Frei Fidêncio Vanboemmel
A Igreja está perfazendo um caminho sinodal, iniciado no dia 09 de outubro de 2021, que se concluirá em outubro de 2023. Na abertura do Sínodo que trata da “SINODALIDADE”, o Papa Francisco pediu uma Igreja “diferente”, uma Igreja que supere “visões verticalizadas, distorcidas e parciais”, e que “necessita de mudança estrutural para uma Igreja “sinodal”, como um lugar aberto, onde todos se sintam em casa e possam participar”. E ainda: “O Sínodo oferece-nos a oportunidade de nos tornarmos uma Igreja da escuta: uma Igreja da proximidade, que estabeleça, não só por palavras, mas com a presença, maiores laços de amizade com a sociedade e o mundo”. Por isso, a assembleia convocada pelo Papa Francisco tem como tema: “Por uma Igreja Sinodal: Comunhão, Participação e Missão”. Enfim, “fazer sínodo significa caminhar pela mesma estrada, caminhar em conjunto”. Neste caminhar ao encontro do Senhor e falando sobre o Sínodo, o Papa Francisco destacou três verbos: “encontrar, escutar, discernir”.
Tendo presente as interpelações fundamentais do Papa Francisco, aqui pretendo lançar um breve olhar sobre São Francisco e Santa Clara de Assis e neles buscar alguns elementos-chave da forma como eles viveram a sinodalidade num contexto medieval, com a nobre missão de restaurar a Igreja de Deus, enraizados na forma de vida segundo o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. “Em Clara e Francisco, a nobre e o burguês, é o mundo feudal em crise que se encontra. Juntos vão lutar, e lutar muito, por encontrar um caminho novo de consagração” (Frei José Antônio Correia Pereira, Santa Clara de Assis, época – carisma – espiritualidade, Ed. Franciscana, p. 76).
1. SINODALIDADE NO OLHAR DE SÃO FRANCISCO.
No ano de 1209, Francisco de Assis e seus primeiros companheiros se dirigiram a Roma para dialogar com o Papa Inocêncio III e apresentar-lhe um projeto de vida fundamentado principalmente no Santo Evangelho (cf. 1Cel 32). Em espírito de sinodalidade, o Santo de Assis apresentou à Igreja uma forma de vida que, por sua vez, também nasceu no espirito da “sinodalidade” entre os irmãos dados pelo Senhor que, na diversidade, se encontram, escutam a Palavra do Senhor e fazem dessa escuta o discernimento: “É isso que queremos” (cf. 1Cel 22 e AP 10-11).
Na medida que a fraternidade foi crescendo, os irmãos foram enviados em missão, mas com o compromisso de se encontrarem periodicamente nos “capítulos” para juntos “discutir a maneira como pudessem fielmente observar a Regra” (LTC 57). Capítulo é expressão da sinodalidade. Fazer ou celebrar o capítulo foi exigência vital para a vida e a missão da fraternidade. O capítulo, depois da alegria do encontro e do diálogo fraterno, da eleição dos respectivos ministros e servos, também faz o discernimento acerca dos elementos essenciais da vida: a recepção dos irmãos, a oração, o trabalho, a obediência, a pobreza, a mesa comum, o perdão, a missão e a itinerância. Após o discernimento capitular, os irmãos assumem a missão (direção) animada por uma autoridade chamada “ministro e servo”.
A fraternidade é plena quando ela é capaz de viver e espelhar sua sinodalidade. Cada irmão (frade) para Francisco “é um homem de valor, um companheiro necessário e um amigo fiel” (1Cel 24). Esta fraternidade é a soma das virtudes que cada irmão coloca em comum (EP 85). Portanto, é uma fraternidade que cresce, floresce e amadurece na sinodalidade, atenta aos desafios e sinais dos tempos na qual ela se insere.
A totalidade da linguagem de São Francisco é sinodal porque brota de Deus e volta para Deus. Ele se faz arauto deste Senhor e deseja construir a sua história em espírito sinodal, dialogando com todos e com tudo, cujo itinerário espiritual culminou no Cântico das Criaturas: “Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas”.
2. SINODALIDADE NO OLHAR DE SANTA CLARA.
Santa Clara compreende a vocação como um “caminhar juntas” com Cristo e em Cristo: “Entre outros benefícios que temos recebido e ainda recebemos diariamente da generosidade do Pai de toda a misericórdia e pelos quais mais temos que agradecer ao glorioso Pai de Cristo, está a nossa vocação” (TestC 2). … “Devemos observar o que foi mandado por Deus e por nosso pai, para restituir o talento multiplicado” (TestC 18).
Os três verbos sinodais, “encontrar, escutar, discernir”, são perfeitamente conjugados na vida das Damas Pobres do Mosteiro de São Damião: “O Filho de Deus fez-se para nós o Caminho que o nosso bem-aventurado pai Francisco, que o amou e seguiu de verdade. Nos mostrou por palavra e exemplo” (TesC 5-6). “Com algumas irmãs que o Senhor me dera logo após a minha conversão (v. 25)… fomos morar junto à igreja de São Damião, onde em pouco tempo o Senhor nos multiplicou por sua misericórdia e graça (v.31). “O próprio Senhor colocou-nos não só como modelo, exemplo e espelho para os outros, mas também para as nossas irmãs que ele vai chamar para a nossa vocação, para que também elas sejam espelho e exemplo para os outros…” (TesC 19-22).
Nas Cartas de Santa Clara a Inês de Praga, ela aponta a vocação sinodal de cada irmã: “Sois esposa, mãe e irmã do meu Senhor” (1Ct 12), e “outra metade da minha alma” (4Ct 1). Vocação que leva cada Irmã a caminhar com a Ordem e com a Igreja: “Não perca de vista seu ponto e partida…” (2Ct 11). “Nisso, para ir com mais segurança pelos caminhos dos mandamentos do Senhor, siga o conselho do nosso venerável Frei Elias, ministro geral. Prefira-o aos conselhos dos outros e tenha-o como o mais precioso dom. Se alguém lhe disser outra coisa, ou sugerir algo diferente, que impeça a sua perfeição ou parecer contrário ao chamado de Deus, mesmo que mereça sua veneração, não siga o seu conselho” (2Ct 15-17).
A sinodalidade se faz presente no cotidiano da vida das Irmãs. O acolhimento é sinodal: “Aquela que por divina inspiração deseja abraçar esta forma e vida, deve pedir o consentimento de todas as Irmãs. E se a maioria concordar, poderá recebê-la, com a licença do Cardeal protetor (RC 2,1ss). Os capítulos são sinodais, tanto os eletivos (RC 4,1-3) como os semanais: “Pelo menos uma vez por semana, a abadessa deve convocar suas Irmãs para um capítulo… aí tratem, de acordo com todas as irmãs, o que for necessário para a utilidade e o bem do mosteiro, porque muitas vezes o Senhor revela à menor o que é melhor” (RC 4,15).
O caminho da sinodalidade atinge de forma decisiva toda a Vida Consagrada, particularmente a nossa vocação franciscana para a Fraternidade, expressão máxima da sinodalidade. E como Fraternidade sinodal comungamos com o Papa Francisco, que assim nos interpela: “Neste contexto, a sinodalidade representa a via mestra para a Igreja, chamada a renovar-se sob a ação do Espírito e graças à escuta da Palavra. A capacidade de imaginar um futuro diferente para a Igreja e para as suas instituições, à altura da missão recebida, depende em grande medida da escolha de encetar processos de escuta, diálogo e discernimento comunitário, em que todos e cada um possam participar e contribuir. Ao mesmo tempo, a escolha de “caminhar juntos” constitui um sinal profético para uma família humana que tem necessidade de um projeto comum, apto a perseguir o bem de todos. Uma Igreja capaz de comunhão e de fraternidade, de participação e de subsidiariedade, em fidelidade ao que anuncia, poderá colocar-se ao lado dos pobres e dos últimos, emprestando-lhes a própria voz. Para “caminhar juntos”, é necessário que nos deixemos educar pelo Espírito para uma mentalidade verdadeiramente sinodal, entrando com coragem e liberdade de coração num processo de conversão, sem o qual não será possível aquela «reforma perene da qual ela [a Igreja], como instituição humana e terrena, necessita perpetuamente”.
Frei Fidêncio Vanboemmel, ex-Ministro Provincial, é Definidor Provincial, moderador da Formação Permanente e assistente nacional da Federação das Clarissas.