Solenidade do Sagrado Coração de Jesus
Oséias 11, 1.3-4.8-9; Efésios 3, 8-12.14-19; João 19, 21-37Olharão para aquele que transpassaram (Jo 19,37).
O calendário da Igreja assinala a passagem da solenidade do Amor de Deus feito coração aberto, esvaziado, despojado. Contemplamos hoje, uma vez mais, o lado aberto do Redentor.
Nada mais oportuno do que começar esta meditação com as belíssimas palavras do Prefácio da Missa: “Elevado na cruz, entregou-se por nós com imenso amor. E de seu lado aberto pela lança, fez jorrar com a água e o sangue, os sacramentos da Igreja para que todos, atraídos ao seu coração, pudessem beber com perene alegria, na fonte salvadora”.
Oséias, na primeira leitura, coloca nos lábios de Javé palavras de compaixão que bem se casam com a festa de hoje, solenidade do amor sem medida. O Senhor lamenta a falta de atenção do povo que ele amava: “Eu os atraía com laços de humanidade, com laços de amor; era para eles como quem leva uma criança ao colo e rebaixava-me a dar-lhes de comer. Meu coração comove-se no íntimo e arde de compaixão” (11, 4-8).
Êxtase diante do amor crucificado e feito peito aberto. As almas sensíveis crescem no amor de Deus, no desejo dele, quando se empenham em compreender a altura, a largura e comprimento do amor de Deus. Procuram momentos de recolhimento para agradecer e levantam-se para tornar amado o Coração dilacerado do Redentor. Ou seja, contemplação do amor daquele que teve o peito aberto e desejo de anunciar esse amor até o fim…
“Conheci uma pessoa que, embora chorando por não amar a Deus como quereria, de tal forma o amava que seu espírito era constantemente presa do veemente desejo de que Deus nela encontrasse sua glória, ela mesma era como nada (…) . Pelo imenso desejo humilde, nem pensava em sua dignidade, apesar de servir a Deus… Pela intensa vontade de amar a Deus, começou a esquecer-se de seus títulos, ocultando na profunda caridade para com Deus, pela humildade de espírito, a glória de sua posição, a ponto de sentir-se sempre servo e inútil, indiferente a seu valor, ansiando pela humildade” (Dos Capítulos sobre a perfeição espiritual, de Diádoco de Foticéia).
Os discípulos do Senhor querem progredir no caminho da santidade. Não aceitam parar na mesmice e na mediocridade. Diádoco de Foticéia fala de uma pessoa de desejo ( quase certamente reflexões de autobiografia ) de que Deus encontrasse nela sua glória. Desejo… palavra mágica para que os cristãos ganhem novamente o fervor do primeiro amor. Desejo de amar aquele que nos amou por primeiro. Resposta de amor. Ora, precisamente a festa do Coração de Jesus é apta a nos levar ao ardor e ao fervor, sem “melosidade” nem sentimentalismo. Se o coração de Deus se comove e quer levar a amada para o deserto, nada mais normal que acolhamos esse amor e o transformemos em missão. Sim, Oseias havia falado do coração de Deus que arde de compaixão.
O primeiro a nos amar foi o Senhor e nós respondemos ao seu gesto como o desejo do amor. Clara de Assis, estupefata diante do aniquilamento do Senhor, de sua beleza pobre no presépio, diante daquele que com caridade inefável quis padecer no lenho da cruz e nela morrer a morte mais vergonhosa escreve palavra ardentes a Inês de Praga: “Tomara que você se inflame cada vez mais no ardor dessa caridade, ó Rainha do rei celeste! Além disso, contemplando suas indizíveis delícias, riquezas e honras perpétuas, proclame suspirando com tamanho desejo no coração e com tanto amor: Arrasta-me atrás de ti! Corramos no odor de teus bálsamos, ó esposo celeste! Vou correr sem desfalecer, até me introduzires na tua adega, até que a tua esquerda esteja sobre a minha cabeça, sua direita me abrace toda feliz, e me dês o beijo mais feliz de tua boca” (Quarta Carta a Inês, 27-32).
Estamos no campo do conhecimento experimental e amoroso de Deus a partir dessa convivência com o Esposo. Na epístola aos cristãos de Éfeso, Paulo descreve admiravelmente esse conhecimento: “… que o Senhor faça habitar Cristo em vossos corações e “tereis assim a capacidade de compreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura, a profundidade, e de conhecer o amor de Cristo que ultrapassa todo conhecimento, a fim de que sejais cumulados até receber toda a plenitude de Deus”.
A solenidade do Coração de Jesus é um apelo a que respondamos com amor o amor derramado em nossos corações. Não podemos nos contentar com um aparato exterior em nossas reuniões cristãs. O amor do Coração nos leva a viver um fraternismo fraterno, a dinâmica do perdão e tomar a decisão de levar uma vida para os outros e para o Outro. A única coisa que vale a pena é o amor.
Belíssima a oração do dia: “Concedei, ó Deus todo poderoso, que, alegrando-nos pela solenidade do Coração do vosso Filho, meditemos as maravilhas de seu amor e possamos receber, desta fonte de vida, uma torrente de graças”.
Frei Almir Ribeiro Guimarães