Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Um franciscano na luta pela Independência

04/09/2020

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                                                                             Imagem ilustrativa: O Grito do Ipiranga, de Pedro Américo

Frei  Sandro Roberto da Costa*

Aproximando-se a data comemorativa da Independência do Brasil, é oportuno resgatar, mesmo que rapidamente, a memória de um frade franciscano que teve um papel de destaque em todo o processo que resultou na separação do Brasil de Portugal. Falamos aqui de frei Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio, frade da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, mais conhecido como frei Sampaio.[1]

Filho de pai português e mãe brasileira, Francisco de Sampaio nasceu no Rio de Janeiro em 1778. Em 1793, aos 15 anos, recebeu o hábito franciscano, no convento Santo Antônio. Ordenado sacerdote em 1802, desde 1800 exercia o ofício de Pregador, sinal de uma precoce capacidade oratória, uma vez que os Pregadores eram escolhidos apenas entre os sacerdotes, e apenas depois de alguns anos de ordenados. Foi professor de Eloquência Sagrada e Teologia, nos Conventos de São Paulo e do Rio de Janeiro, entre 1802 e 1808. Com a chegada da família imperial ao Rio de Janeiro, em 1808, o jovem frade iniciou uma carreira que se revelaria brilhante: Pregador da Capela Imperial e Examinador da Mesa de Consciência e Ordens a partir de 1808; Teólogo da Nunciatura em 1812; Capelão-Mor de Sua Alteza Real e Censor Episcopal em 1813; Deputado da Bula de Cruzada em 1824. Também assumiu serviços importantes na administração interna da Província.

Sampaio não frequentou nenhuma universidade ou curso de especialização, além dos cursos mantidos pela Província nos Conventos de São Paulo e Rio de Janeiro. Seus anos de magistério o obrigaram a profundar seus conhecimentos, aliados à sua natural capacidade intelectual. Além do bom nível dos estudos mantidos pela Província, a biblioteca do Convento Santo Antônio era então “uma das mais ricas da América“.[2]

235_060911O pensamento de frei Sampaio encontra-se expresso, sobretudo, nos seus sermões e artigos de jornais. O púlpito era, tanto quanto a imprensa, uma tribuna de debate político na época. Frei Sampaio manuseou com maestria os dois instrumentos. Orador sacro de renome, Sampaio exerceu destacada atividade política, principalmente a partir de 1820, no fervilhar das discussões acerca da independência do Brasil. Residindo no Convento de Santo Antônio, no centro dos acontecimentos políticos da colônia, o frade criou uma rede de relações, utilizando-se de suas influências em defesa da causa que abraçara. Em defesa dos interesses do país, frei Sampaio também militou na Maçonaria, como a maior parte do clero “ilustrado” da época.[3] Sua cela tornou-se lugar seguro para as reuniões dos patriotas, onde foram tomadas decisões importantes para a emancipação política. Também o futuro imperador D. Pedro tomava parte nessas reuniões.[4]

Na cela do culto frade foi redigido aquele que passaria à história como um dos mais importantes documentos no processo de independência. Instado a retornar a Portugal, o Príncipe Regente D. Pedro hesitava em tomar uma decisão. Os articuladores da independência resolveram redigir um manifesto, recolhendo o maior número possível de assinaturas, e o apresentaram ao príncipe, no dia 09 de janeiro de 1822, como apoio popular à sua permanência. Este “Manifesto do Povo do Rio de Janeiro”, também conhecido como Manifesto do Fico, foi redigido por frei Sampaio, como foi provado historicamente, e desembocou naquele que passou à história como “O Dia do Fico”[5]. A este libelo em defesa da soberania da nação frente a Portugal, somam-se os vários sermões e pregações, proferidos em várias ocasiões solenes, em celebrações, antes e depois da independência, na presença de autoridades, da corte, do próprio príncipe e de milhares de pessoas. O excepcional orador franciscano empregava seus dotes para defender a causa nacional, como neste breve trecho pronunciado antes da independência:

“Ó Deus, tu conheces que o meu interesse sobre a glória do Brasil não nasce de pretensões nem de vistas particulares, e por isso é merecedor de tua aprovação. Dirige portanto as minhas ideias; que elas, saindo dos pórticos do templo, se espalhem por todas as províncias deste continente, e que vão ao longe mostrar os sentimentos do Brasil na época atual, em que se fazem esforços para que ele retroceda da mocidade ao estado de infância: vejam os legisladores o que somos, para que mudando de planos concordem no que de justiça e de necessidade devemos ser. Senão… Óh Deus!”[6]

Frei Sampaio exerceu ainda profícua atividade de jornalista, sempre em defesa da causa nacional. Consolidada a independência, o frade continuou militando ao lado do Imperador, defendendo o sistema de Monarquia Constitucional, o que lhe granjeou a dura oposição dos Republicanos. Escrevendo regularmente no jornal “Revérbero Constitucional Fluminense“, foi convidado pelo imperador a dirigir o “Regulador Luso-Brasílico“, depois “Regulador Brasílico“. Em 1823, tendo fundado o “Diário do Governo“, órgão oficial do Império, D. Pedro I chamou Sampaio para ser o diretor. Neste órgão, na polêmica que antecedeu a elaboração da primeira Constituição do país, frei Sampaio travou duras batalhas jornalísticas, não sendo poupado dos ataques e críticas dos opositores e adversários políticos. É de sua lavra o “Projeto de uma Constituição Monárquica”, de 1823, que teria grande influência na redação da Constituição de 1824.

Durante sua viagem a Santos e São Paulo, em 1822, D. Pedro conheceu Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, que foi tendo cada vez mais influência sobre o Príncipe, inclusive sobre assuntos de administração política. José Bonifácio, seu Conselheiro, acabou degredado em 1823. Frei Sampaio, amigo pessoal da Princesa Leopoldina, esposa do Imperador, também foi perdendo prestígio. O Imperador passou a dar cada vez mais espaço ao Padre Januário da Cunha Barbosa, um dos mais ferrenhos adversários políticos de frei Sampaio [7]. O ano de 1825 marca a retirada de frei Sampaio das atividades públicas. No dia 11 de dezembro de 1827 ele proferia seu último sermão público, justamente nas exéquias daquela que havia sido sua companheira nas lutas pela independência: a Princesa Leopoldina. No dia 13 de setembro de 1830, era frei Sampaio que falecia no Convento de Santo Antônio. Partia, certamente levando na alma a certeza de que lutara bravas e belas batalhas, e que deixaria marcas profundas na história do País que ajudara a criar.

[1] Sobre frei Sampaio existe ingente bibliografia. Dada a importância de sua participação no processo de independência do Brasil, praticamente todos os historiadores o citam. Temos, além disso, seus Sermões e artigos de jornais da época. Mas falta uma obra de peso, que aprofunde as raízes e inspirações de seus pensamentos e sermões, que faça jus à importância desse personagem. Limitamo-nos a citar aqui alguns estudos: G. A. Titon, Um Prócer da Independência: Frei Sampaio, Revista Eclesiástica Brasileira 32 (127) setembro 1972, 590-611; J. H. Rodrigues, O Clero e a Independência, in Revista Eclesiástica Brasileira, 32 (126) junho 1972, 315-316; B. Rower, O Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, Vozes, Petrópolis 1937; I. Silveira, Partidarismo Nacionalista nos Claustros Franciscanos, Vida Franciscana 32 (1964) 23-45.

[2] G. A. Titon, Um Prócer da Independência: Frei Sampaio, o.c., 592.

[3] Na relação clero e maçonaria no Brasil-colônia os historiadores são concordes em acentuar o aspecto mais político que anticlerical da associação, e por isso a grande participação do clero. Afirma Thales de Azevedo: “Seria ingênuo e injusto reduzir a atuação da maçonaria durante a Colônia e o Império a uma oposição ao catolicismo. Ao mesmo tempo que operava em função de planos de âmbito internacional, de que o trabalho no Brasil era mero acessório, as lojas teriam tido uma função coordenadora, da qual clérigos e outros católicos se teriam utilizado para maior eficácia de sua atividade política, explicando-se dessa maneira a aparente incoerência ou infidelidade daqueles à doutrina da Igreja” Cfr. Thales de Azevedo, Igreja e Estado em Tensão e Crise, Ática, SP, 1978, 131.

[4] “Também o príncipe Dom Pedro, depois de ganho para a causa do Brasil, passou a frequentar a cela de frei Sampaio, chegando os dois a tornar-se amigos íntimos e colaboradores”. G. Titon, Um Prócer da Independência, o.c., 598.

[5] No Convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca, no Rio de Janeiro, encontra-se a “Sala do Fico”, antiga cela de frei Sampaio, onde conserva-se também a mesa onde foi lavrado e assinado o documento.

[6] Sermão em ação de graças pela prosperidade do Brasil, pregado na Capela Real a 7 de março de 1822. Cfr. J. H. Rodrigues, O Clero e a Independência, o. c., 315.

[7] D. Pedro teria prometido a frei Sampaio o bispado de São Paulo, promessa que não cumpriu, por oposição da Marquesa de Santos.

* Frei Sandro Roberto da Costa possui doutorado em História da Igreja pela Pontifícia Universitas Gregoriana – Roma, Itália (2000). Foi diretor do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis por dois mandatos (2007-2009/2010-2012). Atualmente leciona as disciplinas História da Igreja Antiga e Medieval. É pároco da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, na Rocinha, Rio de Janeiro.

Fonte: Instituto Teológico Franciscano (ITF)

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