Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Acolher e ser acolhido. Considerações sobre o capítulo segundo da Regra de Santa Clara.

Frei Fábio César Gomes

No primeiro capítulo da sua Regra, Clara, em perfeita sintonia com Francisco, define a Forma de Vida das Irmãs Pobres como um “Observar o santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em obediência, sem nada de próprio e em castidade” (RSC 1,2; RB 1,2). O capítulo segundo, por sua vez, trata do acolhimento daquelas que desejam assumir esta mesma Forma de Vida, como é dito no próprio título: “Sobre as que quiserem aceitar esta vida e como deverão ser recebidas”.

Clara inicia o capítulo indicando a correta motivação daquela que se apresenta para ingressar na fraternidade: que seja “por inspiração divina” (RSC 2,1) e não por algum outro motivo. De fato, assim como na origem da sua Forma de Vida está aquela visita da graça que levou Francisco a profetizar que em São Damião habitariam senhoras de vida santa (Cfr. TestCl 9-14), também é somente a partir da visita da graça, da inspiração divina que alguém poderá assumi-la. A inspiração divina, porém, não suprime a liberdade humana, mas, a interpela e a solicita. Realmente, além de ser  movida “por inspiração divina”, é preciso também que a candidata se apresente “querendo abraçar esta vida” (RSC 2,1), em outras palavras, colocando a própria liberdade à disposição da iniciativa divina.

Dito isso, Clara prossegue tratando de como a candidata deve ser recebida pelas irmãs. Ao determinar que para fazê-lo a abadessa “deverá pedir o consentimento de todas as irmãs” (RSC 2,1), fica evidente que, para ela, o acolhimento na Forma de Vida é tarefa confiada a toda a fraternidade. Tal acolhimento deve ser feito diligentemente. De uma parte, deve ser feito um exame cuidadoso da qualidade da fé da candidata, da sua situação canônica e das suas condições físicas e mentais (Cfr. RSC 3-6). De outra, lhe deve ser “exposto diligentemente o teor de nossa vida” (RSC 2,7) que, como mais adiante Clara recordará, consiste fundamentalmente numa vida “segundo a perfeição do Santo Evangelho” (RSC 6,3). Daí se entende porque a quem foi considerada idônea deverá ser feita a mesma proposta de perfeição feita por Jesus ao jovem rico (Cfr. RSC 2,8; Mt 19,21).

Assim, podemos dizer que, para Clara, uma mesma atitude deve caracterizar tanto quem já ingressou no mosteiro como quem pede para nele ingressar: o acolhimento. Para quem se apresenta, é necessário que queira acolher “esta vida”, a “vida e forma da nossa pobreza” (RSC 2,14). Para quem já assumiu tal forma de vida, é pedido que acolha aquela que chega não de qualquer modo, mas, a partir de um consentimento comum, fruto de um comum discernimento. Trata-se, portanto, de um receber e ser recebido, um acolher e ser acolhido. Receber por inspiração divina a Forma de Vida, ser recebido na obediência (Cfr. RSC 2,14). Acolher a Forma de Vida, ser acolhido na Forma de Vida.

Como ficou evidente, no centro deste capítulo “sobre as que quiserem aceitar esta vida e como deverão ser recebidas”, está a questão do acolhimento vocacional, da qual nos ocupamos bastante nos últimos Fóruns Provinciais, especialmente a propósito da nossa diminuição numérica. Acerca dessa questão, a colocação de Clara nos oferece algumas pistas.

Antes de tudo, ela nos recorda que, na dinâmica vocacional, o primado pertence sempre à graça, à iniciativa divina, à “generosidade do Pai de toda misericórdia” (TestCl 2). Assim, ao propormos sempre de novo a nossa Forma de Vida, não podemos perder de vista que somente a inspiração divina pode dispor os corações a querer abraçá-la. Neste sentido, a tarefa prioritária da pastoral vocacional será sempre a de pedir ao Senhor da messe que inspire e mova os corações. Além disso, dado que a dinâmica vocacional diz sempre respeito a um encontro entre a liberdade da iniciativa divina com a liberdade do querer humano, faz-se necessário compreender a liberdade humana não simplesmente como um dispor-se de si mesmo, mas, como um colocar-se à disposição da divina inspiração.

Além disso, Clara nos ensina que a tarefa do acolhimento e do acompanhamento vocacional não pode ser simplesmente delegada a alguns, mas, diz  sempre respeito à “abadessa e suas irmãs” (RSC 2,10), ou seja, a toda a fraternidade. De fato, como apareceu na síntese dos Fóruns, é preciso – também no tocante ao acolhimento e acompanhamento vocacional – desenvolver sempre mais um espírito de corresponsabilidade.

Enfim, Clara insiste nos critérios fundamentais de acolhimento e discernimento vocacionais que deverão ser sempre aqueles ditados pelo “teor de nossa vida”, pelas exigências próprias da nossa Forma de Vida. Tal como Francisco (Cfr. RB 2,6; RnB 2,4), também ela não nos dá o direito de propor aos que querem abraçar esta vida nada menos do que a perfeição do Evangelho, em outras palavras, a radicalidade do seguimento de Jesus Cristo.

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