Frei Francisco de Jesus Sampaio

(1778-1830)

Entre os vultos que dominavam na tribuna sagrada no começo do século XIX, destacamos Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio, que figurava junto a outros grandes oradores e intelectuais da época, como Frei Rodovalho, Frei São Carlos e Frei Monte Alverne.

Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio foi um dos grandes vultos da história pátria, no momento de sua formação política, demonstrando em suas atitudes, como orientador político, jornalista combatente, por sua eloquência como orador sagrado, por seu grande devotamento à causa do nacionalismo no instante em que as Cortes de Lisboa procuravam reduzir-nos de novo à condição de colônia, contribuindo muito para a Independência do Brasil.

Dados biográficos – Frei Francisco de Sampaio nasceu no Rio de Janeiro a 8 de agosto de 1778, filho de pai português e mãe brasileira. Frequentou por cinco anos a escola régia, matriculando-se em 1790 no curso de estudos superiores que os franciscanos mantinham no Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro. Após três anos, resolveu o jovem Francisco de Sampaio tornar-se frade, recebeu o hábito de noviço a 14 de outubro de 1793 e mudou o nome para Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio. Professou no ano seguinte. Prosseguiu em seus estudos de filosofia e teologia requeridos para os candidatos ao sacerdócio. Fê-lo com tanto brilho e revelou tal talento oratório que já a 1° de fevereiro de 1800, portanto, um ano antes de ser ordenado sacerdote, os superiores o nomearam pregador, privilégio extraordinário e exceção honrosa para o jovem Frei Sampaio. Os primeiros anos de sacerdócio, de 1802 a 1808, portanto, dos 24 aos 30 anos, empregou-os Frei Sampaio no magistério, primeiro no Convento São Francisco de São Paulo e em seguida no Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro. Os anos de 1808 em diante trouxeram a Frei Sampaio uma série de honrarias e distinções. Foi Pregador da Capela Imperial e Examinador da Mesa de Consciência e Ordem em 1808, Teólogo da Nunciatura em 1812, Capelão-mor de sua Alteza Real e Censor Episcopal em 1813, etc. Na vida interna da Província Franciscana, exerceu Frei Sampaio, além do cargo de professor, outros mais: secretário da visita geral em 1808, secretário da Província em 1815, guardião do Convento Bom Jesus da Ilha em 1818, definidor provincial em 1821, etc.

Atuação política de Frei Sampaio – Além dos estudos normalmente requeridos aos candidatos ao sacerdócio, não cursou Frei Sampaio outras universidades para aperfeiçoamento ou especialização. Contudo, dono de inteligência extraordinária, pôde o jovem frade, num esforço notável, aprimorar sua cultura. Seus sermões e artigos de jornal denotam um grande conhecimento da história universal, antiga e moderna. Dos tempos modernos, conhecia a fundo os autores franceses, cuja língua não só lia, mas também falava perfeitamente. Devido à inteligência e paixão pelo estudo, tornou-se Frei Sampaio um dos homens mais cultos do Brasil de sua época. Frei Sampaio aproveitou o tempo livre dos anos de magistério para estudar em particular Direito Público e Ciências Políticas, estudos que lhe seriam de grande valor quinze anos mais tarde, quando da emancipação política do Brasil. Apesar de sua formação e do seu interesse pelas ciências políticas, não teve Frei Sampaio nenhuma atividade política até 1820, quase às vésperas da independência. Faltava ocasião propícia para tanto. Estava, porém, equipado intelectualmente para engajar-se nas lutas e desempenhar um papel de relevo quando esta se apresentasse. Não se sabe ao certo a data em que Frei Sampaio entrou de cheio no jogo político. O que sabemos é que desde fevereiro de 1821 pregava em favor do sistema constitucional, como ele próprio o atesta na dedicatória ao Senado do seu discurso de 15 de setembro desse mesmo ano, comemorativo do aniversário da Revolução do Porto:

“Sim, desde o dia 26 de fevereiro eu comecei a anunciar nos púlpitos os meus verdadeiros sentimentos sobre as vantagens da constituição, chamando o povo ao centro dos interesses comuns; e no dia 15 de setembro jurei sobre o altar da nação, erguido por V. S. ao lado do altar da vítima eterna, sem temor o meu modo de pensar…”. De início tratava-se de apoio à revolução liberal-constitucional. Com a partida de Dom João VI para Portugal em abril de 1821, começam as lutas políticas entre as Cortes e o regente Dom Pedro, entre os que pretendiam reduzir o Brasil novamente a colônia e os que defendiam o progresso obtido com a estadia de Dom João VI no Brasil e já tinham em mente a emancipação política completa.

Um grupo de patriotas, sob a liderança do capitão-mor José Joaquim da Rocha, reuniam-se na casa deste, sempre que possível. Neste grupo de patriotas destemidos, que às vezes enfrentavam a hostilidade da polícia, encontrava-se Frei Sampaio. Nesta época, pôde Frei Sampaio ter uma participação mais ativa nas reuniões do grupo, pois em outubro de 1821 foi eleito definidor da Província, passando a residir no Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, o que lhe facilitava a atividade política. Devido à sua formação e cultura, bem como os extraordinários dotes oratórios, começa Frei Sampaio a gozar de enorme prestígio e a exercer grande influência dentro do grupo.

Quando a vigilância da polícia dificultou mais e mais as reuniões na casa do capitão-mor, passaram estas a se realizar no próprio recinto do claustro franciscano, no quarto de Frei Sampaio. A humilde cela do frade tornou-se, de 1821 a 1822, o centro das reuniões dos propugnadores da independência, o lugar onde se discutia, se conspirava, se tomavam resoluções.

Também o príncipe Dom Pedro, depois de ganho para a causa do Brasil, passou a frequentar a cela de Frei Sampaio, chegando os dois a tornarem-se amigos íntimos e colaboradores. Dom Pedro demorava-se aí com Frei Sampaio até altas horas da noite, discutindo com ele idéias políticas.

Frei Sampaio e o Fico – Um dos períodos mais agitados do tempo da independência foi o mês que antecedeu e desembocou no Fico: de 9 de dezembro de 1821 a 9 de janeiro de 1822. Dia 9 de dezembro chegavam ao Rio os decretos das Cortes exigindo a volta de Dom Pedro à Europa, para “viajar e aprimorar a educação” e anulando quase todas as leis que haviam igualado nos anos anteriores o Brasil a Portugal e equivalendo, portanto, a uma redução ao status colonial. No mesmo dia 9, o líder do grupo José Joaquim da Rocha, estando ao par do conteúdo dos decretos, das hesitações do príncipe, bem como de seu desejo de permanecer no Brasil, caso fosse esta a unânime vontade dos povos do Rio, São Paulo e Minas Gerais, não perdeu tempo. Reuniu logo seus principais colaboradores para deliberar sobre a estratégia a seguir a fim de convencer Dom Pedro. Nascia assim, na casa do capitão-mor, o Clube da Resistência, ou Clube do Fico. Realizaram os conspiradores nos dias seguintes inúmeras reuniões que, devido à redobrada vigilância da polícia, passaram a realizar-se então habitualmente na cela de Frei Sampaio. Uma das primeiras decisões tomadas foi a de redigir um manifesto, colher o maior número possível de assinaturas entre o povo e apresentá-lo ao Príncipe. Frei Sampaio, não é de estranhar, devido à sua vasta cultura, facilidade de argumentar e de redigir, foi a pessoa escolhida para elaborar o manifesto, angariou em apenas uma semana mais de 8 mil assinaturas e tornou-se conhecido como o “Manifesto do Povo do Rio de Janeiro”. Além da redação do documento, ajudou Frei Sampaio a polir o discurso que o presidente do Senado José Clemente Pereira faria no dia 9 de janeiro, na sessão solene de leitura do manifesto e entrega do mesmo ao Príncipe. Nessa ocasião pronunciou este o Fico, pelo qual assumia como sua, pública e oficialmente, a causa do Brasil. Disputam os historiadores sobre qual dos dois manifestos convenceu Dom Pedro a ficar: se o de Frei Sampaio ou o dos paulistas redigido por José Bonifácio. Pois também os paulistas, sabedores do desejo do Príncipe, haviam preparado seu documento, redigido pelo Patriarca da Independência.

Certamente não foi só este ou aquele manifesto quem convenceu Dom Pedro. Nem foram só os dois manifestos. Muitos fatores entraram em jogo, para levar Dom Pedro ao Fico.

O que importa é reconhecer a dedicação heroica e atividade febril do grupo do Rio de Janeiro – O Clube da Resistência. E a Frei Sampaio coube não pequeno mérito: abrigar o grupo dos conspiradores em seu quarto no convento, ser o mentor intelectual do grupo, redigir o texto do manifesto a ser divulgado entre o povo e depois apresentado ao Príncipe.

Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio, que de 1821 a 1825 se notabilizou como um dos batalhadores mais beneméritos em prol da independência do Brasil, terminou seus dias, como muitos outros heróis no decorrer da história, retirado da vida pública, esquecido por uns, denegrido malevolamente por outros. Um ataque apoplético o prostrou na noite de 13 para 14 de setembro de 1830, na idade ainda jovem de 52 anos.

Separata da Revista Eclesiástica Brasileira, 1972, escrito por Frei Gentil Avelino Titton. (Resumo de Elisabete Barbero – arquivista)