Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Tendes algo de comer?

20/04/2023

                                                                            Catacumbas de São Calixto, em Roma (domínio público)

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Esta pergunta – “Tendes algo de comer?” – veio do coração do Mestre Jesus, ressuscitado, o vencedor da morte. Era uma manhã na praia, conforme narra o evangelista João. Os pescadores, discípulos de Jesus, ouviram o questionamento e, desolados, responderam que nada tinham. Então o Mestre indicou: “Lançai a rede à direita do barco e achareis”. Eles obedeceram e não conseguiram puxá-la, por causa da grande quantidade de peixes.Neste momento, os discípulos reconheceram o milagre, também aquele que o promovera: é o Senhor! Um mistério que remete à aprendizagem da nova e definitiva lição, formulada pelo apóstolo Paulo, na Carta aos Romanos. Paulo sublinha que Cristo Ressuscitado dos mortos não morre mais, a morte já não tem poder sobre Ele. Pois Aquele que morreu, morreu para o pecado uma vez por todas, mas Aquele que vive é para Deus que vive.

O discipulado no seguimento de Jesus Ressuscitado toca a vida no seu núcleo de sustentação: Cristo, referência insubstituível e inigualável, é fonte da lógica que deve presidir toda a existência. Ter algo para comer é imprescindível para viver. O alimento definitivo vem pela iluminaçãoalcançada na oferta redentora que Cristo faz de si, na ceia pascal, consumada no alto da cruz, pela oblação que faz de Seu corpo e sangue. Os discípulos compreendem e são desafiados a reger-se pela competência de responder à interrogação do Mestre Jesus: a partir de Cristo, o ser humano encontra seu verdadeiro alimento, aquele que conduz à vida. Longe desse alimento, o caminho da humanidade será orientado por dinâmicas destrutivas: ressentimentos emágoas que sufocam a fraternidade, deixam espíritos conturbados, impondo uma cegueira nas pessoas que passam a enxergar apenas nos limites dos próprios juízos e escolhas, aprisionadas em interesses pequenos, pouco nobres. Com isso, deixa-se de reconhecer a presença de Deus na própria vida. Uma perda grave, que leva a adoecimentos.

“Tendes algo de comer?”É uma interrogação com força de advertência, explicitando os limites humanos. Remete à importância determinante de escutar os clamores dos outros, especialmente daqueles que não têm algo para comer -são milhares e milhões pelo mundo afora. A escuta dos clamores daqueles que sofrem, particularmente de quem enfrenta a fome, à luz da pergunta formulada por Jesus, conduz à lógica da generosidade e da partilha – remédio para as inimizades e mágoas forjadas por limitações humanas e espirituais: a incapacidade para perdoar e alargar o coração e hospedar o amor. O amor é o único agente de reconciliação e de recomposição da fraternidade universal.

A pergunta do Mestre remete ao flagelo da fome – uma ameaça à dignidade humana. Sabe-se que uma carência prolongada de alimentação provoca debilidades graves, instaura apatias, impõe a perda do sentido social. Compreende-se a urgência da escuta da pergunta do Mestre e a importante celeridade para respondê-la com um “sim”. São urgentes os envolvimentos organizacionais da sociedade e a adoção de políticas públicascapazes de vencer a fome. Uma vitória que depende também da efetivação de um novo estilo de vida – compromisso de todos – distante dos hábitos que levam ao esgotamento do meio ambiente.Reverter os cenários abomináveis de desolação e de abandono provocados pela fomesignifica também contribuir para superarsituações que destroem as famílias, levam violência aos lares, às cidades e ao campo. A carência alimentar gera, ainda, adoecimentos físicos e psíquicos.

Acolher a pergunta que brotou do coração de Cristo Ressuscitado,voz dos famintos e excluídos,é o primeiro passo para reverter a aporofobiatão disseminada na sociedade. É desolador constatar que muitos cultivam aversão e desprezo em relação aos pobres, hostilizando ainda as iniciativas que buscam oferecer dignidade a quem sofre. A interpelante interrogação feita por Jesus aos seus discípulosdesafia todos os cidadãos, especialmente os cristãos. Deve inspirar sensatez e humanismo, para que sejam alcançadas novas respostas, mais eficazes no enfrentamento de muitos flagelos sociais, particularmente no combate à fome. Aqueles que exemplarmente trabalham pela cura dessa chaga social podem ser inspiração, convencendo cada vez mais pessoas a também se unirem para amparar quem não tem o que comer.

A partir de Cristo, é urgente forrar corações com o tecido da compaixão, capaz de inspirar uma nova ordem social livre do flagelo da fome. Especialmente os cristãos devem ter sempre presente a advertência de São João Crisóstomo que, por volta do século quarto da era cristã, disse: “Muitos cristãos saem da Igreja e contemplam fileiras de pobres,e passam longe, sem se comover, como se vissem colunas e não corpos humanos. Apertam o passo como se vissem estátuas em lugar de homens que respiram. E, depois de tamanha desumanidade, se atrevem a levantar as mãos aos céus e pedir a Deus misericórdia e perdão pelos seus pecados”. A voz de Jesus seja escutada como clamor dos pobres e famintos: “Tendes algo de comer?”

Dom Walmor Oliveira de Azevedo é Arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos (CNBB).

Download Nulled WordPress Themes
Download WordPress Themes Free
Download Best WordPress Themes Free Download
Download Nulled WordPress Themes
udemy free download
download lava firmware
Download Nulled WordPress Themes
udemy paid course free download

Conteúdo Relacionado