Por Frei Orlando Bernardi
O último capítulo da Regra de Clara, como a de Francisco, trata de funções que, praticamente, pouco têm a ver com o cotidiano da vida das clarissas e dos frades, porém, são de suma importância para o bom andamento das comunidades. Trata-se do papel do visitador, do capelão e do cardeal protetor da Ordem. A razão ou o pano de fundo se encontra nessa afirmação: “Para que guardemos a pobreza e a humildade de N. S. Jesus Cristo e de sua Mãe santíssima e o santo Evangelho que firmemente prometemos observar. Amém!” (c. XII). Percebe-se, então, que a razão dessas três figuras não é, em primeiro lugar, jurídica, mas sim de uma presença que ajuda a permanecerem firmes e seguras no propósito assumido ao abraçar essa forma de vida. Não se trata, portanto, de alguém que entra na comunidade como guarda, estranho ou, pior ainda, como fiscalizador. Embora a função dessas três figuras pertença mais ao extraordinário da vida monacal, a visita, no entanto, pertence ao ordinário, quer dizer ao cotidiano. Tanto Francisco como também Clara desejam que a presença amiga e fraterna dos superiores continue junto aos irmãos e irmãs. Aliás, Clara escreve no c. X que a abadessa “visite as irmãs” de sua comunidade. Veja-se que se trata da mesma comunidade. Para Francisco, talvez, esse mesmo ofício esteja presente na figura da “mãe” da Regra dos eremitérios.
Essas visitas aos irmãos e irmãs das comunidades franciscanas se reportam, inicialmente, ao costume da Igreja nascente em que o fundador da comunidade a visitava com a finalidade de mantê-la firme e segura na fidelidade ao compromisso da fé. A carta de Francisco a um Ministro mostra muito bem qual a direção que se devia tomar a esse respeito. Além disso, com respeito a Clara, Francisco assumiu um compromisso de constante presença (Test.Cl 4). Por ocasião de sua viagem ao Oriente deixara a Frei Felipe Longo para representá-lo. Ao voltar, notou que essa presença se transformara em cargo estável, fato que o aborrecera sobremaneira e a Clara também, certamente. De imediato, pediu ao Papa a revogação. Nomeou a Frei Pacífico como continuador de sua presença junto às irmãs. Ao longo da história posterior, a figura do visitador assumiu mais um acento jurídico que, propriamente, presencial.
Além do visitador, Clara fala de um capelão com um companheiro clérigo. Entende-se essa presença por causa da administração dos sacramentos. Note-se, particularmente, a preocupação e o cuidado com que fala dessas presenças. Prudente e conhecedora das fraquezas humanas quer, de antemão, prevenir futuros abusos ou escândalos de que a história é testemunha!
A figura do cardeal protetor foi introduzida por Francisco (RB 12,4) com a função de “governar, proteger e corrigir… a fim de permanecer súditos e submissos… e observar a pobreza, a humildade e o santo Evangelho”. Assim formulada a exigência de Francisco tem um acento bem mais jurídico que fraterno. No entanto, durante a vida quer de Francisco, quer de Clara, sabe-se como se criaram laços de intimidade e de compreensão mútuas que fizeram dessa figura um consulente e um arrimo nas oportunidades mais importantes das duas Ordens. Para comprová-lo seja suficiente esse trecho da carta escrita pelo Cardeal Hugolino a Clara em que a chama de “mãe de sua salvação”: “Caríssima irmã Clara, desde que a multidão dos afazeres me obrigou a afastar-me de vosso mosteiro e me privou das consolações que me proporcionavam vossas santas palavras e devotas conferências, se apoderou de mim tal amargura de coração, tal abundância de lágrimas e dor tão insuportável que, se não encontro aos pés de Jesus o consolo da habitual piedade, temo cair para sempre naquelas angústias em que, talvez, desfalecerá meu espírito e minha alma se dissolverá. E com razão, pois falta aquela alegria gloriosa que senti ao falar do Corpo de Cristo convosco, enquanto celebrava a Páscoa contigo e com as demais…” (Analecta franciscana III, 183). Posteriormente, essa função foi assumida pela Sagrada Congregação dos Religiosos.