Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Setembro 2021

I. Meditação

 UM BARCO QUE PODIA TER SOSSOBRADO

 Começou a soprar uma ventania muito forte… 

            Conhecemos todos o episódio de uma tempestade que aconteceu no Mar da Galileia do qual  foram protagonistas  Jesus e alguns de seus discípulos (cf  Marcos 4, 35-41).    A cena é singela e, ao mesmo  tempo,  dramática. O barco encontra-se em pleno mar.  Vem caindo a escuridão da noite. Arma-se uma tempestade. A água vai enchendo o barco.  Os apóstolos experimentam medo e angústia.   Jesus não se mostra preocupado.  Marcos assinala que dorme com a  cabeça sobre um travesseiro.  Dorme despreocupadamente.  Quem sabe sonha com as coisas  do Reino.  Atemorizados e terrificados os passageiros  o acordam.   Estranham que  ele não se preocupe  com sua sorte.  São  repreendidos por sua falta de fé.  E a tempestade se acalma com a ordem de Jesus.

Com a luz que emana do episódio  somos chamados a remar a barca de nossa vida com destemor e  coragem.   Há dentro de nós  um dinamismo que nos impele a ir adiante,  mesmo que venhamos a enfrentar tempestades  violentas.   Não podemos nos encolher no canto como se estivéssemos ainda no seio de nossa mãe. Medo, receio, pavor, terror podem nos tomar de assalto.  Mas há uma força misteriosa que se chama coragem.

Sim, há medos e medos.  Há esses pequenos medos ou receios:  medo de altura, medo de barata, medo de cachorro,  medo de comer determinado alimento  que costuma  não  nos fazer  bem,  medo da noite. Há medos ou receios meio  escondidos: que o casamento esteja no fim, temor de fracassar em certas escolhas;  receio de não ser um padre à altura do coração de Deus,  medo de não  saber viver em plenitude. 

                 Cristãos que somos, depois de termos acolhido  Jesus em nosso projeto de vida, costumamos  partir corajosos e serenos mar a dentro.  Recordamo-nos dos momentos de confiança e de “sucesso”  porque havíamos nos  entregado irrestritamente ao Senhor. Rostos ao vento singrando os mares da vida.  Quando  temos que viver situações adversas, no entanto,  esquecemos fervores e ardores. Medo, revolta, sentimento de raiva, gritos.  O Senhor e os outros parece que estão dormindo. Pensamos assim nos  momentos de doença, quando se levantam calúnias contra nós, quando vivemos tragédias, no  tempo velhice e solidão.  O Senhor não está distante.  Não garante que acalmará  tempestades,  mas nos dará forças para suportá-las.

            A fé é vigiar no mar aberto, mais do que permanecer num porto seguro.  Um místico do tempo de Santa Teresa d’Ávila, Luís de León, dizia: “Em Deus sempre descobrimos mares novos quanto mais se navega”.

“A  nua fé é perseverar, até mesmo na tempestade, certo que Deus vai no meu barco, que entrelaça  sua respiração com a minha, a sua rota com a minha rota.  Talvez esteja a dormir. Se fala é por amor.  Se cala é uma vez mais por amor.” (Ermes Ronchi). 

“A fé é uma luta ativa contra o medo.  Foi assim para o profeta  Jeremias e para os apóstolos de Jesus. A fé exige coragem.  Jesus exorta os discípulos  a não temerem quem possa persegui-los, a quem se oponha  ao seu testemunho e à sua pregação.  Jesus pede-lhes que realizem um êxodo do medo”(Luciano  Manicardi).

Temos medo e falta de coragem de, inventar o novo com outros.  É mais cômodo ficar com o que temos e somos.  Temos receio do risco. Nossa família marca passos.  Não seria o caso de inventar  modalidades novas de encontro, de participação de uns e de outros, de deixar cair preconceitos?  Nossa comunidade paroquial anda meio marasmática.   Não seria a hora de ocupar novos espaços  com debates, grupos de oração de verdade, de traçar linhas novas para a vida religiosa e uma pastoral de acolhimento sem interesse  de colocar as  pessoas “dentro de nosso cercado”?  Não é hora de dizer o que somos e como nos posicionamos diante amanhã de nossas comunidades?


Imagem: Jesus acalma a tempestade, de James Tissot (Wikimedia Commons/Brooklyn Museum)

Reflexão

NO TEMPO DA APOSENTADORIA

♦ Pessoas que trabalharam a vida toda fora de casa e mesmo aquelas que se ocuparam das tarefas domésticas não remuneradas percebem, que num determinado momento, anuncia-se o tempo da aposentadoria. A maioria está gozando ainda boa saúde. Cabe-lhes inteligentemente viver esses anos de aposentadoria que podem ser longos, quase sempre em plena força vital e psíquica, Ousaria mesmo dizer que esses tempos podem ser, senão os melhores, mas tempos de gratas surpresas e de novas alegrias. O tema é vasto demais. Limito-me a tocar um que outro de seus ângulos e aspectos. Nessa quadra da vida dever-se-á deixar um pouco de lado a preocupação com o “fazer” para cultivar o “ser”. Não seria esse tempo um período para alguém “ser mais”, mesmo fazendo menos burilando sua personalidade definitiva?

♦ Assumir sua história – Desde a infância e ao longo da vida, fomos sendo marcados por uma série de acontecimentos, vivências íntimas e relacionamentos com muitas pessoas nas mais diversas circunstâncias. Não somente quase tudo está presente em nossa memória intelectual, mas também em nossas vísceras. Uma história que foi sendo realizada. A aposentadoria e o tempo da velhice que nela pega carona nos fazem recordar situações conflituosas que não chegamos a elucidar, ressentimentos alimentados, dificuldades de perdoar, amarguras, impasses. O que , de fato, foi acontecendo? Trata-se de fazer a verdade em sua história. Detectar o que ainda está ferido e, ocasionalmente sagrando. Eventualmente buscar alguém que possa nos ajudar. Ser, sempre de novo, ser. Assumir sua história significa transformar feridas em cicatrizes, viver com os “dramas” que a vida foi nos infligindo e revisita-los uma última vez Trata-se também de reler em forma de ação de graças os delicados vestígios das passagens de Deus ao longo da vida.

♦ Fazer os necessários lutos – Mudanças de domicílio, novas e inéditas profissões assumidas, mudanças familiares, sociais, rupturas que cada um foi sendo levado a viver ao longo do caminho são momentos em que é necessário deixar cair, abandonar, renunciar a atividades, a relacionamentos, a lugares que nos foram caros. Viver é perder para ganhar. Primeiro será necessário perder. Com o tempo, relendo com o Senhor uma etapa vivida, toma-se consciência do ganho alcançado. Será preciso fazer o luto da etapa precedente, renunciar a carregar o que pesa, o que atravanca. É fácil ficar chorando com saudade das cebolas do Egito, continuar a enfeitar com flores os túmulos dos lugares onde se viveu, guardar vivo um relacionamento que parece frear a marcha. Para podermos seguir alegremente no seguimento de Jesus será preciso sempre um “descongestionamento”. Viver é perder, perder para mais viver. A busca de segurança a qualquer preço, o medo de não ter apoios interiores pode fazer com que olhe o amanhã com temor. A imaginação não é boa conselheira no que diz respeito ao futuro. Não temos holofotes capaz de iluminar o amanhã e os medos que nos habitam nos impedem de viver plenamente o nosso hoje. A graça é dada para hoje e não para amanhã. Permitir que o medo do amanhã tome conta de nós, impede que demos margem à criatividade e estejamos disponíveis para novas missões nesse presente..

♦ Desenvolver a interioridade – O ingresso no tempo da aposentaria e nas antessalas do envelhecimento não quer dizer parar, estacionar, ser um “fim de linha”. Trata-se de uma nova estrada a ser percorrida em busca da sabedoria, serenidade, alegria profunda vividas para além dos sofrimentos experimentados. Trata-se de se dar o tempo de descobrir o coração, o lugar onde somos nós mesmos, lugar da presença de Deus, onde o Senhor que habitar. “Se alguém me ama, meu Pai o amará. Viremos a ele e faremos nele nossa morada”(Jo 14,23). Procurar organizar seu emprego do tempo de forma a dispor num dia, ao longo de uma semana momentos gratuitos permanecendo em silêncio interior acolhendo o amor do Senhor: deixar que viva em si a vida dada por Deus.

♦ Exercitar os sentidos interiores é um meio de desenvolver a interioridade. Dispomos de cinco sentidos que nos permitem entrar em relacionamento com o mundo exterior. Da mesma maneira dispomos de sentidos interiores que nos permitem saborear a Palavra, sentir a partir do coração, deixar-se tocar por uma determinada reação ou palavra que calaram profundamente em nós. Podemos ouvir os apelos, as palavras de Jesus no Evangelho e deixar que ganhem raízes em nós.

♦ Aceitar expor ao sol do amor de Deus os relacionamentos que se viveu, a fim de que ele os transforme e vivifique, que nos reconcilie conosco mesmo e com os outros. Deixar germinar em nós a oração que é um “obrigado”, perdão, renovação da Aliança para continuar a estrada. Pouco a pouco a oração se simplifica, torna-se deserto em momentos, menos cerebral. Esta oração é habitada pelos que encontramos: simples presença a Deus e aos outros.

♦ É nesse lugar interior que se tomam as decisões, onde a fé se dilata para além das dúvidas que por vezes nos invadem e nos surpreendem Podemos ter a certeza de que o amor do Senhor permanece: “Os montes podem mudar de lugar, as colinas podem abalar-se, porém meu amor não passará, diz Javé aquele que se compadece de i”(Is 54,10).

♦ Ao longo do percurso, a releitura da vida sob o olhar de Deus é certamente um meio privilegiado de seguir Cristo. Tal releitura permite experimentar o que faz viver, o que dinamiza, o que é fonte de felicidade. “Escolhe a vida e viverás” (Dt 30,19). Acreditar que qualquer que seja o ponto em que estamos é sempre possível repartir. Nada se perdeu ou se perderá ; “Como a argila na mão do oleiro, assim sereis vós na minha mão….Nao sou capaz de fazer um novo com vossa argila?” (Jr 18, 1-6).


Texto de apoio: À l’heure de la retraite, Jeanne Louarn, Christus , n, 196, p 462-470

Estudo

SACRAMENTO DOS ENFERMOS

3. História do sacramento no Ocidente

A carta do Papa Inocêncio I a Decentius de Gubbio (março de 416) contém a primeira referência oficial da Igreja ao texto de Tiago 5, 13-15, a propósito da unção a ser dada aos enfermos: “Alguém entre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja para que orem sobre ele, ungindo com óleo em nome da Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o porá de pé, e se tiver cometido pecados, estes lhe serão perdoados” (Tg 5, 13-15). O rito consiste em oração sobre o doente acompanhada de unção de óleo.

A partir da reforma da época de Carlos Magno o centro de interesse vai progressivamente se deslocar da bênção do óleo para a administração da unção. A Igreja intervém diretamente na administração do sacramento e unção com óleo reservada aos padres. Nos rituais, o reconforto espiritual e o efeito purificador do sacramento com relação aos pecados toma o primeiro plano. No termo da evolução a fórmula que acompanha a unção torna-se praticamente uma fórmula de absolvição penitencial. Esta só podia ser administrada depois da reconciliação do penitente com a Igreja. A não reiteração da penitência canônica, vai necessariamente adiar a reecepção do sacramento para o fim da vida. A partir do século X ele passa a ser chamado de extrema unção., um completamento do rito de reconciliação e preparação para a Glória.

Diante da posição de Lutero que colocava em dúvida a validade do sacramento, Trento dirá que o sacramento foi instituído por Cristo como um dos sete sacramentos , sugerido por Marcos 6,13, recomendado aos fiéis e promulgado na epístola de Tiago. Afirma que ele representa muito adequadamente a graça do Espírito Santo com a qual o enfermo é ungido invisivelmente, de alguma forma vinculado ao sacramento da confirmação. Esta graça do Espírito apaga os pecados se existem a expiar bem como as sequelas do pecado, alivia e fortifica a alma do enfermo e lhe obtém a saúde do corpo quando isto for útil para a alma, precisa o decreto. De outro lado, o Concilio de Trento distancia-se de prática do século precedente; O destinatário do sacramento não , é somente a pessoa em artigo de morte, mas todo doente enfrentando a morte.

O ritual do Vaticano II coloca em destaque a dimensão pascal e eclesial da unção. Lumen Gentium já havia distinguido claramente a enfermidade e a proximidade da morte. Não era mais questão de extrema unção, mas sacramento dos enfermos. O Catecismo da Igreja Católica afirma: “Pela santa unção dos enfermos e oração dos sacerdotes é a Igreja inteira que recomenda os enfermos ao Senhor sofredor e glorificado para que ele os alivie e salve. Mais ainda, ela os exorta a se associarem livremente à paixão e morte de Cristo contribuindo com sua parte para o bem do Povo de Deus” O Concilio do Vaticano II propunha assim uma verdadeira consagração eclesial do doente que coopera, com sua união com Cristo, da redenção do gênero humano e recebe assim uma missão em benefício do corpo místico da Igreja”

Fonte inspiradora:
Vincent Guibert
L’onction des malades:
sacrement de la tendresse de Dieu
Nouvelle Revue Théologique 134, 2021, p. 215-232

Pastoral

AFASTAMENTO DA PRÁTICA RELIGIOSA OU DA FÉ CRISTÃ?
Do que se afastam

Nem sempre é fácil saber os motivos pelos quais as pessoas se afastam da prática religiosa (ou da fé). Alguns falam exatamente de seu afastamento da prática religiosa e não da fé em Cristo.. Tudo começou quando pararam de ir à igreja ( “eu não tinha tempo”, ou “eu não conhecia minha nova paróquia”, “minha esposa não ia à missa”. Depois sentiram que a missa e as orações não lhes diziam mais nada. Passaram a participar das missas no natal e páscoa, dia dos pais e das mães, celebrações de sétimo dia. O coração, porém, não estava mais ali. Viveram um bom tempo distante de qualquer prática religiosa.

Os que se afastam da prática e da vivência da fé criam uma distância maior. Aqueles que se afastam abandonam o convívio cristão. Não se sentem como fazendo parte da Igreja. Muitos a olham de longe. Uns a criticam acerbamente. Outros dizem que romperam com ela. Quando nos dirigem a palavra falando a respeito da Igreja dizem: “vocês pensam”, “a hierarquia impede isso ou aquilo”. Não querem mais ser igreja.

Muitos dizem que abandonaram a fé (“eu me esqueci de Deus, não estava interessado” , “eu achava tudo ridículo”. “aquele monólogo do padre me entediava”. Alguns conservam lembranças vivas do catecismo e das missas. Alguns se lembram das rezas e dos cantos e dizem: “Não sei mais dizer as orações” Uns se lembram da parábola do filho prodigo. Pode-se dizer que muitos a fé ficou completamente sem base e apoio. Deus foi desaparecendo de suas consciências. Passaram a viver praticamente sem fé.

Alguns continuaram assim não se preocupando em substituir sua fé cristão por outra experiência religiosa. Outros passaram a frequentar os cultos de Igrejas novas pentecostais, mesmo cultos de outras crenças. Seu retorno é mais difícil. Foram “completando” seu cristianismo inicial com outras crenças e experiências. Quando voltam dizem que buscam recuperar a fé cristã, mas não sabem exatamente o que estão querendo. Há os que vão deixando a fé sem sentir. De repente estão fora. Há os que dizem: “Virei a página”, “queria me sentir livre” Há os que partem com ressentimento e agressividade: “Tenho alergia à Igreja”

Três perguntas:
Por que muitos se afastam?
O que se pode fazer para que voltem?
Que tipo de acolhida será possível lhes oferecer?

Inspirado em:
Caminhos de evangelização
José Antonio Pagola
Vozes, p. 102- 109

Pensamento

REZAR COM OS SALMOS

Os salmos da Bíblia nasceram há mais de dois mil anos nos lábios de Israel, um pequeno povo do Próximo Oriente. São preces estranhas que surpreendem os ocidentais que somos: o ritmo das palavras, o jogo de imagens, a violência dos sentimentos expressos, as alusões constantes à longa história de Israel, o povo de Deus;

Os salmos traduzem todos os estados de alma dos homens diante de Deus: louvor, ação de graças, súplica, lamento silencioso, grito de revolta, humilde pedido. A diversidade dessas atitudes ensina que todos os tipos de prece têm apreço aos olhos de Deus.

Há séculos e séculos incontáveis cristãos em todos os cantos do globo não cessam de fazer chegar aos céus a oração dos salmos, no segredo do coração, no silêncio dos claustros e no canto solene das assembleias litúrgicas.

 

Nesta edição

CADERNOS DE FORMAÇÃO

Setembro de 2021

 Ao  longo da vida deveríamos ir tendo condições de narrar e interpretar a própria história, ser capazes de assumir com  responsabilidade liberdade e amor como  dois objetivos  essenciais  para  sua realização Que esses cadernos de formação  ajudam a atingir esse objetivo e colocar nos leitores um gosto  pelo  Evangelho.

Frei Almir