Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Tradições e história de São João Batista  

25/06/2024

No dia 24 de junho, a cada ano, a Igreja Católica celebra o nascimento de João Batista. Esse dia o primeiro depois do solstício de verão, no hemisfério norte. Solstício é o momento auge de brilho do sol em uma parte do hemisfério, sendo o dia mais longo. Noutra parte, temos a noite mais longa, como é o nosso caso, em junho. Conhecendo esse fenômeno, eu entendo o porquê de meus pais, na minha infância, exigirem que as crianças se levantassem no raiar do dia de João para lavar o rosto numa bacia de água. Caso víssemos o rosto espelhado n´água, seria sinal de vida, caso contrário, de morte que se aproximava.

Por que São João é tão popular, sobretudo, no nordeste brasileiro? Qual é a origem da fogueira de São João? Por que São João Batista é apresentado como criança?

História de São João Batista

O nascimento de João Batista foi testemunhado pela tradição como um evento importante (Lc 1,5-25.57-80). Seu pai, Zacarias, estando a exercer suas funções sacerdotais no templo, recebe o anúncio de um anjo de que a sua mulher Isabel, idosa e estéril, conceberia e daria à luz um filho, a quem ele poria o nome de João. Deus promete alegria com o nascimento de João, pois o menino seria um consagrado – um nazireu, daí a proibição de dar-lhe vinho ou bebida embriagante -; estaria sempre cheio do Espírito Santo; converteria os filhos de Israel e teria o espírito e o poder de Elias, o profeta que subiu ao céu em um carro de fogo e que, segunda a tradição, voltaria antes da visita de Deus (Eclo 48,9-11). Zacarias, tendo duvidado de tudo isso, tornou-se, naquele instante, mudo e surdo. João nasceu em um lugarejo chamado Ain Karim, naquele tempo, distante oito quilômetros de Jerusalém, hoje, bairro desta cidade.

A natividade de João Batista só pode ser entendida no ciclo dos evangelhos da infância de Jesus. As histórias são parecidas: um anjo também aparece para Maria, que não era estéril, mas virgem. Assim como Zacarias, Maria duvida. Deus promete o seu Espírito. Bem como Zacarias, Maria teria a obrigação de colocar um nome em seu filho.

O Evangelho de Lucas 1,57-66.80) diz que, João, ao ser circuncidado, recebeu o nome predito e a missão de profeta e precursor. O evangelho inicia dizendo que chegara o tempo de Isabel dar à luz. Parentes e vizinhos se alegram ao ouviram dizer que Deus a havia cumulado de misericórdia. Para Deus nada é impossível (Lc 1, 36-37). Em tempos bíblicos, a esterilidade era considerada uma desonra e um castigo (Gn 30,23; 1Sm 1,5-8; 2Sm 6,23). Várias mulheres estéreis dão à luz para demonstrar que Deus “abriu a sua madre”, de modo que ela voltasse a ser fecunda, assim como a terra que faz germinar a semente. Isabel é uma dessas mulheres, tal como Sara, a esposa de Abraão (Gn 21,6), que riu ao receber o anúncio divino e gerou um filho, Isaac, que significa “aquele que ri’.

Oito dias após o seu nascimento, João teria de ser circuncidado. A comunidade de Lucas valoriza muito o rito da circuncisão de João. Em relação a Jesus, ele apenas diz que foi circuncidado e recebeu o nome de Jesus (Lc 1,21), pois o mais importante seria ressaltar o seu nascimento em Belém (Lc 2, 1-20). Já em relação a João, é relatada a dificuldade em decidir pelo nome do menino. Muitos queriam que ele recebesse o nome do pai, Zacarias – Deus se lembrou -, pois esse já era velho e não haveria motivo de confusão das pessoas. Nesse momento, sem saber, o anjo já havia revelado o nome do menino para seu marido, Isabel toma a palavra e diz que o seu filho se chamaria João, Yohanan, que significa: Deus (Y de Yavé) tem misericórdia (hanan). A bem da verdade, Deus teve misericórdia com o velho casal e lhe deu um dom, um presente, chamado João.

O nome significava a essência e a missão da pessoa. Ele até podia mudar. Abrão (pai elevado) torna-se Abraão (pai de muitos). Não por menos, ao nome de João foi acrescentado Batista, aquele que batiza. João batizou Jesus, que mais tarde também se chamaria Cristo, o ungido. João, mais tarde, seria testemunha da misericórdia de Deus, ao chamar o seu povo para a conversão, de modo que Deus pudesse agir com misericórdia. Misericórdia não teve, no entanto, o impiedoso Herodes Antipas que mandou decapitá-lo (Mc 6, 17-29).

O episódio do nome termina com Zacarias dando a palavra final, escrevendo em uma tabuleta: “seu nome é João”. Logo em seguida, Zacarias voltou a falar e todos se maravilhavam com o ocorrido. Da boca de Zacarias veio o anúncio da ação de Deus em João, o protegido e símbolo da gratuidade de Deus para com seu povo, por meio de um canto de ação de graças chamado de “Benedictus” (v.68-79). Como a jovem Maria que, inspirando-se no canto de Ana (1Sm 2,1-10), louva a Deus, o velho Zacarias rende louvores a Deus pelo nascimento de seu filho, e acrescenta: “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo; pois irás à frente do Senhor, para preparar-lhe os caminhos, para transmitir ao seu povo o conhecimento da salvação, pela remissão de seus pecados” (vv. 76-77). O canto, parte final desse evangelho, termina dizendo que o menino, fazendo forte alusão a outro menino, Jesus, crescia e se fortalecia em espírito. Além disso, ele moraria no deserto até o dia em que se manifestou a Israel (v.80).

Essa manifestação, como cumprimento da profecia, aconteceu por volta do ano 20 E.C., no chamado movimento batista, que ele mesmo começou no deserto da Judeia e à beira do rio Jordão. João anunciava o batismo e a conversão dos pecados para obter o perdão. O batismo na água colocava as pessoas em relação direta com Deus. Não eram mais necessárias as práticas rituais do templo de Jerusalém. Assim, os batistas se tornaram perigosos para a ordem judaica estabelecida a partir do templo. João conclamava o povo a ir ao deserto, o que, simbolicamente, retomava a figura de Moisés e o êxodo. E do deserto, de novo, o povo entraria na terra da promessa, perdoados e batizados, para destruir o império romano. Assim, o movimento de João Batista tornou-se perigoso também para o império romano. A destruição romana viria por mãos de Deus, Aquele que vem. Herodes Antipas, prevendo uma rebelião de João contra Roma, mandou decapitá-lo. João foi um crítico do poder e por isso foi assassinado, não necessariamente por questões morais, ao criticar o relacionamento amoroso de Herodes Antipas e Herodíades, a mulher de seu irmão Filipe (Mc 6, 17-29), por volta do ano 30 E.C.

Tradições

A tradição de festejos para São João, muito popular na Europa, chegou ao Brasil no período colonial, com os portugueses. A festa era chamada de Joanina, mas no Brasil, ela passou a ser junina. Ela foi adaptada aos costumes locais de danças para celebrar as colheitas e as comidas típicas de inverno, com destaque para o milho, de origem indígena. A quadrilha, de origem francesa, foi acrescentada os festejos, bem como o forró. A fogueira acessa é sinal de luz, que é Jesus, anunciada por João Batista.

A imagem mais conhecida de São João Batista é a de uma criança com um cordeiro e um cajado, em forma de cruz, com uma flamula com um escrito em latim “Eis o cordeiro de Deus”. O que motivou essa imagem foi o fato de João Batista ter nascido antes de Jesus para ser o anunciador definitivo da chegada do Messias, seu primo Jesus. A cruz representa a morte de Jesus e o seu martírio.

O rosto de criança é digno de destaque, pois a Idade Média criou muitas imagens de santos com Jesus criança no colo, mas com rosto de adulto. Isso se deveu ao fato de a desvalorização das crianças ser norma naquela época. Pensava-se que as crianças não se salvariam, caso não comportasse como adulto. A esse movimento foi dado o nome de homúnculo.

A fogueira de São João tem relação a tradição de que Isabel havia combinado Maria, sua prima e que também grávida, que no dia do nascimento de João, ela acenderia uma fogueira para anunciar o nascimento do filho, de modo que Maria pudesse ser informada de tão grande acontecimento.

Nas tradições antigas, no hemisfério norte, a fogueira é acessa no dia do solstício com o objetivo de espantar os maus espíritos e os demônios, de modo que eles não pudessem interferir na fertilidade da terra e da mulher. Os foguetes servem para recordar o fato de Zacarias ter voltado a falar com o nascimento de seu filho.   Há também os que dizem o foguete acorda São João que estava dormindo.

Conclusão

O nascimento de João Batista significa um novo tempo de fecundidade para a comunidade de Lucas e para nós, hoje. Não há mais como ficarmos estéreis, surdos e mudos. Chegou o tempo do anúncio da palavra de misericórdia e de libertação de Deus.

Ainda hoje, “os caminhos do Senhor devem ser abertos” por todos nós, quais outros Joões Batistas, que nascem para anunciar a vida nova. Para que isso se concretize, só nos resta a constante conversão, o rompimento com o erro, de modo que possamos renascer e aderir ao projeto de Jesus.

João somos todos nós quando nascemos para o reino. Somente assim tem sentido celebrar a natividade de João, o nascimento de uma igreja voltada para a justiça social.


Frei Jacir de Freitas Faria – Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de doze livros e coautor de quinze.

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