Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Novembro 2019

Apresentação

TIRANDO DO BAÚ COISAS NOVAS E VELHAS
Reinventando a vida a cada dia
Edição de novembro de 2019

Diante de seus olhos, amigos leitores, na telinha ou telona, reflexões que podem nos ajudar a viver. Coisas de cada dia. Coisas da fé. Coisas do ser humano. Novembro dos Finados e já com os ares do Advento a soprarem levemente.
Boa leitura!

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
freialmir@gmail.com

Vigilância

♦ No primeiro dia do mês que vem, 1º de dezembro, começaremos a viver os dias do Advento. Seremos, uma vez mais, convidados a reviver a esperança de Israel e delicadamente acompanhados pelos profetas, de modo especial, por Isaías, conhecido como o evangelista do Antigo Testamento. Um apelo desse tempo é: vigilância.

♦ Vigiar, prestar atenção, ficar desperto. A vida e os tempos atuais vivem chamando nossa atenção para que sejamos cautelosos. Assaltos, roubos, sequestros. Segurança: muros altos com arames eletrificados, câmeras em toda parte, alarmes, cartões de crédito clonados, seguro de tudo, carros e casas lotéricas com vidros blindados, policiamento reforçado e projetos circulando no congresso, para a liberação de armas para defesa dos cidadãos (!!!). A vida está nos ensinando a vigiar de verdade.

♦ Ora, o tempo do advento (e todo o tempo da vida do cristão) é caracterizado pela vigilância. Claro, por outro tipo de vigilância. São convidados a ficar despertos e acordados. Lembramo-nos sempre da parábola das mocinhas espertas e tolas. As sábias tinham óleo em suas lamparinas. Haviam vigiado e puderam receber os noivos e viver intensamente a festa.

♦ Vigilância, postura de atenção ao que acontece à nossa volta:

◊ Não andar atordoados, distraídos demais, ocupados com coisas que enchem as vistas e parecem nos satisfazer, mas que entulham nossas existências com tolices e bagatelas. Discernir: ver, julgar e agir. Ser capaz de viver o essencial e o essencial é uma vida de dom. Busca ininterrupta do Amado e atenções fraternas com os irmãos. Vigiar.

◊ Olhar o que realmente se passa ao nosso redor, mas olhar com profundidade: os familiares, os colegas de trabalho, os filhos, os pais idosos… olhar com uma dose de benevolência e com o desejo de acolher. Permitir que o humano entre em nós. Encantar-se com o humano. Vigiar para não nos embrutecer.

◊ Ter sempre um profundo respeito pela pessoa do outro. Somos, de alguma forma, “sagrados”. Vigiar para não profanar os mistérios humanos inventados pelo Altíssimo.

◊ Prestar atenção a certas decisões tomadas irrefletidamente e que podem tirar o viço de nossa vida. Começar tudo com atenção: casamento, convivências, rompimentos com pessoas próximas. Vigiar para começar tudo bem.

♦ Prestar atenção nas visitas do Senhor:

◊ Nos acontecimentos de cada dia, tristes ou alegres.

◊ No arrependimento de uma ação ou omissão que sempre volta ao nosso espírito. Não seria isto um convite à humildade? Uma fala de Deus? Um abaixar nosso orgulho?

◊ Numa palavra ouvida a esmo que acreditamos nos ter sido dita pelo Senhor.

◊ Não fechar-se, não endurecer o coração. Há sempre uma possibilidade de que venhamos a ser mais humanos.

◊ Preparar-se para escutar: “Fala, Senhor, que vosso servo escuta”

Santo tempo do Advento para todos!

Refletindo sobre a morte

Tema delicado, esse da morte. Tem-se a impressão que nossa sociedade não sabe o que fazer com ela. Prefere ocultá-la. As pessoas morrem sozinhas. Durante estes últimos anos impôs-se um novo estilo de morrer. Morre-se mais tarde e de forma mais lenta. Morre-se com menos dor, mas só. Morre-se mais bem assistidos clinicamente, mas mal acompanhados. As presentes reflexões inspiram-se fortemente no livro “Ide e curai. Evangelizar o mundo da saúde e da doença”, de José Antonio Pagola, Ed. Paulus de Portugal, p. 98-101.

Enfrentar a morte

A Igreja não pode permanecer indiferente diante da ocultação moderna da morte. À luz da fé, o homem de hoje haverá de enfrentar a realidade da morte sem a negar nem a ocultar.

A morte é um acontecimento que faz parte da vida. Ignorá-la simplesmente porque muitos veem nela um fracasso, uma destruição intolerável não é a melhor maneira de se realizar o fim de uma vida.

Diante da morte há muitas perguntas que podem ser feitas: Já que a morte é uma componente essencial da vida como dar um sentido à vida quando não se sabe dar nenhum sentido à morte? A finitude de cada indivíduo é pressagio da finitude de todo o humano; se todos e cada um dos homens terminam no nada, como se pode falar de progresso e humanização da história? Se a pessoa desaparece pura e simplesmente na morte, como entender o valor absoluto da pessoa?

A Igreja com sua fé no Crucificado e Ressuscitado tem que se tornar presente nessa tensão não resolvida de maneira digna pelo homem atual para resgatar o verdadeiro sentido da morte, anunciando o que está no núcleo da sua fé: “Com a morte, a vida não é destruída, mas transformada” (Prefácio I dos defuntos).

Acompanhar quem morre

Devido ao atual afastamento da morte, a Igreja haverá de desenvolver uma pastoral de comunhão com o moribundo e com a família de quem morre. Ninguém deveria morrer sozinho. Nenhuma família deveria ficar abandonada em sua dor. Toda comunidade cristã deveria se sentir responsável por acompanhar e por viver em comunhão cristã a morte de cada homem ou mulher.

A Igreja é convidada a melhorar a proximidade humana e religiosa da pessoa que está para morrer. Não há dúvida de que o homem morre sozinho. Ninguém pode morrer em seu lugar. A solidão é uma dimensão da existência humana. Solidão, no entanto, não quer dizer isolamento. Hoje uma morte mais humana exige uma melhor comunicação com o moribundo ao longo de todo o processo. Morrer em companhia é um direito que a Igreja tem que defender e mesmo exigir para as pessoas. Estar perto de quem morre, como também dos seus familiares.

Transcrição literal do estudo de Pagola: “Ocorrida a morte, a Igreja é chamada a situar esse acontecimento no seio da comunidade cristã como o lugar mais digno para despedir o defunto e para exprimir solidariedade com sua família. Daí a importância da comunhão paroquial. As capelas mortuárias, os crematórios e outros lugares de serviços fúnebres não têm o caráter humano e simbólico da Igreja paroquial onde se reúne a comunidade cristã à volta do cadáver para se despedir de seu ente querido. Por outro lado, os diversos contatos com empresas funerárias nunca podem substituir os laços de solidariedade da comunidade cristã, que tem de ajudar a família a viver o luto de maneira digna e positiva” (p. 100, Ide e Curai).

Humanizar o ato de morrer

A Igreja haverá de lembrar que o enfermo moribundo é um ser humano e não apenas um organismo que precisa da atenção e do controle médico. Saudamos com alegria os progressos técnicos da medicina. Tais avanços, no entanto, não podem sacrificar o conteúdo humano da existência.

A Igreja haverá de colaborar para que o homem não perca seu direito de presidir à sua própria morte de forma pessoal. A morte é uma experiência que pertence à pessoa e não à medicina. Os doentes têm direito à assistência médica e recurso a medicamentos que aliviem sua dor, mas também receber a ajuda necessária para conhecer a sua situação e preparar e viver a sua própria morte.

O moribundo tem necessidades psicológicas, afetivas, religiosas e familiares que devem ser atendidas. Nenhum doente deve ser abandonado a seu destino, à espera de sua morte mais ou menos pressentida como se já não fosse necessária nenhuma ajuda ou acompanhamento, exceto o controle dos aparelhos. Ninguém deve ficar sozinho para enfrentar a morte, como também não fica sozinho ao longo de sua vida.

A Igreja deverá ajudar seus fiéis a “morrer no Senhor” (Ap 14, 13). O cristão não morre para o vazio, mas para Deus que ressuscitou Jesus. A sua morte é um “co-morrer” com Cristo (cf. 2Tm 2,11) e, por isso, deve estar configurada pelo espírito e pelas atitudes de Cristo na cruz: confiança radical no Pai, abandono total ao seu mistério de amor, solidariedade com os irmãos, doação generosa do perdão. Por isso, a Igreja em de cuidar da ajuda religiosa que oferece a cada cristão enfermo.

Comunicar esperança cristã

Ao prestar o seu serviço aos homens, a Igreja tem que ser e que aparecer como sinal da esperança cristã. É a fé no mistério da morte e ressurreição de Cristo que está em jogo nessa pastoral ao redor do ato de morrer e da morte. Não se trata de fazer da morte uma obsessão nem dos funerais o centro da pastoral, mas de convidar a comunidade cristã a ver a morte com realismo e esperança, como uma realidade aberta à comunhão definitiva com o Deus que ressuscitou Jesus Cristo.

Crônica: Aqueles que já foram

Esses que largaram suas mãos de nossas mãos. Novembro, penúltimo mês do ano, final do ano litúrgico da vida da Igreja, holofotes apontados para o Advento. E bem no começo desse mês, a comemoração dos Finados, dos que chegaram ao fim da caminhada. Em muitas cidades do Sudeste, é tempo dos agapantos azuis e brancos, flores com pescoço muito longo que baloiçam ao sabor dos ventos com certa majestade. Sim, mês que nos faz lembrar os que já se foram.

Cemitério, cremação, sepultamento, as cinzas numa pequena urna ou lançadas num campo de flores ou nas águas do mar. Os corpos dos grandes que morreram circulam pelas avenidas com o caixão coberto de bandeiras e coroas de flores. Mortos importantes. O sepultamento de indigentes é feito em valas. Mortos abandonados, mortos assassinados, mortos na guerra do tráfico, na guerra, guerra de verdade, ou devido a uma bala perdida.

Retratos de tantas mortes… mortes absurdas e duríssimas. Crianças que assistem o fuzilamento dos pais à porta da casa por rebeldes de facções inimigas na guerra do tráfico. Há esse louco, desmiolado que mata cinco ou seis de uma vez e dá fim aos seus dias. Chacinas e atos terroristas. Há esses corpos perdidos nos desastres ecológicos, pedaços de braços ou de pernas. Há esses e essas que morrem tranquilamente cercados de seus entes queridos, que lentamente fecham as pálpebras ainda conseguindo esboçar um sorriso de serena despedida.

Finados, dia e tempo de saudade! Saudade do jeito do pai, dos bolos que a mãe fazia, saudades do coque da avó sempre com seu avental, saudade da professora do primário, saudade dos padres que nos mostraram caminhos de luz, todos os que nos deram as mãos quando caíamos e que agora estão na pátria da luz, com as lágrimas enxugadas de seus rostos, onde não há mais trevas, dor ou tristeza.

Que a esperança da ressurreição nos reanime na caminhada da vida. Que nossos entes queridos, na glória, intercedam por nós. Gratidão ao Senhor Deus pela vida de todos eles. Pedimos ao Senhor que diga a todos aqueles que fizeram parte do caminho conosco que temos muitas saudades e que nos esperem à porta da glória.

Oração

Que brilhe em nós a estrela luminosa de teu Natal

Senhor, eis-nos à espera.
No fundo de nossas correrias, no coração desses dias agitados,
que nos dividem literalmente ao meio,
entre mil pequenas tarefas e mil pequenos pensamentos,
há um silêncio que soletra teu nome.
No fundo de nós sabemos que só Deus nos pode salvar.
Pode até parecer que, no meio de tanto ruído,
venhamos a te dispensar.
Pode até acontecer que não tenhamos
a força dos verdadeiros gestos do Natal.
Mas eis-nos à espera.
Acredita que, por vezes,
enquanto trocamos cartões, augúrios, presentes há um momento em que as nossas mãos ficam vazias, fixas no ar, como se rezassem.
É quando te pedimos que faças brilhar em nós
a estrela luminosa do Natal.

José Tolentino Mendonça
Um Deus que dança
Paulinas, p. 60

Página comovente

 Noite de Natal

Fernando Silva dirige o hospital de crianças, em Manágua. Na véspera do Natal, ficou trabalhando até muito tarde. Os foguetes espocavam e os fogos de artifício começavam a iluminar o céu quando Fernando decidiu ir embora. Em casa esperavam por ele para festejar.

Fez um último percorrido pelas salas, vendo se tudo ficava em ordem,  quando sentiu passos que o seguiam. Passos de algodão: virou e descobriu que um dos doentinhos andava atrás dele. Na penumbra, reconheceu-o. Era um menino que estava sozinho. Fernando reconheceu sua cara marcada pela morte e aqueles olhos que pediam desculpas ou talvez pedissem licença.

Fernando aproximou-se e o menino roçou-o com a mão: – Diga para...- sussurrou o menino – Diga para alguém que eu estou aqui.

Eduardo Galeano
O Livro dos Abraços