Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Santa Mônica, as virgens do óleo e o noivo do ‘dia seguinte’ na inspiração de Mt 25, 1-13

24/08/2021

 

                                                                   Imagem: Santa Mônica, Gozzoli (domínio público)

Frei Jacir de Freitas Faria, OFM[1]

 O texto sobre o qual vamos refletir é Mt 25,1-13. Trata-se de um texto muito conhecido, próprio de Mateus, que, com características apocalípticas, narra a parábola de dez virgens, dez noivas, que esperam o dia do casamento. A cena é comparada ao Reino dos Céus. Você sabe qual é o contexto cultural dessa parábola? Por que elas têm que esperar os noivos com óleo na lamparina? Quem é o noivo de ontem e de hoje? Quem são essas virgens prudentes e imprudentes?

Celebrando a memória de Santa Mônica, quero lhe propor uma comparação, uma reflexão que una a realidade do texto com o nosso tempo e o esperar de Santa Mônica (331-387E.C.), a mãe de Santo Agostinho. Africana de Tagaste, na atual Argélia, a vida de Santa Mônica ilustra o nosso texto pela sua perseverança na fé, na oração e na dedicação ao marido e filhos. Viúva ainda nova, cuidou dos filhos e os educou com amor de mãe. Na prudência, no silêncio da oração persistente, ela implorou Deus e logrou a conversão de seu filho mais velho, Agostinho, que tinha se tornado adepto da filosofia persa, chamada de Maniqueísmo. Para esse modo de pensar, o mundo está dividido em duas partes, o lado bom e o lado mau, entre Deus e o diabo. O jovem e brilhante pensador e professor Agostinho tornou-se presbítero, bispo e grande teólogo da Igreja.

Após esse pequeno relato de fé, esperança e prudência de Santa Mônica, que viveu o presente acreditando que o futuro do filho seria um presente frutuoso, voltemos ao evangelho. A imagem, no contexto da parábola, tem, como pano de fundo, o casamento no tempo de Jesus, o qual era realizado em de três etapas:[2] namoro, noivado e núpcias.

O namoro consistia nas preliminares de um futuro casamento, estabelecido entre os pais e o casal. Nele ficava estabelecido o valor do dote da mulher a ser pago pelo homem, o qual consistia em 200 zuz, moeda da época, para uma virgem, 100 para as viúvas, e 500 para uma filha virgem de um sacerdote.

A segunda etapa do casamento era o noivado, chamado também de santificação da mulher. Com a celebração do noivado, a mulher passava a pertencer ao povo de Deus. Podia ser celebrado de três modos: entrega de um objeto de valor, de um documento ou ato sexual realizado na presença de duas testemunhas. Na oportunidade, o noivo dizia para noiva: “Seja minha mulher. Case comigo. Seja a minha propriedade! Hoje, com esse gesto, você passa a pertencer ao povo de Deus”. Depois de celebrado o noivado, a mulher ainda não podia ir para a casa do marido. Ela tinha que esperar a terceira etapa, as núpcias, que era a conclusão jurídica do casamento, seguido de festa paga pelo noivo e que podia durar sete dias. O prazo entre o noivado e as núpcias era de trinta dias para as viúvas e divorciadas, e de até de um ano para as virgens, caso das noivas do evangelho de Mateus.

Conhecendo esse contexto, Jesus, sabiamente, faz uso da imagem do matrimônio para falar de um noivo que pode chegar a qualquer momento, pois a hora dependia da decisão e do preparo dele, assim como o Reino dos Céus. A imagem de um noivo que viria para salvar e selar, definitivamente, o casamento com Israel, fazia parte do imaginário religioso do povo (Mc Is 62,4; Os 2,16; Ez 16,8; Mc 2,18-22).

Sobre o simbolismo que aparece no texto, destaca-se o fato de que as noivas eram dez, número que significa completo, tudo que posso abarcar com as mãos, o todo. Cinco delas estavam preparadas para receber o noivo, outras cinco, não. O cinco recorda a Carta Magna do povo de Israel, o Pentateuco, composto pelos livros de Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Seguir o Pentateuco é seguir a Torá, a Lei, é estar preparado para o casamento definitivo com Deus. O óleo ou azeite é o símbolo da consagração, da luz que dele emana, e nos faz ficar atentos e vigilantes, sobretudo quando é meia-noite, hora da chegada do noivo e da vigilância noturna (Pr 31,18; Jr 25,10; Ap 18,22). O ser prudente ou imprudente, dito sobre as noivas, fazia parte da imagem sapiencial do justo e do injusto de Provérbios e Eclesiástico. O justo será gratificado e o injusto, punido.

Entendido o contexto e o texto, vejamos o que Mt 25,1-13 tem a nos dizer. Estamos vivendo tempos difíceis, o que exige de nós vigilância e prudência. Os três Poderes, por causa de seus interesses próprios, estão divididos, o povo está sem esperança. Quando chegará um noivo ou uma noiva para nos tirar desse lamaçal de podridão que invade nossas casas, nossas ruas, praças e pessoas destruídas pelo ódio que impera? Será que temos que esperar a conversão de outros ‘agostinhos’? Eles existem? Ou precisamos de Mônicas que implorem por nós? Melhor seria seguir o caminho das virgens prudentes, isto é, ler a nossa realidade com olhos de lucidez.

Não devemos esperar pelo futuro, ele já existe no presente transformado. Não existe futuro. Somos uma vida a caminho, como na metáfora das virgens. A crise é, sim, maior do que imaginamos, mas não podemos perder a esperança de um azeite que ilumine nossa estrada, em todas as suas rotas. Não basta pedir óleo emprestado, é preciso ser luz na estrada da vida esburacada. Utopia sempre! Fé e Esperança! Sonho sempre! E tudo será diferente. O dia seguinte do Reino está por vir! Não o reino Shakesperiano da Dinamarca, mas o dos Céus na terra. Amém! Assim seja!


[1] Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE-BH. Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de exegese bíblica. Membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze.

Canal no You Tube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos ou https://www.youtube.com/c/FreiJacirdeFreitasFariaB%C3%ADbliaAp%C3%B3crifos

[2] FARIA. História de Maria, Mãe e Apóstola de seu Filho, nos Evangelhos Apócrifos. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 42-43.

 

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