaram cidades, construíram hospitais e escolas, ensinaram o povo a cultivar a terra. A preocupação não é apenas religiosa: é civilizatória, é “social”, como diríamos hoje” (3).

Movidos pelo Espírito

Podemos então nos perguntar: Com que intuito navegadores e seus financiadores incluíam religiosos entre os tripulantes e marinheiros de suas armadas? Qual a motivação para que um pintor, trezentos anos depois, insira em uma obra encomendada para reforçar os mitos fundadores da história do país e reforçar a identidade de uma jovem nação, a figura de frades franciscanos? Tais perguntas e outras tantas a elas assemelhadas sustentam grandes debates e geram inúmeras interpretações. Sem desconsiderar a participação ativa das Ordens Religiosas nos processos de expansão do modelo de civilização europeu imposto às populações originais, parece-me oportuno considerar as motivações que, desde o início do Movimento Franciscano, fizeram da itinerância, da disposição para peregrinar e do desejo de fazer-se viandante, características marcantes da identidade franciscana.

Ao comentar as motivações que trouxeram os “Doze Apóstolos” ao México, como já mencionado acima, frei Massimo Fusarelli cita algumas posturas que, mutatis mutandis, também podem ser atribuídas aos frades que vieram ao Brasil:  “três elementos são muito claros, vida exemplar, trabalho de conversão e desejo de martírio. Para o Ministro Geral, a prioridade na missão é a forma de vida. Estas características estão presentes desde as origens da Ordem. Ao longo dos séculos, as circunstâncias culturais em que os projetos missionários foram formados mudaram, mas os elementos mencionados acima estão sempre presentes”.

Ao ler esses sinais históricos podemos afirmar que, despida das camadas que interesses outros possam ter sido agregadas a ela, a disposição que fez os frades de ontem atravessar o oceano e fixar morada nesta nossa terra foi sustentada, sem sombras de dúvidas, pelo legítimo desejo de traduzir em opções e gestos seu compromisso com o pedido do Ressuscitado: “Ide por todo mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).

Olhos fixos no que virá

Ao inaugurar o tempo do Jubileu dos 350 anos de criação da Província, quisera partilhar as provocações da Irmã Liliana Franco Echeverry, presidenta da Conferência Latino-americana dos Religiosos e Religiosas (CLAR). Na já mencionada comemoração dos 500 anos da chegada dos irmãos menores ao México, ela teve oportunidade de falar sobre “Os desafios da vida religiosa para a América Latina, a partir da sinodalidade”. A irmã convidou-nos a ver a missão a partir do compromisso com a sinodalidade: A grande missão é ajudar a construir o ‘nós’ que quer a conversão. Ela provocou os frades a revelar em si mesmos, em seus projetos e opções, o rosto de Francisco, de Clara e o cheiro do Evangelho na vida. Ela também disse que “é urgente uma conversão pastoral em chave missionária para tornar possível o “nós eclesial”, transcendendo a singularidade para viver no dom da pluralidade”. Pediu aos frades uma renovação da ação missionária franciscana a partir de uma relação pessoal com Deus, de uma verdadeira vida fraterna, de uma sobriedade de vida e amor aos pobres; pediu que, com liberdade e confiança, nos deixemos levar pelo Espírito e seu santo modo de operar.

Além da configuração de respostas aos desafios apresentados pela irmã Liliana, que o Jubileu Provincial nos torne mais atentos à urgência de marcar nossos projetos evangelizadores com o matiz dos valores da Justiça, da Paz e Integridade da Criação. A celebração dos 350 anos da Província possa também revigorar em nós a convicção de que os pobres são nossos mestres e, por isso, nossa identidade e a fecundidade da nossa opção evangélica será alcançada se ao lado deles estivermos.

Francisco de Assis, que inaugurou o caminho, continue a nos inspirar; seu exemplo e a clareza de suas opções nos habilite a seguir perseguindo a teimosa utopia da fraternidade. Maria Santíssima, nossa Mãe e Padroeira, na sua Imaculada Conceição, interceda por nós e faça fecundo nosso Sim.

Para o louvor de Cristo. Amém.

Frei Paulo Roberto Pereira, Ministro provincial


  1. https://franciscanos.org.br/quemsomos/nossa-historia/#historia-2
  2. https://franciscanos.org.br/noticias/assembleia-da-uclaf-reune-representantes-das-provincias-e-custodias-no-mexico.html#gsc.tab=0
  3. https://franciscanos.org.br/vidacrista/o-protagonismo-dos-franciscanos-na-evangelizacao-no-brasil-antes-dos-jesuitas-a-experiencia-de-laguna/#gsc.tab=0

Ministro Provincial: Mensagem de Agradecimento

Mensagem do Ministro Geral pelos 350 anos da Província

Nossa História: Processo de Fundação da Província

Processo de Fundação da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

Introdução

 

 Logo após a aprovação da “forma de vida” de Francisco de Assis, em 1210, a Ordem franciscana já se encontrava presente em Portugal. Entre 1216 e 1217 foram fundados os conventos de Lisboa, Coimbra e Guimarães. Em 1222 o de Alenquer, em 1224 o de Évora e o de Leiria em 1232. Muitas cidades e vilas importantes contavam com a presença de conventos franciscanos, que aos poucos foram organizados em Províncias. A expansão do Império português, em franca ascensão, facilitou a difusão da Ordem nos domínios lusitanos de além mar, com presença nos Açores, no Oriente e no Brasil.

A primeira missa celebrada nas terras de Santa Cruz foi oficiada por um franciscano, Frei Henrique de Coimbra. Frade da Província de São Francisco de Alenquer, Coimbra foi convidado pessoalmente pelo rei Dom Manoel para ser o superior dos franciscanos na missão que, em 1500, deveria partir para as Índias. Os outros frades que viajavam na nau de Pedro Álvares Cabral eram frei Gaspar; Frei Luis do Salvador; Frei Simão de Guimarães; Frei Masseu, sacerdote, organista e músico; Frei Pedro Neto; frei João da Vitória, irmão leigo. Já conhecemos a história da primeira missa e da chegada dos primeiros portugueses ao Brasil. Aportados nas areias de Porto Seguro, diz-nos Frei Vicente do Salvador que os frades quiseram ficar ali, tendo visto a facilidade que os nativos demonstraram em aceitar a fé católica. Mas, “o capitão-mor, que os levava para outra seara não menos importante, se partiu daí a poucos dias com eles para a Índia” (Vicente do Salvador, História do Brasil, 57).

1. Os primeiros depois de Frei Henrique de Coimbra

Durante todo o século XVI várias expedições que se dirigiam para as Índias ou para o Rio da Prata passaram pelo Brasil, além daquelas que, atacadas por piratas e corsários franceses, ou naufragados, vieram dar também nas costas do país. Várias destas traziam consigo religiosos franciscanos. A presença e a breve atuação destes frades, embora com dados incertos, é atestada pela tradição e por alguns fatos registrados pela história. Os estudiosos dividem a presença em duas etapas: antes da chegada dos jesuítas (1549), e após, até 1585, com a instalação oficial da Ordem no Brasil.

1.1 Antes dos jesuítas

Na historiografia sobre a presença franciscana no Brasil, há várias datas divergentes sobre os primeiros a virem ao país após a chegada de Cabral. Assim, temos indícios de presença de frades anônimos, no ano de 1503, 1516, 1535, 1548[1]. O grupo de 1516 teria sido enviado pela Coroa Portuguesa. Foram mortos pelos nativos, considerados os protomártires do Brasil. Também em Olinda estivera um franciscano, que teria vindo em 1535 com Duarte da Costa, ou pouco mais tarde, sem que se saiba seu nome ou a Província de origem. Teria aí se demorado muitos anos, e seria o fundador da capela de São Roque, onde posteriormente se edificou o mosteiro de São Bento. Teria sido ele também o fundador da Ordem Terceira naquela capela.

Uma presença mais documentada foi a dos frades espanhóis Bernardo de Armenta e Alonso Lebrón, que entre 1537 e 1548 conviveram entre os nativos Carijós, nas costas do litoral catarinense[2]. Em 1537 zarparam da Espanha na frota do explorador Alonso Cabrera, o “Cabeça de Vaca”. Vinham para a catequese dos índios do Paraguai. Com o superior da missão, Frei Bernardo de Armenta, viajavam mais quatro frades. A expedição não conseguiu entrar pelo Rio da Prata, e foi “ao Porto ou Rio de São Francisco, anteriormente chamado de D. Rodrigo”, (atual cidade de Laguna, no litoral de Santa Catarina), como relata o próprio fr. Bernardo. O Capitão Alonso Cabrera quis obrigar os frades a seguirem viagem, mas Bernardo de Armenta e Alonso Lebron permaneceram entre os Carijós. Numa carta ao Conselho das Índias, escrita em 1538, Frei Bernardo fazia a descrição do seu campo de apostolado, das condições encontradas, dos seus planos, e pedia mais frades para continuar sua missão. Frei Bernardo dava à sua “Província” o nome de “Província de Jesus”. Depois de muitas peripécias, a missão teve um fim trágico. Em 1548 bandeirantes paulistas atacaram a missão, levaram cativos os índios e frei Bernardo. Frei Alonso havia falecido alguns meses antes. Alguns nativos foram vendidos em São Vicente, outros em Ilhéus. Frei Alonso, solto em São Vicente, viajou ao Rio de Janeiro, onde iria denunciar o ataque às autoridades, mas acabou caindo nas mãos de corsários franceses.

Temos ainda a notícia da presença, em Olinda, em 1546, de frei Francisco, castelhano, que viera de Porto Seguro, onde era pregador. Em 1546 também encontram-se em Porto Seguro Frei Diogo, “vindo para este Brasil degredado”, e Frei Jorge, “varão de aprovada e santa vida” cujos nomes estão ligados ao processo inquisitorial do donatário Pero do Campo Tourinho, acusado de heresias e blasfêmias.

1.2 Depois dos jesuítas

Da chegada dos jesuítas ao Brasil, em 1549, até a instalação oficial dos franciscanos, vários grupos de frades passam pelo país. Em 1550 uma expedição comandada por Hernando Trejo, vindo da Espanha para o Rio da Prata, ficou por 14 meses em São Vicente. Um número incerto de frades viajava na expedição. Outra expedição espanhola, sob o comando de Diogo Flores de Valdez, ficou no Rio de Janeiro por seis meses, no ano de 1582. Os mais de 600 colonos que vinham na frota foram atacados pelo escorbuto. Dentre os vários franciscanos que faziam parte da expedição, alguns ficaram nos portos onde o navio atracava, ao longo da costa. Temos notícia de três religiosos que, tendo ficado em Santa Catarina, foram depois a São Vicente, e de lá subiram à Vila de São Paulo de Piratininga, onde chegaram em 1583. Instalados na Ermida de Nossa Senhora da Luz, dali saíam para catequisar os nativos. Frei Diogo de Guiso, esmoler da fraternidade, tendo repreendido um soldado espanhol por causa das blasfêmias que proferia, foi assassinado. Foi enterrado no colégio dos Jesuítas. Ainda em 1582 dois frades que viajavam numa expedição ao Rio da Prata ficaram por dois meses no Espírito Santo, e de lá foram à Bahia, onde construíram uma igrejinha dedicada a São Francisco.

1.2.1 Frei Pedro Palácios e a Ermida da Penha

Dentre os frades que aportaram ao Brasil antes da instalação oficial dos franciscanos, merece destaque a figura de Frei Pedro Palácios. Irmão leigo, Frei Pedro chegou à Bahia em data incerta, mas o encontramos em 1558 em Vila Velha, na Capitania do Espírito Santo, onde instalou-se numa ermida ao pé de um monte à beira mar. Dali, com a autorização dos jesuítas, saía para catequizar os colonos e nativos da região e povoados vizinhos. Com a ajuda da população, construiu uma capela no alto do monte, que dedicou a Nossa Senhora da Penha. Os fatos extraordinários narrados sobre ele testemunham que foi um religioso franciscano de vida exemplar, muito bem quisto pela população. Teria morrido em data incerta, mas a mais aceitável é o ano de 1570. O santuário primitivo construído por ele foi acrescido da capela mor, enquanto o corpo da igreja é novo. Em 1650 foi construído um convento adjacente à igreja.

2. Instalação oficial dos Franciscanos no Brasil

 

 

2.1 Apelos de Olinda

Em 1577 encontramos, em Olinda, o frade português Frei Álvaro da Purificação. Trabalhando na evangelização dos colonos, o povo pedia-lhe que trouxesse mais frades de sua Ordem para o Brasil. Para isso, uma senhora piedosa, Dona Maria Rosa, colocava à disposição uma capelinha e a “Casa de Nossa Senhora das Neves”, um recolhimento onde ela e outras senhoras viviam em comunidade, para ser a residência dos frades. Frei Álvaro concordava com o projeto, e deve ter escrito ao seu superior em Portugal, mas nada conseguiu, recebendo a ordem de voltar à sua Província. Uma palavra deve ser dita sobre esta mulher, a “primeira terciária franciscana do Brasil”. Dona Maria Rosa foi, desde 1551, interprete dos índios junto aos jesuítas, para as confissões. Um jesuíta anônimo a cita numa de suas crônicas: “Havia ali uma mulher honrada, virtuosa, casada, por nome Maria Rosa (a qual depois foi religiosa da Ordem de São Francisco). Esta era grande língua [sabia a língua dos índios, nota nossa] e servia ao padre de interprete nas práticas e confissões em qualquer necessidade e para ensinar aos escravos e índios por ela as coisas de sua salvação”[3]. Dona Maria Rosa não pode exercer por muito tempo esse serviço. D. Pero Fernandes Sardinha, primeiro Bispo do Brasil (1551-1556), em 1552 aboliu tal prática.

2.2 A Custódia de Santo Antônio: 1584-1659

A pedido do donatário de Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho, e por mediação do Rei da Espanha e Portugal, Felipe II, o Ministro geral Francisco Gonzaga instituiu, aos 13 de março de 1584 a Custódia de Santo Antônio do Brasil, dependente da Província Descalça de Santo Antônio, dita dos Currais, de Portugal[4]. Os oito primeiros frades chegaram a 12 de abril de 1585 à Vila de Marim (Olinda), tendo como Custódio frei Melquior de Santa Catarina. Os outros irmãos eram frei Francisco de São Boaventura, Frei Francisco dos Santos, Frei Afonso de Santa Maria, Frei Manuel da Cruz, Frei Antônio dos Mártires, Frei Antônio da Ilha, da Província da Piedade, e Frei Francisco da Cruz, Recoleto da Província de Portugal. Instalados provisoriamente na casa de algumas autoridades, logo receberam a primeira vocação em terras brasileiras: o irmão leigo Frei Gaspar de Santo Antônio. No dia 4 de outubro do mesmo ano, dia do Santo Patriarca, mudaram-se para o Recolhimento de Nossa Senhora das Neves, tendo Dona Maria Rosa e suas recolhidas se mudado para Nossa Senhora da Conceição. O convento de Nossa Senhora das Neves, doado por Dona Maria Rosa, tornou-se o primeiro convento franciscano no Brasil. Como guardião foi escolhido frei Francisco dos Santos.

As atividades dos frades se concentravam na assistência espiritual aos colonos, no atendimento aos doentes e aos nativos. Logo ampliaram a casa e abriram uma espécie de internato para educar os filhos dos nativos. Iam também às aldeias vizinhas, estabelecendo missões. Para isso tiveram que se esforçar em aprender a língua local. Em 1586 foi aberto o noviciado em Olinda, e, em 1587 era aceita a fundação de uma casa na Bahia, em Salvador. A fundação de Igaraçú (Igarassu), em Pernambuco, iniciou-se em 1588, seguida, em 1589, da fundação na Paraíba. Em 1588 chegou uma segunda leva de seis missionários, o que permitiu a abertura de novas frentes. Em 1589 dois religiosos foram à Capitania do Espírito Santo, onde encetaram negociações que resultaram na fundação do Convento de Vitória em 1591, o primeiro nas partes do sul do Brasil.

2.3 Expansão para o sul do Brasil

Com o rápido progresso da colônia, aumentando o número de habitantes, de povoações e a progressiva expansão para o interior, aumentavam conseqüentemente o número de conventos e as distâncias a serem percorridas, além de dificultar a administração. Nos pouco mais de 70 anos da fundação da Custódia (1585-1658), vão ser fundados 20 conventos. Destes, 11 em terras do Nordeste (da Bahia para cima), e 9 no sul do Brasil (do Espírito Santo para baixo). Estas fundações espelhavam o acentuado desenvolvimento político, econômico e populacional do país, que aos poucos se deslocava do nordeste para o sul da colônia. Vejamos uma cronologia da fundação dos conventos na parte sul, nos primeiros 73 anos da Custódia de Santo Antônio do Brasil: 1591, Vitória (ES); 1608, Rio de Janeiro (RJ); 1639, Santos (SP); 1639, São Paulo (SP); 1649, Casserebu (Macacu) (RJ); 1650, Vila Velha (ES); 1650, Ilha Grande (RJ); 1655, Itanhaem (SP); 1658, Ilha de São Sebastião, (SP)[5].

3. Custódia e Província de Santo Antônio

 

A Custódia de Santo Antônio do Brasil era dependente da Província de Santo Antônio de Portugal. Os custódios eram eleitos de 3 em 3 anos no Capítulo realizado em Lisboa. A partir do oitavo Custódio, frei Vicente do Salvador, os Capítulos passaram a ser realizados na própria Custódia, que podia também eleger seus Definidores. A partir de 1646 foi iniciado um trabalho junto às autoridades do reino e de Roma pleiteando a independência da Custódia. Apesar da oposição dos frades em Portugal, o procurador dos religiosos do Brasil, frei Pantaleão Batista, conseguiu a independência. O primeiro Capítulo da nova instituição foi celebrado na nova casa capitular, em Salvador, na Bahia, aos 24 de fevereiro de 1649[6]. Oito anos depois, após árduas tratativas, no dia 24 de agosto de 1657 a Custódia independente tornava-se Província[7].

4. Custódia e Província Franciscana da Imaculada Conceição

 

A ideia de transformar os conventos do sul da colônia numa entidade autônoma era corrente entre os frades. As questões principais eram de ordem prática, em função de um melhor serviço ao povo de Deus. Havia a dificuldade na administração das casas, num território em franco desenvolvimento político-econômico, que se estendia por mais de 2 mil quilômetros, além da crescente expansão da presença franciscana na região mais ao sul, com novas vocações e novas fundações. A proposta concretizou-se em 1659. Os conventos situados a partir do Espírito Santo passaram a constituir a Custódia da Imaculada Conceição da Virgem Nossa Senhora, com sede no convento Santo Antônio do Rio de Janeiro, tendo como primeiro custódio Frei Antônio dos Santos. A Custódia continuava dependente da Província de Santo Antônio, que nomeava os Custódios. Em 1672 foi eleito o sétimo Custódio, o carioca frei Eusébio da Expectação. Com a anuência do governo da Província de Santo Antônio, Frei Eusébio encarregou frei Cristóvão da Madre de Deus Luz e Frei João da Natividade de fazerem as tratativas em Lisboa e em Roma, para transformar a Custódia em Província. Após não poucas dificuldades, o Papa Clemente X emanava, a 15 de julho de 1675, o Breve de criação da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, com sede no Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro[8].

5. 1675-1710: Período de consolidação

 

No momento de sua separação da Província do norte, a Província da Imaculada contava com 10 conventos, aos quais vieram somar-se outros 3: Cabo Frio, Itu, Ilha do Bom Jesus, além de mais 4 “hospícios”: Lisboa-Procuradoria, Colônia Sacramento-Montevidéo, Araruama, Campos[9]. É um período de expansão e fecundo trabalho de evangelização. Continuando a tradição da Província de origem, os frades da Província do sul se empenharam ativamente no trabalho com as missões indígenas. Diferente das outras Ordens, os franciscanos se destacavam pela itinerância, como missionários volantes, indo de aldeia em aldeia: Taubaté (1692), São João de Peruíbe (1692), São Miguel (1698), Santo Antônio dos Guarulhos (1699), Freguesia da Escada (1735), Cachoeira, Pedra e Tabatinga (1748).[10] Tal atividade missionária continuou até inícios do século XIX.

Além do trabalho junto aos índios, os religiosos se destacavam também no atendimento pastoral aos colonos, através da pregação, catequese, confissão, culto divino, auxílio aos párocos e Bispos nas chamadas desobrigas pascais, além de se destacarem na pregação das missões populares. Eram também convocados para acompanhar as expedições militares pelo interior do país, como capelães da armada, ou nos navios portugueses.

Outro campo de atividade, fundamental para os franciscanos, era a assistência às Ordens Terceiras Franciscanas. Estas eram constituídas normalmente junto aos conventos mas era ao mesmo tempo uma forma de manter uma presença franciscana em localidades onde os frades não podiam se estabelecer, seja por falta de elementos, seja porque eram proibidos pelas autoridades. Assim, além das fraternidades junto aos conventos no Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, os frades davam assistência a fraternidades em Minas Gerais, Campos, Paranaguá, Curitiba, São Francisco do Sul, Desterro (atual Florianópolis), Viamão e Rio Grande. Era uma área de atuação continental, indo desde o atual Espírito Santo até o sul do Brasil, no atual Uruguai, e divisa com a Argentina, o que exigia semanas e até meses de viagens extenuantes, nas mais precárias condições.

Como dignos filhos de São Francisco e parte integrante da reforma a que pertenciam, os frades não negligenciavam a celebração do culto divino e a solenização dos momentos mais importantes de oração, destacando-se as festas e solenidades de Nossa Senhora. Tal atividade exigia um certo número de indivíduos que estivessem disponíveis nos conventos, sem preocupações com atividades externas. No decorrer do século XVII e XVIII isso não será difícil, com os conventos cheios de coristas (frades do coro) e padres. Já a partir de fins do século XVIII se começa a perceber a dificuldade de se manter a solenidade nas celebrações diárias.

Outra atividade em que os franciscanos se destacaram foi o ensino. Nas aldeias que mantinham, além da catequese, davam também instrução elementar. Em inícios do século XVIII existiam escolas para ensino básico junto aos conventos de Itu, Macacu, Cabo Frio e Taubaté. Esse trabalho vai ser mantido durante grande parte da história da Província, e vai ser incrementado, chegando, em fins de 1700, a ser mantido no Rio de Janeiro, um grande centro de estudos que rivalizava com as melhores escolas da cidade. Com a expulsão dos jesuítas, os franciscanos se esforçaram para colmar a lacuna deixada por esses grandes missionários e educadores, mas o sistema iluminista idealizado por Pombal, atacando as Ordens e Congregações religiosas, logo iria impedir os franciscanos de levar em frente essa missão.

Até meados de 1700 a Província teve uma grande evolução, chegando a ter, em 1764, 490 membros. A partir daí começou uma inexorável diminuição numérica, causada, também, pelo avanço da mentalidade iluminista dominante nos âmbitos governistas em Portugal e Europa, que não via nenhum valor na vida religiosa. À diminuição do número de membros, seguiu-se, já no fim do século XVIII, uma gradual e constante perda do fervor religioso, de negligência em relação à vivência das leis e disciplina da instituição. As vicissitudes enfrentadas por todas as instituições religiosas ao longo do século XIX, no Brasil e no mundo, causadas, como se dizia, “pelo espírito do tempo”, fizeram com que estas chegassem ao final do século fragilizadas, quase à beira da extinção. Mas, inspiradas e animadas pelo Espírito e pelo carisma próprio de seus fundadores, estas instituições se abriram às novas possibilidades, à renovação e às novas perspectivas que surgiam nos inícios do século XX.

6. Concluindo

 

Passados 350 anos da fundação da Província da Imaculada, somos instados a voltar os olhos para o passado, não para alimentar um inócuo saudosismo, mas para fazer memória daqueles que nos precederam, daqueles que, movidos pela fé e pela devoção a Francisco de Assis, através de sua vida simples, sofrida, fiel e dedicada, construíram o patrimônio que nós podemos denominar de “Brasil Franciscano”. Incluímos aí aqueles que, a partir de fins do século XIX, movidos pelo espírito de Francisco, animados pelo desejo de anunciar o Evangelho a todas as criaturas, vindos de terras distantes, vão trazer um vigor renovado, cheio de ousadia e coragem, na vivência e atualização dos valores apregoados e vividos pelo pobrezinho de Assis em terras brasileiras. Mas isso é uma outra história.


Frei Sandro Roberto da Costa, ofm

 Referências bibliográficas:

 

Borgmeier T., Freitas D., Röwer B., A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil nas festas do centenário da Independência Nacional (1822-1922), Petrópolis 1922.

da Costa S. R, Processo de decadência da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil e Tentativas de Reforma. 1810-1855. Tese de Doutorado apresentada na Faculdade de História Eclesiástica da Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma 2000.

Garcia Oro J., La Provincia Franciscana de Santiago y el origem de los Descalzos, in «Liceo Franciscano» 43, 2ª época, ano 15 (1962), 2-30.

Jaboatão A. de Santa Maria, Novo Orbe Seráfico Brasílico ou Chronica dos frades menores da Provincia do Brasil, Parte I, 2 vols., 1.a edição Lisboa 1761, 2.a edição Rio de Janeiro 1858; Parte II, 3 vols., Rio de Janeiro 1859-1862.

Lopes F. F., Frei Henrique de Coimbra: o missionário; o diplomata; o Bispo, in «Studia» 37 (1973), 7-   120.

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Romag D., A História dos Franciscanos no Brasil desde os princípios até a criação da Província de Santo Antônio, Petrópolis 1940.

Röwer B., História da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, Petrópolis 1951.

__________, Páginas de história Franciscana no Brasil, Petrópolis 21957.

__________, O Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, Petrópolis 31945.

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Surian C., Franciscanos no Espírito Santo, Col. Centenário VI, São Paulo 1991.

Tavares de Miranda M. C. , Os Franciscanos e a formação no Brasil, Recife 1969.

van der vat, História Franciscana, Província Franciscana de Santa Cruz, BH 2001.

Willeke V., Franciscanos na história do Brasil, Petrópolis 1977.

Arquivo eletrônico:

https://franciscanos.org.br/vidacrista/o-protagonismo-dos-franciscanos-na-evangelizacao-no-brasil-antes-dos-jesuitas-a-experiencia-de-laguna/#gsc.tab=0 acessado 19 de abril 2025.

[1] Importante ressaltar que antes de 1530-40 Portugal teve imensa dificuldade em ocupar as terras recém descobertas. O processo de ocupação vai começar a deslanchar com as Sesmarias e as Capitanias Hereditárias, a partir da década de 30.

[2] https://franciscanos.org.br/vidacrista/o-protagonismo-dos-franciscanos-na-evangelizacao-no-brasil-antes-dos-jesuitas-a-experiencia-de-laguna/#gsc.tab=0. Acesso em: 19 abr. 2025.

[3] Há divergências entre os estudiosos sobre a afirmação de que Maria Rosa fosse “religiosa da Ordem de São Francisco”. Certamente por “religiosa” o cronista entende uma leiga da Ordem Terceira (não havia no Brasil, àquela época, religiosas de nenhuma instituição. Além do mais, Maria era casada). Por outro lado, há indícios de que o frade que veio com Duarte da Costa em 1535, e viveu longo tempo em Olinda, tenha fundado uma Ordem Terceira em Olinda. De qualquer modo, prova concreta de seu carinho e devoção a São Francisco, é fato de que a virtuosa senhora não titubeou em doar sua propriedade aos frades, para que ali estabelecessem aquele que se tornou o primeiro convento franciscano do Brasil.

[4] Os primeiros franciscanos enviados oficialmente ao Brasil pertenciam ao ramo dos “alcantarinos” ou “capuchos”, uma reforma promovida no século XVI por São Pedro de Alcântara, que acentuava o aspecto contemplativo do carisma franciscano. A reforma “alcantarina” insere-se na variedade de movimentos de reforma observante que surgiram na Ordem Franciscana a partir do século XIV, no desejo por recuperar o estilo de vida original proposto e vivido por Francisco de Assis.

[5] Trazemos aqui a data oficial da fundação, embora, em algumas localidades, os frades já estivessem presentes antes desta data, para reconhecimento da região, escolha do melhor terreno, etc. Recordamos que algumas destas localidades são conhecidas com outros nomes nos dias de hoje.

[6] Entre 1630 e 1654 Olinda e Recife estavam tomadas pelos holandeses.

[7] O Breve do Papa Alexandre VII foi executado em 1659: Breve Ex Commissi Nobis, de Alexandre VII, de 24 de agosto de 1657: “Erectio Custodiae Brasiliae Ordinis Minorum Sancti Francisci de Observantia Reformatorum in Provinciam”, Magnum Bullarium Romanum (Bullarum Diplomatum et Privilegiorum Sanctorum Romanorum Pontificum Taurinensis Editio), Tomus XVI: Alexander VII (ab an. MDCLV ad ann. MDCLXII), Torino 1859, 290-292.

[8] Breve Pastoralis Officii, de 15 de julho de 1675, de Clemente X: “Erectio Custodiae sub nomine Immaculatae Conceptionis B. M. Virginis in Novam Provinciam, cum illius dismembratione a Provincia S. Antonii Brasiliensi Ordinis Fratrum Minorum sancti Francisci de Observantia Discalceatorum in Lusitania”, Magnum Bullarium Romanum (Bullarum Diplomatum et Privilegiorum Sanctorum Romanorum Pontificum Taurinensis Editio), Tomus XVIII: Clemens X (ab an. MDCLXX ad ann. MDCLXXVI), Torino 1859, 584-587

[9] Hospícios eram locais de hospedagem provisória, casas onde os frades passavam apenas alguns dias, enquanto exerciam sua missão no local.

[10]A data corresponde ao ano de fundação. Todas essas ex-missões, situadas em São Paulo e Rio de Janeiro, são hoje florescentes centros urbanos. O Livro do Tombo atesta o preparo dos religiosos da Província neste campo: num relatório de 1692 o Ministro Provincial afirmava que nas Capitanias do sul a “Província da Imaculada tem mais missionários, e para todas as línguas dos índios, que as demais ordens juntas”. TG I, f 90v.

Nossa História: A restauração alemã

Da velha à nova Província

 

O Brasil só conheceu missionários franciscanos até a chegada do primeiro Governador Geral, Tomé de Sousa, com os primeiros jesuítas em 1549. Mas só em 1584 foi criada a Custódia de Santo Antônio do Brasil, dependente da Província Franciscana do mesmo nome de Portugal. Os fundadores chegaram a Olinda a 12 de abril de 1585, chefiados por Frei Melchior de Santa Catarina. Tomaram posse a 4 de outubro do mesmo ano do Convento de Nossa Senhora das Neves, construído para eles pela terciária franciscana Maria da Rosa.

A 24 de agosto de 1657, o Papa Alexandre VII elevou a Custódia de Santo Antônio à categoria de Província autônoma. No dia 15 de julho de 1675, o Papa Clemente X, mediante a Bula Pastoralis Officii, erigiu oficialmente a Província da Imaculada Conceição do Brasil, desmembrada da Província de Santo Antônio do Brasil.

Os franciscanos missionários no Brasil provenientes de Portugal, que deram origem às duas Províncias brasileiras, pertenciam ao ramo da estreita observância, chamados então pelo povo de Capuchos, devido à forma piramidal do seu capelo. Fora de Portugal esses religiosos receberam as denominações deDescalços (por não usarem calçado) e Alcantarinos (pela influência marcante de São Pedro de Alcântara).

A Província da Imaculada Conceição do Brasil, ao ser criada, contava com 10 conventos. O mais antigo era o convento São Francisco, em Vitória, Estado do Espírito Santo, construído em 1591. O segundo foi o Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, construído em 1608, a sede provincial por dois séculos, bem como o principal centro de formação dos Frades nos estudos da filosofia e da teologia, chegando a ter uma das mais ricas bibliotecas do Brasil. Os demais conventos da nova Província, por ordem de sequência, foram: Convento Santo Antônio de Santos, Estado de São Paulo, 1640; Convento São Francisco em São Paulo, 1642; Convento São Boaventura em Macacu, Estado do Rio de Janeiro, 1649 (em ruínas); Convento de Nossa Senhora da Penha, Estado do Espírito Santo, 1650; Convento São Bernardino em Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro, 1650 (ruínas); Convento Nossa Senhora da Conceição em Itanhaém, Estado de São Paulo, 1654 (ruínas); Convento Nossa Senhora do Amparo em São Sebastião, Estado de São Paulo, 1658, e Convento Santa Clara em Taubaté, Estado de São Paulo, 1674, convento que atualmente pertence aos Frades Capuchinhos.

Anos após sua criação, a Província da Imaculada Conceição construiu outros três conventos, a saber: o Convento de Nossa Senhora dos Anjos em Cabo Frio, Estado do Rio de Janeiro, 1686 (ruínas); o Convento São Luís, em Itu, Estado de São Paulo, 1691 (ruínas); e o Convento do Bom Jesus, na ilha do Bom Jesus, na Baía da Guanabara, Estado do Rio de Janeiro, 1704. Este último servia mais de enfermaria e de descanso dos missionários, que voltavam das missões no interior do país.

Esses conventos, antes de tudo, foram centros de irradiação do próprio carisma franciscano, com atividades apostólicas muito bem definidas: a catequese entre os índios, as missões nas aldeias, a educação e o ensino elementar ministrado pelos Frades nas escolas gratuitas do interior; a pastoral entre os escravos africanos nos portos e nas fazendas; as jornadas missionárias das zonas auríferas de Minas Gerais e Goiás para a pacificação dos mineradores, além do atendimento ordinário nas igrejas e portarias conventuais. Entre os religiosos mais destacados podemos lembrar Frei Vicente do Salvador, pai da Historiografia brasileira, Frei Mariano Veloso, pai da Botânica brasileira, Frei Francisco do Monte Alverne, considerado o maior orador sacro do Brasil, Frei Antônio de Santana Galvão, o primeiro santo brasileiro, Frei Francisco Sampaio, promotor e redator do famoso “Fico”, que abriu o caminho para a proclamação da Independência do Brasil.

Durante o governo de Pedro II as Ordens religiosas no Brasil (sobretudo os Franciscanos, os Carmelitas e os Beneditinos) sofreram repressão de morte. Embora católico, Dom Pedro II andou muito influenciado pela maçonaria, impregnada do chamado pombalismo português e do josefinismo austríaco. No dia 19 de maio de 1855 foi publicada uma portaria do Ministro da Justiça José Thomaz Nabuco, proibindo a recepção de noviços e a chegada de religiosos de outros países. A portaria tornou-se uma das causas imediatas da lenta e inexorável extinção da vida religiosa. Quando a escravidão foi abolida em 1888, Frei João do Amor Divino Costa escreveu carta ao conselheiro João Alfredo, pedindo “que se decretasse também a liberdade espiritual escravizada”.

Ao ser proclamada a República em 1889, a Província de Santo Antônio tinha ainda seis Frades, todos em Salvador da Bahia. A Província da Imaculada tinha um único, Frei João do Amor Divino Costa, que nem mais morava no Convento, mas em casa de sua irmã na Rua da Carioca, no Rio de Janeiro. Somente aos 7 de janeiro de 1890, extinguindo o padroado, a circular de 19 de maio de 1855 perdeu sua validade.

O decreto de extinção do padroado é um documento de libertação da Igreja no Brasil. Transcrevo na íntegra: “O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo Exército e Armada, em nome da Nação, decreta:

Art. 1º – É proibido à autoridade federal, assim como a dos Estados federados, expedir leis, regulamentos ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião ou vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por motivo de crenças filosóficas ou religiosas.

Art. 2º – A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariados nos atos particulares ou públicos que interessem o exercício deste decreto.

Art. 3º – A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos atos individuais, senão também as igrejas, associações ou institutos em que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem coletivamente, segundo seu credo e sua disciplina, sem intervenção do poder público.

Art. 4º – Fica extinto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerrogativas.

Art. 5º – A todas as igreja e confissões religiosas se reconhece a personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem sob os limites postos pelas leis concernentes à propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o domínio de seus haveres atuais, bem como dos seus edifícios de culto.

Art. 6º – O Governo Federal continua a prover à côngrua sustentação dos atuais serventuários do culto católico e subvencionará por um ano as cadeiras dos seminários, ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos precedentes. art. 7º – Revogam-se as disposições em contrário”.

A separação entre Estado e Igreja permitiu ao Ministro geral atender o pedido dos Franciscanos do Brasil, no sentido de enviar Frades europeus. O Ministro geral sondou várias províncias europeias. Quem aceitou a missão foi o Ministro provincial da Saxônia Frei Gregório Janknecht. Vale a pena relembrar a biografia dele: Frei Gregório Janknecht nasceu em 1829, na Alemanha. E morreu em 1896. Interrompeu o estudo de teologia na diocese de Münster para entrar na Ordem Franciscana dos Recoletos da Saxônia. Foi ordenado padre em 1853. Apenas dois anos depois, aos 26 anos, foi eleito unanimemente Ministro provincial de sua Província, reduzida a poucos frades idosos, devido às dificuldades que o governo fazia para a recepção de noviços. Foi reeleito em 1858. Participou em 1856 do Capítulo Geral em Roma. Foi novamente eleito em 1867, ocupando desta vez o cargo por 12 anos consecutivos. Durante seu governo entraram muitos noviços. Teve, porém, de arranjar às pressas lugar para 260 religiosos da Província quando, pela lei de 31 de maio de 1875, os 15 conventos da Prússia foram fechados. Cem frades foram enviados aos Estados Unidos. Os demais foram se abrigar na Bélgica e na Holanda, em casas que Frei Gregório comprou, e onde abriram seminário. Em 1862, com apenas 33 anos, foi eleito definidor geral. No Capítulo geral de 1889, Frei Gregório aceitou o pedido do Ministro geral Frei Luís de Parma de restaurar as duas Províncias brasileiras. Ele começou de imediato as tratativas. Estas tratativas foram descritas em seus pormenores pelo Frei Elói Piva no artigo publicado na Vida Franciscana de dezembro de 1989, páginas 19 a 32. Sobre os primeiros dias dos missionários alemães no Brasil, pode-se ler o elegante diário de um deles, do irmão Frei Humberto Themans: Viagem ao Brasil e começos da Missão, publicado por ocasião do centenário da restauração, pela Secretaria da Província.

Seminário de Rio Negro (PR)

Com a bênção do Ministro geral Frei Luís de Parma, do internúncio Francisco Spolverini e da cúria do Rio de Janeiro, em junho de 1891 chegaram ao Brasil os primeiros quatro religiosos: Frei Amando Bahlmann (1862-1939), Frei Xisto Meiwes (1853-1926), Frei Humberto Themans (1859-1933) e Frei Maurício Schmalor (1871-1952). Os dois primeiros eram padres e os outros dois irmãos. A restauração da Província da Imaculada Conceição do Brasil não se iniciou em convento da antiga província, mas em Santa Catarina. no sul do Brasil, levando em conta a presença de imigrantes alemães, italianos e poloneses, chegados desde 1850, muito necessitados de assistência religiosa.

Os quatro missionários se estabeleceram em Teresópolis, pequeno lugarejo rural, não longe de Florianópolis, ainda chamada Desterro. A paróquia foi oficialmente entregue aos Frades no dia 12 de novembro de 1891 e tinha 14 capelas, como então se chamavam as comunidades católicas, sendo que boa parte da população era de confissão luterana.

A pequena e primeira Fraternidade de Teresópolis foi tomando corpo com a chegada de novos Frades missionários vindos da Saxônia e, consequentemente, novas fundações franciscanas foram surgindo: Lages, Blumenau, Rodeio, Petrópolis, Curitiba. E a partir de 1900 outras novas Fraternidades como: Gaspar, Curitibanos, Santo Amaro da Imperatriz, Quissamã, Palmas, Florianópolis. E alguns dos conventos da antiga Província, os que ainda ofereciam condições de uso, também foram se transformando em residência dos Frades, como o Convento de Santo Antônio no Rio de Janeiro.

Seminário Frei Galvão

 

No dia 14 de setembro de 1901, após 10 anos de atividades missionárias, as duas antigas Províncias Franciscanas (Santo Antônio no Nordeste e Imaculada Conceição no Sul) voltaram a ser Províncias autônomas, com o mesmo nome antigo. E as duas continuaram por décadas a receber novos Frades vindos da Alemanha. A Província da Imaculada, durante mais de 40 anos, manteve um seminário em Garnstock, na Bélgica, para acolher jovens missionários europeus, enquanto aqui no Brasil fundava os seminários de Blumenau (transferido para Rio Negro em 1923), Guaratinguetá (1942), Luzerna (1941), Rodeio (1946, transferido para Ituporanga em 1965), Agudos (1950). Desde 1901 mantém um convento-noviciado em Rodeio. Desde 1898 mantém um convento-teologado em Petrópolis.

Igreja do Sagrado Coração de Jesus em Petrópolis (RJ)

 

A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, teve um crescimento numérico extraordinário quando, por dois anos (em 1959 e em 1966) chegou a ter 713 Frades. Isto significa que praticamente a cada década houve um aumento aproximado de cerca de 100 Frades. Depois, a partir da década de 1970, se constata um declínio numérico, ainda não vencido.

A Província restaurada da Imaculada Conceição deu à Ordem um Ministro Geral na pessoa de Frei Constantino Koser (1918-2000), deu à Igreja três cardeais: Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016), arcebispo de São Paulo, Dom Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manaus, Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre. E deu à Igreja outros três arcebispos: Dom Henrique Trindade (Botucatu), Dom Felício da Cunha Vasconcelos (Ribeirão Preto), Dom Severino Clasen (Maringá) e outros 19 bispos: Dom Carlos Bandeira de Melo (Palmas), Dom Daniel Hostin (Lages), Dom  Inocêncio Engelke (Campanha), Dom Pascásio Rettler (Bacabal), Dom Osório Stoffel (Rondonópolis), Dom Henrique Müller (Joaçaba), Dom Boaventura Kloppenburg (Novo Hamburgo), Dom Quirino Schmitz (Teófilo Otoni), Dom Carlos Schmitt (Dourados), Dom Lino Vanbömmel (Santarém), Dom Fernando Figueiredo (Santo Amaro), Dom Luiz Flávio Cappio (Barra), Dom Sebastião Figueiredo (Guiratinga), Dom Caetano Ferrari (Bauru), Dom Diamantino Prata de Carvalho (Campanha), Dom João Bosco Barbosa de Souza (Osasco), Dom Bernardo Bahlmann (Óbidos), Dom Evaristo Pascoal Spengler (Roraima), Dom Samuel Ferreira Lima (auxiliar de Manaus). Sem esquecer que também o pioneiro Frei Amando Bahlmann se tornou bispo de Santarém, no Pará.

 

Da Província restaurada dois Frades pertenceram à Academia Brasileira de Ciências: Frei Tomás Borgmeier (1892-1975), considerado um dos maiores entomólogos de seu tempo, e Frei Walter Kempf (1920-1976). Dois outros são beneméritos da Igreja no Brasil, com seu manual de cânticos Cecília, durante 60 anos o único livro de cantos religiosos usado em todas as dioceses do país: Frei Pedro Sinzig (1876-1952) e Frei Basílio Röwer (1877-1958).

Se vasto e profundo foi o trabalho paroquial exercido pela Província restaurada, devemos destacar como um de seus maiores feitos a criação em 1901 da que se chamou depois Editora Vozes, pela grande e acertada produção catequética, escolar e teológica. Respeitada por todas as grandes editoras, era no início do século, de longe a maior editora da Ordem.

No momento a Província está com um processo de beatificação bem adiantado: Frei Bruno Linden, alemão que, chegando ao Brasil, nunca mais retornou à sua terra. Mas há muitos que morreram em fama de santidade. Cito alguns, sem desprezar outros: Frei Rogério Neuhaus, falecido em 1934, sepultado no Convento do Rio de Janeiro, famoso missionário de todo o Planalto de Santa Catarina, de quem se contam muitas curas antes e depois de sua morte. Apesar de estar pouco tempo no Rio de Janeiro, seu sepultamento reuniu tamanha multidão de povo nunca antes vista em enterros. Frei Januário Bauer, alemão, falecido no Rio de Janeiro em 1972 e sepultado no Convento Santo Antônio, sempre recordado como modelo de asceta, de prudente confessor (passava o dia no confessionário). Foi companheiro de Frei Bruno em Alto Jacuí e Rodeio. Frei Plácido Rohlf, alemão, falecido em Xaxim em 1966. Frei Orestes Girardi, brasileiro, irmão, fundador de uma congregação feminina, sepultado em 1988, em Campos do Jordão, cuja sepultura é diariamente visitada pelo povo, que o tem como um ‘pai dos pobres’ e que sempre lembrava Frei Bruno como seu modelo. Frei Policarpo Berri, brasileiro, falecido em Pato Branco em 2020. Frei Rui Depiné, brasileiro, falecido em 2020, que dedicou a vida toda aos leprosos e suas famílias.

Uma observação aparentemente sem sentido hoje: a velha província era alcantarina, ou seja, da estrita observância; a nova província foi restaurada por franciscanos recoletos (da reforma encabeçada por Santa Coleta, +1447), também observantes rigorosos da pobreza. A antiga província da Imaculada, no seu primeiro Capítulo, decidiu que seus Frades não mais vestiriam o caro tecido de lã vinda da Europa, mas hábitos pretos de algodão. Os Frades alemães restauradores já vieram com o hábito marrom, imposto pouco depois pelo Papa Leão XIII a toda OFM. E trouxeram da Alemanha os teares necessários para o tecido dos hábitos, maquinário que foi vendido à família Hering, de Blumenau, e que deu origem à famosa marca de roupas.


Frei Clarêncio Neotti

Vila Velha, maio de 2025

A educação evangelizadora na Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

       

1. Educação evangelizadora inspirada em Francisco de Assis

A missão de educar é inerente ao mandato missionário dado pelo Senhor Jesus à Igreja: “Ide… ensinando a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28,20). E, fiel à missão evangelizadora da Igreja no campo da educação, a Ordem dos Frades Menores, desde os seus primórdios, sob a bênção e a inspiração de Francisco de Assis, está envolvida com a educação evangelizadora nas escolas e universidades. A vocação essencialmente evangelizadora da Ordem instava de ela ocupar-se também da tarefa de transmitir os ensinamentos históricos de Jesus, contidos no Evangelho. E a Regra e Vida de Francisco de Assis, bem como as suas biografias e hagiografias, inspiram uma prática pedagógica que coloca o desenvolvimento integral (pluridimensional) da pessoa no centro: seu caráter, seus valores, sua cognição, sua relação consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com o Transcendente.

Na concepção antropológica franciscana, o primado é do amor e, por isso, entende-se a educação como um ato de amor. Assim, no processo educativo franciscano, tem-se o propósito de conduzir, amorosamente, o ser humano à plena realização de todas as suas potencialidades, aliando ciência (conhecimentos) e sabedoria (virtudes e atitudes) e equilibrando a inteligência racional com a inteligência socioemocional. 

O modo franciscano de ensinar e de educar, inspirado no humanismo solidário franciscano, é de grande urgência na atualidade e, por isso, o saudoso Papa Francisco, em 2019, convocou todos para a criação de uma aliança global em prol da educação. Então, reiterou o Papa que “nunca, como agora, houve necessidade de unir esforços para formar pessoas maduras, capazes de superar fragmentações e polarizações e reconstruir o tecido das relações interpessoais e com a natureza” (FRANCISCO, Papa. Mensagem para o lançamento do Pacto Educativo Global, 12/09/2019).

      2. Educação evangelizadora na Província da Imaculada

A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, neste ano de 2025, comemora 350 anos de fundação e de missão evangelizadora no Brasil. Os frades da Província, desde os tempos mais antigos até hoje, sempre tiveram uma atuação muito significativa no âmbito da educação, num trabalho conjunto com a evangelização. Na atualidade, essa atuação se dá, sobretudo, no Grupo Educacional Bom Jesus, cuja sede é em Curitiba, e na Casa de Nossa Senhora da Paz, sediada em Bragança Paulista (SP).

       2.1 Educação evangelizadora no Grupo Educacional Bom Jesus

O Grupo Educacional Bom Jesus, vinculado à Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, entre outras entidades, compreende os colégios Bom Jesus, a FAE Centro Universitário, a FAE Business School e o Instituto dos Meninos Cantores de Petrópolis. Ao longo dos 83 anos de história, mais de três mil vozes cantaram no Coral dos Canarinhos de Petrópolis, recentemente declarado Patrimônio Cultural Imaterial do município de Petrópolis, RJ.

Atualmente, a rede de colégios do Grupo é constituída de 38 Unidades de Ensino, com mais de 26 mil alunos, em 5 estados do Brasil (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro), oferecendo um ensino de qualidade na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Ao longo dos seus quase 130 anos de história, é referência nacional em educação de excelência, formação socioemocional e valores franciscanos. 

 

 

Com base nesses pilares, o Grupo Educacional Bom Jesus tem por missão promover a formação integral do ser humano e a construção de sua cidadania de acordo com os princípios cristãos, sob a inspiração de Francisco de Assis, produzindo, sistematizando e socializando o saber científico, tecnológico e filosófico. 

Assim, de acordo com os compromissos do já mencionado Pacto Educativo Global, sobretudo o de colocar a pessoa no centro do processo educativo, o Bom Jesus possibilita que os alunos progridam no autoconhecimento, no protagonismo e na autonomia, para que criem o sentido de sua própria existência por meio de escolhas conscientes e responsáveis e para que sejam agentes de transformação da sociedade.

 

 

A identidade franciscana da Instituição é construída continuamente pelas ações da Pastoral Escolar e Universitária e de outros projetos de grande impacto na formação integral dos alunos e colaboradores, tais como: Virtudes e Atitudes, Tempo Franciscano, Servir com Amor e Alegria, Bom Jesus Social e FAE Social e ECOS (formação franciscana para os professores dos colégios Bom Jesus).

Os projetos Bom Jesus Social e FAE Social inspiram-se em Francisco de Assis que, impulsionado pela força divina e pelo amor misericordioso e compassivo de Jesus Cristo aos pobres e doentes, não ficou indiferente diante do sofrimento de pessoas acometidas por algum tipo de desamparo por parte da sociedade. Essa inspiração franciscana torna inerente à identidade franciscana do Grupo um olhar atento e compassivo às pessoas desprovidas do atendimento às suas necessidades básicas, como alimentação, moradia, saúde e educação.

O Ensino Superior do Grupo Educacional Bom Jesus atende mais de 6 mil alunos e agrega a FAE Centro Universitário, que oferta 20 cursos de graduação em dois campi (ambos no Paraná, um em Curitiba e outro em São José dos Pinhais), e a FAE Business School, que oferta 30 cursos de pós-graduação, programas de MBA e de Educação Executiva em seu campus localizado na capital paranaense. 

 

 

Ao longo de seus quase 70 anos de história, a FAE é reconhecida nacional e internacionalmente por sua excelência de formação integral dos alunos, ou seja, por sua missão de educar para a promoção de uma sociedade justa, sustentável e feliz. Essa proposta de formação de alto impacto social se dá em três dimensões interligadas: a intelectual, a prática e a socioemocional, ou seja, o Saber (cabeça), o Fazer (mãos) e o Ser (coração). 

A FAE, portanto, com base no ensino de qualidade, na pesquisa científica e na extensão universitária, tem por missão formar não apenas profissionais qualificados para o mercado de trabalho, mas pessoas íntegras e dispostas a gerar mudanças positivas e significativas que beneficiem todos na sociedade. Assim, tem se consolidado como referência na formação do ser humano, a partir dos valores franciscanos, e na construção de soluções de impacto social.

 

 

Sem dúvida, o envolvimento dos alunos da FAE em projetos sociais contribui significativamente para que o conhecimento acadêmico seja aplicado na solução de problemas reais, conferindo sentido prático ao que é aprendido em sala de aula. Além disso, a atuação em projetos sociais permite que os alunos desenvolvam habilidades e competências socioemocionais, como a empatia, a resiliência, a responsabilidade social e a solidariedade, e que, enfim, sejam agentes ativos de transformação social. 

Por fim, também é importante destacar que os colégios Bom Jesus e a FAE Centro Universitário são signatários do Pacto Global das Nações Unidas (ONU). Os princípios desse Pacto (Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção) e os seus objetivos de Desenvolvimento Sustentável reforçam o propósito de oferecer um ensino de qualidade aos nossos alunos do Ensino Fundamental e Superior e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, solidária, sustentável e feliz.

       2.2 Educação evangelizadora na Casa de Nossa Senhora da Paz – Ação Social Franciscana 

A Casa de Nossa Senhora da Paz – Ação Social Franciscana (CNSP-ASF) foi fundada em 1945, quando a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, da Ordem dos Frades Menores, criou-a com o propósito de contribuir para a educação e a assistência aos moradores do bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro (RJ). 

Atualmente, a CNSP-ASF é Mantenedora da Universidade São Francisco (USF), do Instituto Teológico Franciscano (ITF) e da Unidade Integrada de Farmacologia e Gastroenterologia (Unifag), e tem como missão “promover a cultura da educação para a paz e o bem, a partir de vivências plurais de evangelização, inspiradas nos valores franciscanos”. 

Fiel a essa inspiração, a Universidade São Francisco (USF), há 50 anos, atua com excelência acadêmica e compromisso social, promovendo o desenvolvimento integral humano dos estudantes e contribuindo para a construção de uma sociedade solidária e consciente de sua responsabilidade com o futuro da Casa Comum.

A USF está presente em São Paulo, nas cidades de Bragança Paulista, Campinas e Itatiba e também conta com os polos de educação a distância nos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Ao todo, são aproximadamente 28 mil estudantes e mais de 80 cursos de graduação, além de programas de mestrado e doutorado, especializações, MBAs e projetos de extensão. 

Ao longo de sua trajetória, formou mais de 100 mil estudantes, promoveu pesquisas de alto impacto social e de relevância nacional, contribuiu com o desenvolvimento regional e semeando os princípios da importância da justiça social. 

 

 

O centenário Instituto Teológico Franciscano (ITF), localizado em Petrópolis (RJ), também mantido pela CNSP-ASF, desempenha relevante contribuição para a reflexão teológica e na formação dos frades da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil.

Preocupada em contribuir cada vez mais e de forma efetiva com o avanço da ciência e do bem-estar humano, a CNSP-ASF fundou, em 1994, a Unidade Integrada de Farmacologia e Gastroenterologia (Unifag), que tem o objetivo de promover pesquisas no campo farmacêutico, na prestação de serviços especializados e na pesquisa no campo da indústria farmacêutica, apoiando, assim, o desenvolvimento científico e tecnológico na área de estudos de biodisponibilidade relativa e bioequivalência, para o futuro registro de medicamentos.

Portanto, a proposta franciscana de educação da USF e do Grupo Educacional Bom Jesus, ancorada nos valores do Evangelho, visa difundir um novo modelo de ser humano mais solidário e promover uma nova civilização de amor, paz e fraternidade universal. Esse processo educativo é evangelizador porque modifica propostas de vida que estão em desacordo com o Reino de Deus, e forma “pessoas livres e solidárias, inteligentes e compassivas, críticas e responsáveis, abertas à transcendência e comprometidas com a construção de um mundo mais humano, mais justo e mais belo” (Linhas de ação pastoral da ANEC, p. 43, 2025).


Frei João Mannes

Nossas Presenças: Espírito Santo

Os Franciscanos no Espírito Santo

Os Franciscanos são os parteiros do Brasil. É fato histórico que o Brasil nasceu nas mãos dos Franciscanos, sendo os únicos missionários durante os primeiros 50 anos de colonização. É a única Ordem religiosa que até hoje, nunca se afastou do povo brasileiro.

Mas foi só a partir de 1580 que os Franciscanos se organizaram juridicamente no Brasil, com a criação da primeira Custódia, sob os cuidados da Província de Santo Antônio de Portugal. Já organizados, fixaram sede em Olinda em 1584. 50 anos depois já tínhamos 12 conventos.

O primeiro convento fundado na parte sul do Brasil foi o de São Francisco em Vitória, Espírito Santo. Na região, desde 1558, já se encontrava o irmão leigo franciscano Frei Pedro Palácios, de origem espanhola, chegado para viver uma vida eremítica que, de fato levava, junto à capela de São Francisco do Monte, por ele levantada, em Vila Velha. Frei Pedro faleceu dois dias depois da primeira festa de Nossa Senhora da Penha, na segunda-feira da Páscoa de 1570. Depois da morte de Frei Pedro, sepultado aos pés da ermida, alguns leigos tomaram conta da capela até a chegada dos Franciscanos de Olinda para fundar o Convento São Francisco em Vitória.

O superior dos Franciscanos se encontrava na Bahia, em 1587, cuidando da construção do Convento São Francisco em Salvador. Foi procurá-lo Vasco Fernandes Coutinho, primeiro donatário do Espírito Santo, e lhe pediu a fundação de um convento em Vitória. Jaboatão dirá: “Fê-lo movido com santo zelo e serviço do Senhor, e bem comum e aumento espiritual, que com os ditos religiosos receberia esta sua Capitania; considerando o fruto que [os Franciscanos] faziam em as outras partes, onde já estavam com sua vida, exemplo e doutrina, oração e sacrifícios”.

Assim, em 1589, Frei Melchior de Santa Catarina, que era o superior, mandou ao Espírito Santo dois frades seus para ver as condições para a fundação de um convento. Um deles era Frei Antônio dos Mártires, recém-ordenado padre, que seria o primeiro guardião de Vitória, e Frei Antônio das Chagas. Os dois chegaram em novembro de 1589 e foram recebidos festivamente por todas as autoridades, mas não encontraram vivo Vasco Fernandes Coutinho, falecido meses antes. Hospedaram-se provisoriamente na casa cedida por Marcos Azeredo.

Os frades escolheram o local do futuro convento e lá construíram uma casa também provisória. Mas não puderam começar nada, porque lhes faltava a escritura e licença do Superior para construir. Depois de cinco meses retornaram a Olinda. Levaram ao Superior informações muito positivas e favoráveis, reforçadas por mensagens insistentes dos habitantes de Vitória. Frei Melchior aceita a fundação, devolve os mesmos dois frades ao Espírito Santo, agora com poderes de receber o terreno e levantar o convento. Frei Antônio dos Mártires voltou já nomeado guardião. E mais: os dois receberam a incumbência de, assim que lhes fosse possível, irem ao Rio de Janeiro ver o pedido de um convento lá.

O terreno escolhido para o convento São Francisco de Vitória pertencia a vários donos, entre os quais Manuel Pereira, Juliana Roiz e Antônio Gonçalves. Entraram em acordo e a escritura foi passada aos Frades no dia 5 de novembro de 1591. No dia seguinte, 6 de novembro de 1591, a Governadora da Capitania, Dona Luísa Grinalda, e a Câmara assinaram a escritura em favor dos Franciscanos também do morro e ermida da Penha. Vale a pena lembrar uma passagem do texto de doação: “Lhes damos sítio nesta vila de Vitória, onde ora estão, e nós com eles não menos edificados, que satisfeitos e consolados; e desejando nós corresponder da nossa parte, e manifestar a gratificação, que devemos, e a razão, que temos de louvar a Nosso Senhor pela mercê, que nos fez em nos trazer os ditos Religiosos a esta terra”.

Ainda em 1591 os frades lançaram a pedra fundamental do Convento, que passou a se chamar São Francisco de Vitória. Assim que puderam, foram cumprir a outra missão recebida: viajaram ao Rio de Janeiro. Obtiveram ali, por escritura de 28 de fevereiro de 1592, a ermida de Santa Luzia, com os terrenos adjacentes para a construção do Convento Santo Antônio, doação que, alguns anos depois, seria trocada pelo morro de Santo Antônio. No Rio, os dois frades ‘capixabas’ foram ao bispo para confirmar a doação recebida em Vitória, tanto o terreno para o Convento São Francisco quanto o morro da Penha.

De volta a Vitória, Frei Antônio dos Mártires, já famoso pelo zelo apostólico e caridade para com os pobres e doentes, faleceu ainda muito jovem. Foi sepultado na capela provisória e mais tarde seus ossos foram trasladados para o claustro do Convento, que ele não conseguiu terminar.

A construção continuou sendo levantada lentamente, com a ajuda das esmolas do povo simples. Ao mesmo tempo os Franciscanos atendiam a ermida de São Francisco do Monte, onde estavam sepultados os restos mortais de Frei Pedro Palácios, e a capela de Nossa Senhora da Penha, sempre visitada pelo povo. Com medo de serem profanados os ossos de Frei Pedro por devotos que queriam relíquias, os frades de Vitória trasladaram os ossos para a igreja do Convento em Vitória. Isso foi feito com muito respeito no dia 18 de fevereiro de 1609 pelo guardião Frei Antônio da Estrela, acompanhado pelos Frades. Observa mais tarde Jaboatão: “Os ossos limpos e a calvária com seus miolos inteiros e secos, sem corrupção alguma, um pedaço do cordão e outro do hábito”.

Os ossos se perderam, provavelmente para sempre, quando, em 1926, foram derrubadas paredes e refeitos ambientes para um orfanato. Os ossos de todos os frades foram removidos.

O Convento São Francisco de Vitória teve importante papel histórico na invasão dos holandeses a partir de março de 1625. Bem mais importante ainda seu papel nas missões dos indígenas e nas missões populares. Do Convento de Vitória os missionários entravam selva adentro até o Maranhão, viagens que duravam meses e até um ano inteiro. Fundamental foi sua participação na fundação de todos os conventos do sul do Brasil: Rio de Janeiro, Angra dos Reis, São Paulo, Itu, Taubaté, Macacu. Vários religiosos morreram no Convento São Francisco de Vitória em fama de santidade. Lembremos Frei Antônio de Santa Maria (+1633), Frei Simânico das Rosas (+1675), Frei Manoel de Santa Luzia (+1722).

De Vitória os frades iam continuamente à Penha. A pedra fundamental do atual Convento é de 1651. Mas só em 1750, o Convento assume a forma que hoje tem no cume do rochedo. Em 1653 os holandeses conseguiram saquear a ermida, levando todos os vasos sagrados de ouro e prata.

Em 1659 os Franciscanos da parte sul do Brasil (do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul, abrangendo Minas, Goiás e Mato Grosso) se tornaram um governo próprio, independente dos Frades do Nordeste e Norte, a Custódia da Imaculada Conceição. A sede do novo governo foi o Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro. No dia 15 de julho de 1675 foi elevada a província com o nome de Província da Imaculada Conceição, que alcançou o auge em 1761, com 481 Frades. Entre eles estão são Frei Antônio de Santana Galvão (1739-1822) e o venerável Irmão Frei Fabiano de Cristo (1676-1747).

Uma portaria imperial de 1855 proibiu definitivamente a entrada de noviços e a vinda de qualquer reforço de províncias europeias. O decreto mortífero abrangeu especialmente os franciscanos, os beneditinos e os carmelitas e tinha sua origem na maçonaria anticlerical e na ganância de se apossar dos bens dos conventos e mosteiros. Dom Pedro II se tornou irredutível aos muitos pedidos e justificativas dos Frades, embora fosse celebrar todos os anos a festa de São Francisco no Convento Santo Antônio (para cumprir uma promessa feita pela dinastia, que era consagrada a São Francisco).

Assim, os Franciscanos do Sul do Brasil foram se extinguindo. Em 1889, ao ser proclamada a República, havia um único frade na Província, Frei João do Amor Divino Costa (+1909). A Província foi perdendo não só seus frades, mas também seus bens. Frei João cuidou o quanto pôde do Convento São Francisco e do Convento da Penha. Chegou a morar parte do ano em Vitória. O último guardião do Convento São Francisco foi Frei Manoel de Santa Isabel, brasileiro fluminense. Nos dez anos seguintes (1857-1867), o Guardião da Penha cuidava também dos interesses do Convento São Francisco, até que, octogenário, teve de renunciar aos dois trabalhos. Frei João do Amor Divino Costa assumiu os dois conventos, governando-os a partir do Rio. Um padre diocesano celebrava os sacramentos e um leigo cuidava da administração e das festas. Isso até 1898, ano em que, depois de consultar os Superiores da Ordem, a Santa Sé entregou ambos os conventos à Mitra da recém-criada diocese do Espírito Santo, antes que o Governo republicano se apossasse de ambos, como tentou se apossar do Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro e se apossou de fato do Convento São Francisco em São Paulo.

O primeiro bispo do Espírito Santo Dom João Batista Correia Neri (1863-1920) pensou em transformar ou o Convento São Francisco (já bastante arruinado) ou o Convento da Penha em seminário.

A partir de 1891, a Província Franciscana alemã da Santa Cruz da Saxônia, começou o restauro das duas Províncias brasileiras. O restauro da Província no Espírito Santo só começou em 1941, quando o bispo Dom Luís Scortegagna (1881-1951) chamou os Franciscanos para repovoar o Convento da Penha. A entrada se deu no dia 31 de janeiro de 1942, conduzidos pelo próprio Bispo, mas a posse oficial ocorreu no dia 2 de fevereiro de 1942, quando o padre José Zurik, que por 26 anos fora capelão na Penha, entregou as chaves aos dois Franciscanos Frei Luís Wand (alemão, +1955) e Frei Gil Maria Wanderley Lima (brasileiro, + 1984).

O Governo provincial Franciscano e a Mitra diocesana entraram num acordo oficial (mas só completado sob Dom José Gonçalves, 1917-1988). A Mitra, com a aprovação da Santa Sé, devolveu todo o terreno da Penha aos Franciscanos. O Governo provincial Franciscano, agora com sede em São Paulo, doou as ruínas do Convento São Francisco à Mitra diocesana. Mesmo porque, pelas leis civis, ambos os bens pertenciam à Província da Imaculada Conceição.

Logo depois, Dom Scortegagna, precisando levar para a Catedral de Vitória o pároco de Vila Velha, para que fosse o Chanceler do Bispado, ofereceu a paróquia de Nossa Senhora do Rosário aos Franciscanos. Enquanto se faziam as transações jurídicas (em São Paulo durante a realização do Congresso Eucarístico Nacional, de que participava o Bispo do Espírito Santo), Frei Gil Wanderley passou a celebrar na quatro vezes centenária matriz do Rosário a partir de fins de abril de 1942. Chegadas a bom termo as combinações entre a Província e a Mitra, o governo provincial indicou o primeiro pároco franciscano de Vila Velha na pessoa de Frei Leopoldo Pires Martins (brasileiro, doutor em teologia, que, naquele momento estava traduzindo do latim para o português o famoso Catecismo Romano). Ele tomou posse no dia 27 de setembro de 1942, tendo como coadjutores os Frades da Penha e abrangendo a paróquia todo o município de Vila Velha. Em 83 anos, a Paróquia de Nossa Senhora do Rosário teve 16 párocos franciscanos e 48 coadjutores. Em 1956 os Frades que trabalhavam na paróquia passaram a constituir uma nova Fraternidade, a Fraternidade do Divino Espírito Santo.

A Igreja da Prainha, paróquia desde 1562 e desmembrada de Salvador da Bahia, embora reformada, tornou-se pequena para a população crescente da cidade. Era necessário construir um templo maior. Frei Firmino Matuschek enfrentou a construção, começada em maio de 1958, e levantou o hoje chamado Santuário do Espírito Santo sobre um terreno lodoso em que plantou 139 estacas de concreto de oito metros de profundidade. E sobre estas estacas seguras construiu a igreja de 62m de comprimento por 24m de largura e a inaugurou em grande solenidade no dia 21 de abril de 1967. É a maior igreja do Estado.

Em 2008 foi criada uma nova Fraternidade, de São Frei Galvão, em Colatina que, além da paróquia dá assistência ao único mosteiro de Clarissas do Estado, o Mosteiro da Santíssima Trindade.

A Ordem Franciscana Secular está presente com cinco Fraternidades. Algumas sob os cuidados dos Capuchinhos, que também têm uma longa e rica história apostólica no Estado.

Além do atendimento aos romeiros na Penha e celebrar anualmente a festa de Nossa Senhora na oitava da Páscoa (é a terceira maior festa mariana do Brasil), o Convento sediou nos anos 1950-1960 um grupo de franciscanos, missionários populares, que missionavam todo o território capixaba. Ainda hoje, no interior do Estado, Frei Anastácio é sinônimo de padre franciscano (trata-se do Frei Anastácio Hachmann, 1905-1989).

A Província restaurada tem no Espírito Santo, uma história bem mais curta do que a velha Província. Mas não com menor zelo apostólico nem menor santidade de seus Frades. Nos anos 70 chegou-se a comprar um terreno em Vila Velha para um possível seminário seráfico. Coisa que não aconteceu. Das muitas vocações nascidas no Espírito Santo, doze chegaram a fazer profissão na Província: Frei Antônio Alexandre Nader, Frei Antônio Gasparini, Frei Antônio José Correa, Frei Dorival José Zanotti, Frei Felipe Carretta, Frei Filipo Carpi Girão, Frei José Alves da Cruz, Frei Luís Flávio Adami Loureiro, Frei Noel Lima, Frei Pedro de Oliveira, Frei Róger Brunorio, Frei Vanderley Grassi.


Frei Clarêncio Neotti

Vila Velha, maio de 2025

Nossas Presenças: Rio de Janeiro

Rio de Janeiro- 350 anos de franciscanismo

Frei Anacleto Luiz Gapski

Introdução

Para falar da presença franciscana no Rio de Janeiro, é necessário voltar à chegada da esquadra dos descobridores que, no dia 22 de abril de 1500, aportou na praia de Cabrália, em Porto Seguro. Ali desembarcaram oito franciscanos: Frei Henrique de Coimbra e seus sete companheiros.
Celebraram a primeira missa, “plantaram” uma cruz e, em nome do Rei de Portugal, tomaram posse da terra que passaria a ser chamada de “Santa Cruz”. Depois, seguiram viagem rumo às Índias.

O estabelecimento definitivo de missionários franciscanos, porém, só aconteceria em 1585. Nesse intervalo, vieram alguns missionários avulsos, originários de Portugal, Itália e Espanha, que realizaram missões e atendimentos, especialmente entre os indígenas. Em 1549, chegaram também os primeiros missionários jesuítas.

Em 1558, Frei Pedro Palácios chegou ao Espírito Santo e fixou residência em Vila Velha. Construiu a ermida de Nossa Senhora da Penha, hoje um grande santuário mariano e centro de peregrinação de todo o Brasil. A Providência quis que a Penha quase delimitasse o centro da grande Custódia de Santo Antônio. Com a posterior divisão em duas Províncias, a Penha e todo o território ao sul passaram a constituir a Província Franciscana da Imaculada Conceição.

Antes e depois da separação:
Quando falamos, de modo efetivo, de nossa presença hoje no Rio de Janeiro, se faz necessária uma reflexão: nossa maneira de ser e de estar no Rio de Janeiro era uma quando ainda formávamos uma só e grande Custódia; bem outra é a nossa imagem após a separação como Custódia e, depois, com a elevação à Província independente. Isso aconteceu porque, naquela época (1659), tínhamos uma boa situação em termos de conventos e de material humano.

Conta Frei Basílio que, em carta de 06 de maio de 1674 (pouco antes da ereção canônica em Província), o visitador Frei Luiz da Ressurreição expôs ao Ministro Geral, pedindo autonomia e justificando que “já existiam 10 conventos no sul; que floresciam os estudos; e que havia muitos letrados capazes de governar” e que a Custódia estava em tão boas condições que a Província do Norte lhe pedia pregadores, professores, confessores e mestres de Filosofia e Teologia.

Essa situação perdurou ainda por um bom tempo, mas, depois, sofreu as consequências da influência do positivismo e do pensamento do Marquês de Pombal (Secretário de Estado de Portugal entre 1750 e 1777), sobrevindo um período de decadência que perdurou até a Proclamação da República. Nessa ocasião, em toda a extensão da Província restou apenas um único frade: Frei João do Amor Divino Costa.

A Proclamação da República tornou clara a separação entre a Igreja e o Estado e garantiu a liberdade religiosa, antes limitada pela influência da Igreja Católica na monarquia. Essa abertura possibilitou o pedido feito à Província alemã da Saxônia para que enviasse frades missionários a fim de socorrer as Províncias brasileiras em um processo de restauração. Nossa Província, com a chegada dos missionários vindos da Alemanha, concluiu a restauração em 1901. Os missionários que vieram também foram compartilhados pelas duas Províncias.

A distribuição dos conventos na época da separação era esta:
A Província de Santo Antônio ficava com Olinda, Baía, Iguaraçu, Paraíba, Recife, Ipojuca, Sirinhaém, Paraguaçu (noviciado), Sergipe do Conde, Cairu, Alagoas, Sergipe do Rei e Penedo, num total de 13 conventos.

A Província da Imaculada Conceição ficava com Vitória, Rio de Janeiro, Macacu (noviciado), Penha, São Paulo, Santos, Itanhaém, Angra dos Reis e São Sebastião, num total de 9 conventos. Acrescente-se mais um convento, o de Taubaté, aceito em 1673, perfazendo 10 conventos.

Um olhar no mapa da Província da Imaculada Conceição, quando ainda éramos Custódia, mostra que tínhamos mais presença na região norte do Rio de Janeiro (e até um pouco mais acima) do que após a separação e criação da Imaculada como Província autônoma. Havia uma igreja dedicada a São Miguel já no Espírito Santo; estávamos presentes na Região Verde, com o Convento de Angra dos Reis; na Região dos Lagos, em Cabo Frio e também em Arraial do Cabo; no Norte Fluminense, na região da cana-de-açúcar, havia uma bela igreja e convento em Quissamã; a paróquia em Conceição do Macabu (que possuía uma pequena estação de rádio) e a paróquia em Carapebus.

Em Macacu foi construído o noviciado de São Boaventura (que teve vida efêmera e do qual sobraram apenas as ruínas para contar sua história e sonhos). Nesta mesma lista, precisamos acrescentar: a Paróquia de Paty do Alferes (1940), dedicada a Nossa Senhora da Conceição, com suas diversas capelas; a Paróquia e Convento de Niterói (1949), com a Porciúncula de Santana e também o Leprosário de Venda das Pedras; as casas da Baixada Fluminense, algumas já citadas (como Duque de Caxias e São João do Meriti), outras não, como Nilópolis (Nossa Senhora Aparecida, que incorporou a antiga Nossa Senhora da Conceição), Santa Clara (Imbariê), Nossa Senhora do Pilar, São Francisco, Nossa Senhora Mãe Terra e Damião.

E creio que o último acréscimo seja o da Fraternidade de Nossa Senhora da Boa Viagem, na Rocinha, no Rio de Janeiro, em 2007.

Igreja e Convento Franciscano de Santo Antônio (RJ)

Uma longa história. Daria para escrever livros e mais livros… Coisa que já foi feita trêsvezes, na forma de um resumo histórico, desde sua origem até hoje.

O primeiro foi elaborado com dados fornecidos pelos religiosos do convento e abrangia o período inicial até 1915.

O segundo, com apresentação de Frei Pedro Sinzig, OFM, traz os dados do convento e o catálogo da Exposição Antoniana, do 7º aniversário da morte do Santo até 1931.

O terceiro, datado de 4 de outubro de 2006, cujo trabalho de revisão, ampliação e atualização textual é dos confrades Frei Clarêncio Neotti e Frei Róger Brunorio, apresenta o resumo do início até hoje.

Foi nossa primeira casa no Rio de Janeiro, fundada em 1608, e valorizamos sua idade. Foi, na época da ereção da Província da Imaculada, escolhido para ser o Provincialado, e sabemos de sua importância. Enfrentou momentos históricos de alegrias e tristezas, que podemos compartilhar. Sofreu as consequências do passar dos anos, mas valorosamente resistiu. Hoje passa por um processo de restauração que devemos acompanhar com atenção e na esperança de que Santo Antônio, do Largo da Carioca, volte à sua plenitude e reúna novamente seus devotos na fé.

Contextualizando realidades e história: Um desafio chamado Baixada Fluminense

Na história primitiva, início da presença franciscana na nascente Custódia de Santo Antônio, que, em determinado momento, torna-se Província, mantendo o mesmo nome e que se estendia desde Olinda (PE) até praticamente o extremo sul do Brasil, já encontramos o Convento Santo Antônio, do Largo da Carioca, RJ, ocupando um lugar de destaque e de importância a ponto de ser escolhido para ser o Provincialado e sede da nova Província, quando da divisão e independência surge a Província Franciscana da Imaculada Conceição (do sul do Brasil).

E quando falamos de nossas ações e da Evangelização Franciscana no Rio de Janeiro, é pouco falar apenas em Estado e/ou na cidade do Rio de Janeiro. A “cidade maravilhosa”, que cresceu e se desenvolveu muito depressa, se insere e mergulha numa região bem maior e extremamente diversificada e complexa, onde a vida nasce e explode pujante a cada dia. Essa é a realidade da Baixada Fluminense. Em vez de fixarmos a Baixada Fluminense como o resultado da expansão da região central do antigo Distrito Federal ao longo dos ramais ferroviários do subúrbio, podemos dizer que, na verdade, a Baixada Fluminense compõe o eixo central do Estado do Rio de Janeiro, abrangendo a capital, parte da Costa Verde, os municípios do extremo Oeste, os municípios do entorno da Baía de Guanabara, municípios da região dos Lagos e alguns do norte fluminense, gerando também uma situação de periferia distante…

Talvez não precisemos nos deter na geografia física da Baixada Fluminense, e se torne mais significativo tomarmos consciência da geografia humana desta nova realidade social e dos problemas humanos cada vez mais específicos, até mesmo quando são vistos apenas pela ótica da religião e da Evangelização.

Como sei que a Baixada, e de um modo especial Duque de Caxias e São João de Meriti, são memória permanente para todos os frades que lá passaram algum tempo durante seus estudos em Petrópolis, para o exercício da pastoral, e queria fazer um destaque especial, fiquei muito feliz quando encontrei um texto de Dom Tarcísio Nascentes dos Santos, atual bispo da Diocese de Duque de Caxias. Resolvi transcrever ao menos uma parte, na certeza de que irá fazer a alegria de todos os que lerem o texto sobre os 350 anos da Província da Imaculada e seu trabalho no Rio de Janeiro realizado por confrades que quase todos conheceram.

Desde já, nosso agradecimento a Dom Tarcísio e a lembrança de que estaremos anexando o texto “Patrimônio da Fé” aos arquivos da Província para a memória dos pósteros, mas também para ampliar nossa compreensão atual da Baixada e da complexidade de sua evangelização…

A Diocese de Duque de Caxias é uma diocese nova em termos administrativos, mas o seu território, que contempla os municípios de Duque de Caxias e de São João de Meriti, tem um passado colonial que se confunde com a história do Rio de Janeiro, pois efetivamente a ocupação do território hoje denominado Baixada Fluminense começou com a doação de sesmarias em 1565, após a expulsão dos franceses da ilha de Sergipe. Em 5 de setembro de 1565, o ouvidor-mor, Mem de Sá, Cristóvão Monteiro, recebeu de Estácio de Sá a sesmaria do rio Iguaçu, que deu origem aos primeiros engenhos do Recôncavo da Guanabara.

A Baixada Fluminense é uma região geográfica do Estado do Rio de Janeiro, pertencente à Região Metropolitana do Rio de Janeiro, ou Grande Rio. Existem várias formas de se identificar os limites da Baixada Fluminense, sendo a menos abrangente a que inclui apenas os oito municípios localizados no território correspondente ao antigo município de Iguaçu (região da Grande Iguaçu), e a mais abrangente aquela que considera como integrantes da região os 13 municípios remanescentes dos desmembramentos ocorridos nos antigos municípios de Itaguaí, Nova Iguaçu e Magé durante o século XX. Tem uma população estimada de 3.925.424.

Atualmente, a expressão “Baixada Fluminense” apresenta duas definições:
Uma em sentido estrito (definição predominante da expressão neste artigo), outra em sentido amplo. Em sentido estrito, a expressão se refere à região de natureza política, econômica e social abordada acima, definida pela sua relação com o restante da área metropolitana do Rio de Janeiro, especialmente com o núcleo metropolitano. Esta definição de “Baixada Fluminense” é a mais comum nos dias atuais. Das várias delimitações feitas dessa região, a mais abrangente engloba os municípios de Guapimirim, Magé, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Nilópolis, Belford Roxo, Mesquita, Queimados, Japeri, Paracambi, Seropédica e Itaguaí. É a segunda região mais populosa do estado (atrás apenas do município do Rio de Janeiro) e, tal como a capital fluminense e o Leste Metropolitano, é uma das três sub-regiões em que se divide a metrópole do Rio de Janeiro.

Já em sentido amplo, a expressão se refere à geografia física do Estado e denota toda a região de planícies localizada entre a Serra do Mar e o litoral do Rio de Janeiro, desde Mangaratiba até Campos dos Goytacazes. Essa região ainda é dividida em quatro setores: Baixada de Sepetiba, Baixada da Guanabara, Baixada de Araruama e Baixada dos Goytacazes.

A expressão “Baixada da Guanabara” também é utilizada algumas vezes para se referir à Baixada Fluminense em sentido estrito — porção da área metropolitana do Rio de Janeiro formada pelos 13 municípios já citados —, de modo a distinguir esta acepção de “Baixada Fluminense” daquela referente à região que se estende do Litoral Sul ao Norte Fluminense (Baixada Fluminense em sentido amplo).

Comparação entre a Baixada Fluminense e o Leste Metropolitano

Assim como a Baixada Fluminense, a região do Leste Metropolitano (Leste Fluminense ou Grande Niterói), composta pelos municípios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Maricá, Tanguá, Rio Bonito e Cachoeiras de Macacu — os sete municípios historicamente mais integrados entre si e com o Rio de Janeiro (sobretudo com a Região Central) a leste da Baía de Guanabara —, cresceu como expansão da metrópole do Rio de Janeiro, e ambas as regiões fazem parte da área metropolitana da capital fluminense.

Contudo, essas duas regiões diferem consideravelmente uma da outra, dado que se formaram de modos bem distintos. A Baixada Fluminense cresceu como periferia imediata do Rio de Janeiro, pela expansão direta da mancha urbana da cidade para a porção do antigo estado do Rio de Janeiro localizada ao norte do então Distrito Federal — uma área de planícies situada entre o território correspondente ao atual município do Rio de Janeiro e a Serra do Mar.

O Leste Metropolitano, por sua vez, cresceu como uma periferia isolada, separada fisicamente da cidade do Rio de Janeiro pela Baía de Guanabara. A mancha urbana da Grande Niterói se expandiu a partir do centro da cidade de Niterói para os demais municípios da região, ainda que o núcleo metropolitano, que polariza tanto a Baixada Fluminense como a Grande Niterói, seja o centro da cidade do Rio.

Desse modo, as regiões da Baixada Fluminense e do Leste Metropolitano possuem, cada uma, sua própria identidade, e os municípios que compõem cada região têm características em comum que deixam clara a distinção entre uma e outra. Devido à origem e à formação de cada uma dessas regiões, o Leste Metropolitano possui uma certa autonomia em relação ao Rio (em grande parte, em função do papel que a cidade de Niterói exerce na região), enquanto a Baixada é extremamente dependente da capital; os municípios do Leste Metropolitano apresentam uma interação uns com os outros um pouco maior do que aquela observada entre os municípios da Baixada, ao passo que os municípios da Baixada, em geral, possuem um vínculo um pouco maior com o centro da capital, o que pode ser visto nos sentidos dos movimentos pendulares dentro da área metropolitana e nos destinos das linhas urbanas de transporte público disponíveis nessas duas regiões.

A ligação interna entre os sete municípios da Grande Niterói é feita por linhas intermunicipais de ônibus e vans. Já o transporte entre esses municípios e a cidade do Rio de Janeiro é feito diretamente (partindo de cada um dos sete municípios) pelo modal rodoviário (ônibus e vans), e, a partir de Niterói, pelas barcas.

Já na Baixada Fluminense, o principal meio de transporte é o trem de subúrbio; os ramais ferroviários ligam quase todos os municípios da região à Central do Brasil, no centro da capital. Linhas intermunicipais de ônibus (partindo dos treze municípios da Baixada Fluminense) e vans também fazem a ligação entre a Baixada e a Região Central do Rio. Quanto à circulação dentro da Baixada Fluminense, embora haja linhas de ônibus ligando todos os municípios da Baixada entre si, não há vans intermunicipais na região fazendo esses mesmos trajetos.

Tanto a região da Baixada Fluminense como a do Leste Metropolitano são fortemente vinculadas ao núcleo metropolitano (Região Central da capital), e os municípios que fazem parte de cada uma dessas regiões mantêm uma forte interação entre si — sendo, dessa forma, altamente integrados à metrópole —, no entanto, as regiões da Baixada e do Leste Metropolitano não apresentam ligação significativa uma com a outra.

Principais vetores de expansão da metrópole do Rio de Janeiro em direção às periferias da área metropolitana

Do centro do Rio de Janeiro para a Baixada Fluminense:

Vetor Campo Grande – Santa Cruz – Itaguaí: segue a BR-101 pelo eixo da Av. Brasil/Rodovia Rio-Santos e do ramal ferroviário de Santa Cruz, passando pelos bairros de Campo Grande e Santa Cruz até atingir o centro do município de Itaguaí. Bifurcações na altura de Cascadura e Madureira em direção à Barra da Tijuca; na altura de Campo Grande, em direção a Guaratiba; e de Campo Grande seguindo para a Rodovia Presidente Dutra, passando pelos municípios de Nova Iguaçu e Seropédica.

Vetor Nova Iguaçu – Japeri – Paracambi: segue, entre São João de Meriti e Nova Iguaçu, pelo eixo da BR-116 (Rodovia Presidente Dutra), continuando, na altura de Comendador Soares, pelo ramal ferroviário de Japeri/Paracambi, que atravessa os municípios de Nova Iguaçu, Queimados e Japeri, até chegar ao centro de Paracambi. Bifurcações em Nova Iguaçu no sentido Cabuçu; em Nova Iguaçu, atravessando o município de Queimados pela BR-116, no sentido Seropédica; e em Nova Iguaçu em direção a Miguel Couto e Vila de Cava.

Vetor Duque de Caxias – Magé – Guapimirim: atravessa o município de Duque de Caxias seguindo pela Rodovia Washington Luís (BR-040) e pelo ramal ferroviário de Saracuruna em direção ao norte. Bifurcações pelo ramal ferroviário de Vila Inhomirim para Raiz da Serra, no município de Magé; e pelo ramal ferroviário de Guapimirim e BR-116 para o centro de Magé, alcançando, mais adiante, o centro de Guapimirim.

Do centro de Niterói para o Leste Fluminense:

Vetor Itaboraí – Tanguá – Rio Bonito: atravessa São Gonçalo pelas Rodovias Amaral Peixoto (RJ-104) e Niterói-Manilha (BR-101) até chegar ao trevo de Manilha, em Itaboraí, de onde continua, ainda pela BR-101, passando por Itaboraí e Tanguá, até chegar ao centro de Rio Bonito. Bifurcações em Manilha, no município de Itaboraí, atravessando, pela Estrada do Contorno, o município de Guapimirim no sentido Magé; na Reta Nova, em Itaboraí, atravessando Sambaetiba, Papucaia e Japuíba até alcançar o centro do município de Cachoeiras de Macacu; e em Tribobó, no município de São Gonçalo, atravessando a região do Arsenal e Rio do Ouro pela RJ-106, até encontrar o Vetor Maricá.

Vetor Pendotiba – Rio do Ouro – Maricá: atravessa toda a região litorânea, passando pela Zona Sul de Niterói, Pendotiba e Região Oceânica de Niterói, até encontrar a RJ-106, no Rio do Ouro, por onde segue, passando por Inoã e São José de Imbassaí, até o centro de Maricá.

Situação na periferia distante

Diferentemente do que aconteceu nas áreas do centro do Rio (núcleo metropolitano) e da periferia consolidada (subúrbio do Rio), onde houve intenso processo de ocupação e metropolização que resultou no adensamento da mancha urbana do município do Rio de Janeiro e de grande parte da Baixada Fluminense e do Leste Metropolitano, nos municípios e distritos da periferia em expansão (exúrbio do Rio) — localizados nas partes da Baixada e do Leste Metropolitano mais distantes do núcleo —, o processo de metropolização ocorreu de forma mais branda.

Como efeito disso, algumas características metropolitanas nessa área do Grande Rio se apresentam de forma um pouco mais tênue. Por exemplo, os eixos radiais de expansão urbana da metrópole que avançam pelos municípios e distritos dessa periferia geralmente não apresentam bifurcações por vetores transversais (como as que existem em municípios e distritos mais próximos ao núcleo da metrópole); a ligação das localidades da periferia em expansão ao núcleo metropolitano por linhas urbanas de transporte público é mais limitada do que a das localidades da periferia consolidada e do entorno imediato do núcleo ao centro da capital; e a intensidade dos deslocamentos pendulares intrametropolitanos com origem na área exurbana é mais baixa que a desses fluxos populacionais com origem na área suburbana e nos arredores do centro do Rio.

Apesar de o avanço da urbanização sobre os municípios e distritos da periferia em expansão ter-se acelerado muito nas últimas décadas, essa parte da metrópole ainda se apresenta como uma região da periferia distante, com densidade demográfica relativamente baixa e vastas áreas rurais. Contudo, embora os municípios e distritos do exúrbio do Rio de Janeiro apresentem menos características metropolitanas do que a maioria das localidades do subúrbio e do núcleo metropolitano — no que diz respeito, por exemplo, ao fluxo pendular de pessoas entre os municípios da metrópole, à disponibilidade de linhas urbanas de transporte público coletivo com destino ao centro do Rio, e ao espraiamento do tecido urbano da metrópole em direção às periferias —, os municípios e distritos dessa periferia distante são polarizados pela Região Central do Rio há décadas, estando inseridos na dinâmica da metrópole carioca e sendo, deste modo, integrantes da aglomeração metropolitana do Rio.

Geografia Física

A Baixada Fluminense, no sentido amplo da expressão, apresenta largura variável: é bastante estreita no trecho inicial da “Baixada de Sepetiba” (trecho que se estende do município de Mangaratiba ao bairro Coroa Grande, em Itaguaí, entre a Serra do Mar e a Baía de Sepetiba) e se alarga progressivamente no sentido leste até o rio Macacu, na região da “Baixada da Guanabara”, que se prolonga até os municípios de Guapimirim e Cachoeiras de Macacu. Nesse trecho, no município do Rio de Janeiro, entre a Zona Oeste (Baixada de Sepetiba), Zona Norte e Zona Sul (Baixada da Guanabara), erguem-se os maciços da Pedra Branca e da Tijuca, que atingem altitudes um pouco superiores a mil metros.

Da Baía da Guanabara até Cabo Frio, ao longo do setor da “Baixada de Araruama”, a Baixada Fluminense volta a estreitar-se, apresentando uma sucessão de pequenas elevações de 200 a 500 metros de altura: os chamados “maciços litorâneos fluminenses”. A partir do trecho entre o distrito de Rocha Leão, em Rio das Ostras, e o bairro Imboassica, em Macaé, a Baixada Fluminense se alarga novamente pelo seu último setor, a “Baixada dos Goytacazes”, alcançando suas extensões máximas no delta do rio Paraíba do Sul, na região de Campos dos Goytacazes e São João da Barra, no Norte Fluminense.

Geografia Humana

Atualmente, a expressão “Baixada Fluminense” refere-se principalmente à região pela qual a malha urbana do Rio de Janeiro (então Distrito Federal) se expandiu, em grande parte, ao longo dos ramais ferroviários de subúrbio. Essa região abrange os municípios que tiveram origem nas emancipações de distritos do antigo município de Nova Iguaçu, aos quais, geralmente, se somam os municípios originados nos desmembramentos dos municípios de Itaguaí e Magé, que também se situam na área de expansão da metrópole.

Neste sentido mais abrangente, a região engloba toda a área de planícies localizada entre o atual município do Rio de Janeiro e a Serra do Mar, desde Itaguaí e Paracambi, no Extremo Oeste Metropolitano, até Guapimirim, na região do Fundo da Baía de Guanabara, reunindo municípios com características socioculturais em comum e fortemente integrados entre si e com a capital.

Em sentido amplo, a Baixada Fluminense é considerada o eixo central do estado do Rio de Janeiro, abrangendo a capital estadual, parte da Costa Verde, os municípios do Extremo Oeste Metropolitano, todos os municípios do entorno da Baía de Guanabara, as Baixadas Litorâneas (incluindo os sete municípios da Região dos Lagos) e alguns municípios do Norte Fluminense. É atravessada por algumas das principais rodovias do Estado do RJ e do Brasil, como a BR-101 (que passa pela Costa Verde, Região Metropolitana, Baixadas Litorâneas e Norte Fluminense, cortando, assim, toda a Baixada Fluminense), a BR-040, a BR-116 e a RJ-106.

Também é atravessada, dentro da área metropolitana, pelos ramais ferroviários Santa Cruz (que tem todo o seu percurso dentro do município do Rio de Janeiro), Japeri, Belford Roxo, Saracuruna, Paracambi (cujo percurso acessa a região turística do Vale do Café), Vila Inhomirim e Guapimirim, todos operados pela concessionária de trens urbanos SuperVia; a região também já foi servida pelos ramais Niterói, Itaguaí, Mangaratiba e Campos (os dois últimos são os únicos que já serviram municípios do interior do estado). Possui os portos do Rio de Janeiro, Niterói, Itaguaí e o Porto do Forno, em Arraial do Cabo.

História

Por volta do ano 1000, a região foi invadida por povos Tupis procedentes da Amazônia, que expulsaram os antigos habitantes, falantes de línguas do tronco linguístico macro-jê, para o interior do continente, onde viriam a constituir os chamados Índios Puris. No século XVI, chegaram os primeiros europeus à região. Eles se depararam com a etnia tupi dos Tupinambás (também chamados Tamoios).

A região teve papel histórico fundamental na formação do atual estado do Rio de Janeiro, desde a época da chegada das expedições portuguesas de Américo Vespúcio em Arraial do Cabo, em 1503 (a primeira a chegar ao atual território estadual), e a de Estácio de Sá no Rio de Janeiro. Essa região veio a ser ocupada pelos franceses no século XVI, formando uma área de exploração do pau-brasil desde a região da atual cidade do Rio de Janeiro até Cabo Frio.

A cidade do Rio de Janeiro foi essencial para a fundação e consolidação da capital estadual, pois era o primeiro ponto de chegada dos invasores europeus na costa: assim que os navios corsários eram avistados, tiros de canhão eram disparados em Cabo Frio, e, quando o som chegava ao Rio de Janeiro, avisava-se que invasores estavam se aproximando.

Com a vitória dos portugueses e seus aliados temiminós sobre os tupinambás e seus aliados franceses, a Baixada Fluminense foi dividida pelos portugueses em sesmarias nas quais se plantava cana-de-açúcar e se produzia açúcar, utilizando-se de mão de obra escrava.

A região conheceu um certo desenvolvimento a partir do ciclo de mineração no Brasil, no século XVIII, quando foi importante corredor de escoamento do ouro de Minas Gerais. Mais tarde, já no século XIX, foi uma das primeiras regiões de plantio do café no Brasil.

Outro grande impulso econômico se deu com a criação das estradas de ferro na região, como a Estrada de Ferro Mauá (a primeira ferrovia do Brasil), em Magé, e a Estrada de Ferro Dom Pedro II (atual E.F. Central do Brasil), já no Segundo Reinado (1840-1889), o que esvaziou as rotas tradicionais pelos rios e caminhos da região, mas fez surgir novas vilas e povoados no entorno das estações, como Maxambomba (atual Nova Iguaçu) e Belém (atual Japeri), que hoje formam as principais cidades da região. Na época, também teve grande impulso a citricultura.

No início do século XX, a Baixada Fluminense começou a receber obras de drenagem, ainda que de forma bastante irregular, com o intuito de torná-la minimamente habitável para receber a grande leva de migrantes vindos de outros cantos do país em busca de melhores condições de vida na então capital federal, a cidade do Rio de Janeiro, bem como para diminuir os graves problemas de saúde, marcadamente os surtos de malária que assolavam a região.

Tais movimentos migratórios foram uma constante na história da região, seja pelos tropeiros nas estradas que ligavam o Rio e a Baixada às Serras antes da inauguração da linha férrea, seja no momento pós-abolição, quando um grande número de ex-escravos e/ou seus descendentes usou a mesma linha férrea com destino ao Rio em busca de melhores oportunidades. Muitos desses migrantes acabaram se estabelecendo na Baixada ou na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Aspectos sociais e problemas

Na segunda metade do século XX, com a onda de migração proveniente sobretudo da Região Nordeste do Brasil, consolidou-se a imagem da Baixada como uma região de grandes problemas sociais e de violência urbana, que perdura até hoje. Muitos desses problemas resultaram da ausência do poder público, somada à ocupação irregular da região, que ficou à mercê de chefes locais e da atuação de grupos paramilitares (esquadrões da morte, milícias).

  • A região também é conhecida pelo coronelismo ou clientelismo, praticado por políticos locais muitas vezes com o uso da força. Nesse campo, destacou-se Tenório Cavalcante, conhecido por controlar Duque de Caxias com mãos de ferro e crueldade para com seus opositores.
  • Por esses problemas, seus moradores enfrentam estigma ao buscar oportunidades de emprego em alguns bairros da capital estadual, pois, apesar do parque industrial, a região se configura como uma região-dormitório, o que faz com que seus habitantes enfrentem horas nos engarrafamentos diários nas vias expressas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
  • Culturalmente, reina a diversidade. A leva de migrantes, fossem ex-escravos do Sul Fluminense ou vindos da Região Nordeste do Brasil, favoreceu a manutenção e renovação de diversas festas e comemorações, como a Folia de Reis e até mesmo o jongo, sendo este último pouco comum na Região Metropolitana do Rio de Janeiro atualmente, com exceção do grupo de jongo da Serrinha, em Madureira.
  • As religiões de matriz africana também são presentes e ativas na região. Diversos terreiros de candomblé foram fundados entre as décadas de 1970 e 1980, tornando a região um dos polos religiosos mais ativos e dinâmicos dessas religiões. Ialorixás importantes, como Mãe Beata de Iemanjá, possuem terreiros na região, principalmente em Nova Iguaçu; Mejitó Marcia de Sàkpáta, em São João de Meriti; e Mãe Meninazinha d’Oxum, em Belford Roxo.
  • Das três regiões em que costuma ser dividida a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a Baixada é a segunda mais populosa, com aproximadamente quatro milhões de habitantes, só sendo superada pela capital.

Deslocamentos pendulares diários

Apesar de a Baixada Fluminense possuir algumas das mais importantes centralidades da Região Metropolitana, como Duque de Caxias e Nova Iguaçu, a maioria dos moradores tem a capital como local de trabalho. O Censo de 2010 apresenta os números absolutos de moradores da Baixada que precisam fazer movimentos pendulares diários a trabalho dentro do Grande Rio, bem como a parcela desses trabalhadores que se dirige ao município do Rio de Janeiro, por município de residência.

Divergências quanto a seus limites

Quanto aos municípios que compõem a Baixada Fluminense, há unanimidade em relação a Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Nilópolis, Belford Roxo, Mesquita, Queimados e Japeri (municípios da Grande Iguaçu). No entanto, alguns autores consideram, além desses oito municípios, Guapimirim, Magé, Paracambi, Seropédica e Itaguaí (originados dos desmembramentos dos antigos municípios de Magé e Itaguaí durante o século XX) como integrantes da região.

Trilhas franciscanas:  Diocese de Duque de Caxias

A Diocese de Duque de Caxias é uma diocese nova em termos administrativos, mas o seu território, que contempla os municípios de Duque de Caxias e São João de Meriti, tem um passado colonial que se confunde com a história do Rio de Janeiro, pois, efetivamente, a ocupação do território hoje denominado Baixada Fluminense começou com a doação de sesmarias em 1565, após a expulsão dos franceses da Ilha de Serigipe. Em 5 de setembro de 1565, o ouvidor-mor de Mem de Sá, Cristóvão Monteiro, recebeu de Estácio de Sá a sesmaria do rio Iguaçu, que deu origem aos primeiros engenhos do Recôncavo da Guanabara. Em 7 de dezembro de 1596, Dona Marquesa Ferreira, viúva de Cristóvão Monteiro, fez uma doação de terras para o Mosteiro de São Bento; dessa maneira, a maior parte das terras que pertenciam à sesmaria do rio Iguaçu passou a ser dos Beneditinos, pois, além dessa doação, eles já haviam recebido de Jorge Ferreira 300 braças de terras em 11 de novembro de 1591. Em 25 de abril de 1602, o então governador Francisco de Sousa emitiu uma nova carta de sesmaria, passando a propriedade para o Mosteiro de São Bento. Dessa forma, a Fazenda do Iguaçu passou a se chamar Fazenda de São Bento do Iguaçu, tendo os Beneditinos realizado mais compras de terras em Iguaçu até 1669.

Na fazenda produzia-se uma diversidade de produtos, como açúcar, melaço, aguardente, farinha, telhas, ladrilhos e tijolos; além da criação de gado e aves. Nas margens dos principais rios foram erguidas igrejas, fazendas, engenhos e engenhocas e, na medida em que os arraiais prosperavam, crescia a necessidade de criar freguesias, para que a Coroa pudesse ter o controle sobre a região e os meios de produção. A Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Iguassu e parte das Freguesias de Santo Antônio de Jacutinga, São João Batista do Traraiponga e Nossa Senhora da Piedade de Anhum-mirim (Inhomirim) ocupavam o atual território do município de Duque de Caxias e São João de Meriti.

Sobre a Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Aguassu, Morabahi e Iaguare, elevada a essa condição provavelmente entre 1612 e 1629, destacamos a grande importância de seu porto do rio Pilar, sua posição estratégica no Caminho Garcia Paes e a construção de um posto de fiscalização do ouro, transformando-o em um grande entreposto comercial. Devemos destacar também a importância da Igreja de Nossa Senhora do Pilar do Iguassu, pois, por ser a matriz da freguesia, era responsável por todos os registros administrativos, além de apresentar características arquitetônicas no estilo barroco, pouco presente na região da Baixada Fluminense.

A Freguesia de São João Batista do Traraiponga foi elevada a essa condição em 1647, sendo mais tarde denominada São João Batista de Meriti, e sobre ela devemos destacar a importância do rio Meriti, que escoava livremente o produto das lavouras. Funcionaram, entre 1769 e 1779, nove engenhos de açúcar e duas engenhocas, cuja produção agrícola elevava-se a 800 sacos de farinha, 140 de feijão, 145 de milho e 390 de arroz. Destacamos a Igreja de São João Batista do Traraiponga, que serviu de matriz para a freguesia até meados de 1660, quando entrou em processo de degradação e foi abandonada, sendo construída outra igreja mais próxima do rio, com o orago dedicado a São João Batista do Meriti; mais tarde, esta também se deteriorou, havendo a necessidade da construção de uma nova em 1708, já com orago de devoção à Nossa Senhora da Conceição.

Quanto à antiga Matriz de São João Batista do Traraiponga, houve uma reforma em 1930, realizada pelo bispo diocesano de Barra do Piraí, Dom Guilherme Mueller, mudando seu nome para Igreja Santa Terezinha do Menino Jesus, atualmente no território do bairro Parque Lafaiete, em Duque de Caxias. Sobre a Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga, elevada a essa condição em 1755, destacamos a grande importância da Fazenda São Bento do Iguaçu, com a produção de açúcar, farinha e sua olaria. A produção da olaria do mosteiro, além de ser comercializada, serviu para obras da fazenda e para a construção do Mosteiro de São Bento na cidade do Rio de Janeiro, e seus produtos alimentícios abasteceram as tropas que vieram de Minas Gerais para combater os invasores franceses no ano de 1711.

A capela de devoção a Nossa Senhora das Candeias teve a sua construção provavelmente finalizada entre 1645 e 1648. Devemos destacar que a construção da casa-grande, que ainda resiste ao tempo, mantendo-se erguida, teve início entre 1754 e 1757. No século XVIII, as terras passaram para as mãos da irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos que, mais tarde, transferiu a devoção da capela para Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Atualmente, parte da área da Fazenda São Bento do Iguaçu, que ainda se encontra como propriedade da Diocese de Duque de Caxias, está localizada no bairro de São Bento, nesse município.

Na Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Anhum-mirim (Inhomirim), elevada a essa condição em 1647, destaca-se a grande importância da abertura do Caminho do Proença, em 1724, por Bernardo Soares de Proença, uma variante que ligava Paty de Alferes à Serra dos Órgãos, atravessava o rio Inhomirim e fazia parada no porto Estrela; dali, seguia pela Baía de Guanabara para o porto dos Mineiros, atual Praça XV, no Rio de Janeiro. Esse caminho era menos íngreme, encurtava ainda mais a viagem, favorecendo a segurança das mercadorias e menores despesas com as tropas.

Mesmo com o esgotamento do ouro em Minas Gerais, o Porto Estrela não perdeu sua importância de ligação entre o litoral e o interior. Em 1846, foi criada a Vila de Estrela, que viria a perder esse status em 1891. Em 10 de dezembro de 1836, foi fundada novamente a Vila de Iguassu, após sua primeira fundação em 1833, pois alguns fatores políticos levaram à extinção desta Vila em 1835. A Vila de Iguassu foi formada pelas seguintes freguesias: Nossa Senhora da Piedade do Iguassu, Santo Antônio do Jacutinga, Nossa Senhora do Pilar, São João Batista de Meriti e Nossa Senhora do Marapicu. Em 1833, a Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Anhum-mirim (Inhomirim) constituía o território da Vila de Iguassu, mas, com a extinção desta, ela foi anexada à Vila de Magé, não retornando ao território de Iguassu em 1836.

A partir da Proclamação da República, houve uma reorganização jurídica e várias mudanças político-administrativas, transformando vilas em municípios e freguesias em distritos. Em 1891, essas transformações deram início à formação do território do hoje município de Duque de Caxias. O então município de Iguassu passou a ser composto pelos distritos de Santo Antônio de Jacutinga, Marapicu, Piedade de Iguassu, Santana das Palmeiras, Merity e Pilar (este último integrava os atuais Imbariê e Xerém, respectivamente 3º e 4º distritos do município de Duque de Caxias, e que anteriormente fazia parte da extinta Vila de Estrela). Em 1916, o município de Iguassu já se denominava Nova Iguaçu e encontrava-se dividido em sete distritos: 1º) Nova Iguaçu; 2º) Marapicu; 3º) Cava; 4º) Arraial de Pavuna e São João de Meriti; 5º) Santa Branca; 6º) Xerém; 7º) São Mateus.

Em 14 de março de 1931, pelo Decreto Estadual nº 2559, foi inaugurado o 8º distrito de Nova Iguaçu, denominado Caxias e formado pelos povoados de Merity, que se tornou a sede do distrito, e o de São João de Meriti, além das terras do Pilar que foram desanexadas do distrito de Xerém. Em 31 de dezembro de 1943, pelo Decreto-Lei Estadual nº 1055 e confirmado pelo nº 1056, o então oitavo distrito de Nova Iguaçu emancipou-se, sendo criado o município de Duque de Caxias.

De acordo com o Decreto-Lei nº 1063, de 28 de janeiro de 1944, ordenaram-se os distritos do novo município:
1º Duque de Caxias, que se tornou a sede;
2º Merity;
3º Imbariê.

Em 20 de junho de 1947, o 2º distrito, Merity, foi emancipado e desanexado do município de Duque de Caxias, passando a constituir um novo município sob a denominação de São João de Meriti. Em 28 de maio de 1954, pela Lei nº 2157, as terras do 3º distrito foram desmembradas, sendo criados novos distritos: 2º) Campos Elíseos e 4º) Xerém. Nesse território, a Diocese de Duque de Caxias constituiu-se em 12 de julho de 1981, contemplando os municípios de Duque de Caxias e São João de Meriti, que anteriormente estavam subordinados a outras dioceses.

A história das administrações eclesiásticas do Rio de Janeiro começou com a criação da Prelazia de São Sebastião do Rio de Janeiro, em 19 de julho de 1575, pelo Papa Gregório XIII, com a Bula In supereminenti, território antes administrado pelo bispado de São Salvador. Novas dioceses foram sendo instaladas e a então Prelazia de São Sebastião foi elevada à condição de Diocese em 16 de novembro de 1676, pelo Papa Inocêncio XI, por intermédio da Bula Romani pontifici pastoralis sollicitudo. Em 27 de abril de 1892, o Papa Leão XIII, com a Bula Ad universas orbis ecclesias, instalou a Diocese de Nitéroi, sendo desanexada da Diocese do Rio de Janeiro.

Em 4 de dezembro de 1922, o Papa Pio XI, pela Bula Ad supremum apostolicae sedis, instalou a Diocese de Barra do Piraí, território que foi desanexado da Diocese de Niterói. Os municípios de Duque de Caxias e São João de Meriti passaram a ser administrados por essa Diocese. Durante o pontificado do Papa Pio XII, no dia 13 de abril de 1946, foi instalada a Diocese de Petrópolis, pela Bula Pastoralis qua urgemur, que ficou responsável pelos territórios da Baixada Fluminense e parte da região serrana, sendo seu primeiro bispo Dom Manoel Pedro da Cunha Cintra. Em 26 de março de 1960, o Papa João XXIII, pela Bula Quandoquidem verbis, criou a Diocese de Nova Iguaçu, que foi formada por territórios que pertenciam às dioceses de Barra do Piraí, Volta Redonda e Petrópolis.

O município de Duque de Caxias permaneceu sob a responsabilidade da Diocese de Petrópolis, enquanto o município de São João de Meriti ficou sob a tutela da Diocese de Nova Iguaçu, que tinha como bispo Dom Adriano Mandarino Hypólito. A Diocese de Petrópolis compreendia os seguintes municípios: Petrópolis, Teresópolis, São José do Vale do Rio Preto, Magé, Guapimirim, Duque de Caxias, São João de Meriti, parte do município de Três Rios (Bemposta) e parte do município de Paraíba do Sul (Paróquia de Inconfidência).

Como área de abrangência na Baixada Fluminense e parte da região serrana, ao ser criada, essa Diocese assumiu as paróquias: São Pedro de Alcântara, de Petrópolis; Santo Antônio do Alto da Serra; São Norberto; Cascatinha; Itaipava; São José do Rio Preto; Santo Antônio do Alto da Serra de Sebastiana; Nossa Senhora da Piedade de Magé; São Nicolau de Suruí; Inhomirim; Guapimirim; Nossa Senhora da Guia de Pacobaíba; Sant’Ana de Tiradentes; Nossa Senhora da Conceição de Bemposta; Nossa Senhora das Dores de Areal; Nossa Senhora do Pilar; São João de Meriti e Duque de Caxias.

No período entre 1971 e 1985, Duque de Caxias foi considerado “Área de Segurança Nacional” e seus prefeitos eram interventores nomeados pelo governo federal. Os municípios viviam com extrema dificuldade financeira, falta de segurança e problemas administrativos e sociais. Membros do clero dessa área sempre se mantiveram presentes junto à população nas lutas sociais e, muitas vezes, estiveram envolvidos nos movimentos populares, em associações de moradores e sindicatos. Ainda sob responsabilidade das dioceses de Petrópolis e Nova Iguaçu, os municípios de Duque de Caxias e São João de Meriti tinham certas carências administrativas e pleitearam a criação de uma nova diocese que contemplaria os dois municípios. Vários argumentos foram apresentados, dentre eles: a distância da região em relação à sede da Diocese de Petrópolis; diversidades entre as populações que integravam a Diocese, em Petrópolis e na Baixada Fluminense; a Diocese de Nova Iguaçu atendia uma área extensa, uma população bastante numerosa e poucos padres para atender à área de São João de Meriti; além da distinção no desenvolvimento populacional, religioso, econômico e cultural dos municípios.

A Diocese de Duque de Caxias foi criada em 11 de outubro de 1980, pela Bula Qui Divino Concilio, do Papa João Paulo II, e instalada em 12 de julho de 1981, compreendendo os municípios de Duque de Caxias e São João de Meriti. Seu primeiro bispo foi Dom Mauro Morelli, nomeado em 25 de maio de 1981, sendo a padroeira da nova Diocese Nossa Senhora do Pilar. A Catedral Diocesana é dedicada a Santo Antônio e sua primeira sede foi elevada à condição de Matriz em 8 de abril de 1942. A divisão da Diocese foi feita em três regionais: Centro, Periferia e São João. Atualmente, a Diocese é formada por 21 paróquias e 1 quase paróquia, totalizando 246 comunidades e 19 núcleos.

A cerimônia de instalação da Diocese foi um momento em que estiveram presentes as maiores autoridades do clero nacional, como Dom Paulo Evaristo Arns, na época arcebispo de São Paulo; Dom Manoel Pedro da Cunha Cintra, bispo de Petrópolis; representando o arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Sales, que neste período se encontrava em Roma, esteve presente o bispo auxiliar Dom Kark Joseph Romer; o núncio apostólico Dom Carmine Rocco; além do então governador do Estado do Rio de Janeiro, Chagas Freitas. Durante a cerimônia de instalação, no momento do ofertório, foram oferecidos pelos fiéis miniatura de postos de saúde, passagens de ônibus (uma passagem para cada fiel), sacolas de alimentos e uma marmita, de forma a ilustrar a situação política e social da região.

Na época da criação da Diocese, existiam no clero diocesano apenas dois sacerdotes locais, onze sacerdotes missionários estrangeiros (oito italianos, um holandês, um francês, um tcheco), dois brasileiros e doze religiosos franciscanos. Contava-se ainda com as presenças das congregações das Irmãs Franciscanas de Dillingen, Irmãs Franciscanas Hospitaleiras, Irmãs da Divina Vontade e as Irmãs Catequistas Franciscanas. Dom Mauro Morelli permaneceu como bispo até 2005, quando se tornou bispo emérito da Diocese.

Em 30 de março de 2005, foi nomeado o segundo bispo da Diocese de Duque de Caxias, Dom José Francisco Rezende Dias, que permaneceu até 2011, pois, em 30 de novembro desse ano, o Papa Bento XVI nomeou-o arcebispo da Arquidiocese de Niterói. A Diocese permaneceu em vacância até 2012, sendo administrada pelo vigário geral, Padre Renato Gentile. Em 3 de novembro de 2012, tomou posse o terceiro e atual bispo diocesano, Dom Tarcisio Nascentes dos Santos.

Catedral de Santo Antônio

Avenida Governador Leonel de Moura Brizola, 1861, Centro – Duque de Caxias.

Antes da localização do atual templo, a Igreja de Santo Antônio situava-se na Rua José Alvarenga, no Centro de Duque de Caxias, em terreno comprado por Frei Leandro Novak. Ainda em 18 de junho de 1930, esse templo foi inaugurado pelo Exmº Dom José André Coimbra, bispo de Barra do Piraí, Diocese à qual pertencia a localidade. Em 8 de abril de 1942, a Igreja foi elevada à condição de Matriz da Paróquia Santo Antônio, sendo seu primeiro vigário Frei Alípio Both, sucessor de Frei Leandro. A Paróquia nasceu sob a orientação e os cuidados dos Frades Franciscanos da Província Imaculada Conceição do Brasil.

Frei Lauro Ostermann foi o responsável pela compra de um terreno situado na antiga Estrada Rio-Petrópolis (hoje Avenida Governador Leonel de Moura Brizola), onde foi construída a nova Igreja. Frei Joaquim Orth deu início às obras de construção, movimentando toda a Paróquia para conseguir ajuda. Em continuidade, Frei Tadeu Zimmermann quase concluiu as obras, contando com a ajuda das Irmãs Franciscanas de Dillingen (Colégio Santo Antônio). Frei Egberto Prangemberg, da Província da Imaculada Conceição, visitou e abençoou solenemente a Igreja e, no dia 7 de setembro de 1959, Frei Teodoro inaugurou a Matriz na atual Avenida Governador Leonel de Moura Brizola. Frei Tadeu Hoeninghausen concluiu os trabalhos da parte externa da Igreja, construindo também o salão paroquial e várias capelas.

A Igreja Matriz de Santo Antônio foi cedida pela Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil para nela ser instalada a sede da nova Diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti, o que aconteceu no dia 12 de julho de 1981, sob a orientação e direção de Dom Mauro Morelli, primeiro bispo diocesano. A partir de 1985, os padres diocesanos assumiram a coordenação pastoral, registrando-se também a presença das Irmãs Catequistas Franciscanas na Paróquia e da Congregação das Irmãs Franciscanas de Dillingen, de modo especial na Educação (Colégio Santo Antônio).

O projeto, que foi confiado ao arquiteto Paulo Bernardes Bastos (um dos criadores do atual estádio do Maracanã) e ao engenheiro L. F. Campos, contemplava uma igreja de 76 metros de comprimento por 26 metros de largura, com torres de 38 metros de altura. O estilo da arquitetura tem fortes inspirações do art nouveau e art déco, por conta de suas volutas nas extremidades e linhas retas na sua extensão. Na arquitetura externa, podemos observar a utilização de cobogós cerâmicos naturais e pintura sobre emboço.

As torres elevadas, com aproximadamente 38 metros de altura, caracterizando a ideia de ascensão e imponência, destacam a arquitetura e direcionam os olhos do observador aos céus. Na fachada principal da Igreja, encontramos um exo-nartex, que se caracteriza como um pórtico que se estende diante da edificação central. Possui forma arredondada, tanto na cobertura quanto nos degraus de acesso ao nível da catedral, que levam a três imponentes portas de madeira, dando acesso a um endonartex, uma espécie de espaço estreito transversal à nave, separado por grades de ferro.

A arquitetura interna é formada por três naves, dispostas através de uma nave central, ladeada por naves laterais de pé-direito mais baixo, separadas por colunas em arco abatido. Sobre o teto dos corredores, estão as janelas do clerestório, que iluminam a nave. Um arco-cruzeiro separa a nave central da capela-mor, sendo o altar-mor composto pela imagem do padroeiro e o sacrário. Nas laterais do arco-cruzeiro, a Igreja é completada por dois nichos: o do lado direito apresenta a imagem do Sagrado Coração de Jesus; o do lado esquerdo, a imagem de Nossa Senhora da Conceição.

A Igreja do Sagrado Coração de Jesus em Petrópolis

Revendo a história: Antes que os frades franciscanos da Saxônia chegassem a Petrópolis, para restaurar a Província, já existia a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, na Rua Montecaseiros, construída em 1874, que servia de modo especial à população alemã e era mesmo conhecida como “a Igreja dos Alemães”. Ela sempre teve um capelão próprio, mas, desde 1878, data em que o capelão, Padre Teodoro Esch, foi nomeado vigário da Paróquia São Pedro de Alcântara, a Igreja do Sagrado Coração de Jesus ficou quase abandonada. É certo que houve padres que celebraram missa nos domingos e dias de preceito. Mais tarde, o internúncio apostólico no Brasil, Monsenhor João Batista Guidi, encarregou-se da cura d’almas, celebrando e pregando nos dias de guarda, administrando também os sacramentos. Aliás, foi o próprio Monsenhor Guidi que, em 1891, se dirigiu aos frades recém-chegados ao Brasil para que tomassem a seu encargo a cura d’almas da colônia alemã, construíssem um convento ao lado da igreja e abrissem uma escola. (…) Só em 1895 os padres puderam aceitar essa oferta de M. Guidi.

O internúncio alugou-lhes uma casa junto à igreja e mandou às irmãs do Asilo do Amparo provê-la de todo o necessário. Finalmente, em 16 de janeiro de 1896, chegaram os frades fundadores, em número de três, vindos de Blumenau. E, ainda em 1896, no dia 10 de maio, era lançada a pedra fundamental do futuro convento. O empenho foi tal que, já em novembro do mesmo ano, ali se abrigaram os seis (6) primeiros clérigos que vieram da Bahia para continuar, em Petrópolis, seus estudos. O convento foi inaugurado na festa dos Reis Magos do ano seguinte, 1897. No ano seguinte, abriu-se também efetivamente a “Escola Gratuita São José”, para a instrução primária dos meninos pobres, funcionando as aulas nas salas do andar térreo do convento. A primeira Fraternidade Franciscana compunha-se de três (3) frades: Frei Ciríaco Hielscher, Frei Zeno Wallbröhl e ainda o irmão leigo, Frei Mariano.

O Frei Ciríaco foi o primeiro superior da Comunidade e figura principal dos primeiros tempos do Convento. A biografia de Frei Ciríaco é riquíssima: foi padre secular por vários anos na Suíça antes de se tornar franciscano e vir para o Brasil e, chegando em 1894, foi mestre de noviços na Bahia, depois professor no Colégio Seráfico de Olinda e, em seguida, no Colégio de Blumenau, onde se demorou pouco tempo até ser nomeado superior dos frades que deviam fundar o Convento de Petrópolis. Foi guardião do Convento do Sagrado até 1901, quando foi eleito Vigário Provincial e teve que se transferir para Curitiba. Ali fundou o jornal em língua alemã Der Kompass para responder aos ataques contra a Igreja e os bons costumes. Em Petrópolis grangeou simpatia e muita estima. Homem dinâmico, começou a construção do Santuário do Alto da Serra e deu início à futura Editora Vozes. Voltou a Petrópolis para ali falecer em 1941.

Frei Zeno Wallbröhl veio ao Brasil em 1892 e foi pároco em Blumenau. Chegou a Petrópolis com os outros dois fundadores em 1896 e foi o primeiro diretor da “Escola Gratuita de São José” em 1897. Junto com Frei Diogo de Freitas, foi também professor da mesma até 1899, quando foi transferido para Santa Catarina. Exerceu ainda intensa atividade como pregador de retiros até falecer, também em Petrópolis, em 1925.

Do terceiro dos fundadores do Convento de Petrópolis, o irmão leigo Frei Mariano, nada pudemos encontrar nas crônicas da casa.

A comunidade franciscana de Petrópolis cresceu rapidamente, tornando-se o mais fecundo centro de trabalho da Província da Imaculada. Desde seu início, o Convento do Sagrado acolheu e desenvolveu os estudos de Teologia, vindo a tornar-se o grande e reconhecido Instituto Franciscano de Teologia (ITF), que, por sua vez, em determinados períodos, acumulou o ensino da Filosofia. De extraordinário valor também foi o trabalho da cura d’almas a partir da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, tanto no coração da cidade quanto criando muitas capelas pelos bairros mais distantes e carentes.

Com o passar do tempo, a evangelização estendeu-se para mais longe do Sagrado, com a constante solicitação do trabalho dos frades pelos párocos vizinhos, quer da cidade, quer dos arredores. Os frades assumiram também, com muito empenho, o culto divino em estabelecimentos religiosos como hospitais, colégios e conventos. Lembramos que, logo em sua chegada, fundaram uma fraternidade da Ordem Terceira Franciscana (OFS), que já em 1921 contava com cerca de 400 membros. Dentre as capelas fundadas e cuidadas pelos frades, lembro alguns nomes das maiores e mais conhecidas: Bingem, Alto da Serra, Mosela, Ingelheim, Quissamã, Retiro, Itamarati. Teriam muitas outras ainda… Além disso tudo, é mister lembrar o envolvimento dos frades nos campos do ENSINO e da IMPRENSA.

A Igreja, desde o início, esteve voltada ao atendimento pastoral e aos cuidados da Evangelização Cristã e Católica da Colônia Alemã de Petrópolis, missão que cumpriu e continua cumprindo bem e com fidelidade.

O Instituto Teológico Franciscano (ITF) de Petrópolis

O convento, mais modesto no seu início, servia para acolher, abrigar e formar os frades que vinham como missionários. Abrigou os cursos de Teologia e, depois, também o de Filosofia. Foi crescendo de acordo com as necessidades do momento e se firmou como o Instituto Teológico Franciscano. De fato, foi uma longa e frutuosa história, pois ali não só se formaram praticamente todos os sacerdotes da Província, como também muitos outros padres de outras Províncias do Brasil e do exterior, sacerdotes seculares e de outros Institutos de Vida Consagrada.

Em sua história, o ITF tem exercido, através de seus ex-alunos e professores, uma presença marcante na própria sociedade brasileira, na qual foram inseridos nos diversos segmentos da vida pública da Igreja e do Brasil como um todo.

O ITF tem tido uma presença destacada em outras universidades por meio de muitos de seus alunos que, depois de buscarem uma especialização, ocuparam ou estão ocupando cátedras em nossas universidades.

A partir de 1992, devido à necessidade de novos espaços, a mantenedora adquiriu o antigo Colégio São Vicente, situado na Rua Coronel Veiga, 550, e dava, assim, um grande passo para abrir uma nova página na história do ITF. O Instituto já está em sua nova sede desde março de 2001, através do Curso de Teologia para Leigos e, agora, com o Curso de Teologia e Bacharelado.

Merece destaque também a Biblioteca do Instituto, que conta hoje com mais de 120.000 livros e cerca de 980 títulos de revistas diferentes, muitas delas encadernadas há décadas.

No dia 27 de março de 2002, o Ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, credenciou, pela Portaria nº 933, o Instituto Teológico Franciscano e, pela Portaria nº 934, autorizou o Curso de Teologia, Bacharelado. O primeiro ano acadêmico da Faculdade de Teologia teve seu início oficial no dia 22 de abril de 2002. Consolida-se um marco histórico importante na vida da Província, do ITF e da Cidade Imperial, porque se abre um leque de oportunidades não somente à Faculdade de Teologia, mas a todos os cursos. Uma vez credenciado como mantido, o ITF está apto a abrir novos cursos e autorizá-los com maior celeridade no MEC, abertos aos candidatos às ordens sacras, religiosos, religiosas, leigos e leigas interessados em cursar Teologia ou outra ciência humana.

A Editora Vozes: Uma gráfica centenária

Nos 350 anos da Província da Imaculada Conceição, a EDITORA VOZES teve participação ativa em um terço desta epopeia. Fundada em 05 de março de 1901, a Editora completa neste ano 124 anos de lutas e árduos trabalhos. Esforço constante e progressivo de todos da Editora. O começo foi interessante. Parece que tudo dependeu, mormente, da Providência Divina, que preparou tudo para combinar com a ideia insistente e dinâmica de um jovem religioso franciscano, Frei Inácio Hinte, que, ainda antes de entrar para a Ordem Franciscana, fez uma excelente preparação para sua vida, fosse ela profissional ou religiosa. Adquiriu uma sólida experiência em trabalhos com tipografia antes de entrar, na Holanda, no Seminário Franciscano de Harreveld.

Lá encontrou um grupo de frades que se preparava para serem missionários no Brasil. Entrou nesse grupo e, em janeiro de 1896, desembarcou no Rio de Janeiro e depois foi passar alguns dias em Petrópolis. A Providência, mais uma vez, se encarregou de reunir Frei Inácio com Frei Ciríaco, seu guardião, que o incentivou a comprar (e pagou) uma velha máquina impressora Alauzet, que se tornou a semente da qual germinou a “Vozes de Petrópolis”. Esta nasceu ainda ligada à “Escola Gratuita São José” (onde Frei Inácio era professor), com o nome de “Tipografia da Escola Gratuita São José”. Disso cuidou a Providência Divina, certamente.

Nessa época, no campo religioso, os colonos alemães se dividiam entre católicos e protestantes. Era difícil existirem padres ou pastores em número suficiente para assisti-los em sua língua natal. Os católicos eram assistidos pelo padre Teodoro Esch, de origem alemã. Foi ele quem pediu ao imperador autorização para construir uma capela para os colonos: a atual Igreja do Sagrado Coração de Jesus, inaugurada em 1874. Em 1878, padre Teodoro Esch foi nomeado vigário da Igreja Matriz de São Pedro de Alcântara e, provisoriamente, em seu lugar assumiu o padre Monsenhor João Batista Guidi, auditor da internunciatura no Brasil, conhecedor da língua alemã.

Monsenhor Guidi começou então a procurar religiosos para o ajudarem no atendimento. Ainda em 1891, entrou em contato com os frades recentemente chegados ao Brasil e que estivessem dispostos a atender os colonos alemães e também a construir um convento e uma escola ao lado da Igreja. O primeiro contato foi em 1891, mas só em 1895 os frades puderam aceitar o convite. Em 16 de janeiro de 1896, os primeiros frades chegaram a Petrópolis. Eram: Frei Ciríaco Hielscher, o primeiro guardião; Frei Zeno Wallbrohl; e o irmão leigo Frei Mariano. Monsenhor Guidi cuidou de toda a documentação, pagou o aluguel de uma casa nos fundos da Igreja do Sagrado, encomendou a planta e custeou a construção do convento até o fim das obras. No mesmo dia da inauguração do novo convento, em 1897, despediu-se de Petrópolis e do Brasil, pois havia sido nomeado bispo nas Filipinas, deixando a comunidade alemã aos cuidados de Frei Ciríaco. Poucos dias depois, o jovem Estevão Hinte partiu para o Convento São Francisco, em Salvador (BA), vestiu o hábito franciscano em fevereiro de 1896 e recebeu o nome de Frei Inácio.

Enquanto Frei Inácio esteve na Bahia, os frades que ficaram em Petrópolis construíram um convento ao lado da Igreja e reservaram três (3) salas no piso térreo para o funcionamento de uma escola para os filhos dos colonos alemães. O convento foi inaugurado em 06 de janeiro de 1897 e a Escola Gratuita São José no dia seguinte. Apesar de estar trabalhando na escola, o frade continuou os estudos de Filosofia e Teologia, ordenando-se sacerdote em 30 de novembro de 1903. Frei Inácio foi reitor do seminário em Bleyerheyde, mestre de noviços em Salvador e professor em Olinda. Foi guardião do Convento Sagrado Coração de Jesus em Petrópolis, responsável pela construção do convento e fundador da Escola Gratuita São José, da qual também foi o primeiro diretor. Frei Inácio foi ainda o primeiro responsável pela Editora Vozes, assinando a ata da reunião da fundação. Em 1901, foi eleito vice-provincial e mudou-se para Curitiba, onde fundou um jornal em língua alemã (Der Kompass ou Bússola). Trabalhou também em São Paulo, Blumenau e no Rio de Janeiro. Faleceu em Petrópolis, em maio de 1941.

Fazer a análise do significado da Editora Vozes nestes mais de 100 anos é possível a partir de sua produção nas duas grandes linhas que demarcam sua atuação: a da área cultural e a da área religiosa. Quase completa, sua área cultural contempla obras de administração, de antropologia (tão rica que só perde para os livros de filosofia e os livros religiosos), obras de comunicação, de extrema valia para o trabalho especialmente na América Latina. Deve-se lembrar ainda das obras de culinária, dos livros de história (do Brasil e geral), das obras de literatura com seus livros de linguística e poética. Merecem também referência e destaque os dicionários das ciências, da linguística e gramática, da psicologia educacional e o mítico etimológico da mitologia e da religião romana.

Mas é bom lembrar que a maior soma das edições se encontra na área religiosa, nos mais diversos campos: de uma catequese e ensino religioso a documentos da Igreja, espiritualidade, franciscanismo, liturgia e pastoral, com destaque para a excelência da tradução da Bíblia Vozes, “A Folhinha do Sagrado Coração de Jesus” e sua famosa edição da História Sagrada, que, servindo como livro escolar, já em 1944 estava em sua 12ª edição.

Dom Frei Diamantino Prata de Carvalho, em seu artigo, diz que:

“Vista apenas pela produção do mercado, Vozes poderia ser considerada uma editora como tantas outras. O que a distingue das outras é a sua missão: estar sempre a serviço da Fé e da Cultura!”.

Um outro artigo do livro do centenário, escrito por Frei Vitório Mazzuco Filho, faz a pergunta: “É possível ser um frade franciscano editor numa editora franciscana?” Respondendo a esta pergunta, o próprio Frei Vitório diz que:

“São Francisco limita a posse de livros, mas não proíbe a presença de letrados na Ordem. Acolhe-os e os consulta. Valoriza os teólogos que conseguem passar Espírito e vida!”.

E cita João de Parma (+1257):

“Os irmãos devem elevar o muro do saber até acima dos céus, para buscar a Deus!”.

Depois cita São Boaventura (+1274), que diz:

“A Regra impõe, imperativamente, aos irmãos a autoridade e o ofício da pregação em termos que não se encontram, ao que creio, em nenhuma outra regra. Portanto, se quiserem pregar, não banalidade, mas sim palavras divinas, não podem conhecê-las se não as lerem; e não as podem ler, se não tiverem livros. É, pois, muito claro que ter livros faz parte da perfeição da Regra, pelos mesmos motivos da pregação”.

Muita coisa ainda mereceria ser contada sobre a Vozes… Mas me limito a citar alguns temas fundamentais para originar alguma reflexão e aprofundamento: a projeção internacional da Editora; Vozes, uma revista afinada com seu tempo; a fidelidade ao texto original e à linguagem atual; os bastidores da tradução da Bíblia Vozes; a Editora do Concílio; 1100 anos de reflexão sobre problemas morais; a renovação litúrgica no Brasil; a coerência de uma proposta editorial para a Educação; referência para as Ciências Sociais e o pensamento da comunidade negra do Brasil…

Mas a maior estrela entre todas essas atividades é a “Folhinha do Sagrado Coração de Jesus”, que, em sua trajetória ascendente, cativou, formou e fidelizou milhares e milhões de leitores, visto que por mais de 10 vezes a tiragem da Folhinha superou a casa do milhão de exemplares na edição do ano (inclusive forçando a compra de uma nova máquina para dar conta de sua produção).

Curiosidade

A relação entre a Folhinha e o seu leitor é fiel e sagrada… Uma carta do padre Zezinho Leoni, missionário xaveriano em São Félix do Xingu, é jocosa, mas muito ilustrativa, relatando o que a falta de tinta vermelha, marcando os dias de domingos e feriados na Folhinha de 1999, causou entre o povo kayapó.

Conta Pe. Zezinho:

“Há mais de 10 anos a nossa aldeia dos grandes guerreiros kayapó está recebendo a Folhinha do Sagrado Coração, através da Prelazia do Xingu. A Folhinha é de grande utilidade para todos: mesmo não conhecendo a língua portuguesa, conhecem, justamente graças à Folhinha, os dias da semana, do mês, o domingo e os feriados do ano. Só que, neste ano, os indígenas, especialmente os anciãos, sentiram a falta da cor vermelha marcando os domingos e os outros dias festivos ou feriados. Não sabemos se foi erro ou decisão da Editora.

Na língua kayapó, os dias da semana são todos chamados de Pi ôk Tyk (papel preto) e o domingo é conhecido como Pi ôk Kamrêk (papel vermelho). O sábado é conhecido como Pi ôk rororo (papel marrom). Até pensei que os indígenas tenham chegado a esses nomes olhando para o calendário que antigamente caracterizava o sábado com a cor marrom.

Isso para agradecer o serviço da Folhinha do Sagrado Coração e para dizer-lhe que o papel vermelho nos fez falta. Obrigado pela atenção. (DÁ PARA IMAGINAR???).”

Pe. Zezinho termina dizendo:

“Ela (a Folhinha) é completa, divertida, instrutiva e variada. Ensina lazer, ciência, história e também religião. Mostra-nos a verdade e como ser bom cristão. Que seja por todos querida e muito bem apreciada”.

Quem faz e quem consume a “Folhinha”?

Entre os que fazem estão colaboradores, pessoas que escrevem sobre assuntos de sua área de atuação e os próprios leitores. Escolhidos os que vão redigir um texto, eles recebem plena liberdade para sua abordagem.
Aos leitores só se pede que tenham uma linguagem simples, direta e didática…
Dentre os leitores (consumidores) da “Folhinha” estão as donas de casa, professores e jovens, estudantes, idosos e pessoas de meia-idade, moradores de áreas rurais e periferias urbanas, devotos do Sagrado Coração de Jesus, trabalhadores e gente simples que encontra na fé cristã a força para viver.
Só isso explica que, por praticamente 10 anos, a “Folhinha” tenha ultrapassado a marca de um milhão. Em 1982, chegou a exatos 1.260.750 exemplares. Durante toda a década de 1980, a “Folhinha” permaneceu acima de um milhão.

Editora Vozes 1901: 100 anos de história. Pág. 303

 

Vale conferir o Dossie: “EDITORA VOZES 100 ANOS!  E VIVA A FOLHINHA QUE VALE POR UM LIVRO!   

O Instituto dos Meninos Cantores de Petrópolis: “Canarinhos”

Uma pausa para encher a alma de sons e de alegria. É impossível falar dos franciscanos, da Igreja e do Convento do Sagrado Coração de Jesus, de Petrópolis, e não lembrar dos “Canarinhos de Petrópolis”.

Criado em 1942, o Coral dos Canarinhos de Petrópolis é o mais antigo coro de meninos do Brasil. Frei Leto Bienias, OFM, realizou o sonho de seu fundador de ter um grupo de meninos para cantar a liturgia das missas dominicais na Igreja dos frades franciscanos. Com uma trajetória marcada pela tradição e pioneirismo, o grupo vocal já realizou, nesses mais de 80 anos de atividade, milhares de apresentações no Brasil e no exterior. Passaram também pelo coral quase três mil vozes que marcaram a história do coro e da música sacra brasileira. O grupo conta também com uma boa discografia, tendo gravado 12 CDs.

O principal serviço do Coral dos Canarinhos de Petrópolis é louvar a Deus por suas vozes de crianças e jovens. Com o primor de suas apresentações, dão um testemunho de fé, louvor e gratidão a Deus. Foi criado por Frei Leto segundo o modelo dos coros de meninos da Alemanha, até porque ele mesmo estagiou no Regensburger Domspatzen, o coro de meninos mais antigo do mundo, fundado no ano de 975.

Os Canarinhos preservaram em sua metodologia muito do que foi empregado nos primórdios da instituição, que preza pela disciplina e pelos valores franciscanos. O Instituto dos Meninos Cantores desenvolve a formação musical e humana por excelência. Tornou-se um patrimônio de Petrópolis e de todo o Brasil. Nos Canarinhos, tradição e inovação convivem e se desenvolvem harmoniosamente.

Além do Coral dos Meninos Cantores de Petrópolis, em 1988 Frei José Luiz Prim, OFM, que também já trabalhava com os Canarinhos, fundou o “Coral das Meninas” do Coral dos Meninos Cantores de Petrópolis. Mais um sucesso. Em seu repertório, o coro inclui música sacra, folclórica e popular.

Em sua trajetória, importa destacar a participação no Projeto Aquárius, cantando a Sinfonia nº 8 “dos Mil” de Mahler, no Tour da Experiência, onde a história de Petrópolis é contada e cantada; e no projeto MPB em Conversa, que fala sobre o ciclo da música popular brasileira relacionada à história do Brasil.

O Coral das Meninas dos Canarinhos também realizou turnês em diversas regiões do país e em Portugal, durante as comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil.

Encerramos este artigo falando do Coro de Câmara do Instituto, fundado em 30 de setembro de 2021 por Frei Marcos Antônio de Andrade, OFM; Marco Aurélio Lischt; e Rose de Mello. Com o propósito de deter um repertório diferenciado, o grupo vocal apresenta composições de grande envergadura, que abrangem desde a música medieval até a música contemporânea, destacando-se a música popular brasileira e o pop internacional. Desde sua fundação, o Coro de Câmara está sob a regência e direção artística do maestro Marco Aurélio Lischt.

A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil está celebrando 350 anos de presença e atuação na história de nossa pátria. Este artigo quer homenagear a todos que participaram dessa obra, exprimindo júbilo e gratidão. Ao reler e escrever este artigo, quero partilhar minha alegria também, e dizer que facilmente chego à conclusão de que, em alguns momentos, a história do Brasil se funde com a história franciscana e vice-versa. Há uma união simbiótica entre as duas realidades (Pátria e Ordem Franciscana) para escreverem uma única história com LETRAS MAIÚSCULAS.

Memórias:

Missa dos funcionários na festa dos 100 anos da Editora Vozes, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus (Petrópolis, 04/03/2001) Foto: André Carvalho

“Quantas lutas e quanta dedicação de tantos confrades meus franciscanos, secundados por leigos valorosos, conseguiram fazer de Vozes autênticas vozes de cultura e de espiritualidade neste nosso imenso país. Vozes tem sido e continuará a ser voz poderosa em meio ao turbilhão das mais diversas ideologias e sistemas de vida.” (Dom Aloísio Cardeal Lorscheider, Arcebispo de Aparecida)

 

Frei Vitorio Mazzuco lê a bênção enviada pelo Papa João Paulo II (05/03/2001). Foto: André Carvalho

 

“ Uno-me de bom grado a todos vocês na celebração dos cem anos da Editora Vozes. Sinto mesmo obrigação de fazê-lo, por que ela é uma obra de toda a Ordem Franciscana. E, pelo bem que faz ao Brasil, posso dizer: uma grande e profética obra franciscana.” (Frei Giacomo Bini, Ministro geral da Ordem dos Frades Menores (Roma))

 

“São incontáveis os benefícios que a Editora Vozes prestou à sociedade e à Igreja por meio de suas publicações. Por tudo, damos graças a Deus”. (Dom Raymundo Damasceno Assis, Secretário geral da CNBB)

Visita dos funcionários à sede da Editora (Petrópolis, 03/03/2001). Foto: André Carvalho

 

“Parabéns pelo centenário (100 anos) da Editora Vozes. Que Deus ilumine seus diretores e proteja todos os funcionários que aí trabalham.” (Seno Eyng, ex-funcionário da linotipia)

 

Mesa que presidiu a cerimônia de lançamento do selo. Foto: André Carvalho

 

“Cem anos de Editora Vozes é uma festa para toda comunidade franciscana. A vozes é a mais importante obra da Ordem Franciscana no mundo porque é uma fábrica de ideias, de sonhos, de esperanças, que alimentam nossa fé, alimentam a cultura e o saber. De coração queremos agradecer a todos os diretores, os funcionários e a seus familiares, que mesmo nos momentos mais difíceis não deixaram de participar e de colaborar nessa história.” ( Frei Caetano Ferrari, Ministro provincial, na abertura das Comemorações Oficiais do Centenário da Editora Vozes (05/03/2001))


Frei Anacleto Luiz Gapski

Bibliografia básica

ANDRADES, Marcelo Ferreira de. Editora Vozes 1901: 100 anos de história. Petrópolis: Vozes, 2001.

BACK, Paulo, OFM. História e vida de Frei Galvão. São Paulo: Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, 2007.

Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro: resumo histórico. [S.l.]: [s.n.], [s.d.].

FREITAS, Diogo de, OFM. A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, nas festas do centenário da Independência nacional: 1822–1922. Petrópolis: Vozes, 1922.

LUZ, Alvacy Mendes da; MEDELLA, Gustavo Wayand; CARVALHO JUNIOR, Walter, OFM. Convento e Santuário São Francisco – São Paulo. [S.l.]: [s.n.], [s.d.].

MARCINISZYN, Albano, OFM. Santo Antônio do Rio de Janeiro: Provinciado (1675–1901). Petrópolis: Vozes, 1975.

RÖWER, Basílio, OFM. A Ordem Franciscana no Brasil. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1947.

RÖWER, Basílio, OFM. História da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1951.

SINZIG, Pedro, OFM. Santo Antônio do Rio de Janeiro: história do seu convento. Petrópolis: Vozes, 1931.

TITTON, Gentil Avelino, OFM. A Reforma da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil: 1738–1740. Petrópolis: Vozes, 1972.

Periódicos e Revistas

Comunicações da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1981.

Comunicações da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1998.

Comunicações da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Petrópolis: Vozes, 2001.

Comunicações da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002.

Vida Franciscana, n. 10, ano XIII–XV, 1956–1958.

Vida Franciscana, n. 12, 1958–1962.

Vida Franciscana, n. 15, ano XLV, 1968.

Vida Franciscana, n. 16, ano XLVI–XLIX–XLX, 1969–1971.

Vida Franciscana, n. 18, ano LII–LIV, 1975–1977.

Nossas Presenças: São Paulo

350 anos de história no Brasil e em São Paulo

 

INTRODUÇÃO: A Presença Franciscana no Brasil do século XVI (1500 a 1585) 

 

Mapa1 A Ordem Franciscana no Brasil -Fr. Basílio Röwer no tempo colonial – (1585 a 1758)

0S PRIMEIROS ANOS: Desde a chegada em abril de 1500 até 1585, a vinda organizada de novos ¨frades franciscanos para o Brasil, não foi nem intensa nem extraordinária. Frei Basílio Röwer, O.F.M> anota apenas a presença de missionários avulsos que se estabeleceram aqui ou acolá, segundo as facilidades ou necessidades locais, principalmente muito próximos do extenso litoral brasileiro.

A PRIMEIRA CUSTÓDIA DO BRASIL A organização foi acontecendo e crescendo com a construção de conventos ao longo da costa marítima, iniciando em Olinda e descendo para o sul da nova terra, tornando-se uma grande e numerosa Custódia, sob o patrocínio de Santo Antônio dependente da Província mãe de Portugal (Santo Antônio dos Currais) responsável por seu governo e manutenção. Em pouco mais de 200 anos foi de tal monta o crescimento da presença franciscana que Frei Apolinário o chama de “Primazia Franciscana”. Deste mesmo período datam também os diversos Comissariados (Comissariado de Santa Cruz em Minas e Rio Grande do Sul/ Comissariado de N. S. dos Prazeres, no Mato Grosso/ Comissariado de Goiás/ e outras Fundações/ juntamente com as três Prelazias entregues aos franciscanos) assumidas como medida importante para melhor atender o clamor  da população).

Mapa 2 A Província de Santo Antônio – Fr. Basílio Röwer – (Estado atual em 1946)

A Custódia de Santo Antônio (“do norte”) foi elevada a categoria de Província pelo Breve Apostólico do papa Alexandre VII, datado de 24 de agosto de 1657, mantendo o nome de Santo Antônio. E, no dito primeiro capítulo da Província foi votada e aprovada a ereção da circunscrição sul em Custódia, com o título de Imaculada Conceição. Mas a nova Custódia ficava.em dependência da Província de Santo Antônio do norte, onde se elegiam os custódios do sul até que o próprio sul se constituísse em Província autônoma.( Cumpre-se notar que em nenhum momento a Província de Santo Antônio fez resistência ou se opôs à separação dos conventos do sul e à formação de uma nova Custódia ou até de uma Província).  Este fato ocorreu já em 15 de julho de 1675, conforme o Breve Pastoralis officii do papa Clemente X, datado de 16 de julho de 1675, que promovia a Custódia da Imaculada Conceição do Brasil à Província Autônoma.

Durante o tempo da Custódia e Província da Imaculada fundaram-se apenas 4 conventos completando o número de 13. Foram eles: Santa Clara,  em Taubaté (1674); Nossa Senhora dos anjos,  em Cabo Frio (1684); São Luís de Tolosa, em Itu (1691); e Bom Jesus,  e na Ilha do Bom Jesus (1705). Este baixo número de fundações deve-se à Ordem Régia de 1723, que proibia a fundação de novos conventos. Os conventos que completavam o número dos treze foram , por ordem de fundação: O de Vitória (1591), o do Rio de Janeiro (1606) os de Santos e de São Paulo, ambos em (1639), o de C. de Macacu (1649), o de Vila Velha (1650), o de Itanhaém (1655)e o de São Sebastião (!659).

A PROVÍNCIA DA IMACULADA NO ESTADO E NA CIDADE DE SÃO PAULO: 

Mapa 3 A Província da Imaculada Conceição -Fr. Basílio Röwer – (Estado atual em 1946)

Depois dessa síntese sobre os primórdios da presença Franciscana no Brasil vamos agora colocar nosso foco na Província da Imaculada Conceição (“do Sul do Brasil”), cujos 350 de ereção canônica celebramos, particularmente, enquanto presença no Estado e depois na cidade de São Paulo.  Os outros territórios que compunham a Província e seus conventos serão contemplados em outros momentos, como o Convento N. S da Penha (1650) em Vila Velha, ES; o Convento de  Santo Antônio (1608,) RJ; o Bom Jesus dos Perdões (1898)  em Curitiba, PR; o Patrocínio de São José (1891), em Lages, SC. O mesmo se diga também dos conventos de Blumenau (1892), Rodeio ((1894) e Petrópolis (1896) …   Por isso, conferir os mapas, colocados no início, vai nos possibilitar uma boa visualização geral e a localização geográfica acurada. Veremos que na época da separação    entre norte e sul, ao ser elevada a Custódia (1659) e apenas 16 anos depois a Província(1675), a presença franciscana era pujante  e em ritmo crescente. E, muitos dos que ainda hoje são considerados grandes conventos, já existiam ou estavam em construção. Outros, foram construídos… cumpriram sua missão e deles hoje sobram ruínas ou lembranças…

Para ser a sede da Custódia da Imaculada foi escolhido o Convento de Santo Antônio do Rio, por ser mais central em relação aos outros conventos e por ser o Rio de Janeiro então cidade muito próspera

DESTAQUES HISTÓRICOS:

Nem tudo foi um mar de rosas na história da Província da Imaculada. Para demonstrar isso iremos dividir cronologicamente os seus 350 anos em cinco períodos bem distintos:

* “Período de expansão e fortalecimento”: que dura desde a fundação do primeiro convento no território da Província -Vitória em 1591 – até quase o final do século XVI. Nele fundam-se novas casas, cresce o número de frades, são fecundas suas atividades e florescem os estudos. Erige-se a Custódia em 1659 e poucos anos depois, em 1675, é elevada a Província. Foram tempos de paz e crescimento.

* “Período de tensões e inquietação”: que vai de 1710 até 1740.  Lutas internas entre os frades de filiação brasileira e os de portuguesa, abalam a paz interior e criam graves desordens nos anos de 1716 até 1719, e que se repete entre 1723 e 1726. A conclusão deste turbulento período só é alcançada com atuação severa do interventor apostólico, dom Antônio de Guadalupe

* “Período áureo” : que dura de 1740 até o fim do século XVIII. A Província volta a florescer e o número de frades chega perto dos 500. Diminui pela interferência dos vice-reis, a partir de 1764. Amplia as atividades no extremo sul do país e florescem os estudos, principalmente no Rio de Janeiro, chegando à categoria de Universidade em 1776., com a presença de religiosos de saber e virtude.

* “Período de decadência”, que  começa no fim do século XVIII e vai até o fim do século XIX com o governo civil intrometendo-se cada ve mais nos negócios internos da Religião. A influência do iluminismo, hostil à religião e à vida monacal, penetra também no Brasil. Rareiam as boas vocações com as atitudes do governo que restringe, cada vez mais, a recepção de noviços, até o fechamento , em 1855, dos noviciados de todas as Ordens religiosas. Extinção premeditada e lenta. O número de frades da Imaculada decresce rapidamente, chegando a apenas um frade, Frei João do Amor Divino Costa, em 1889, quando cai a monarquia e inaugura-se a República.

* “Período da Província restaurada”: Com a queda da monarquia e a proclamação da República, em15 de novembro de 1889, muda radicalmente a atitude do governo em relação às Ordens e Congregações religiosas. Um decreto de 1890 declara a absoluta separação entre o Estado e a Igreja, reconhecendo, porém, a plena liberdade de organização e ação. De imediato, a Santa Sé se movimenta para socorrer as ordens e congregações do Brasil, e por convite ou ordem de Roma, acorrem frades da Província Franciscana da Saxônia para doar sangue novo para os exauridos troncos das duas Províncias do Brasil. Rapidamente foram refeitos os quadros de frades dos conventos existentes e assumidos novos trabalhos junto ao povo. Um verdadeiro trabalho missionário e pastoral, realizados no primeiro decênio e de ótima qualidade, que possibilitou, já em 1901, que a Província da Imaculada Conceição fosse reconhecida como plenamente restaurada.

ATIVIDADES DA PROVÍNCIA DA IMACULADA:

Encerramos este capítulo com uma rápida síntese sobre as atividades da Imaculada. Os fundadores da primitiva Custódia Franciscana no Brasil, gastaram grande parte de suas forças na realização de uma catequese dos indígenas. Ao terminar sua gestão em 1594 Frei Melquior deixou 17 missões estabelecidas. Pouco mais tarde fundaram-se mais três … Em 1619 os frades abandonaram as missões por desentendimento com as autoridades portuguesas e logo a seguir a invasão holandesa impediu qualquer missão no nordeste brasileiro. Já, no sul, na Província da Imaculada, os frades adotaram principalmente o sistema de missionários volantes, onde os frades moravam habitualmente nos conventos e periodicamente saiam emf missões pelos arredores das cidades ou sertão adentro em viagens demoradas e penosas. Em 1591, ao fundarem. em Vitória a primeira casa da futura Província da Imaculada, um dos frades (Frei Antônio do Mártires) se dedicou muito à catequese dos índios nas redondezas. O campo de atividade dos frades do convento Santo Antônio do Rio de Janeiro estendia-se desde o Espírito Santo até São Paulo. Era percorrido em longas e penosas viagens, “pregando e doutrinando os gentios de uma e outra nação, com muito aproveitamento de suas almas”, nos conta o Tombo Geral da Província, na página 90. Tiveram também os frades muito trabalho nas Missões populares e na cura de almas das freguesias das cidades e do interior. Foram valiosos coadjutores dos párocos e bispos. O governo de Pombal trouxe também duro golpe e maiores dificuldades para as missões, mas os frades continuaram em vários lugares e ainda assumiram parte das aldeias donde os Jesuítas foram expulsos. Aos poucos elas foram passando para as mãos da administração civil. Esta atividade cessou de todo no início do século XIX.

Se procurarmos na tabela de escalação de nossas casas e fraternidades veremos que Província, distribuída por ordem cronológica de fundação se “esparramou”, desde o início por 5 ou 6 estados, desde Vila Velha, no Espírito Santo, até Forquilhinha em Santa Catarina. Abrangeu também os estados que ficam entre esses dois pontos, (Rio de Janeiro, São Paulo) e sempre com uma grande diversidade de obras e diversas atividades que incluem Rádio, Televisão, Casas de Formação, Obras Educacionais, Santuários, etc… No Estado de São Paulo temos 14 fraternidades dentre as quais damos uma especial atenção à Fraternidade Franciscana de São José, onde desde 1942 funcionou o Seminário Frei Galvão; que entre 1965 e 1989 abrigou o Seminário de Vocações de Adultos (o SEVOA); e que em 1990 se tornou a casa do POSTULANTADO único. Igual olhar de atenção merece a Fraternidade do Seminário de Agudos, que desde 1950 prestou significativo trabalho de acolhimento e formação de centenas de adolescentes e jovens que um dia idealizaram seguir Francisco de Assis. Um espaço de cultura e de formação privilegiada. Anda em São Paulo nos obrigamos a voltar os olhos para a Fraternidade da Residência Franciscana de São Francisco, que numa feliz parceria com a UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO DE ASSIS desde 1976 acolhe e cuidada dos confrades idosos ou enfermos que precisam de um tratamento intenso e especial, hoje cada vez mais caro e mais  raro, que mantem  a qualidade da vida de muitos  dos confrades doentes e idosos, graças a Deus!  O antigo convento de Santos também merece ser lembrado por sua localização e sua importância histórica. Fundado em 1640, foi de lá que saíram os primeiros frades que subiram a serra para evangelizarem São Paulo e o Brasil, e foi lá também que aportaram, em 1890/91 os 4 primeiros confrades (  Frei Humberto e Frei Maurício, Frei Xisto e

Frei Amando Bhahalmes  )que para cá vieram para restaurar a quase extinta Província da Imaculada e que já em 1901 é considerada RESTAURADA. Ainda em São Paulo temos ou tivemos outros conventos, todos eles com seu valor histórico e com sua missão, e dos quais não vou escrever para que esta narrativa se torne longa demais…!

*A PRESENÇA NA CIDADE DE SÃO PAULO:

Na grande Metrópole que é a cidade de São Paulo com seus 12 milhões de habitantes, o número de nossas Casas ou Fraternidades nunca foi muito alto. Desde 1970 quando assumimos uma paróquia em Vila Dionísia, mantivemos o número de quatro conventos e/ou paroquias

1  FRATERNIDADE DO CONVENTO SANTO ANTÕNIO DO PARI: Em 1916 foi construído, na zona norte da cidade, o Convento de Santo Antônio do Pari, que hoje abriga um trabalho social de grande porte, o Serviço Franciscano de Solidariedade, o SEFRAS).  Uma comunidade com variados tipos de atividades, acolheu durante muito tempo o Colégio Santo Antônio, dedicado ao ensino fundamental. Acolheu o Comissariado da Terra Santa, que já estava sediado na região desde de 1904. Absorveu por longos anos a comunidade de migrantes bolivianos e parte da comunidade católica de coreanos que lá se fixou. Árabes, Chineses, Africanos e Latino¬ americanos geraram uma altíssima densidade populacional, que transformou o Pari numa verdadeira “Babilônia” de povos, culturas e línguas, voltada prioritariamente para um comércio popular mais acessível. Tudo isso se transforma em desafio pastoral para uma boa evangelização.

2.  A FRATERNIDADE DA PARÓQUIA SÃO FRANCISCO DE ASSIS DE VILA CLEMENTINO:

Começamos dizendo que a Vila Clementino é um bairro quase desconhecido da capital paulista. Ao menos por este nome. É muito facilmente   confundido e chamado de Bairro da Saúde ou até mesmo de Vila Mariana.

A paróquia de São Francisco de Assis, em Vila Clementino, foi criada por Dom José Gaspar de Afonseca e Silva. O documento traz a data de 25 de janeiro de 1940. Pesou muito o crescimento acelerado da população e dgrande extensão  territorial que a Arquidiocese de São Paulo estava tomando.  “…havemos por bem separar, dividir e desmembrar da paróqui da Saúde…. oterritório que vai abaixo indicado e nele erigimos  e canonicamente instituímos a paróquia amovível de São Francisco de Assis de Vila Clementino”.

A Arquidiocese Paulistana tinha 90 paróquias. Acompanhando o crescimento populacional da capital, as autoridades eclesiásticas   em 1940 criaram nada menos de 31paroquias.Diz o livro das crônicas da nova paróquia que o governo provincial havia entregue a  Cúria a paroquia de Santa Rita de Cássia (no  Alto do Pari) e que por isso aceitou essa nova paróquia. Oficialmente a paróquia foi inauguradaa 29 de unho de 1941 com frei Afonso Junges  tomando posse como primeiro pároco.

Infelizmente, Frei Afonso ficou pouco tempo a frente da paróquia. e por doença teve que se afastar. Frei Honório Nacke torna-se vigário efetivo em janeiro de 1942. Em  janeiro de 1948 Frei Felisberto Imhorst assumiu a paroquia e o compromisso de edificar uma Igreja realmente atendesse as necessidades mais urgentes. Entre as atividades da Paroquia São Francisco  de Vila Clementino vou destacar apenas duas: O Atendimento bom e eficaz aos muitos hospitais existentes em seu território (14). Uma população carente e sofrida que vem buscar o dom da saúde,vindos de toda a cidade e até do Estado. Realmente Hospital   são Paulo e o Pronto Socorro, Amparo Maternal, AACD, o  GRAAC, para o atendimento oncológico infantil, a Fundação DORINA NOVILL para cegos, A APAE e o Hospital APAESP, Autismo,  tratamento terapêutico para a Síndrome de Down,  O DERDIC, para sur dos, o HOSPITAL DO RIM  e seus transplantes, a CRUZ VERDE, especializada em  Paralisia Cerebral Grave, são o farol da esperança para milhares de pessoas que diariamente circulam pelas ruas da Paróquia São Francisco… Outro importante destaque da  Paróquia São Francisco foi o cuidado e o atendimento aos migrantes  japoneses.  O trabalho com os Japoneses teve grande significado no início da instalação da paróquia (já em 1965, por ai) e se mostravaum cmpo muito fértil, porque so na capital de S. Pulo havia mai quw 100 mil japonese e em toda a Arquidiocese o número se elevava a 120.000 ou mais. E não foi um trabalho improvisado, visto que Frei Paulo Evaristo, quando Superior em Petrópolis havia indicado 4 frades que foram ao Japão estudar e aprender a  língua   e    os costumes japoneses

Voltando dois desses confrades. Com a colaboração de três confrades do Convento do Largo, com a colaboração dos Jesusitas, especialmente da Igreja São Gonçalo (Centro) e do Colégio São Francisco Xavier (Ipiranga) e a volta de dois frades estudantes do Japão, pensou-se num trabalho comum.  Em 15 de abril de 1965 é fundada oficialmente a Pastoral Nipo-Brasileira, que até hoje une e organiza o trabalho pastoral dentro da migração japonesa.

3. A FRATERNIDADE FRANCISCANA DOM PAULO EVARISTO ARNS    E A PARÓQUIA DA SANTA CRUZ.

Em 2001 deixamos a Paróquia N.S.de Fatima, na Vila Dionísia, Sobrou uma lacuna de grande porte (isso podemos dizer hoje), porque somente em 2022 retornamos à área, criando a Fraternidade Dom Paulo Evaristo na Paróquia de Santa Cruz, no jardim CecY, R. Dr. Paulo Furtado de Oliveira,370. Venha conhecer

4.  A FRATERNIDADE DO CONVENTO SÃO FRANCISCO, DO LARGO DE SÃO FRANCISCO -CENTRO

Quando unimos  as palavras largo e São Francisco, imediatamente vem à noss.ente uma imagem arquitetônica maravilhosa do convento e santuário, a última das obras da arquitetura sacra ainda bem conservada.

Quando os sete fundadores do convento de São Francisco, vindoc do Rio de Janeiro chegaram ao planalto, alojaram-se numa casana praça do patriarca, em frente da ermida de santo Antônio. Mas, não puderam permanecer alí por muito tempo, pois o lugar era insalubre, não tinha água e era continuamente açoitado por fortes ventos que debilitavam e punhem em rico  a vida dos frades.Com o apoio de toda a população e das autoridades em dezembro de 1642 receberam da Câmara da Vila de São Paulo outro terreno  aprazível e muito maior do que os anteriormente investigados. E que possuía três fontes de uma excelente água.  As obras foram imediatamente iniciadas, e o Convento foi inaugurado  na festa das Chagas de São Francisco de 1647. Era o maior de todos os construídos naquela época O Convento sofreu sua primeira reforma já no século XVIII A Ordem Terceira da Penitência pediu e recebeu do superior do Convento licença para construir sua própria capela

junto as paredes da Igreja. A capela foi inaugurada em 1788.Toda feita em taipa de pilão a Igreja do convento recebeu nesta reforma as características barrocas que mantém até hoje. Aliás, é o único dos grandes pilares do barroco em taipa que ainda subsiste em pé e intacto. Nos fundos do Convento havia a portaria do pobres, onde, nos sábados os frades reuniam ao pobres e dividiam com eles os mantimentos recebidos e tembém a carne (principalmente de porco que eles próprios produziam. ,De modo diferente especialmente se SEFRAS, mas também pelo pão dos pobres que continuou até agora sendo distribuído diariamente é um testemunho de amor  e um cuidado pela vida dos irmãos e irmãs carentes e mais necessitados de alimento corporal e espiritual.

FREI GALVÃO, O CONVENTO  E O MOSTEIRO DA LUZ:

É impossível falar de frei Galvão e não falar do seu relacionamento com o convento e com o mosteiro da luz. Este é o grande destaque humano religioso deste capítulo: Um homem chamado Antônio de Sant’Ana Galvão e um santo querido chamado de Frei Galvão. Logo após sua ordenação foi transferido do Rio de Janeiro para São Paulo Foi no convento São Francisco que Frei Galvão viveu 60 anos ativamente. Foi confessor, pregador, porteiro e guardião do convento. E foi deste local que que fez nascer em 1774, junto com madre Helena Maria do Espírito Santo, oque viria a ser anos depois o Mosteiro da Luz, que como  arquiteto ajudou a pensar e com sus próprias mãos ajudou a construir depois de ter passado a residir no mosteiro por quase 4 anos ali faleceu em 23 de dezembro de 1822 e ali eta sepultado até hoje, onde continua atraindo o seu povo e distribuindo-lhe bênçãos e graças, para todas as pessoas necessitadas de saúde e Pão.

PERFIL DE VIRTUDE

Frei Pedro Palácios
Frei José, o Santinho
Frei Fabiano de Cristo
Frei Antônio S. Galvão
Frei Rogério Neuhaus


(Cfr. A Ordem Franciscana no Brasil; Frei Basílio Röwer,OFM Página 216) 

Frades Ilustres: Frei Pedro Palácios

Frei Pedro Palácios: história, vida e devoção na vila do Espírito Santo

Bem antes de a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil ser criada canonicamente, já existia, na Vila do Espírito Santo, até então capitania hereditária portuguesa, lá pelos idos de 1558, a presença dos Frades Menores naquelas terras. Quem deixara fortes marcas fora o frade espanhol Frei Pedro Palácios. Sua história, construída entre os capixabas, nos lega a grandiosa devoção a Nossa Senhora das Alegrias, a Virgem da Penha, e o início da missão da Ordem dos Menores naquelas localidades de nosso território provincial.

Por isso, neste Tempo Jubilar de celebração dos 350 anos de nossa Província, devemos, com grande razão e alegria, fazer memória e exaltar as virtudes deste frade que deu sua contribuição para a edificação desta porção de nossa presença.

Dos Biógrafos de Palácios

Pouco se sabe sobre a origem de Frei Pedro Palácios. Os testemunhos de sua ida para o Espírito Santo provêm basicamente de três fontes, a saber: Frei Apolinário da Conceição, com registro datado de 1733; Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, de 1761 — ambos historiadores de grande relevância para o conhecimento da história franciscana na Igreja do Brasil Colonial —; e uma carta do santo jesuíta Padre José de Anchieta, que nos fornece uma informação sobre a missão que o ermitão desenvolvia no ano de 1572.

Os escritos de Frei Apolinário da Conceição não são dotados de grandes detalhes sobre a vida de Frei Pedro Palácios — talvez este não fosse o foco de sua escrita. Porém, as informações ali descritas conferem veracidade às benfeitorias que o frade realizou na Capitania do Espírito Santo e à difusão do culto e da veneração a Nossa Senhora das Alegrias.

Já os escritos de Frei Jaboatão, que relatam a origem de Frei Pedro Palácios, ocupam três capítulos de sua obra. O frade historiador demonstra grande preocupação em atestar os fatos da vida de Palácios, tais como: sua origem familiar, sua entrada na Arrábida, em Portugal, toda a sua jornada antes da chegada à Capitania do Espírito Santo, sua vida de penitência, a irradiação da devoção a Nossa Senhora das Alegrias, a construção da capelinha de São Francisco de Assis e da ermida da Penha. Por fim, relata os últimos dias de sua vida. Um detalhe digno de destaque é que Jaboatão se vale de depoimentos de pessoas que conviveram com Frei Pedro Palácios.

Outro relato biográfico que se tem notícia é a carta de São José de Anchieta a seu superior jesuíta. Nela, encontra-se uma descrição clara da situação geográfica que Palácios encontrou ao aportar em Vila Velha. Temos, por exemplo, a informação de que havia dois povoados, separados por meia légua de mar, naquela nascente vila. É nesse contexto que se insere Palácios, com seus sonhos e sede de evangelização. Percebe-se, em sua carta, que Anchieta reconhece a real intenção de Palácios para sua missão: salvar almas.

De sua vida e chegada à Capitania do Espírito Santo

Frei Basílio Röwer afirma que Pedro Palácios nasceu em “Medina do Rio Sêco, perto de Salamanca”. De natureza nobre, sentiu-se atraído pelo modo de vida simples e humilde dos frades franciscanos, recebendo assim o hábito de São Francisco na Província São José de Castela, ainda na Espanha. Vale ressaltar que Pedro Palácios ingressou em uma província reformada e de estrita observância de São Pedro de Alcântara — uma característica desse ramo da Ordem Franciscana era a vivência em eremitérios.

Olhando para seus dados biográficos, saltam-nos aos olhos duas características marcantes na atuação de Pedro Palácios: o amor e a caridade. Esses traços ficavam evidentes em seu atendimento aos doentes dos hospitais, ainda quando servia em Lisboa, Portugal. Evidencia-se que a vida do frade emanava carinho, atenção e cuidado para com os mais necessitados, testemunhando o carisma franciscano, que viveu até seus últimos dias.

Uma informação que merece destaque é o fato de Pedro Palácios adotar o estilo eremítico, que era uma possibilidade na Ordem Franciscana, um exemplo é São Benedito, que também viveu essa experiência. Tratava-se de um estilo próprio das reformas franciscanas surgidas nos séculos XIV e XV. Não se pode esquecer que Francisco de Assis escreveu uma Regra para os eremitérios, onde se lê:

“Aqueles que querem viver religiosamente em eremitérios sejam três irmãos ou no máximo quatro […] e tenham um claustro em que cada um tenha sua pequena cela para rezar e dormir. E rezem sempre […]”.

Ao longo da história, no entanto, esse estilo foi caindo em desuso. Para Francisco, mesmo nos eremitérios vivia-se em fraternidade: nunca um frade sozinho, mas ao menos dois ou três. Palácios viveu em um período da história franciscana em que isso ainda era comum. Porém, na Capitania, como em todo o Brasil, ainda não havia uma presença efetiva dos franciscanos, a não ser com Palácios. Essa regra, no entanto, era o seu modelo de vida no seguimento de São Francisco de Assis. Tanto que a estrutura da construção do Convento da Penha é a de um eremitério, aí está a raiz daquela edificação.

Dessa forma, a sede de Palácios era a nobreza do serviço. Servir ao Senhor e ao seu Reino era o que impulsionava seu desejo de apostolar em outras terras. A mão de Deus o conduziu ao pequeno povoado de Vila Velha. Mal imaginava ele que seu testemunho e sua terna devoção às Alegrias de Nossa Senhora gerariam tanto impacto na religiosidade e na fé de incontáveis fiéis até hoje.

O religioso franciscano aportou em Vila Velha do Espírito Santo no ano de 1558. Vale ressaltar a diferença entre a pequena vila daqueles tempos e a cidade que se tornou ao longo dos séculos. No século XVI, não se pode imaginar a cidade de hoje, mas sim alguns pequenos casebres, lares de pequenas famílias de colonizadores que vinham com poucos pertences para o “Novo Mundo”. O povo da terra, os indígenas, ainda nesse século possuíam a maior parte de suas aldeias intactas, espalhadas por todo o litoral e pelas margens dos rios.

 

Certo é que nem todos os moradores da velha vila abandonaram suas casas e ocupações. Alguns, por nutrirem alguma proximidade com os indígenas, não tiveram dificuldades de permanecer, nem dos povos da terra de serem tolerados. Assim, Palácios encontrava na pequena vila, abandonada por uns e habitada por outros poucos, o lugar de sua morada e presença no meio do povo como sinal da bênção de Deus.

Impressiona, em todos os manuscritos e relatos sobre a vida de Frei Pedro Palácios, que o vigor missionário é um sentido de realização vocacional que ele buscava viver, salvaguardando sempre a intenção de salvar as almas. Esses dois desejos fazem parte de sua “bagagem” e alimentaram sua vinda para o Brasil. Vale destacar que Palácios não pertencia ao estado clerical. Porém, o apóstolo capixaba merece reconhecimento por seus serviços aos mais necessitados.

Anchieta escreve que, depois de ter aportado na vila, foram procurá-lo e encontraram-no em uma gruta de duas fendas, no sopé do que é conhecido hoje como Morro da Penha. Neste pequeno detalhe da vida de Frei Pedro Palácios percebe-se o quão simples e humilde ele era, e quão grande era seu desejo e ardor pela vida evangélica. Embarcou no navio das incertezas quando decidiu vir para o Brasil. Não havia nem lugar para habitar; os franciscanos também não possuíam nenhuma missão nestas terras naquela época. Somente havia uma comunidade de jesuítas.

Existe até hoje, no frontal da gruta de Frei Pedro Palácios, uma indicação contendo a informação da primeira morada do santo frade, datada de 1864. A morada humilde do ermitão é, até nossos dias, símbolo do vigor missionário franciscano, que fez da pequena vila o lugar onde a Mãe de Deus quis fazer morada.

O único relato existente que afirma sobre a habitação de Palácios na vila deve-se a Frei Teotônio de S. Humiliana, inscrito no livro-tombo do Convento da Penha, que, infelizmente, perdeu-se no decorrer da história. Neste relato havia uma indicação de uma lápide. Essa lápide está até hoje pregada na entrada da pequena gruta, destacando as virtudes do frade e enfatizando sua devoção à Mãe de Deus e à construção da ermida no cume do Morro da Penha.

A devoção de Palácios em terras capixabas

Aportando em sua terra missionária, Palácios trouxe consigo uma estampa de Nossa Senhora das Alegrias, e a devoção mariana logo tomou espaço na vida dos habitantes da vila. Todos os dias Frei Pedro colocava seu painel de Nossa Senhora para ser contemplado e levava as pessoas à oração piedosa de súplica à Virgem. Construiu, ao lado de sua gruta, um pequeno oratório para guardar seu precioso quadro. A vida de Palácios era conduzir as pessoas para o caminho da salvação. Essa era sua meta, não importando se eram crianças ou adultos; suas pregações eram geradoras de salvação.

A humildade de Palácios era tanta que morou naquela pequena gruta por seis anos, negando qualquer tipo de melhor conforto que lhe oferecessem. Desta forma, três pensamentos ficam evidentes na vida de Palácios: a radicalidade no seguimento de Jesus Cristo, proveniente de sua consagração na Ordem dos Menores; o desejo honesto de levar todos para o céu; e a intercessão de Maria na vida humana. Assim, o sentimento religioso crescia em torno de Frei Pedro, e a devoção à Senhora Santa começava a contagiar os corações daqueles que o próprio Palácios batizava, confortava as almas e ensinava a religião.

Frei Pedro Palácios sonhava com uma festa dedicada à Virgem das Alegrias. Seu sonho se realizou pouco antes de sua morte e, hoje, depois de mais de quatrocentos e cinquenta e cinco anos da realização da primeira festa, podemos perceber uma evolução, ou até mesmo, uma atualização da maneira de prestar culto à Virgem.

Nossa Província da Imaculada tem um legado frutuoso e precioso nas mãos: guardamos a piedade e a devoção de milhões de capixabas. Fruto do vigor missionário de um confrade destemido e corajoso. Que a vida e missão de Frei Pedro Palácios possam inspirar nossa evangelização e vocação.


Frei Felipe Carretta, OFM

Bibliografia:

BAHIENSE, Norbertino. O Convento da Penha. Vitória: [s.n.], 1951.

CONCEIÇAÕ, Apollinario da. Primazia Serafica na regiam da America, Novo descobrimento de santos e veneraveis religiosos da ordem Serafica que ennobrecem o Novo Mundo com suas virtudes e acçoens. Lisboa Occidental: Na Officina de Antonio de Sousa da Sylva, 1733.

FRANCISCO DE ASSIS. Regra para os Eremitérios. In: TEIXEIRA, Celso Márcio (org.). Fontes franciscanas e clarianas. Petrópolis: Vozes. 2002. p. 186-187. 1996

JABOATAM, Antonio de Santa Maria. Novo Orbe Serafico Brasilico, ou Choronica dos Frades Menores da Provincia do Brasil: Impressa em Lisboa em 1761, e reimpressa por ordem do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Recife: Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, 1979.

JOÃO PAULO II, Papa. Homilia do Santo Padre durante a celebração da Santa Missa para os fiéis da Arquidiocese de Vitória. (19 de outubro de 1991). Disponível em: <https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/homilies/1991/documents/hf_jp ii_hom_19911019_vitoria.html>

RÖWER, Basílio; SETARO, Alfredo W. O convento de N. S. da Penha do Espírito

Santo. Petrópolis: Vozes, 1958.

WILLEKE, Frei Venâncio. Antologia do Convento Da Penha. Vitória: Editora Versal,

1974.

Frades Ilustres: Frei Antônio de Sant’Anna Galvão

Nas comemorações dos 350 anos da nossa Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, celebramos não apenas sua história institucional, mas os rostos de santidade que dela emergiram para marcar profundamente nossa identidade. Dentre esses, Frei Antônio de Sant’Anna Galvão, filho de Guaratinguetá, primeiro santo brasileiro, brilha como testemunho vivo de uma fé encarnada e de uma inspiração franciscana capaz de gerar frutos de santidade para toda a Igreja.

Frei Antônio de Sant’Anna Galvão nasceu em 1739, em Guaratinguetá (SP), no seio de uma família profundamente religiosa.  Seu pai, Antônio Galvão de França, Capitão-Mor, pertencia às Ordens Terceiras de São Francisco e do Carmo, dedicava-se ao comércio e era conhecido pela sua particular generosidade. Sua mãe, Izabel Leite de Barros teve onze filhos e faleceu com apenas 38 anos, durante o período em que Frei Galvão estudava com os jesuítas, na Bahia, onde esteve de 1752 a 1756.

Como sabido pela história, a Coroa Portuguesa empreendeu uma perseguição e extinção da Companhia dos Jesuítas no Brasil, fechando seminários e obras ligadas aos religiosos. Sabendo que o seminário onde o jovem Galvão estudava também sofreria as sanções de Marquês de Pombal, seu pai o trouxe de volta para o seio familiar, onde o jovem sentia crescer seu anseio pelas coisas do alto.

Assim, desejoso de seguir o caminho religioso, Antônio Galvão procurou os Frades Menores em Taubaté, no Convento de Santa Clara. Aos 21 anos, no dia 15 de abril de 1760, ingressou no noviciado do Convento de São Boaventura, na Vila de Macacu, no Rio de Janeiro.

Aos 16 de abril de 1761 fez a profissão Solene e juramento, segundo costume franciscano, de se empenhar na defesa da Imaculada Conceição, doutrina ainda controvertida, mas aceita e defendida pela Ordem Franciscana.

No dia 11 de julho de 1762, com apenas 23 anos, Frei Galvão foi ordenado presbítero. O local de sua ordenação foi o Convento Santo Antônio, no Largo da Carioca, Rio de Janeiro. Celebrou suas primícias em Guaratinguetá, sua cidade natal, na Matriz Santo Antônio.

Após sua ordenação, Frei Galvão foi enviado ao Convento de São Francisco, em São Paulo, para aperfeiçoamento nos estudos e para exercer ministérios pastorais diversos, destacando-se como pregador, confessor e porteiro.

Frei Galvão tinha uma grande capacidade intelectual. Homem afeito à literatura e à poesia, tornou-se um dos membros da primeira Academia Paulista de Letras, em 1770, também conhecida como “Academia dos Felizes”. Nessa ocasião, nosso confrade teria declamado, em latim, 16 peças de sua autoria, todas dedicadas a Sant’Anna, de quem era devoto, além de dois hinos, uma ode, um ritmo e 12 epigramas.

Durante seus quase 60 anos vivendo em São Paulo, Frei Galvão desempenhou vários ministérios e funções, ocupando funções de liderança dentro da Província: Guardião do Convento de São Francisco, em São Paulo, Visitador Geral, Comissário da Ordem Terceira, Definidor etc. Em todas essas atividades, algumas desenvolvidas por mais de uma vez, Frei Galvão sempre se destacou pela forma como exercia o que lhe era confiado, com obediência, competência e humildade.

Além disso, de 1774 a1788 Frei Galvão cuidou da construção do Recolhimento de Santa Teresa, e de 1788 a 1802 dedicou-se à construção da igreja, inaugurada aos 15 de agosto de 1802. Ao todo, foram 28 anos de dedicação a essa grande construção conhecida hoje como Mosteiro da Luz, localizada em São Paulo. Tal construção, reconhecida pela UNESCO como “Patrimônio cultural da humanidade”, certamente foi fruto da materialização dos dons e da genialidade de Frei Galvão.

Embora nosso confrade gozasse da simpatia e do acolhimento de muitas pessoas, sua vida também foi marcada por incompreensões e perseguições. Desde o decreto de fechamento do Recolhimento de Santa Teresa, até a sua expulsão para o Rio de Janeiro, Frei Galvão soube enfrentar o caminho da cruz e das perseguições, assemelhando-se, em tudo, ao seu mestre e Senhor. Mesmo nos momentos mais delicados e difíceis, Frei Galvão cultivava a paz e a serenidade.

Depois de uma vida feita doação e entrega, Frei Galvão, tendo recebido a ordem do seu superior Provincial e Bispo, passa a residir no Mosteiro da Luz, junto às irmãs, nos seus 2 últimos anos de vida. O peso das enfermidades e da idade avançada dificultavam suas idas e vindas diárias entre o Mosteiro e o Convento de São Francisco.

Assim, por volta das 10h do dia 23 de dezembro de 1822, Frei Galvão dá o seu último sim e volta para os braços do pai. Sua fama de santidade já alcançava vários lugares, muito embora seu processo de canonização tenha sido finalizado somente no início do século XXI.

Beatificado em 25 de outubro de 1998, por São João Paulo II, Frei Galvão recebeu o título de “Homem da Paz e da Caridade”. Sua canonização aconteceu em 11 de maio de 2007, em São Paulo, pelo Papa Bento XVI, tornando-se a primeira canonização realizada fora do Vaticano. Desde então, Frei Galvão, filho do Vale do Paraíba, Frade Menor de nossa Província da Imaculada, tornou-se o primeiro santo brasileiro, modelo e exemplo de vida para todos nós.

No entanto, se a sua canonização nos enche de alegria e orgulho, ao mesmo tempo é motivo de grande desafio e responsabilidade. Conforme nos lembra São Francisco, na sua VI Admoestação, “seria, pois, uma grande vergonha para nós, servos de Deus, que os santos tenham praticado as obras, e nós, proclamando-as, queiramos receber glória e honra apenas por dizê-las.” Assim, mais do que lembrar suas virtudes e exemplo, queremos encarnar e vivenciar sua obediência franciscana, seu zelo apostólico, sua criatividade pastoral, seu empenho e estudo, bem como seu profundo espírito de oração e devoção.

Além disso, creio que celebrar nosso confrade santo significa também lembrar que, para nós frades, a santidade acontece no seio da fraternidade. É como irmãos e entre os irmãos que vamos nos lapidando e santificando. Certamente a santidade de Frei Galvão é fruto de tantos bons confrades que também passaram pela sua vida, deixando marcas que forjaram o seu ser menor e santo.

Inserido em um momento histórico em que a nossa jovem Província se expandia pelo interior paulista, a presença de Frei Galvão revela como os frades não apenas se fixaram em conventos, mas irradiaram fé, cultura e solidariedade para as populações locais. O fato de ter nascido em Guaratinguetá insere Frei Galvão na história e na alma do Vale do Paraíba, região que guarda até hoje a memória de sua família e de sua infância. Forjado em um ambiente religioso e que certamente vivenciou os inícios da devoção a Nossa Senhora Aparecida, encontrada nas águas do rio Paraíba apenas 22 anos antes do seu nascimento, em 1717, Frei Galvão também aprofundou sua devoção à Imaculada a partir daquele contexto histórico-religioso bem concreto.

A santidade de nosso confrade não é uma página estática do passado, mas uma luz que ilumina o presente e o futuro da nossa Província. Cada frade, cada fraternidade, cada presença missionária deve se inspirar nesse testemunho para continuar construindo uma história marcada pela fidelidade, pela oração, pela solidariedade e pelo ardor apostólico.

Portanto, Frei Galvão é mais do que um personagem ilustre: é mármore de virtude na construção viva da nossa Província da Imaculada Conceição. Nesse jubileu de 350 anos, celebrar sua vida é colocar no centro da nossa gratidão e esperança a certeza de que Deus continua operando através dos humildes, dos silenciosos, dos que se doam por amor. Que São Frei Galvão, santo deste chão, nos encoraje, mesmo em tempos desafiadores, a perseverar no caminho franciscano de serviço, de minoridade, de amor e doação.


Frei Diego Atalino de Melo

Frades Ilustres: Frei João, o último frade antes da restauração

Introdução

Frei João do Amor Divino Costa (20/09/1830 – 07/12/1909): elo, articulação ou conjunção entre a antiga e nova província. Situa-se na intersecção da “mudança de época” da Província da Imaculada Conceição do Brasil. Em ser a conjugação entre a continuidade e a mudança reside seu legado.1

Ele se apresenta e é interpretado como uma unidade multifacetada. Faço esta constatação a partir das indicações disponíveis. Ademais, são controversas as opiniões a seu respeito. Ressoam num contexto de mudança de mentalidade. Portanto, de transformações. Nessas circunstâncias, procedo a algumas sinalizações. Imagino que possam ajudar na compreensão de Frei João.

Notas de contexto

Nosso confrade vem da tradição alcantarina, ou seja, um movimento de retorno às fontes franciscanas. Em tempos próximos a ele, porém, já não conserva claramente suas características originais. Na restauração, encontra-se com frades de outro movimento reformista: o dos Recoletos. Contudo, mais significativa é a mentalidade iluminista, no Brasil e em Portugal, particularmente a partir da longa era pombalina. Nessa esteira, a antiga Província reformulou os Estatutos dos estudos segundo a Universidade de Coimbra, em 1773, ou seja, em sentido racional, adaptando-os à nova mentalidade de então.1 Mesmo assim, agora, há quem defende a extinção, no Brasil, das “antigas” ou “tradicionais” congregações religiosas, incluída, pois a Província Franciscana da Imaculada.1 O internúncio Francesco Spolverini (1887-1891) tem esta convicção. E coloca-a como condição para novos começos ou recomeços. A Santa Sé, porém, firma sua diretriz em função da reforma, portanto, sem extingui-las. 

Por estas breves indicações percebe-se que a situação em jogo é complexa.

João Eustáquio da Costa

João Eustáquio: este é o nome recebido no batismo. A Freguesia de Sant’Ana do Rio de Janeiro o vê nascer e testemunha seu batismo. João Félix da Costa, natural de Portugal, e Luzia Emília da Costa, carioca, são seus pais. Em 1899, já com quase 70 anos de idade, assim o descreve Frei Diogo de Freitas: “Apesar daquela idade, a sua aparência era a de um homem forte, musculoso e sadio. Era o velho frade, de porte agigantado, robusto, apressado no andar, de cor morena e cabelos lisos e finos, sem indícios de calvície; a sua voz era cava e retumbante como a do trovão; o seu semblante, sereno e concentrado; não ria, se bem que muito conversador e contador de anedotas. No todo, era uma figura impressionante, e o seu físico combinava perfeitamente com a rigidez do seu temperamento, às vezes violento, o que o tornava temível, porém sempre justo e inclinado a transigir… Cedia à reflexão e à voz da consciência”.4

Frei João

Evidentemente, João Eustáquio se entende como Frei João do Amor Divino Costa, nas circunstâncias sociais e religiosas de seu tempo, dadas e/ou por ele criadas. Pois, quase a vida toda ele a transcorre como frade. Não completara ainda 15 anos quando já tomara o hábito como frade do Coro do Convento (algo como postulante ou noviço) e professor ao completar 16 anos de idade, em 1846. Fora ordenado presbítero em 1852 e, a partir do ano seguinte, em diferentes momentos, ocupa quase todas as funções internas relativas aos frades: mestre de noviços, guardião do Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, secretário provincial, definidor e vigário provincial, eleito por 4 dos 6 frades ainda em vida, quando do falecimento do Ministro Provincial Frei Antônio do Coração de Maria e Almeida. Exerce este ministério, que, na prática, equivalia ao de ministro provincial, por 39 anos, ou seja, até sua morte, também em função de ter sido o último e único frade sobrevivente a partir de 1886. Vale destacar ainda, que, a partir de 1885 e até sua morte, é assistente da OFS (a VOT). Levando em conta seu itinerário biográfico, não é difícil concluir em favor de seu tino administrativo e de suas qualidades de comunicação. Ademais, é reconhecido por seu zelo e probidade.5 Externamente, “não se confundia com os da nova geração [referência aos frades alemães], pois vestia um hábito de tecido preto à moda beneditina, com seu cordãozinho fino e volumosas bordas, andava calçado de botinas e usava um chapéu de feltro cor de cinza”.6

Entre decadência e esforços para remediar

Homem assertivo e de ampla visão conjuntural, subsidiada por numerosa rede de contatos com pessoas da administração imperial e republicana e morando na capital do país, é razoável deduzir que cedo se tenha dado conta da lenta perspectiva de declínio da Província, bem como das congregações religiosas então presentes no Brasil. Contudo, talvez não logo após o Aviso do ministro da Justiça de então, José Thomaz Nabuco de Araújo, em 19 de maio 1855, que suspendia a recepção de noviços, até que se procedesse a uma revisão das ordens religiosas presentes no território nacional. Isto porque o controle restritivo já vinha de um século, embora o Aviso trouxesse com uma cláusula que pressupunha uma intervenção em razão de uma causa real ou presumida. Em 1885, em Relatório ao Ministro Geral Frei Bernardino da Portogruaro, aponta a causa de fundo do declínio: a “má vontade do século contra os institutos religiosos, assim na Europa como na América”.7

Ele, porém, procura manter os conventos o quanto pode. Em 1871, apresenta à Assembleia dos deputados do Império um pedido-projeto destinado à reabertura de noviciados franciscanos, sem que obtivesse êxito.8 Por ocasião da abolição da escravatura, em 1888, aproveita para lembrar que falta conceder liberdade às congregações religiosas.9 Em seguida, mesmo com a liberdade proclamada pela República em relação a associações com fins religiosos, porquanto se saiba, não há iniciativas de Frei João no sentido de abrir perspectivas de continuidade da instituição. Embora tenha manifestado sua submissão ao Ministro Geral, em 1885,10 e apontado a má vontade do século em relação aos religiosos, ao que tudo indica, ele se movimenta em linha de continuidade com o regime imperial, com o padroado. É nessa perspectiva que procura destravar o Aviso de 1855 e restabelecer a continuidade da Província.

Frente à restauração

Frei João tem apreço pela Província. Sempre o teve. Procura mantê-la, renovando seus quadros. Colaborou com sua restauração, quando esta lhe foi apresentada. Só não a imaginava, ao que tudo indica, como e por quem acontece. 

Em 1883, por instância da Internunciatura, o bispo local nomeia um visitador apostólico na pessoa de Mons. Antônio Dias da Rocha. Frei João, não concordando com medidas tomadas por este, recorre à Coroa e obtém a suspensão do placet.11 Em 1892, segundo Frei Diogo, concorda que se restaurem os conventos da Província, mas que não se inicie pelo de Santo Antônio e da Penha.12 Era sabido que não simpatizava com alemães, frades ou padres. Contudo e enfim, coube a Mons. Enrico Sibilia, encarregado de negócios da Santa Sé, por orientação da mesma e do arcebispo do Rio, Dom Joaquim Arcoverde, convencer a Frei João de que, em Petrópolis, havia frades alemães, sim, mas que entre eles havia um frade brasileiro e que este poderia vir ao Convento Santo Antônio, juntamente com outro frade alemão, naturalizado.13 Assim, aos 26 de abril de 1899, Frei João desce os degraus da escadaria do Convento e recebe a Frei Diogo de Freitas, Frei Crisóstomo Kampmann e Frei Patrício Tuschen, candidato este e não clérigo.14 Ato contíguo e juridicamente significativo de Frei João: aos 05 de junho, publica no Diário Oficial o Contrato social da entidade Província Franciscana e com o ingresso de dois novos sócios, Frei Diogo e Frei Crisóstomo.15

Transição e avaliações

Os quase 10 anos transcorridos entre a acolhida dos confrades por parte de Frei João e a morte dele são anos híbridos. Marcados por um modus vivendi situado entre confiança e desconfiança, proximidade e distância, liberdade e vigilância, tolerância, resiliência e esperança, entre dois imaginários sociorreligiosos distintos. Tudo, num Convento em mau estado de conservação e ocupado, bem como seus arredores, por diversas categorias de pessoas, incluído o 7º batalhão de infantaria do exército com cerca de 300 pessoas, segundo Frei Crisóstomo, a partir de 09 de julho de 1885.16

Frei João recebe e instala bem os confrades, no contexto de ocupação do Convento. Embora mantivesse cômodos a seu dispor, não mora ali. Visita assiduamente os confrades. Não há, pois convívio. O contato parece ser relativamente formal, ou seja, funcional: para ver se tudo corre bem. Mas, tratava-os com atenção e respeito. O sr. Praxedes, administrador e síndico, é a referência dos frades para o dia a dia de suas necessidades. “É de justiça dizer [afirma fr. Diogo] que sempre lhes dispensou bom tratamento, atendendo de pronto a qualquer pedido ou reclamação”.17 Não interfere na programação pastoral dos frades e, portanto, em sua locomoção.18 Tira satisfação junto à Redação do jornal O Paiz, quando este publica matéria caluniosa em relação aos “padres” e é atendido.19 Em dado momento, entende a situação angustiosa que se criava, para os confrades, com o vai-e-vem do batalhão do exército, principalmente com os ensaios de banda de música, e diz: “Isso é preciso acabar”. Consequentemente, veste sua indumentária de Protonotário apostólico, aluga uma carruagem fechada e, com Frei Diogo de secretário, apresenta-se ao general Emílio Mallet, no quartel general do exército. E, transcorrido pouco mais de um ano, exatamente aos 22 de agosto de 1901, o batalhão deixa o Convento. Em 1902, a instâncias de Frei Ciríaco Hielscher, guardião do Convento do Sagrado Coração de Petrópolis, concorda com a abertura da “Escola Gratuita de Santo Antônio”, no antigo refeitório do Convento, e concorre com todas as despesas necessárias.20 Insinua que os frades restauradores adotem o hábito preto e que, saindo do Convento, utilizem o chapéu cinza, mas não insiste nem fica magoado por não ser atendido.21 No final da vida, em 1909, informado sobre a reocupação o Convento de São Francisco, em São Paulo, recebe com muito agrado a notícia.22

Contudo, o modus vivendi dos três frades que iniciavam a restauração no Convento de Santo Antônio com Frei João e vice-versa não é confortável. Os frades da restauração sabem que a situação é transitória, ou seja, enquanto Frei João viver. Afinal, ele é o provincial, é o zelador deles; tem espaços próprios no Convento, celebra a Eucaristia na igreja da VOT, mora em casa a ela pertencente e com a irmã dele, Tomásia, na Rua da Carioca. Frei Diogo é, na prática, o guardião, mas se percebe tolhido em relação à sua “autonomia” no exercício deste ministério. Frei João não obstaculizava a incipiente atividade pastoral dos frades, mas a percepção destes é a de que estavam sob a vigilância dele.23 Repetidamente, nas lembranças de Frei Diogo, ao referir-se aos dois confrades ou a ele mesmo incluído, aparecem as palavras “fradinhos”, “os três fradinhos”, e, a Frei João, “Velho Provincial”, “Velho Frade”. Elas indicam contido respeito, pouca proximidade, diferenças de percepções de contexto, entre outros aspectos. Frei Diogo, em razão de sua função de guardião “praticamente” instituído e recorrendo à sua memória, contemporiza, ameniza.24 Já em carta de 1899 e também da parte de Frei Crisóstomo transparece uma situação desconfortável, não só em relação ao contexto sociorreligioso em que se encontrava o Convento Santo Antônio, quando para lá se transferiram, mas também em termos de convivência com Frei João. Transparecem precauções, desconfianças; ele não vive franciscanamente; aparentemente trata-os amavelmente, sendo possível o entendimento, mas, com outras pessoas, se referiria aos frades como sendo “santarrões”.25 Em suma, os frades da restauração são acolhidos, sim, mas como hóspedes, ou seja, como estranhos, também porque Frei João não se integrou ao modo de vida fraterno.26

Os dias e momentos finais de sua vida transcorre-os onde morava, à Rua da Carioca, em condições sumárias, assistido pelo síndico e amigo, sr. Praxedes, e custodiado pela VOT; Frei Diogo, consegue, já agonizante, ministrar-lhe os santos óleos.27 Cuidadosos funerais são conduzidos pela VOT que também o acolhe em seu cemitério. E na imprensa, repercute o evento. Eis exemplos, que também exprimem pontos de vista a respeito dele: 

“Popularmente conhecido nesta Capital e no Estado do Espírito Santo, Fr. João era um sacerdote respeitável, de grandes abundâncias de coração e elevados sentimentos patrióticos. Inteligente, senhor de vários conhecimentos, era um observador emérito e despretensioso, conhecedor dos factos mais importantes que se desenrolavam no Brasil. No longo período de sua utilíssima existência de sacerdote sempre foi sincero em suas convicções e nos seus sentimentos de homem leal e probro” (Jornal do Commercio). “Era uma figura simpática e original a desse velho frade, provincial do convento de Santo Antônio, que ontem cerrou para sempre, os olhos na invejável idade de 79 anos. Espírito combativo e enérgico, caráter altivo e austero, Fr. João do Amor Divino Cota não teve a existência serena e cômoda, que é sempre atribuída aos frades. A sua vida foi ativa, talvez mesmo agitada por vezes; mas de uma nobre atividade, de uma agitação salutar. É que ele não vivia na absorção exclusiva da fé ou na preocupação empolgante do culto. As coisas terrenas interessavam-no sempre, qualquer que fosse a natureza delas. Examinava-as, discutia-as, comentava-as, chegava mesmo a apaixonar-se. Não era um espírito estreito e insensível ao progresso; mas nunca trouxe à República e aos seus homens o seu aplauso e a sua solidariedade. Fazia mais: não os poupava, nem o novo regímen, nem os inovadores; e no círculo dos amigos que o provocavam a emitir a sua opinião sobre os casos ocorrentes da vida nacional, encontrava sempre um comentário mordaz, ou faceto com que ao mesmo tempo amenizava a palestra, fazia crítica franca e impiedosa” (O Paiz).28

Conclusão

Portanto, de tudo que podemos recolher, pode-se concluir que, a seu modo, principalmente nos anos finais de sua vida e nos da Província, frei João se entende como frade. Quer a continuidade e, portanto, o restabelecimento da entidade. A seu modo, todavia. Ela não vem como ele a imagina e deseja. Aceita-a, no silêncio de seu coração, não se integrando de todo, porém. O final da “velha Província” e o advento da “nova” carregam em si uma mudança cultural-religiosa paradigmática, uma mudança de época. A Frei João do Amor Divino Costa devemos a possibilidade de evocar, em agradecimento a ele, a centenas de confrades e a Deus, em 2025, 350 anos de fecunda existência.

Frei Elói Dionísio Piva

Referências bibliográficas:

1.Para esta apresentação, partimos das referências de: COSTA, João do Amor Divino. Relatório do Provincial Frei João do Amor Divino Costa, 1872. Disponível em: https://riefbr.net.br/pt-br/content/relatorio-do-provincial-frei-joao-do-amor-divino-costa-1872. Acesso em: 25 jun. 2025; FREITAS, Diogo de. Nossa atividade no Brasil, Vita F, v. 5, n. 1, p. 1-6, 1928; ID. Elencho biograpfico de religioso antigos da Província Franciscana da Immaculada Conceição do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1931 [Frei João do Amor Divino Costa, p. 394-398]; ID. Antigos moradores do Convento antigo, VF, v. 7, n. 11, p. 1-10, 1948; ID. Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, VF, v. 8, n. 12, p. 6-17, 1949; ID. Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro. Notas e episódios de antanho, VF, v. 9, n. 14, p. 70-79, 1950; [ID.]. Convento de Sto. Antonio. Os acontecimentos de seu Claustro ou Tres Seculos de Vida Monastica (Resumo histórico) 1615-1915. Petrópolis: Vozes, 1915. Disponível em: https://riefbr.net.br/pt-br/content/convento-santo-antonio-os-aconteccimentos-seu-claustro-ou-tres-seculos-vida-monastica-resumo. Acesso em: 16 set. 2025; ROEWER, Basílio. Convento de Santo Antônio [4. ed. rev.]. Rio de Janeiro: Zahar, 2008; STULZER, Aurélio. Da restauração da Província da Imaculada Conceição. VF, v. 55, n. 52, p. 5-15, 1978; ELLEBRACHT, Sebastião. Religiosos Franciscanos da Província da Imaculada Conceição do Brasil na Colônia e no Império. [Petrópolis: Vozes], 1990 [publicação em fascículos na VF a partir de 1978 aos cuidados de Frei Olavo Seifert] [Fr. João do Amor Divino Costa, p. 394-395]. Disponível em: https://riefbr.net.br/pt-br/content/fr-joao-do-amor-divino-costa-ofm-joao-eustaquio-da-costa. Acesso em: 02 jun. 2025; JEILER, Inácio. Confrades da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, falecidos nos primeiros 50 anos da restauração (1891-1941). São Paulo: Província Franciscana Imaculada Conceição, 1990. Disponível em: https://riefbr.net.br/en/content/fr-joao-do-amor-divino-costa-ofm [p. 71]. Acesso em: 10 jul. 2025; VANBOEMMEL, Fidêncio. Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil celebra seus 346 anos. Disponível em: https://paroquiavila.com.br/p.html. Acesso em: 24 jun. 2025; PIVA, Elói Dionísio. Restauração da O.F.M. do Brasil, VF, v. 66, n. 63, p. 19-32, 1989. ID. Transição Império-República: desafio e possibilidade para a Igreja no Brasil. Tese. Pontificia Università Gregoriana, Roma, 1985.
Nota: com relação a estas referências e para abreviar as citações, nas notas de rodapé indicamos apenas o sobrenome do autor, o ano de edição e a/s página/s. 
2.A respeito, cf. COSTA, Sandro Roberto da. Pombal, os Franciscanos e os Estatutos ara os Estudos. In: SANGENIS, L.F.C.; FERNANDES, T. de S. (ed.). Franciscanismo, Educação e Cultura Popular Brasileira. São Carlos: Pedro & João, 2024. p. 109-130. ESPEY, C. Frei João do Amor Divino Costa, Vita Franciscana, v. 9, n. 1, p. 20-33, 1932;
3.Na época, ainda existentes: OSB, OC e OFM. Em parte, as ordens religiosas “tradicionais” estão por demais atreladas a contextos e a esquemas mentais culturalmente passados. A perspectiva iluminista entende e deseja que elas sejam “úteis”, “que se dedicassem à educação da juventude, ao atendimento dos órfãos, ao serviço dos doentes, à ‘civilização’ dos índios, ao atendimento dos colonos europeus…” Nesta perspectiva, o Governo imperial admite a vinda de lazaristas, frades capuchinos, salesianos… Mas, ao mesmo tempo, impede a abertura de noviciados, até que defina a reforma do que entende como problema das ordens religiosas “tradicionais” no Brasil. Cf. FRAGOSO, Hugo. Contexto da restauração, s/l, s/e, s/d (Centenário da restauração da Província de Santo Antônio 1893-1993 – 1), p. 53-55. 58, aqui, p. 55.
4.FREITAS, 1949, p. 10-11.
5.Cf. ELLEBRACHT, 1990; JEILER, 1990; FREITAS, 1931; 1949, p. 7, principalmente ao escrever a respeito do síndico do Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro e homem de confiança de Frei João, o sr. Praxedes, ele o tem como “espírito reto, educado e consciencioso”.
6.FREITAS, 1950, p. 72.
7.PIVA, 1989, p. 21. Cf. também: FREITAS, 1950, p. 72: ele registra reações de populares ao se depararem com ele, enquanto frade que transita por ruas do Rio.
8.FRAGOSO, s/l, op. cit., p. 58. Segundo o A., Frei João prospecta o auxílio de frades da Bélgica para contemplar o conjunto do projeto. Do ponto de vista da procura por socorro, então, não se pensaria em frades alemães.
9.[FREITAS], 1915, p. 24. Esta publicação não traz explicitamente a autoria. Na capa e folha de rosto, há, porém, uma clara sinalização: “Dados [acontecimentos ou três séculos…] à publicidade pelos religiosos do Convento e dedicado aos seus amigos e benfeitores”. Um gesto de gratidão, uma forma de partilha aos amigos e benfeitores por parte dos frades do convento, portanto. Seja, porém, pela data de publicação e, principalmente, pelo conhecimento de detalhes, pelas evidentes semelhanças, às vezes, quase ipsis verbis, encontradas em artigos aqui citados e pela conjuntura, é provável que a autoria seja de Frei Diogo de Freitas, com alguma forma de participação dos confrades. ID. Resumo histórico da Província Franciscana da Immaculada Conceição do Brasil. Desde a fundação até os nossos dias. In: ROEWER (Ed.). A Província Franciscana da Immaculada Conceição do Brasil nas festas do centenário da independência nacional 1822-1922. Petrópolis: Vozes, 1922. p. 9-129. Aqui, p. 58.
10.Cf. STULZER, 1978, p. 5-7.
11.FREITAS, 1931, p. 395. A então Sagrada Congregação dos Bispos e Religiosos coloca, aos 26 de marços de 1886, as congregações religiosas no Brasil sob a jurisdição dos respectivos bispos locais, particularmente no que se referia à administração de bens de raiz, e ratifica a determinação em 03 de setembro de 1891, donde a notificação de Dom José Pereira da Silva Barros a Frei João – cf. ID., 1931, p. 397.
12.Frei Amando Bahlmann, em seu retorno ao Brasil, passa pelo Rio. O bispo local, Dom José Pereira, entrega-lhe uma carta de apresentação a Frei João. Nesta carta sugere que também no Convento de Santo Antônio se inicie a restauração, como os frades alemães planejam iniciá-la no Convento de São Francisco, em Salvador. Cf. FREITAS, 1928, p. 2-3. ID., 1922, p. 55.
13.Em contrapartida, Frei João é nomeado Protonotário Apostólico, com pontificais de báculo e mitra, recebe o título honorífico de Custódio da Terra Santa e o rei de Portugal, Dom Carlos I, confere-lhe a comenda da Ordem de Cristo. Cf. ROEWER, 2008, p. 210; FREITAS, 1922, p. 55-56; 1931, p. 396-397; ELLEBRACHT, 1990; JEILER, 1990.
14.Cf. FREITAS, 1949, p. 6-7; STULZER, 1978, p. 5-15. Sobre Frei Diogo de Freitas, cf. SCHAETTE, VF, v. 14, n. 21, p. 79-87, 1957; a respeito de Frei Crisóstomo Kampmann, cf. Vita F, v. 11, n. 2, p. 58-60, 1934; e de Frei Patrício Tuschen, cf. SCHAETTE, VF, v. 6, n. 10, p. 155-156, 1947.
15.A importância deste documento também está em assegurar juridicamente os bens materiais e imateriais da Província. Frei Patrício é acolhido como membro da Província, mediante a profissão dos votos perpétuos, em 19 de março de 1901. Cf. FREITAS, 1949, p. 12.
16.In: STULZER, 1978, p. 13. A presença do Batalhão decorre de pedido de D. Pedro II, ocasionado pela incidência de beribéri no local em que encontrava [FREITAS, 1915, p. 26]. Como pano de fundo possível, ainda não provável, pode estar a perspectiva da incorporação do Convento ao patrimônio do país, quando da morte do último frade, como também, em grau certamente menor, a compensação pela cassação do placet ao visitador diocesano, em 1883. Os militares ocupam a parte dos fundos do Convento (o atual morro e partes hoje ocupadas pelo BNDS). Com o passar do tempo, comandantes e familiares encontram abrigo nas imediações do Convento. Nos andares da frente, além de espaço de Frei João e dos frades da reforma (embaixo), Frei João cedia, com certa generosidade, a pedidos de alojamento. Assim, pessoas eminentes e singulares com quem os três novos frades interagem compunham o ambiente humano, perturbando, particularmente os soldados e sua banda de música, o sossego dos frades. Exemplo de pessoas consideradas eminentes: Mons. João Pires de Amorim, vigário geral da Diocese; Mons. Luís Raimundo da Silva Brito (futuro bispo de Olinda e Recife) e o sr. Coriolano Corrêa (perseguidos em função de atritos com liberais-maçônicos, no Maranhão); o conselheiro e ministro do gabinete de Rio Branco, João Alfredo Corrêa de Oliveira, o Dr. Antônio Ferreira Viana, deputado à Assembleia geral do Império pelo RS. Cf. FREITAS, 1948.
17.FREITAS, 1949, p. 11.
18.Idem. A movimentação litúrgica na igreja do Convento, à chegada dos frades de Petrópolis, encontra-se praticamente zerada. Reiniciam, aos poucos. Outras atividades, e não poucas, decorrem, inicialmente, de vários pedidos para atendimento em colégios, sanatório, asilo, capelania. Cf. FREITAS, 1928.
19.Idem. Pelo contexto, presume-se que por “padres” se entenda “frades”.
20.Idem, p. 9.
21.Idem, p. 11.
22.ROEWER, 2008, p. 211.
23.FREITAS, 1949, p. 10.
24.Na publicação de 1915, Frei João é apresentado de maneira positiva em relação aos esforços na admissão e administração das hospedagens e mesmo na preservação física do Convento em razão de depredações provindas de invasores e em consequência da presença do 7º batalhão do exército, o que lhe causa não poucos dissabores [FREITAS, 1915, p. 22-35. 41); ID., 1931, p. 396.
25.Cf. KAMPMANN; FREITAS. In: STULZER, 1978, p. 13-15.
26.FREITAS, 1949, p. 11.
27.Idem.
28.FREITAS, 1931, p. 398.

Frades Ilustres: Frei Pedro Sinzig

Andrea Rönz, diretora do arquivo da cidade de Linz am Rhein, no dia 26 de agosto de 2018, fez uma conferência na igreja São Martinho, a 4 minutos a pé da Neustrasse 22, onde a família dos Sinzig tinha uma padaria. Esta igreja fica na Petrus Sinzig Strasse, construída em 1206 e inaugurada em 1212. Aos 8 de janeiro de 1953, exatamente um mês após o falecimento de Frei Pedro Sinzig, de acordo com a ata do Conselho, o vice-prefeito Ferdinand Nitzgen solicita: “Em reconhecimento aos grandes serviços prestados pelo recentemente falecido Frei Petrus Sinzig, do Brasil, natural de Linz, à cultura alemã no exterior e à promoção da arte e da ciência, nomear uma rua em Linz em sua homenagem.”

Na reunião do conselho seguinte, em 5 de fevereiro de 1953, “após ampla discussão”, todos os membros presentes concordaram com a proposta de renomear a atual Alleestraße para “Petrus-Sinzig-Straße”.

Franz Stephan, nome de batismo de Frei Pedro, nasceu em 29 de janeiro de 1876, na citada Neustraße 22, onde nasceu também sua irmã Gertrud aos 08 de março de 1877. Além da padaria, seus pais, Johann Sinzig e Helene Meffert Sinzig, comercializavam produtos coloniais. Seu avô também foi padeiro aqui. Na época, eram vizinhos do centro comunitário judaico. Gertrud se casou depois com Joseph Jacobi, de Remagen. Frei Hermegildo Jacobi, seu irmão, faleceu em Penedo (AL), aos 18 de janeiro de 1894.

Johann Sinzig e Helene Meffert Sinzig (foto A. Rönz)

 

Teve uma infância feliz, com pais amáveis, numa família caracterizada por profunda piedade. Rezava-se várias vezes ao dia e se dizia: “o ano eclesiástico, com suas festas religiosas e tradições populares, nos ofereceu inúmeras alegrias”. Na Semana Santa, era utilizada a matraca; em março, montava-se o altar de São José; em maio, o altar de Nossa Senhora; e a brincadeira favorita das crianças, além dos jogos de guerra e encenações de circo, era “ler a missa”, tendo como anfitriões os melhores doces da padaria do pai. Na padaria, sem dúvida, a conversa com os fregueses… o aprendizado.

 

Sua irmã Gertrud e Frei Pedro Sinzig, em 1910 (foto: A. Rönz)

 

Concluído o ensino fundamental, a Volkschule, cursou o Progymnasium de Linz. Escreve em suas reminiscências: “Devo-lhe (meu Pai), em particular, os sacrifícios feitos para que eu me matriculasse no velho Ginásio de Linz e, além disso, estudasse violino. Fez-me frequentar primeiro as aulas dum professor de escola primária, severo, minucioso, de vistas um tanto estreitas; depois as de um negociante da família de músicos Lück, com quem me adiantei muito mais e, finalmente, as de um pequeno hoteleiro que me abriu o mundo dos ritmos de marchas e danças.”

“Para o estudo do piano – que tornaria indispensável a aquisição desse instrumento – para minha mágoa, os recursos paternos não chegavam. Com canto era outra coisa. Todos o aprendíamos, como os passarinhos, desde o nascer. Minha Mãe tinha linda voz. Cantava-se em todas as casas de Linz. Ensinavam-se os valiosos cantos sacros, geralmente multisseculares, do hinário da diocese de Trier, já na Escola Primária, de modo que, na igreja-matriz, que já então tinha mais de 700 anos nas costas, adultos e crianças formavam um coro uníssono, possante, familiarizado com cantos próprios para todo o ano eclesiástico.”

“No Ginásio de Linz, formávamos, os alunos, um coro misto que abrilhantava dias comemorativos e festas da Igreja. As festas do ano litúrgico, na igreja, contavam com um concurso dum coro de homens sob a direção do organista Rudisch. Para ele eu olhava com um misto de respeito e admiração… Era com-po-si-tor!”. O lado musical vem da sua mãe, escreve.

“Nos sonhos sobre a futura vocação, eu hesitava entre dois ideais: general de exército ou – aspiração igualmente elevada – missionário, de preferência na China ou na África. Abstraindo do organista Rudisch, não via na pequena Linz nenhum exemplo de que também a música pudesse constituir uma vocação. Aliás, ela se misturava em tudo. Eu ouvia embevecido as bandas de instrumentos de metal que, frequentemente, tocavam nas praças e ruas de Linz. …. Na rua, eu repetia cantando ou assobiando as novas melodias ouvidas, pegando depois no violino para fazê-las ouvir também em casa. Tudo quanto tinha relação com música era um regalo para mim. Atrevi-me, um dia, a solicitar dum aleijado que, na rua, tocava realejo, que me deixasse tocar em seu lugar, indo ele, enquanto eu tocaria, recolher as moedas da população.”

Tocar os sinos, principalmente os majestosos da igreja-matriz, era outra aspiração que, muitas vezes, conseguia satisfazer.

“Aos 12 anos de idade resolvi desistir, por ora, da carreira de general de exército, partindo de uma noite silenciosa, em companhia de meu Pai, de canoa, Reno abaixo…” até o Colégio Seráfico (e Noviciado) de Harreveld, na Holanda. “As primeiras impressões foram ótimas.”

Mas… retiro… exercícios espirituais… bico calado… Foi se sentar numa canoa na lagoa que rodeava o extenso sítio. Apareceu o Padre Superior em pessoa e, em tom paternal, perguntou pela idade. Diante da resposta, o Padre falou: “Então poderá ficar com a mamãe até os 16 anos!”

“Embrulhei minhas coisas, voltei ao Reno, de particular atração, e estudei mais 4 anos no Ginásio de Linz, contando os dias e riscando cada noite mais um que me separava da volta a Harreveld. Mais do que nunca estava resolvido a ser franciscano.”

Andrea Rönz, em sua conferência, relata: a decisão de ser franciscano se deve principalmente à influência de um irmão franciscano do convento vizinho, em Remagen, que frequentemente ia à casa de seus pais para mendigar.

“Em 31 de março de 1891, ele finalmente ingressou no seminário em Harreveld, destinado exclusivamente à formação de padres franciscanos para a Província Saxônica da Ordem, a ‘Saxônia’.” Lá participava da orquestra dos alunos e do coro. Participou da Abertura do Califa de Bagdad, de François-Adrien Boieldieu, com o 2º violino. Iniciou os estudos musicais do canto gregoriano com Frei André Noirhomme, que tinha extraordinário dom para ensinar. Frei André faleceu depois, na Missão dos Mundurucus.

Aos 30 de outubro de 1892 foi admitido como noviço à Ordem Franciscana, com o nome de Frei Pedro, com a presença de seus pais. Embarcou para o Brasil, ainda noviço, aos 8 de junho de 1893, chegando à Bahia no mesmo dia, com mais 12 companheiros. Participava do coro do Noviciado na igreja de São Francisco.

Em 25 de novembro de 1894, iniciou o curso de Filosofia no Convento de Olinda (Pernambuco). Nesses tempos, grassava a epidemia recorrente da febre amarela. Vários colegas seus não resistiram.

“Havia adoecido, exigiu do Superior que lhe declarasse o grau de febre que o atingira, a fim de se preparar para a morte. Desde aquela época já predominava a inteireza de seu caráter, aplainando um futuro de lutas que teve de enfrentar nos diversos setores com sua pena de denodado batalhador pela causa de Cristo.”

 

Na música, o aprendizado no harmônio

 

No dia 29 de março de 1895, recebeu a tonsura e as Ordens Menores. Em novembro de 1895, iniciou sua obra literária-musical, trabalhando em um livro de cantos para a liturgia, incluindo suas composições. Aos 07.02.1896, retornou à Bahia para o curso de Teologia. Em 9 de maio de 1897 foi ordenado subdiácono e, no fim do mês, liberado para distribuir a santa comunhão.

Com 21 anos, acompanhou, como diácono, de 22 de agosto a 28 de outubro de 1897, um confrade sacerdote, Frei Gabriel Grömer, e um capuchinho, Frei Jerônimo de Montefiore, para assistência religiosa às forças armadas do Governo contra os revolucionários de Canudos e para ajuda aos feridos. Frei Jerônimo permaneceu em Queimadas, e os Freis Pedro e Gabriel foram adiante até Cansanção. Frei Pedro escreveu um diário, publicado no Segundo Anuário, p. 29 a 48, em 1913, Petrópolis.

09.02.1898 – Naturalizado brasileiro

31 de julho de 1898 – Ordenação sacerdotal

28.08.1898 – Blumenau. Depois, por três anos em Gaspar

 

Da Crônica de Lages, p. 14: no Capítulo Provincial de 1902, em Blumenau, 22 de janeiro, Frei Pedro foi nomeado Guardião do Convento de Lages. Chegou a Lages acompanhado do P. Provincial no dia 12 de março de 1902. Em 13 de maio, publicou o primeiro número do CRUZEIRO DO SUL, “Arauto em defesa da Fé e do são patriotismo” naquelas paragens do planalto catarinense. Teve inimigos que aparentemente venceram. Em novembro de 1905, o jornal, por ordens superiores, teve que suspender sua publicidade. Continuou em Lages como professor no Ginásio de São José, mestre das artes dramáticas e musicais, visitando como missionário as longínquas capelas espalhadas pelas coxilhas.

Da Crônica do Convento de Lages, p. 24: no Capítulo Provincial de 1907 (19 a 20 de novembro), Frei Pedro foi transferido para Petrópolis, para a direção da Editora Vozes Ltda. Da Crônica do Convento do Sagrado de Petrópolis, fevereiro de 1909, p. 62: Frei Pedro dirige a Canta S. Cecília no Teatro Floresta, com duas apresentações. P. 63: no regresso do Conde Arco, apresentação da saudação de boas-vindas, de sua composição. Em junho, p. 65: organizou a assembleia diocesana de Niterói, fez o grande discurso. P. 69: em 8 de dezembro, dirigiu a Missa Regina Coeli, de Arnfelter, com o coro dos frades. P. 71: publicação de Breves Meditações, 1000 exemplares. P. 73: em janeiro de 1910, apresentou sua cantata São Francisco, no encerramento do VII Centenário da Ordem Franciscana. P. 74: em abril, participou do Primeiro Congresso dos Jornalistas Católicos em Petrópolis, sendo aclamado presidente de honra. Fundou o Centro de Boa Imprensa e a Liga da Boa Imprensa. P. 75: no dia 4 de abril, Frei Pedro viajou para a Alemanha, depois de 17 anos no Brasil!

Com a foto montagem de Frei Pedro, tempos de Lages

 

No dia 29 de junho, acompanhado de D. Amando Bahlmann, teve audiência com o Santo Padre, em Roma, recebendo as felicitações por seu onomástico: “Lhe desejo felicidade em seus trabalhos de escritor e seus esforços pela boa imprensa no Brasil. Nos tempos de hoje não é suficiente escrever livros ascéticos e louvar santos. Nós também precisamos de bons jornais que divulguem os bons ensinamentos e os levem a todas as casas. O senhor mesmo é pregador – poucos pregadores para muitos –, que não entram em igreja e não ouvem pregações. Meu filho, siga adiante com os seus trabalhos para a boa imprensa. Com a bênção do Papa.”

Foi cronista do Convento Sagrado Coração de Jesus de outubro de 1910 (p. 79) até julho de 1914 (p. 126), com sua letra especialíssima. Felizmente, editou 4 anuários: o primeiro, de 1910; o segundo, de 1911-1912; o terceiro, de 1913-1914; e o quarto, NACH 30 JAHREN (“Depois de 30 anos”), de 1915-1921, em língua alemã. Material precioso para ver a vida da Província da Imaculada Conceição do Brasil em seus 30 primeiros anos, coletado das crônicas das diversas casas.

Trata dos renascimentos de diversos conventos e casas: Petrópolis, Blumenau, Rodeio, Lages, Curitiba, Santo Amaro, Curitibanos, Gaspar, São José, Palmas, Paranaguá, Quissamã, Alto Jacuí. No segundo anuário, além de trazer à luz as reminiscências de Frei Solano Schmitt e os inícios de Lages, escritos por Frei Rogério Neuhaus, transcreve seu diário de participação na história de Canudos. Frei Pedro, depois de vários anos convivendo com o santo em Lages e no Rio, escreve a biografia de Frei Rogério, publicada na Vozes em 1934.


Frei Lauro Both

A sinfonia do não parar

Depoimento de Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

 

Recordar significa levar novamente ao coração. Frades menores temos a alegria de ter pautado nosso caminhar pela vida à luz de Francisco de Assis. Ele se tornou nosso companheiro de caminhada. No ardor de nossa juventude buscamos a Ordem. Fomos acolhidos pelo Ministro Provincial da Imaculada. Passamos a viver no seio desta Província acompanhando   com carinho tudo o que o Altíssimo andava realizando em nossas casas. Conscientes todos estamos de precisamos auscultar os sinais dos tempos e continuar a obra de nossos predecessores. “A vida é um laboratório de humildade, onde as nossas perspectivas se refazem continuamente.  Ela expressa-se contrariamente à clonagem e ao decalque, não avança imutada e repetida, não se revê em mimetismos; aceita os hiatos, a demora e a diferença” (José Tolentino Mendonça). A sinfonia não pode parar. Há combinações novas notas, novos instrumentos e instrumentistas. Precisamos de maestros lúcidos que nos ensinem a melodia dos novos tempos. A sinfonia não pode parar.

Um rápido olhar pelo retrovisor

Gostaria de evocar, de maneira sumária e cheia de lacunas, o borbulhar da vida franciscana em Petrópolis. Situo-me, de modo particular, na década de 60.  Uma casa irradiadora. Uma plêiade de professores formados na Europa, homens que vibravam com seu mister de formadores de religiosos e sacerdotes, uma casa cheia de “puxadinhos” para abrigar uma centena de clérigos e mais vinte frades da comunidade permanente. Teologia, Editora Vozes, Revistas, Escola Gratuita São José, Canarinhos, Ordem Franciscana Secular (OTF) viçosa, marianos, Morro de Fátima, trabalhos dos frades em toda a região:  Bingen, Mosela, Vila Militar, Ingelheim. Frades no Alto da Serra, Itamarati, no Morin. Uma sinfonia de serviços. Tempo do Concílio. Frades da casa como peritos do Concilio. Estimada Igreja do Sagrado da rua Montecaseros. Editora Vozes grande divulgadora do Concílio. Nos finais de semana frades exercendo seu ministério na Baixada Fluminense de modo particular em Caxias e Nova Iguaçu. Liturgias solenes de modo particular às Vésperas dos domingos, com capa magna e solenidade. Frades na portaria, na sapataria, na encadernação, na marcenaria, no cuidado pelos doentes. Frades estudando na Universidade. Professores nossos como mestres nas faculdades. Páginas esplêndidas. Uma parte da bela história da Província da Imaculada!

Inspirações para o amanhã

Se até aqui olhamos pelo retrovisor, agora erguemos os olhos para vislumbrar o amanhã.  Vivemos um período extremamente delicado. Nossos frades estiveram muito vinculados ao trabalho pastoral em paróquias. Fizemos um bom trabalho. Houve frades que não perderam sua identidade nos serviços paroquiais. As atividades pastorais continuam a solicitar nossa ajuda. Não podemos nos esvaziar e parecer autômatos. Não dá para deixar as coisas aos cuidados do piloto automático. Somos frades menores. Nosso carisma pode ser chave para abrir as cortinas dos próximos tempos. Quando o carisma ensopa a vida dos frades, Deus faz maravilhas. A Província são os frades e seu jeito de andarilhos caminhando com alegria e convidando a todos a experimentem a ventura de enamorar-se por Cristo e o doce-amargo de beijar e abraçar os leprosos.

Um lembrete

Voltar sempre ao ardor dos começos. Nossas Constituições Gerais afirmam que somos uma fraternidade, na qual os irmãos dedicam-se totalmente a Deus, o sumo bem, vivendo o Evangelho na Igreja segundo a forma observada e proposta por São Francisco.  No Art. 1 § 2:    “Seguidores de São Francisco, os irmãos são obrigados a levar uma vida radicalmente evangélica, isto é: viverem espírito de oração e de devoção e em comunhão fraterna; dar um testemunho de penitência e minoridade; anunciar o Evangelho ao mundo inteiro em espírito de caridade para com os homens; pregar as obras de reconciliação, a paz e a justiça; e mostrar o respeito pela criação”. Nestas poucas linhas encontramos um sopro. No meio de todas as turbulências é assim que avançamos.

Referência a Deus, o Sumo Bem

Experimentar Deus. Tomamos um texto da Família Franciscana do Brasil, publicado em 2009, com o título Reviver o sonho de Francisco e de Clara no chão da América Latina e do Caribe:  “O que hoje mais nos interpela no projeto de Francisco – conquanto que não paremos na superfície – é que estamos diante de um projeto cristão que nos convida a viver a fundo a experiência da fé em Deus e em Jesus Cristo… – Em todo caso está claro que para Francisco esse era o centro absoluto da vida que queria viver com os irmãos. Sedento e faminto, o mundo busca pessoas que sejam referências desse absoluto, que desvelem o sentido de sua própria vida, que lhes indiquem a fonte e lhes apontem o onde ver a face e encontrar a proximidade de Deus. No dizer de Paulo VI, as pessoas buscam pessoas que falem de um Deus que elas conhecem e lhes seja familiar”. Nos próximos tempos a vida dos frades, mais que nunca, mostrará pessoas possuídas de um amor entrega ao Altíssimo e Bom Senhor. Retorno ao eremitério, como tempo de “refontalização” Não se acostumar com a mesmice e a rotina.

Criar lugares de amizade

Amizade, fraternidade, acolhida. Poucos frades. Experiência de vida partilhada.  Vida vivida mais intensamente juntos. Sonhos e projetos comuns. Não apenas mostrar uns aos outros as chamadas e vídeos. Criar espaços em nossa vida e em nossas casas onde seja possível fazer amizade. Tenho um certo pudor de empregar a torto e a direito a palavra amor. Na realidade trata-se espaços desinteressados. Lugar de amizade onde seja possível renascer.  Espaços onde possamos estar com nossa verdade, sem camuflar. Onde somos recebidos com nossa singularidade. Não se trata de criar comunidades novas. Estes espaços de amizade podem estar em todos os lugares. Escondido num canto da paroquia. Perdido na vida profissional. Num momento de lazer, de chorar, de cantar. Entre pessoas de convicções diferentes.  Conviver com o diferente em todos os sentidos. Construir pontes e não cavar valas intransponíveis.

Visitar seu interior

“Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informações que nunca chegamos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efêmero. Na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver. Uma alternativa seria resgatar a nossa relação com o tempo. Por tentativas por pequenos passos. Ora isso não acontece sem um abrandamento interno. Precisamente porque a pressão de decidir é enorme. Necessitamos de uma lentidão que nos proteja das precipitações mecânicas, dos gestos cegamente compulsivos, das palavras repetidas e banais. Precisamente porque temos de desdobrar e multiplicar, necessitamos reaprender o aqui e agora da presença, reaprender o inteiro, o intacto, o concentrado, o atento e o une” (José Tolentino Mendonça, libertar o tempo, Paulinas, São Paulo, p.20-21). Meditação, leitura espiritual, momentos de retiro na solidão. Não fugir de si mesmo. Habitar seu mistério pessoal. Capítulos locais de irmãos que não se acostumaram com a planura. Robustecer o interior dos frades. Continuemos com Tolentino: “Mesmo que a lentidão tenha perdido o estatuto nas nossas sociedades modernas ocidentais ela continua a ser um antídoto contra a rasura normalizadora. A lentidão   ensaia uma fuga ao quadriculado; ousa transcender o meramente funcional; escolhe mais vezes conviver com a vida silenciosa; anota os pequenos tráficos de sentido, as trocas de sabor e as suas fascinantes minúcias, o manuseamento e tão íntimo que pode ter luz” (Idem, p. 21)

Proximidade e fraternidade

Os franciscanos, ao longo dos tempos, foram marcados pelo seu modo de ser. Sempre tiveram a marca da proximidade e da fraternidade. “Por estarmos junto à vida e às pessoas, sempre próprio dos irmãos e irmãos de Francisco e Clara, a flexibilidade, a imediatez e a improvisação criativa no socorro à vida, com métodos simples que possam operacionalizar o espírito de fraternidade e de solidariedade. Empreendimentos não substituem o ser fraterno e a fraternidade. Existem para viabiliza-los. Por isso o primeiro e grande esforço de nossa parte consiste não tanto em criar instrumentos sofisticados de ajuda aos seres humanos, mas por nossa presença de irmãos e irmãs, tentar gerar, entre todos, uma atmosfera de confiança em Deus e de fraternidade e solidariedade e partilha entre as pessoas. É o dom de nós próprios, pois muito não temos” (Documento da Família Franciscana supramencionado).

Concluindo

O amanhã de nossa Província depende em boa parte da qualidade humana, cristã e franciscana dos frades de hoje. Que possam surgir lideranças sólidas entre os jovens frades. Que não se tenha medo do risco de viver sem muitas seguranças exteriores. Comunidades com música harmoniosa na diversidade dos instrumentistas. Funcionários alegres do hospital de campanha do Papa Francisco.

A sinfonia não pode parar!