Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Setembro 2019

Apresentação

“Tirando do baú” é uma revista eletrônica com temas da vida. Comporta temas de espiritualidade, reflexões sobre temas de formação cristã e pastoral, crônicas e curiosidades. Bom proveito na leitura.

Frei Almir Ribeiro  Guimarães, OFM

freialmir@gmail. com

Quem é Cristo para você?

Depoimentos 

Dois religiosos dominicanos franceses nos falam do modo como se posicionam diante da adorável figura de Jesus.  

  1. “Cada dia ele me interpela…” 

Levei um bom tempo para dar a Jesus Cristo o lugar central que hoje ele ocupa em meu modo de pensar e em minha vida. Como jovem seminarista e jovem religioso era mais tocado por “Deus”. Lembro-me   que durante o tempo de estudos  fiquei admirado de ouvir  meu  irmão de noviciado, Frei Maydieu, dizer:  Para  mim,  Jesus Cristo é tudo. Hoje, depois de quarenta anos de sacerdócio, quarenta e cinco de vida religiosa,  depois de tanto ter refletido e pregado,  penso me ter aproximado de uma posição de São Paulo, pouco importando se ela é teocêntrica ou  cristocêntrica. “Deus” é absolutamente primeiro, mas ele o “Pai de Jesus  Cristo,  nosso  Senhor”:  isso em meu pensamento dogmático  e em minha oração,  mesmo sabendo que  tudo é tão medíocre em mim. Trata-se da vida que tento levar  no meio dos homens e para os homens.  Jesus Cristo é a luz e o calor de minha existência, e pelo Espírito, seu movimento.  Cada dia ele me interpela: seu Evangelho e seu exemplo tiram-me da tendência instintiva que me faz girar em torno de mim, meus hábitos, meu egoísmo. Verifico a verdade da palavra de Ibn Arabi: “Não tem cura aquele  cuja doença se chama  Jesus”.

Yves  Congar, OP

  1. Cristo, presença de Deus no mundo 

Cristo de Deus não é um título que se impõe, uma função que se exerce como um poder, uma verdade que esmaga. O Cristo de Deus que se reconhece nesta criança nos braços de sua mãe ou de Simeão é a presença de Deus no desamparo do nascimento como na miséria do sofrimento da rejeição e da morte; é a presença do Reino de Deus no meio dos reinos deste mundo e dos “reizinhos” que ai  exercem poder; é a força do amor  face  à cegueira dos homens,  seus ódios e sua suficiência.

Eric de Clermont-Tonnere, OP

Família: Um canteiro de obras

Tudo muda. Tudo está em transformação. A família vive insuspeitadas mutações. Não duvidamos. Nesse canteiro de obras devemos ter claro alguns pontos inegociáveis que fundamentem o ser família.

1. O fundamento de toda e qualquer família é um sólido bem-querer, um amor de verdade. Os que se casam deveriam ter sido educados na arte de amar no tempo da infância, adolescência e juventude. Uma mentalidade marcada pelo individualismo e pelo salve-se-quem puder não prepara para um amor generoso e gratuito como deve ser o do casamento. Os que escolhem um companheiro ou uma companheira devem ser pessoas que já alcançado uma certa maturidade na arte de amar. Não existe faculdade que ensina o amor. Aprende-se amar através de uma sucessão de atos de bem-querer os mais gratuitos possíveis. Aprende-se a amar, amando.

2. Os que se casam selam um pacto, uma promessa, uma aliança. Não basta dizer para cá e para lá: “Eu te amo muito”. Será preciso dizer também: “Tu podes contar comigo. Não entro na tua história por um capricho qualquer. Tu tens muito valor a meus olhos. Delicadamente, eu te prometo ser fiel na vida que vivemos, na saúde e na doença, sempre. Tu podes contar comigo”.

3. Homem e mulher se unem no casamento em vista da mútua realização. Ninguém anula ninguém. Ninguém é dono de ninguém. São dois mistérios que se encontram. Ninguém é refém de ninguém. No casamento não existe felicidade egoísta e individualista. O bem do outro é o bem daquele que ama. Ninguém usa ninguém para satisfazer suas carências de adolescente não resolvido.

4. Marido e mulher são portadores de sementes de vida. Podem ser pai e mãe. Escolhem o melhor momento de seu casamento para colocarem filhos no mundo. Não muito demais, nem poucos de mais. Uma vez no mundo, eles serão cuidados. Bem cuidados. Serão tratados com respeito, amorosa disciplina, auscultação de suas riquezas e talentos, firmeza maleável. Os pais não são proprietários dos filhos. Administram parte do tempo de suas vidas e devolvem-nos ao mistério da vida de onde vieram e lhes foram “emprestados”. Os pais são os educadores dos filhos, não o Estado em os meios de comunicação.

5. A família é uma encruzilhada de encontros e de histórias. Pessoas encontram pessoas. Mistérios encontram mistérios. Criativamente são inventados espaços de encontro: em torno à mesa, num dia de passeio, em reunião com tios e avós, no canto da sala tomando um xícara de chocolate, perto do quarto do avô que está nas últimas. Não basta uns ao lado dos outros. É preciso corações vibrem com corações.

6. Casamento e família nunca estão prontos. Estão sempre em construção. Há correções de rota, perdão a ser dado. Recomeços salpicados de esperança. Surpresas que irrompem sem terem sido imaginadas. As crianças se tornam adolescentes. Os jovens se formam numa escola técnica ou numa faculdade. A mulher começa a trabalhar fora de casa e parece até rejuvenescer. O marido revela maravilhas que estavam escondidas em seu interior. E… pode haver o rompimento de um casamento… Isso, porém, é tema para outra ocasião.

7. Felizes os que sabem escolher e escolher bem. No momento plural que vivemos se faz necessário o delicado exercício do discernimento. Estamos ouvindo sem cessar os apelos do novo. Não há por que não acolher o novo que vem do Espírito que não gosta de caminhos batidos. Conservamos o que vem do passado sempre colocando no hoje. Guardamos aquilo que nos pode construir. Dizemos um peremptório não ao que nos degrada: individualismo, noitadas inconsequentes, amigos que amigos não são. Nem tudo o que é novo constrói. Pode ser que as lições do passado não perderam sua validade: convivência, cuidados pelos mais idosos, respeito carinhoso, decência, pudor.

8. Em nossos tempos seria bom pensar numa preparação mais séria para o casamento. Os pais, evidentemente, com seu exemplo de fidelidade, cortesia, amizade, desprendimentos são ao titulares da escola de preparação para o casamento. Pais desunidos colocam nos filhos falta de fé no casamento. Em nossas paróquias é urgente rever a preparação remota e próxima para o casamento.

9. Nossos jovens precisam buscar a Deus. Não é possível que gerações não sejam convidadas a vislumbrar o rosto de Deus. Talvez esteja faltando a luminosidade de Deus em muitas famílias: marido e mulher sedentos de Deus sem melosa pieguice, uma imagem do crucificado, um breve e respeitosa oração antes das refeições, gestos de solidariedade, vivência dos tempos da liturgia da Igreja. Não temos o direito de privar as novas gerações da possibilidade de encontrarem o rosto de Deus e a Boa Nova de Jesus Cristo.

10. A família é feita de coisas simples, muito simples. Coisas alegres e coisas doídas. Uma casa bem cuidada com cortinas nas janelas e vasos de gerânios. Cheiro de café novo e broa de fubá. Todos cuidando do avô que está agora numa de suas crises violentas de bronquite. Festa do aniversário do tio Mauro, o mais querido de todos. Família que chega para o velório do amiguinho dos meninos que morreu atropelado. Família, gente comum, gente que se encontra e se estima.

Uma Igreja que caminha pelas sendas do tempo (I)

Com que Igreja  sonhamos? 

Vivemos na Igreja. Somos Igreja. Ela é o albergue do Ressuscitado. Ela, certamente, pode enrijecer-se. O Papa Francisco está lutando para que seja feita pessoas em estado de saída. Ela existe em função do Reino. Não é gueto, nem peça de museu.

         ♦ A Igreja é criatura que caminha na história. Nasceu do lado aberto de Jesus e na força do Espírito Santo. É divina e humana. Santa e pecadora. Foi recolhendo em seu semblante e sua pele, ao longo dos séculos, traços de todos os que dela se acercaram e continuam se acercando. Por vezes embelezada, por vezes desfigurada. Santificada pela paixão, morte e ressurreição de Jesus, pecadora porque feita de homens.

♦ Ela é Corpo de Cristo, Povo de Deus que caminha, peregrino rumo à casa definitiva. A Igreja acolhe em seu seio a adorável presença do Ressuscitado. É albergue daquele que foi arrancado da morte e hospedaria dos peregrinos. Sua missão, sua única missão é anunciar esse Jesus que tudo transforma. Sua ânsia é ir mundo afora.

Uma Igreja contemplativa

♦ Queremos uma Igreja que viva profundos e apaixonados encontros com Cristo. Não queremos apenas um Igreja que fale de Jesus, mas que seja de Jesus. Não anelamos por uma Igreja que apenas ensine, mas que dê testemunho. Nós que nela vivemos não podemos deixar de calar o que vemos e ouvimos. Não queremos que nos deem noções religiosas, mas que nos ensinem a degustar a presença de Cristo e saborosamente contemplar sua beleza e a beleza do Pai. Não queremos agitação dispersiva. Não nos sentimos bem quando as coisas da Igreja são tratadas apenas em sua organização e seu funcionamento externo. Parar, escutar, acolher o novo, envolver-se de silêncio externo e de silenciamento de nossos gritos idolátricos. Queremos acolher contemplativamente o Mestre. Soa aos nossos ouvidos aquele pensamento de Jesus: “Marta, Marta tu te preocupas com muitas coisas. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”. Sem o fascínio pelo Mestre não poderemos ser suas testemunhas até os confins da terra e nem alcançaremos fazer a experiência de Paulo: “Ai de mim senão evangelizar!” Silêncio, missas que levem ao dom de si com Cristo, grupos sérios de reflexão e oração.

Docilidade ao Espírito

♦ Quem dirige a Igreja é o Espírito. Ora, o Espírito é livre, criativo, por vezes desconcertante, desbaratando nossos planos e projetos. A Igreja é criatura do Espírito Santo. Sua ação pode ser programada apenas até certo ponto. O Espírito manifesta-se por meio de dons diversos (carismas, ministérios, serviços). Impulsiona a Igreja a buscar caminhos novos de fidelidade e compromisso para servir mais e melhor buscar novas presenças junto aos homens. Passividade, imobilismo, instalação, conformismo por mais revestidos de prudência, lógica e calculo são sinais de que o Espírito foi sufocado ou simplesmente não foi acolhido. Uma Igreja dócil ao Espirito é uma Igreja aberta disponível aos chamados do Espírito que fala a partir da história, que não conhece medo nem rigidez. Lei alguma deverá estar acima do Espírito.

Comunidade

♦ Uma Igreja cada vez mais comunidade, fundada na única e insuperável dignidade de filhos de Deus que todos possuímos, mesmo que desempenhemos funções diversas. Nesta comunidade não existem membros passivos que não dão (um corpo vivo não pode ter membros mortos). Todos se sentem protagonistas de uma mesma missão (anunciar a Boa Nova do Reino) que diz respeito a todos porque é de todos. Esse privilégio exige a participação ativa, cada um segundo o seu carisma, não somente na etapa executiva, mas na tarefa prévia do discernimento concreto da exigência da missão. Por ser comunidade a Igreja é lar de todos, todos têm nome e sobrenome e podem dizer aquilo que pensam, que sentem, que sonham sabendo que serão ouvidos, apoiados, estimulados por irmãos que se estimam.

Obs.:
Fonte deste texto: “Una Iglesia al ritmo de los tempos”, como encarte da revista espanhola Vida Nueva, 6 de fevereiro de 1999 (n.2172)

(Continua).

Crer na bondade

Crer na bondade

♦ A vida de Jesus é nosso programa. A questão hoje não é ser cristão, muçulmano ou budista, progressista ou conservador, agnóstico ou crente, praticante ou não praticante. A questão é ser bom e acreditar na bondade. Crer na bondade é a essência do ser, da existência e também de uma vida feliz quando se vive de acordo com ela. Ser felizes sendo bons e ser bons sendo felizes porque somente a bondade pode nos fazer felizes e somente podemos ser bons se isto nos faz felizes, mesmo com a sombra da cruz. A bondade nos criou e é nossa meta e tarefa nossa de cada dia. Deus é a bondade incomensurável e simples, e é feliz simplesmente porque é bom, não por ser todo poderoso, ou então é onipotente porque é bom, quer dizer, sendo vulnerável e frágil como toda bondade.

♦ O que acredita na bondade não desiste do humano nem do futuro da bondade. O que acredita na bondade não erige a força em norma suprema, nem aceita o jogo dos próprios interesses. Se acreditamos na bondade não podemos afirmar com desdém e frieza, como fez Pérez Reverte, afirmando que “o homem é uma besta” e “autêntico filho de uma mulher da vida” a não ser que se diga – e na verdade dizemos – que os animais não são piores do que nós e que as prostitutas nos precederão no reino de Deus pela sua dignidade e bondade mal tratadas. Se acreditamos na bondade não podemos dizer que as belas coisas que ser humano é capaz de fazer nada são diante de um oceano de horrores e que a maldade é superior à “droga” da cultura humanístico-cristã só serviu para nos confundir. Temo que tão ácido pensamento desemboque na lei pura e mais dura do mais forte.

José Arregui
El futuro de Jesus y el futuro de nuestro mundo
Lumen 2005/ nov,dez, p. 459-460

Provérbios, ditados e frases de efeito

Quanta  sabedoria nos ditos,  sentenças de sabedoria, provérbios e  ditados. 

  • A alegria favorece o bom apetite 

Não entregues tua vida à tristeza, nem te atormentes com tua  reflexões. A alegria do coração é a vida da pessoa e o contentamento  lhe multiplica os dias.  Distrai-te, consola teu coração.  Expulsa a tristeza  para longe de ti,  pois a tristeza já causou a perdição de muitos  e não traz   proveito algum. A inveja e a raiva abreviam os dias e as preocupações trazem a velhice antes do tempo. Um coração alegre favorece o bom apetite:  come com gosto os alimentos.

Eclesiástico 30,  21-25 

  • Saco vazio não fica em pé

Por detrás deste provérbio está a fome, a urgência urgentíssima de comer. São tantas as situações às quais se pode aplicar este dito:  levanta-se cedo, não há tempo para tomar café e pelo meio  dia se morre de fome;  a  pessoa está em situação financeira desesperadora  e não tem nada em casa; quem preparou a comida não previu o número de comensais e as pessoas estão  ainda com fome  com os pratos vazios. O empregado reclama do patrão dizendo que seu salário mal dá para comprar comida para  dez dias.

Saco vazio não  fica em pé.

  • Deus não é propriedade dos bons

Não se trata de um provérbio, mas um  pensamento  cheio de sabedoria. O Deus grande e belo, fornalha de amor, não faz acepção e pessoas. Ama a todos.  Não discrimina.  Verdade que aqueles agem segundo o coração do Altíssimo  gozam seu atencioso olhar particular.  Todos são objeto do  amor do  Senhor.  O ladrão no alto cruz, ladrão de verdade, com sua postura de confiança recebeu a promessa de um venturosa vida: entraria com Jesus  na glória.  Deus não é propriedade de um segmento, de um movimento, de uma espiritualidade.   É propriedade de todos. 

  • Vão se os anéis, ficam os dedos 

Esses assaltos… tantos assaltos.  Bandidos entram em casa, prendem as pessoas, amordaçam, fazem a limpa,  levam tudo, dão coronhadas, surram, abusam de todos, deixam tudo revirado, urinam nas paredes…apesar de tudo  todos estão vivos.

Vão se os anéis, ficam os dedos…  Começar  tudo de novo.

  • Provérbios de outros países 
  • Em cada estação da vida o homem é noviço (França).
  • O silêncio é amigo que nunca trai (China)
  • Santo é quem se rejubila com a felicidade do outro (Provérbio árabe)