Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Setembro 2012

I. LEITURA ESPIRITUAL

Seguimento do Cristo

 

Neste ano de 2012, nesta rubrica de leitura espiritual,  estamos nos detendo nas fontes da vida espiritual. Já refletimos sobre o sentido da vida no Espírito, no tema da oração e da conversão do  coração.  Hoje, vamos  abordar a questão do seguimento de Cristo na continuação do número de agosto. 

 

1. Não há dúvida. Os que levam uma vida interior e se deixam guiar pelo Espírito desejam seguir de perto o Cristo  Jesus.   Jesus, em sua vida de andarilho, andava buscando seguidores e discípulos. Ser cristão é seguir Cristo. As Constituições Gerais  da  Ordem dos Frades Menores rezam: “A Ordem dos Frades Menores, fundada por São Francisco, é uma Fraternidade na qual os irmãos, seguindo mais de perto a Jesus Cristo sob a ação do Espírito Santo, pela profissão, dedicam-se totalmente a Deus, o sumo bem, vivendo o Evangelho na Igreja,  segundo a forma observada e proposta por São Francisco” (Art.1,1). O seguimento de Cristo é dever de todos. Os frades, no entanto, deverão segui-lo mais de perto.  Cabe a cada um que ouve o apelo para o seguimento do Mestre descobrir o que significa, efetivamente, segui-lo mais de perto.

2. Ressoa em nossos ouvidos as palavras do Jesus consignada  nos Evangelhos chamando uns e outros para seu seguimento. Tocante a maneira como Jesus, olhando nos olhos dos que se acercam dele, fazia com que deixassem seu universo e começassem a mergulhar na aventura de seu seguimento. Hoje, não nos encontramos mais com o Jesus histórico,  e sim com o Senhor ressuscitado que vive na comunidade dos irmãos, na Palavra da vida, no partir do Pão e nas inspirações.  Uns e outros, mesmo tendo recebido o batismo logo após o nascimento, fomos nos dando conta de que nossa vida espiritual só teria pleno sentido na medida em que nos dispuséssemos a seguir o Cristo com plena consciência. O Senhor nos chama no mistério da Igreja e visitando as dobras de nosso coração. A Igreja é o albergue do Ressuscitado. E no coração da Igreja encontramos mestres vivos e falecidos que questionam nossa vida e nos apontam caminhos ainda não palmilhados. Nesses  momento nasce a vocação para o seguimento.

3. São muitos os relatos evangélicos que descrevem pessoas que foram convidadas ao seguimento de Jesus. Incontáveis os que, ao longo dos dois mil anos de Igreja, responderam  ao convite com um sim generoso. Todos ficamos encantados com a presteza de Zaqueu em responder ao apelo do Senhor. Tratava-se de um coletor de impostos. Colaborava com o poder romano recolhendo impostos. Não poucas vezes esse tipo de profissionais se deixava enredar pelo desejo de desviar parte do dinheiro arrecadado. Zaqueu era de pequena estatura e desejou ver Jesus que passava por Jericó.  Talvez se possa dizer que Zaqueu lembra, de alguma forma, a pessoa que  meio consciente e meio inconscientemente busca a Jesus.  Sobe em uma  árvore.  E tudo muda,  seu mundo despenca…  Jesus levanta os olhos:  “Zaqueu, desce depressa que eu hoje quero estar em tua casa”. O homem de pequena estatura desce da árvore, corre, vai abrir a porta de sua casa e liberar a entrada de seu coração.  A voz e o olhar de Jesus mudam a vida de Zaqueu.  Nunca mais ele será o mesmo.

4. Na vida espiritual se trata  de ouvir esta voz como um apelo muito pessoal, de aderir ao Senhor com amor e liberdade, de  “acolher” esta voz a mim dirigida, “a mim”. Nunca se trata de um chamamento geral, impessoal, vago, nem mesmo devido a uma urgência da Igreja. Trata-se de uma palavra pessoal do Senhor Jesus que pede que eu esteja lá onde ele se encontra  (Mt 3, 14;  Jo  12,26).  Localizamos, no passado, um momento ou momentos em que nossa vida foi “invadida” por uma proximidade do Senhor: o exemplo claro de pessoas que viviam perto de nós,  uma comunidade cristã vigorosa, um retiro que fizemos, uma doença que nos visitou.  Somos gratos a esse chamamento que nos fez o  Senhor. Passamos a seguir o Senhor onde quer ele fosse.

5. Assim, o seguimento do Senhor faz parte daquilo que designamos de vida espiritual.  O discípulo quer colocar seus passos nos passos de Jesus. A vida de Jesus foi um empreendimento extremamente bem-sucedido. Foi uma vida em que  canto forte consistiu no amor sem limites. Quando o Cristo irrompe numa vida, será necessário segui-lo em todos os momentos. “O esforço para seguir tal mestre não deve ser como um fato episódico ou fragmentário; em outras palavras,  o discípulo não é chamado a seguir Jesus por algumas horas ou somente por alguns anos durante a vida. Muito pelo contrário, o seguimento deverá ser  contínuo e permanente” (Ubaldo Terrinoni, Projeto de pedagogia evangélica, Paulinas, p.44).  O seguimento será assumido dia após dia, sem recuar diante de dificuldades e de cansaço, sempre na liberdade e por amor.  As pessoas se sentem seduzidas, vencidas pelo amor de Deus em Jesus. Quando  Jesus chama para seu seguimento exige que se crie entre ele o discípulo uma comunhão pessoal, íntima e vital. Ideais, projetos, trabalhos, conquistas, sofrimentos, desejos e alegrias são vividos em comum entre o discípulo e o Mestre.  Continua Terrinoni: “O mestre Jesus visa, lenta e respeitosamente, encher de si toda a vida e a pessoa do discípulo; visa possuí-lo,  tê-lo todo e exclusivamente para si e permeá-lo até às fibras  mais íntimas, com sua divina pessoa. Ele pede que seja o único ideal a ser vivido, o único ponto de referência; ele quer ser o único e somente ele, a ter um relacionamento imediato com o discípulo, o qual por sua vez, deverá viver em continua tensão dinâmica  para o mestre” (p. 44).

6. O discípulo que segue o Mestre vive alegremente com seus irmãos, se assenta à mesa com eles, degusta a aventura da amizade, vai pelo mundo afora com outros discípulos a pedido do Senhor. Certamente,  no horizonte do seguimento de Jesus está a cruz.  Olhamos aquele que subiu ao patíbulo com a força do amor. O discípulo carregará a cruz nessa ótica do amor.  Jesus, no alto da cruz, desvenda sua glória autêntica: quer dizer, a humildade de Deus, seu amor louco por nós, sua capacidade de sofrer por amor de todos.

7. Trata-se de seguir Cristo à luz pascal da ressurreição. O Cristo que seguimos é o Senhor ressuscitado. Haveremos de nos inspirar  na existência terrena de Jesus, mas nosso ato de fé nele não encontra fundamento senão na ressurreição.  Uma vida espiritual que deseja ser seguimento de Jesus, na expressão de Enzo Bianchi,  deve cuidar de não ser imitação de situações humanas: estaríamos procurando entre os mortos aquele que vive.  Não cresceríamos em união com ele, vivo e ressuscitado, presente no meio de nós e no coração de nosso projeto de vida.  Aos poucos, o Mestre e o discípulo, mesmo sendo dois, se “confundem” na comunhão de vida.

8. Começamos com as Constituições da Ordem dos Frades Menores e terminamos com elas: “Seguidores de São Francisco, os irmãos são obrigados a levar uma vida radicalmente evangélica, isto é:  viver em espírito de oração  e devoção e em comunhão fraterna; dar um testemunho de penitência e minoridade; anunciar o Evangelho ao mundo inteiro em espírito de caridade para com os homens; pregar por obras de reconciliação, a paz e a justiça; e mostrar o respeito pela criação” (Art 1, 2).

II. JANELA ABERTA

Pastores do povo de Deus

 

É sempre tocante participar de uma ordenação presbiteral.  Como é  importante a figura do sacerdote na vida Igreja: ele preside a Eucaristia, é ministro da palavra, dialoga com o Senhor de amigo para amigo, é carinhoso pastor das ovelhas. Transcrevemos alguns trechos da Regra Pastoral de São Gregório Magno que disserta sobre os pastores. Que todos os frades ordenados neste ano possam ouvir com atenção estas palavras. Que seu ministério seja fecundo.

 

Falar quando deve falar…

● Seja o pastor discreto no silêncio, útil na fala, para não falar o que deve calar, nem calar o que deve dizer. Pois da mesma forma que uma palavra inconsiderada arrasta ao erro, o silêncio inoportuno deixa no erro aqueles a quem poderia instruir. Muitas vezes, pastores imprudentes, temendo perder as boas graças dos homens, têm medo de falar abertamente o que é reto. E segundo a Palavra da Verdade, absolutamente não guardam o rebanho com solicitude de pastor, mas por se esconderem no silêncio, agem como mercenários que fogem à vinda do lobo  ( Liturgia das Horas  IV, p. 296).

O pastor precisa saber pregar…

● Quem quer que entre para  o sacerdócio, recebe o ofício de arauto, porque caminha à frente, proclamando a vinda do rigoroso juiz, que se aproxima. Portanto, se o sacerdote não sabe pregar, que protesto elevará o arauto mudo?  Daí se vê porque sobre os  primeiros pastores o Espírito Santo pousou em forma de línguas; com efeito, imediatamente impele a falar sobre ele aqueles que inunda de luzes  (Liturgia das Horas IV,  p. 297).

Humilde confissão do Papa  Gregório Magno…deveria ser sentinela mais atenta…

● Filho do homem, eu te coloquei como sentinela da casa de Israel  (Ez 3,16). É de se notar que o Senhor chama de sentinela aquele que envia a pregar. A sentinela, de fato, está sempre no alto para enxergar de longe quem vem. E quem quer que seja sentinela do povo deve manter-se no alto por sua vida, para ser útil por sua providência. Como é duro para mim tudo isto que digo!  Ao falar, firo-me a mim mesmo, pois minha língua não mantém, como seria justo, a pregação e, mesmo que consiga mantê-la, a vida não concorda com a língua. Eu não nego ser culpado. Conheço minha inércia e negligência. Talvez haja diante do juiz bondoso, um pedido de perdão no reconhecimento da culpa. Na verdade, quando no mosteiro podia não só reter a língua de palavras ociosas, mas quase continuamente manter o espírito atento à oração. Mas depois que pus aos ombros do coração o cargo pastoral,  meu espírito não consegue recolher-se sempre, porque está dividido entre muitas coisas (…) Que espécie de sentinela  sou eu, que não estou de pé no monte da ação, mais ainda deitado no vale da fraqueza?  Poderoso é, porém, o criador e redentor do gênero humano para conceder-me, a mim,  indigno, a elevação da vida e a eficácia da palavra. Por seu amor me consagro realmente à sua palavra”  (Liturgia das Horas IV,  1245-1247).

III. CRÔNICA

Sala São Paulo: Espaço de encantamento

 

1. Através da televisão, em sites da internet, em filmes, em DVSs, temos ocasião de ouvir orquestras executando  números clássicos. Há países que têm um cultura musical muito elevada e as populações se afeiçoaram aos grandes concertos. Há programas especiais em determinados festivais, por ocasião do Natal e em outras ocasiões. As orquestras, no tempo do verão, dão concertos em jardins enfeitados por rosas de todas as cores. Em nosso país temos em muitas cidades esses templos da música de qualidade. No Rio de Janeiro se ergue, na  Cinelândia, o  Majestoso Teatro Municipal.  Em São Paulo, no centro, está  também o Teatro Municipal e, no deteriorado bairro da  Luz, a elegante e  esplendorosa Sala São Paulo. Esta última está situada perto da “terra do crack”, a Cracolândia.

Belíssima a Sala São Paulo, onde podemos ouvir regularmente concertos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo  (OSESP).  Uma das mais prestigiosas não só do Brasil, mas do mundo.  No mês de agosto excursou pela Europa e arrancou aplausos de plateias musicalmente mais requintadas. A parte principal e central do conjunto arquitetônico  desse templo da música é a  grande sala dos concertos.  Evidentemente, há salas de ensaios, locais de reuniões para músicos e administradores,  locais para circulação dos frequentadores, espaços para refeições rápidas mas sempre apresentadas com imenso bom gosto. Espaços bem cuidados, funcionários vestidos com esmero, um orgulho para a Cidade de São Paulo!

3. Normalmente, os grandes  concertos se dão às 21 horas em dias de semana e no cair da tarde aos sábados e domingos.  As pessoas começam a chegar. A grande sala ainda está fechada.  Chegam alguns músicos com seus instrumentos.  Começam também a chegar os que constituirão a plateia do grande espetáculo. Mais ou menos uma hora antes do início do concerto, um professor erudito, num lugar apropriado, menor, tenta colocar os ouvintes  a par das obras que serão executadas.  Trata-se de uma “aula” muito importante para pessoas que não têm grande formação musical, como este que resolveu escrever estas linhas sem ter cultura musical suficiente. O professor senta-se ao piano, dedilha trechos de sinfonias e sonatas, fala a respeito do temperamento de Mahler e das dificuldades experimentadas por  Tchaikovski. Este  “falando de música”  prepara espíritos e ouvidos para aquilo que vai se passar no interior da grande sala…

4. Num determinado momento, as portas da grande sala de abrem. Ali está o coração de todo o prédio da Luz.  Belamente iluminada, a sala está ainda vazia… Devagar, as pessoas vão ocupando seus lugares nesse espaço de excelente acústica: plateia, plateia elevada, coro, camarotes… Há pessoas que se vestem com requinte.  Paulistanas e paulistanos, quatrocentões  ocupam a áreas.  Mulheres bem vestidas e cavalheiros  com gravata e jaquetas…  Há também pessoas vestidas simplesmente com camisetas básicas e jeans… A sala vai se enchendo… Alguns músicos estão junto de seus instrumentos fazendo os últimos acertos… Há esses avisos de praxe. Entre eles que sejam desligados todos os aparelhos  que  emitem som, de modo particular os “irritantes” celulares… Imaginem que  durante uma audição de uma sinfonia de Liszt se ouça o som de um desses engenhos  que tem como chamada alguma coisa heavy metal… Entram os músicos… aplaudidos… E  o spalla, o primeiro dos violinistas,  que  faz a verificação de afinação dos instrumentos… De repente um majestoso  silêncio… Entram o solista e o maestro…  A partir de então, a plateia se prepara para desfrutar do prazer da música, do encantamento da música.

5. No templo do silêncio haverá de se produzir a magia de sons harmoniosos ou dissonantes que atingem  pessoas individualmente,  umas ao lado das outras criando a experiência do belo, do sonora e encantadoramente belo. Ninguém pode ousar fotografar. Se o fizer será imediatamente advertido.  Ninguém ousa se levantar  para não quebrar o fascínio.  Trata-se do prazer, diria quase divino, da música.

6. E aquela sala conserva no ar ou nas paredes e luminárias os sons de tantas obras ali executadas.  Marin Alsop,  maestrina dirigente da Osesp,  rege Sergei Prokofiev o concerto n. 1 para violino. O solo é de Hilary Hahn. Quase sempre os solistas encantam a plateia e esta não cessa de aplaudir até que ele se disponha a brindar a todos com bis… Normalmente recebem ramo de flores. Tudo com muita nobreza. Na pausa, os elegantes e menos elegantes aficionados  tomam uma sopa com torrada, um copo de vinho ou  doces requintados com uma xícara de café perfumado. Na mesma noite ecoará na grande  Sala a  Sinfonia  n. 2 em Mi-Menor de Rachmaninov… Quando  o concerto termina, e as luzes se apagam, os sons e as harmonias  desses compositores russos se recusam a deixar o espaço. Verdade que uma parte do encanto vai embora na leveza dos passos dos que deixam a sala. E a outra fica nesse santuário da beleza…

7. Música… Encantamento da música que tira de nós as reservas de beleza que aí estão escondidas. O deleite da música nos arranca do mundo do interesse, da questão do PIB ou das oscilações da Bolsa e da moeda. Felizes aqueles que se deixam possuir pelo impressionismo de Débussy, pelo romantismo de Tchaikovsky, pela leveza de  Liszt.  Toda essa música está muito longe dos sons estridentes dessas casas de baladas e mesmos de certas liturgias de nossas igrejas.  Confesso que caminho pelo corredores e  espaços da Sala São Paulo como se percorresse  um templo da beleza.

IV. E A FAMÍLIA, COMO VAI?

Fidelidade no casamento

 

A fidelidade é impossível quando há solidariedades fracas

 

Em nossos dias estamos todos preocupados com a sólida construção do casal. A instabilidade de tantos casamentos tem sua origem em muitos fatores: escolha precipitada do companheiro e da companheira,  falta de  sintonia profunda entre as duas histórias, incapacidade de fazer reavaliações da caminhada, a cultura do individualismo e dos empreendimentos a curto prazo e muitos outros fatores. De modo especial, um casamento ganha solidez quando os parceiros vivem uma fidelidade criativa. Não se trata apenas de uma palavra jurada no passado, mas de se criar condições para que a união cresça. Nosso intuito é apenas o de  abordar alguns aspectos da fidelidade conjugal. O tema da fidelidade, no entanto, é vasto demais: fidelidade aos amigos, fidelidade aos filhos, fidelidade aos compromissos, fidelidade ao Senhor, fidelidade à sua verdade.

 

1. Gostaria de começar esta reflexão com um  texto de Gérard Bailhache:  “A fidelidade é uma modalidade de nossa condição de vida como seres da história, ou seja, como seres que vivem entre um começo e um fim sobre os quais não temos domínio. Ser fiel, querer ser fiel, é atravessar a espessura do tempo, a opacidade das ações e dos dias na confiança de que uma história vai se tecendo e não uma simples acumulação de instantes separados uns dos outros. Uma história se tece na medida em que cada um de nós religa os fios a um determinado momento. Na medida também em que religados a outros e para outros. Ser fiel é estar orientado, ou propor a orientação para outros.  Ser fiel é transmitir o que recebemos para  os que vêm depois de nós, passando gosto por esse relacionamento entre as gerações. Aí esta um dinamismo próprio da fidelidade que pode ser descrito como o risco da produção de um sentido com outros, quer dizer, o acolhimento desse sentido por meio  do confronto e do diálogo”  (L’humaine fidélité, in Christus(Paris), n. 169, 1996, p. 31).

2. O casal está sempre em construção. O amor conjugal e familiar precisa ser marcado por um estado de crescimento.  Sem neuroses, marido e mulher atentarão para que a rotina, a mesmice, a falta de energia do interior não venham a empobrecer a união e a levar a um fracasso do casal e da família. Em outras palavras, todos ficarão atentos a um amadurecimento do amor e a um fortalecimento dos laços amorosos. O amor é planta frágil, requer cuidados incessantes. Condição indispensável para o crescimento de todo amor conjugal é a fidelidade. Esta virtude preside a vida do casal.

3. Um dos traços mais belos de um caráter é, sem dúvida alguma, a capacidade de alguém ser fiel. É sempre muito agradável conviver com pessoas que são fiéis a seus compromissos, à sua palavra, à sua amizade, pessoas que conservam propósitos e intenções de ontem. A fidelidade permite que a convivência se revista de  leveza, confiança, alegria e esperança.  Sentimos que estamos pisando em terreno sólido. Quando o contrário acontece  começa a se infiltrar nos relacionamentos a desconfiança.

4. Falamos de fidelidade a uma palavra dada, a uma pessoa, a um projeto.  A fidelidade não é realidade estática, mas dinâmica. A mocinha de  20 a anos e o rapaz  de 22 que se casam são os mesmos que agora estão com 50 ou 52 anos. A fidelidade de agora, no entanto, tem outras conotações do que aquela de ontem. Quantas conversas, quanta história vivida, quantos eventos, quantas dificuldades superadas! Fidelidade a uma  palavra que organiza o presente  e o amanhã de um casal. Esse sim  de um momento  perpassa toda a vida, mas sempre dinâmica e criativamente.  É o mesmo sim e, ao mesmo tempo, completamente diferente.

5. Há a fidelidade a uma pessoa concreta e  bem determinada.  A pessoa não é uma realidade  fixa e acabada. Ela se transforma. Tem dinamismo interior. No tempo que passa desdobra suas possibilidades e potencialidades. Cada pessoa traz consigo feridas e machucados que vão sendo curados no seio do casamento marcado por um amor fiel. Os esposos ficam atentos a toda pessoa do outro, sua maneira de crescer profissionalmente, sua busca de Deus. Assim, a fidelidade conjugal se debruça respeitosa e carinhosamente sobre a pessoa.

6. Há um projeto comum no casamento: constituição de uma comunidade de vida e de amor, abertura à vida, desejo de tornar a face da terra mais bela com o casamento.  Falamos de  uma fidelidade a um projeto. As coisas não podem ser  deixadas ao sabor dos ventos. Não se pode tirar alguém de seu universo e expô-lo a constrangedoras situações existenciais e a ver desmoronado o projeto de sua vida com a mediocridade da vida o casal ou com a separação.  O casal vai se construindo ao longo do tempo através do diálogo, da ajuda mútua, da multiplicação de atenções exclusivas, de serviços amorosos. O projeto conjugal põe termo à solteirice. Concretiza o deixar pai e mãe e constituir uma realidade nova.  Nessa fidelidade a um projeto coloca-se a aceitação dos filhos e  seu acompanhamento humano, espiritual e cristão. Pode-se falar também de fidelidade a um projeto espiritual de crescimento  do casal e dos filhos.

7. Costuma-se falar de diferentes níveis de fidelidade. Falamos em fidelidade carnal,  fidelidade da mente e fidelidade do coração.  Marido e mulher quebram seriamente o compromisso e a palavra dada com a infidelidade carnal. Alguns dizem conservar a fidelidade interior mesmo sendo ocasionalmente  carnalmente infiéis. A infidelidade  carnal regular ou esporádica leva ao término do casamento ou então fará com que a união seja  cada vez mais pesada e difícil de ser suportada.

8. Fala-se de uma infidelidade da mente.  Os que fazem esse compromisso de fiel amor orientam seus pensamentos mais profundos, suas atenções mais escolhidas para a pessoa amada. Há uma organização do interior da pessoa em função do outro.  Assim se constrói unidade.

9. Há ainda a fidelidade do coração. Não é infiel apenas o cônjuge que trai o parceiro carnalmente.  A infidelidade começa  no coração. Quando o afeto caminha a esmo e as energias afetivas não são profundamente orientadas já começou o processo ruinoso da infidelidade. Quando se comentem muitos deslizes nesse campo já se quebrou o encanto da fidelidade mesmo que não tenha ocorrido a infidelidade carnal.

10. Diante da muitas exigências e reclamos do mundo moderno, das solicitações da sociedade hedonista e do aproveitar a vida  parece fundamental se compreender que a fidelidade, em todos os níveis,  exige renúncia. Quem tudo quer e a nada renuncia, não chega à unidade interior.  A renúncia é prova de fidelidade.

11. Fundamental que o sim que dá fundamento à fidelidade conjugal seja regularmente renovado. Não são necessários para tanto ritos extraordinários. Cada pessoa, no sacrário de seu interior, reexamina a palavra dada em confronto com o novo que vai aparecendo.  As pessoas se casam a cada dia. Sem isso a fidelidade mecânica e seca pode ser uma camisa-de-força.

12. As pessoas são infiéis quando desde a infância aprenderam a vagabundear de flor em flor. Os que nunca souber assumir compromissos terão dificuldade no amplo campo da fidelidade.  A infidelidade acontece quando morre o vínculo do amor. As pessoas precisam se comunicar em profundidade. Não basta que todos tenham os mais modernos celulares e vivam no barulho interno e  externo. Será preciso uma comunicação de qualidade, de pessoas despertas e não de frangalhos que falam o que a sociedade de consumo e do barulho quer que eles falem. Não parece lógico fazer a reivindicação da fidelidade para manter o vínculo que os casados deixaram morrer.  A falta de comunicação madura é que leva ao drama da  infidelidade. De que adianta  apelar para a palavra dada quando, no dia a dia, as pessoas negam o amor, não mostram mais encantamento diante de dele?  Como exigir amor negando-se a comunicação? A falta de comunicação intensa significa a morte do amor e negação de sangue e alma à fidelidade amorosa. A infidelidade se situa, no contexto de hoje, no que se designa de  “solidariedades fracas”.

13. Talvez a palavra fidelidade hoje possa ter o nome de hospitalidade e de acolhida.  Qualquer pacto pessoal é marcado por estas características. A fidelidade ao compromisso da hospitalidade sempre foi reivindicação e direito dos povo nômades. O hóspede é sagrado porque é acolhido num espaço em que se gera e se protege a vida e por isso se lhe garante a mesma proteção  que se oferece aos membros da família. Ora, acolher o outro é criar um vínculo que nos recria e nos compromete numa nova solidariedade.  Aí está o esplendor e a beleza da  fidelidade: alguém que é acolhido, que recebe  hospitalidade.

14. Muito mais deveria ser dia em torno do tema. Voltamos a citar  Gérard Bailhache: “A fidelidade é uma conduta que nos situa no tempo vivido e experimentado como tempo da continuidade. Ser fiel é ter uma memória que se pode qualificar de amorosa e respeitosa.  Sou fiel à pessoa do outro, amada pelo que ela é, por aquilo que vai tornar-se  que escapa de meu poder. A história vivida juntamente se desdobra em renúncias às possíveis infidelidades do momento, sempre presentes e insinuantes” (p.33).  Nos relacionamentos humanos não há beleza igual a essa que se degusta tendo como  pano de fundo uma fidelidade criativa.

Questões para discussões em grupo:

● O que mais chamou sua atenção na leitura do texto sobre a fidelidade?

● Como vivem a fidelidade às pessoas à sua volta?

● Afinal de contas, o que é ser fiel?

● Como se constrói a fidelidade conjugal?

Texto seleto sobre a fidelidade conjugal

 Ela nasce do compromisso matrimonial.  Na verdade, já existia desde o momento em que um coração se deu conta que um outro coração vinha ao seu encontro.  Ela se adensa  no “sim” da celebração.

A que se compromete o casal?   Compromete-se a  constituir “um só ser”, quer dizer,  a viver totalmente  em comunhão e participação mútuas.  A fidelidade é uma virtude dinâmica, quer dizer, ela impulsiona a pessoa que assume esse compromisso a buscar e criar, a cada instante, a maneira de vivê-lo.

Ninguém que assume um compromisso desse gênero tem certeza e segurança que  no futuro amará da mesma forma a pessoa que agora ama de uma maneira. A fidelidade não pede este absurdo.  Pede que cada dia se busque nova maneira de amar o outro, dando o melhor de si. O compromisso liga a pessoa com situações do passado, do presente e do futuro.

Infantil quando um casal afirma que não há entre os dois o mesmo amor que existia no tempo do noivado.  É falta contra a fidelidade quando se pretende voltar ao passado e não amar como hoje se deveria amar.  Fixar-se no passado é fugir da realidade e deixar de caminhar rumo ao futuro.

Atenta-se contra a fidelidade quando há resignação, quando não se cultiva o amor no casal.

Atenta-se  contra a fidelidade quando um dos parceiros não entrega ao outro “tudo” o que é necessário para uma comunhão e participação totais com o fito de “formar um só ser”  (Ramón Echeverria,  citado em  Casamento: Ternura e Desafio (Vozes), p. 153).

V. UM CERTO FRANCISCO DE ASSIS

Refletindo sobre a pobreza

 

Vivemos no mundo do dinheiro, da força, do poder, do euro, do dólar, dos bancos nacionais, dos bancos internacionais, do aumento ou da diminuição do PIB, das subidas e descidas das Bolsas de Valores, do lucro. Vamos refletir sobre a pobreza desse certo Francisco de Assis. Temos diante dos olhos um texto feito pelo frade franciscano francês Pierre Brunette.  Servimo-nos dele  para fazer uma pequena meditação sobre a pobreza em Francisco sem pretensão de exaurir o tema. 

Francisco nunca  fala ou se refere a uma pobreza em si. Ele a personifica. Antes designá-la de irmã ou de senhora, encontra-a  na pessoa de Cristo e de sua mãe.  Jesus é o pobre que ele anuncia, o perfeito itinerante, “nascido para nós em caminho”;  na espiritualidade de Francisco, Jesus  pede esmola como um indigente e um andarilho, sofrendo as provações da vida como a fome, a sede, as humilhações, a fraqueza e  a perseguição. Francisco vê Jesus  rezar na cruz na condição de um mendigo, de alguém que foi abandonado, mas que confia.

Francisco apreciava uma expressão:  “Seguir as pegadas  de Nosso Senhor Jesus Cristo”.  Frei Leão recebeu este aviso carinhoso no bilhete que Francisco  lhe deu.  A atitude de pobreza está vinculada com a da humildade.  Pobreza  e humildade são as primeiras virtudes cantadas em seu Louvores às Virtudes.  Pierre Brunette diz literalmente: “São os traços de Cristo que Francisco discerne no rosto de todo pobre que é encontrado. Assim, a pobreza é lugar de encontro,  ao mesmo tempo que opção social”

Ser pobre para  Francisco é:  um modo de se comportar fraternalmente, de se vestir de trajes rudes, de se alimentar frugalmente, de trabalhar com as próprias mãos, de prestar serviço nas terras de outros, de recusar dinheiro e privilégios, de recorrer à mendicância em caso de necessidade, de nada reivindicar.

A pobreza é uma herança: “Esta é aquela sublimidade da altíssima pobreza  que vos constituiu, meus irmãos caríssimos, herdeiros e reis do reino dos céus, vos fez pobres de coisas, vos elevou em virtudes. Seja esta a vossa porção que vos conduz à terra dos vivos. Aderindo totalmente a ela, irmãos diletíssimos, nenhuma outra coisa jamais queirais de baixo do céu em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”  (Regra Bulada 6).

Para Francisco, a primeira coisa pedida aos irmãos que chegam é que vendam seus bens,  deem seus bens aos pobres para poderem viver evangelicamente.  A pobreza exterior é decorrência de uma atitude interior. O espírito de pobreza é espírito de desapropriação do ser e dos bens, sobretudo da vontade própria. A ideia de restituir a Deus o que é de Deus  nos escritos de Francisco é ressaltada em nossos dias. “E restituamos todos os bens ao Senhor Deus altíssimo e sumo e  reconheçamos que todos os bens são dele e por tudo demos graças a ele, de quem procedem todos os bens. E o mesmo altíssimo e sumo, único Deus verdadeiro, os tenha, e lhe sejam restituídos, e ele receba todas as honras e reverências, todos os louvores e bênçãos, todas as graças e glória, ele de quem é  todo o bem, o único que é bom” (Regra não bulada  17, 17-18)

A pobreza franciscana é um lugar social de solidariedade.  Francisco pedirá a seus irmãos não somente que visitem os pobres, mas vivam entre eles, servi-los como pobres servem a pobres,  submissos a todos. Os frade deveriam se assemelhar a eles por seu modo de vida e por sua mentalidade de desapropriação. Francisco não separa a pobreza material da pobreza em espírito tanto para os frades quanto para os leigos casados que queriam viver à maneira do Poverello.

Obs.: Inspirado em  Pierre Brunette,  François d’Assise et ses conversions, Ed. Franciscaines de Paris, p. 139ss.