Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Novembro 2011

I. LEITURA ESPIRITUAL

A “felicidade” desses que chamamos de “Religiosos”

 

Ter sempre o coração voltado para o Senhor

 

“Irmãos todos, guardemo-nos muito para que, sob a aparência de alguma recompensa ou de obra ou de ajuda, não percamos ou afastemos do Senhor a nossa mente e o nosso coração”.
(Francisco de Assis, Regra Não-Bulada 22,25).

 

1. Eles estão espalhados por todas as partes, esses que chamamos de religiosos e de religiosas, entre os quais estão os que designamos de franciscanos. Alguns envergam um hábito exterior. Outros se vestem de roupas comuns, simples, por vezes tendo um crucifixo ou um tau no peito ou na lapela. Outros, precisando circular em espaços solenes, se vestem com solenidade. Mas por detrás desses rostos estão esses que chamamos de religiosos e religiosas, de frades menores e irmãs que se sentem bem respirando a espiritualidade evangélica-franciscano-clariana. Alguns estão ainda nos primeiros tempos da paixão amorosa pelo Senhor e pelos irmãos. Outros estão mais adiantados na caminhada. Nem sempre enxergam claro. Ficam meio perplexos com tantos questionamentos e com tantas transformações. Por vezes, a duras penas, vão construindo sua identidade. Há essas religiosas contemplativas que, no meio da noite, se levantam para louvar o Senhor. Esses outros, religiosos ou religiosas, percorrem os corredores dos hospitais, dirigem-se às casas das pessoas, ajudam essas mães e esses pais simples a educarem seus filhos, estão fortemente comprometidos com a pastoral da Igreja. Vejo aquela religiosa idosa, sentada na cozinha, descascando batatas ou preparando um doce de abóbora com coco para as irmãs. Antes do almoço, ela vai passar uns instantes na capela rezando um terço. À tardinha vejo chegar os religiosos para a frugal refeição da noite, um momento de colóquio em torno à mesa e depois a volta aos trabalhos. Ou um momento mais prolongado de leitura e de oração. Vidas consagradas a Deus. Seres leves e simples, criaturas com os pés na terra e o coração no Amado. Hoje em dia, em algumas casas, à noite há a leitura orante da Bíblia. Querem ter o coração sempre voltado para o Senhor. Esses que chamamos de religiosos vivem a busca do Deus Altíssimo com infatigável desejo. E, no fundo de seu coração, são pessoas profundamente felizes.

2. “Se, de fato, é verdade que todos os cristãos são chamados à santidade e à perfeição do próprio estado, as pessoas consagradas, graças a uma nova e especial consagração, têm a missão de fazer com que resplandeça a forma de vida de Cristo, por meio do testemunho dos conselhos evangélicos, para sustento da fidelidade de todo o Corpo de Cristo” (Partir de Cristo, Instrução da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, n. 13). Um pouco antes lemos no mesmo documento: “A impressão que se pode ter de uma queda na estima pela vida consagrada, por parte de alguns setores da Igreja, pode ser vivida como um convite a uma purificação libertadora. A vida consagrada não procura louvores nem apreços humanos, ela é recompensada pela alegria de continuar a trabalhar operosamente a serviço do Reino de Deus, para ser germe de vida que cresce em segredo, sem buscar recompensa diferente daquela que, no fim, o Pai nos dará. Ela encontra a sua identidade no chamado do Senhor, no seu seguimento, no amor e serviço incondicionais, capazes de plenificar uma vida e de dar-lhe plenitude de sentido” (ibidem). Esse chamado, a graça da vocação é que dá alegria e felicidade aos religiosos.

3. Não cessam os religiosos de perguntar ao Senhor o que ele deseja de cada um dos membros de sua Fraternidade. Não querem fazer a sua vontade particular e garantir seu cantinho de sobrevivência. Estão sempre com os ouvidos atentos aos textos das Escrituras, às batidas do coração de seus confrades e co-irmãs, sentem-se perto, bem perto de todos esses homens e mulheres para os quais se sentem enviados. Lutam para que sua Província encontre caminhos que coincidam com os caminhos que Deus deseja. São “ledores” obedientes dos sinais dos tempos. Obedecem-se mutuamente numa tentativa de nunca mais girar em torno do eu que é inimigo do Espírito. Nessa obediência, no empenho de não deixar o coração endurecer, os religiosos são “felizes”. Fazem o que o Senhor lhes pede. Não pertencem a si mesmos. São de um Outro.

4. Nessa decisão inabalável de fazer que o Senhor venha ocupar todo o espaço de seu interior e de seu exterior, os religiosos são criaturas revestidas do fogo do amor. Consagram ao Senhor seu corpo e integridade e pureza do interior. São puros de coração e buscam purificar-se. Num mundo hedonista e pansexualista, os religiosos são pessoas que, sem falsos pudores, se tornam esposos e esposas do Senhor. “Rogo a todos os irmãos, tanto aos ministros quanto aos outros, que, removido todo impedimento e todo cuidado e postergada toda preocupação, do melhor modo que puderem, esforcem-se por servir, amar, honrar e adorar o Senhor com o coração limpo e com a mente pura, pois é isso que Ele deseja acima de tudo, e façamos sempre aí uma habitação e um lugar de repouso para Ele que é o Senhor Deus Onipotente, Pai, Filho, Espírito Santo…” (Regra Não-Bulada 22, 26-27). São felizes os que se tornam lugar exclusivo de habitação daquele que busca asilo na intimidade dos que o amam. Uma vida de castidade consagrada viçosa é sinal de que é possível viver a radicalidade do Evangelho na carne humana… e quem puder compreender que compreenda. São felizes os que se tornam esposos e esposas do Senhor .

5. Seres leves… seres com pouca bagagem. Numa sociedade loucamente consumista, os religiosos são seres de um mundo encantado que vai além da aparência, do poder e do ter. Thaddée Matura vê na Admoestação XIV de Francisco o cerne da assim dita Pobreza Franciscana: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos céus (Mt 5,3). Muitos há que, insistindo em orações e serviços, fazem muitas abstinências e macerações dos seus corpos, mas por causa de uma única palavra que lhes parece ser uma injúria a seu próprio eu ou por causa de alguma coisa que se lhes tire, sempre se escandalizam e se perturbam. Estes não são pobres de espírito, porque quem é verdadeiramente pobre de espirito se odeia a si mesmo e ama quem lhe bate face”.

6. Thaddée Matura lembra alguns aspectos da pobreza franciscana que podem fazer “felizes” seus seguidores. Antes de se manifestar na pobreza material, da qual é como que um sacramento visível, a pobreza se reveste de três características: reconhecer que todos os bens têm sua origem em Deus, que somente nossos são os vícios e os pecados, e que carregaremos todos os dias a cruz de Nosso Senhor, que consiste na submissão a todos, na aceitação da rejeição, da doença e da morte.

7. “O que somos, o que podemos realizar, sobretudo tratando-se de realidades espirituais, deve ser considerado grande e belo. É legítimo alegrarmo-nos com tais dons e experimentarmos um santo orgulho. Mas imiscui-se uma sutil tentação: eu sou isto, eu… eu me basto, sou como Deus. Será preciso escapar da tentação de nos apropriarmos de bens dos quais não somos proprietários. “…esforcem-se… por não se gloriar nem se regozijar consigo mesmo, nem se exaltar interiormente das boas palavras e obras, e, menos ainda, de nenhum bem que Deus muitas vezes faz ou diz e opera neles e por eles … reconheçamos que são do Senhor” (Regra Não-Bulada 17). Reconhecer o que é bom em nós, é um primeiro passo. Feito isso, será preciso apressar-se em restituir os bens a seu proprietário que é o Senhor Deus, o único bom. A verdadeira e mais profunda pobreza é a de tudo possuir através do dom de Deus, sem nada atribuir a si”.

8. Haveremos de nos gloriar de nossas fraquezas e de carregar todos os dias a cruz de Nosso Senhor. Os frades haverão de se alegrar quando se sentirem submetidos a diversas provações, quando suportarem angústias da alma e do corpo ou tribulações neste mundo por causa da vida eterna (cf. Regra Não-Bulada 17). E esses religiosos, vivendo simplesmente e pobremente com seus irmãos, atuando na pastoral, são pessoas muito próximas do coração de Deus. Pobres desse jeito, os religiosos mostram por sua vida a vida de Cristo e são felizes. Matura conclui sua reflexão sobre a Admoestação 14: “O sofrimento, esse mal-estar do homem, está presente no dia a dia da vida em muitas circunstâncias. O que deseja ser “menor e submisso a toda criatura” há de encontrar a incompreensão, a oposição e até mesmo a perseguição. Pode ser mesmo que, como Francisco, ele se depare com a rejeição, extremamente dolorosa, de seus próximos como aparece relatado no episódio da perfeita alegria. A própria vida vê-se ameaçada pela doença e pela morte, duas companheiras inevitáveis de todo homem, que cedo ou tarde chegam para visitá-lo”. Os que abraçam essa pobreza são capazes de cantar a chegada da irmã morte.

9. Seres leves e pobres, cantores da glória de Deus, submissos uns aos outros no mistério da fraternidade e não deixando o coração endurecer, amantes ardentes do Deus de amor, os religiosos são seres felizes. Felizes também porque vão pelo mundo. São enviados. São missionários. Dizem por palavras e gestos que há uma explosão de felicidade na vida segundo o Evangelho. Experimentam a alegria de serem missionários. Nas paróquias, onde trabalham, nas obras que tocam, a tudo impregnam com a força do Evangelho que não é um livro mas uma pessoa viva chamada Jesus Cristo. Em sua missão respiram sempre a radicalidade do Evangelho que tentam viver. Nunca se apresentam como funcionários de um “status quo”, mas lutam para que sua palavra e sua vida transmitam o fogo do evangelho.

Concluindo

Vidas esplêndidas, luminosamente crucificadas-ressuscitadas. Vidas de dom total ao Senhor e aos irmãos; Vidas sem lamentos e murmurações. Os religiosos vivem em suas casas modestas, simples e alegres, têm encontros marcados com o Senhor, ajudam-se mutuamente, carregam os pesos uns dos outros, buscando juntos o Senhor, juntando suas vozes no canto dos salmos e adestrando seus ouvidos para captar o que Deus diz. Homens e mulheres dependentes uns dos outros, dependentes do sopro do Espírito e sempre dóceis aos que foram colocados à frente como servos da função de guardar a comunidade, os guardiães. Querem levar o rebanho a verdes pastagens. Existem para os outros, para si nada reservam, tudo retribuem ao Senhor, deixam-se consumir pelos outros e pelo Reino (sem discursos, mas através de fatos). São seres leves, vigilantes e ardorosos.

NB. As citações de Thaddée Matura foram tiradas do livro “François d’Assise. Maître de Vie Spirituelle, Éd. Franciscaines, Paris 2000, p. 61-81.

Frei Almir Ribeiro Guimarães

II. PÁGINAS FRANCISCANAS

Uma fraternidade socialmente profética

 

Nossa Página Franciscana deste mês de novembro está na linha de um desdobramento da Leitura Espiritual precedente. Ela descreve a fraternidade franciscana como socialmente profética. Traduzimos este texto do livro “Francesco d’Assisi maestro de spiritualità”, de Niklaus Kuster, Ed. Messagero Padova, p. 150-153.

 

Nobres e sacerdotes foram se associando à Fraternidade do Poverello, renunciando a seus privilégios sóciais e eclesiásticos para serem, como todos os outros, frades menores: os menores da sociedade, a serviço de todos os homens e amigos dos mendigos, dos pobres e dos leprosos. Exatamente, por meio dessa voluntária “descida” na direção dos pequenos, uma vida à margem da sociedade e seu testemunho de serem cordialmente irmãos, uniram na sua nova fraternitas, o que a Igreja e a burguesia citadina de então dividiam em classes e estados: clérigos e leigos; “orantes” e “trabalhadores”; ricos e pobres; cavaleiros e burgueses; citadinos e camponeses .

Tomás de Celano se detém em descrever esta surpreendente novidade quando em 1228, escreve a respeito dos inícios: “… a fama do homem de Deus começou a dilatar-se para mais longe. Naquele tempo São Francisco e seus irmãos tinha realmente alegria muito grande e júbilo especial, quando alguém – quem quer e qualquer que fosse – fiel, rico, pobre, nobre, sem nobreza, desprezado, benquisto, sábio, simples, clérigo, iletrado, leigo no povo cristão, levado pelo espírito de Deus, vinha para receber o hábito da santa religião. Também os seculares tinham com relação a todos grande admiração, e o exemplo da humildade provocava-os à via de uma vida mais correta e à penitência dos pecados” (1Cel 31).

Também Francisco deve ter ficado admirado diante do “milagre social” que “o próprio Senhor” operava à sua volta (Test). A Fraternidade reunia homens de todos os estratos e condições sociais e colocava perto uns dos outros na qualidade de irmãos, os pobres como os ricos, os instruídos como os artesãos, os padres como os leigos. Alegrou-se com a chegada dos primeiros padres, tanto mais que eles não hesitavam em abandonar todos os direitos clericais. Vinham de diferentes lugares com profissões variadas. Externamente nada os distinguia uns dos outros. Todos trabalhavam com os camponeses no cultivo da terra, prestavam serviço nas casas da cidade e mendigavam quando fosse necessário. O ingresso de homens respeitáveis na fraternitas e seu modo humilde de viver entre os pobres comovia os cidadãos às lágrimas e eram uma advertência para todos que poderiam ser vítimas das transformações operadas na cidade.

A opção de Francisco, descendo na escala social, tem tom de profecia. Não se trata de adotar um programa revolucionário. É o Evangelho e o exemplo de Cristo que animam essa “descida” social e a tornar viável seu projeto de vida fraterna ( a palavra frater ocorre 309 vezes nos escritos do santo). A Regra de 1221 faz alusão a um texto chave que motiva evangelicamente a opção pela posição social e voluntária “descida” dos frades: “Jesus falou à multidões e a seus discípulos: os doutores da lei e os fariseus… amarram pesados fardos e os colocam nos ombros dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los nem sequer com um dedo… Gostam de lugar de honra nos banquetes e dos primeiros lugares nas sinagogas. Gostam de ser cumprimentados nas praças públicas e de ser chamados de mestres. Quanto a vós, nunca vos deixeis chamar de mestres…. porque todos vós sois irmãos. Na terra não chameis a ninguém de pai, pois um só é o vosso Pai… e nem de guia. O maior dentre vós é aquele que serve….” (cf, Mateus 23,, 1-10, Regra não bulada XXII).

Francisco deseja exire de saeculo (Test) não como os monges pela distanciamento físico do mundo, mas como radical transformação do pensamento, dos valores e do comportamento. A Fraternidade entra num diálogo crítico e profético com a sociedade citadina. Não mais as normas sociais e os valores burgueses, mas o Evangelho e a vida de Jesus deverão determinar o espírito e o comportamento dos frades. A primeira fraternitas vê em suas fileiras iletrados perto de pessoas cultas, juristas e sacerdotes. Pobreza significa que ninguém se garganteie de sua proveniência ou de seu saber, que renunciando a tudo abracem nu o Crucificado (2Cel194). Francisco lembra que os primeiros frades eram tidos como idiotas. Com isso, ele não quer considerá-los “estúpidos”, mas gente que renuncia a todos os privilégios sociais que a instrução dá. A pobreza é concebida, antes de tudo, como um olhar lançado na direção da kenosis de Cristo, em última análise como renúncia ao próprio “ego” (cf. 2Cel 80). Francisco havia começado a trilhar esse caminho de “abaixamento” como vitória sobre si mesmo no encontro com os leprosos. A pobreza está intimamente ligada, não por acaso, com “sua santa irmã a Humildade” (Louvor das Virtudes).

“O bem-aventurado Francisco, desde o princípio de sua conversão, com a ajuda de Deus, como o homem sábio do Evangelho, fundou-se a si mesmo e fundou a sua casa, isto é, a Ordem, sobre a rocha firme da Altíssima humildade e pobreza do Filho de Deus, pelo que lhe deu o nome de Ordem dos Frades Menores. Sobre a mais profunda humildade: por isso, desde quando começou a aumentar o número dos frades, quis que eles morassem nos hospitais dos leprosos. Nesse tempo, quando chegavam candidatos nobres ou plebeus, era-lhes dito que tinham de servir os leprosos e conviver com eles.. Sobre a altíssima pobreza, assim está escrito na Regra, que os frades devem habitar nas casas onde moram, como estrangeiros e peregrinos, nada mais querendo ter debaixo do céu a não ser a santa pobreza, pela qual o Senhor os nutrirá com o alimento corporal e com a virtude aqui na terra, e obterão na vida futura o céu como herança… Francisco escolheu para si o sólido fundamento da humildade e da pobreza. Embora se tornasse mais notado na Igreja de Deus, queria e procurava sempre ocupar o último lugar, não só na Igreja, mas também entre seus irmãos” (Leg. Per, 103).

A absoluta renúncia ao dinheiro que a Fraternidade se impunha tem dupla motivação. Em primeiro lugar é obediência à ordem de Jesus “de não levar nem ouro, nem prata, nem cobre em vossos cintos” (cf Mt 10,9). Em segundo lugar, o Poverello toma distância da cultura capitalista em germe (ver Regra não Bulada, VIII). A maior insegurança externa e a troca “do trabalho pelo sustento” une os frades com os que são pobres sem querê-los. Sua confiança na Providência de Deus pressupõe e torna possível também a renúncia aos privilégios eclesiásticos e às cartas de recomendação (Test).

III. ORAÇÕES

Mês após mês, queremos oferecer aos nossos estimados leitores eletrônicos preces, orações para o dia-a-dia da vida

 

1. ALGUÉM QUE MORRE

Alguém morre… é como se passos deixassem de ser dados…
E, se ao contrário, fosse uma partida para uma nova viagem?

Alguém morre… é como se uma porta batesse…
E se fosse uma passagem para outras paisagens?

Alguém morre… é como uma árvore que tombasse…
E se fosse uma semente que germinará numa terra nova?

Alguém que morre… é como um silêncio que grita…
E se um tal silêncio a ouvir a frágil música da vida?

Benoît Marchon

2. POR AQUELES QUE JÁ PARTIRAM…

Senhor,
tenho saudades daqueles que tanto amei,
daqueles que já se foram.
Nessa hora venho te pedir por eles;
que eles possam ver a claridade
de teu semblante!
Trago-os no íntimo de mim mesmo.
Guardo na lembrança
seus gestos desinteressados,
os cuidados que tiveram comigo,
as palavras que me dirigiram
e que reboam ainda
no templo íntimo da minha saudade.
Tinha a impressão que iriam ficar,
que permaneceriam para sempre
na comunhão que vivemos.
Hoje seus defeitos e suas falhas
me parecem tão insignificantes
diante do tanto que fizeram.
Caminhando por onde eles andaram,
vejo ainda sua presença.
Deixaram vestígios presentes em minha história.
Encontro-me muitas vezes com suas lembranças
nas salas e nos quartos onde vivemos
pelos parques que juntos percorremos,
nos livros que juntos apreciamos,
nas decisões que juntos tomamos.
Trago todas elas na patena invisível
que tenho em minhas mãos
e ofereço-as ao teu amor misericordioso.
Teu Filho Jesus passou da morte para a vida,
Morreu para viver e para dar a vida
a todos que fossem dele!
Recebe, Senhor, o bem que os meus amigos fizeram!
Recolhe, na palma de tua mão,
a história de todos eles.
Que hoje, na cidade eterna, na comunhão contigo,
eles possam ser nossos intercessores e nossos advogados.
Arrefece, Senhor, a saudade que tenho ainda
daqueles que já partiram.

3. A TODOS OS SANTOS

Todos os santos desconhecidos,
que são lembrados apenas na festa de Todos os Santos.

Todos os santos mártires de outrora,
todos os santos mártires de hoje,
em todos os cantos do mundo.

Todos os santos que estais nos céus,
simplesmente por que fizestes
de todo o coração, o vosso labor.

Todos os santos e santas,
mortos no campo de honra do trabalho.

Todos os santos e santas que estais nos céus
porque vos amastes de todo o coração
no casamento e por terdes criado uma família.

Todas as santas mulheres que estais nos céus,
porque fostes simplesmente donas de casa.

Todos os santos que estais nos céus
por terdes dado sem limite.

Todos os santos que estais nos céus
por terdes evitado de chamar a atenção sobre vossa pessoa
mas por terdes permanecido discretamente em vosso lugar.

Todas os santos e santas desconhecidos
que foram desprezados ou inculpados.
Todos os santos e santas desconhecidos!

Todos os santos e santas que viemos a conhecer
e que vivestes perto de nós.
Todos os santos e santas que conheceis o esforço que precisa ser feito
para sair da rotina.

Todos os santos que não fizestes em vossas vidas
nada de extraordinário
mas que colocastes em cada ação um imenso amor,
rogai por nós!

4. ORAÇÃO DO ADVENTO

A terra da minha vida está ressequida!
De cansaço em cansaço, meu coração anela pela tua vida!
Meu ser interior suspira pela tua chegada.
Não aguento mais a solidão de meus dias.
Caminho ao lado de homens, converso
com meus companheiros de caminhada,
paro diante de outros rostos solitários.
Tudo parece estranho para mim nesta hora.
As amizades me decepcionam,
as companhias me aborrecem,
uma estranha e radical experiência de solidão
toma conta de mim.
Mas tu podes acabar com minha solidão.
Tu, Senhor Jesus, tu virás.
Eu creio na tua vinda para mim,
para todos os homens.
Estou vivendo a festa da espera.
É bom esperar pela chegada
de alguém que a gente ama.
Enfeito meu coração, preparo meu interior,
coloco flores alegres e cortinas brancas
nos cantos da minha vida.
Espero tua chegada.
Temos muito que falar.
Vem, Senhor Jesus, vem depressa!
As nuvens do céu estourarão e tu virás.
A terra de minha vida será banhada
pela água de tua pessoa.

5. À MAE DE DEUS

Minha santíssima Senhora,
Mãe de Deus, cheia de graça,
sois a glória de nossa natureza,
o canal de todos os bens,
a rainha de todas as coisas depois da Trindade,
a medianeira do mundo depois do Mediador,
ponte misteriosa que liga a terra ao céu,
a chave que nos abre as portas do paraíso,
nossa advogada,
vê a minha fé e lembra-te da tua misericórdia
e do teu poder.

Mãe daquele que é
o único misericordioso e bom
acolhe minha alma em toda sua pobreza.

E por tua mediação.
torna-me digno
de um dia estar à direita
de teu filho Único.

IV. E A FAMÍLIA, COMO VAI

Criando a vida da família

 

Quando começa a família

 

Nossa página de hoje está fortemente inspirada em páginas do livro “Ser Família hoje… na Igreja e no mundo” (Equipes de Nossa Senhora), 1994.

 

1. Esposo e esposa, marido e mulher, pai e mãe estão sempre empenhados (e Deus sabe como!) em criar a família. Como é que começa a “criação da família”? Para criar uma família é preciso primeiro construir um casal. Quanto mais sólido e espiritualmente fecundo for esse casal, será também sólido o fundamento da família. Um homem e uma mulher se encontraram e experimentaram um bem-querer forte e denso que se chama amor. Há esses primeiros encontros, encontros marcados por uma grande paixão, ou encontros caracterizados pelo gradativo conhecimento mútuo. Há o tempo do namoro, do conhecimento, da tentativa de fazer lugar em si ao mundo do outro. E quando menos se espera, há essa certeza de que os destinos podem ser ligados e unidos. Que está na hora de dizer um sim. Os que se escolhem se conhecem e estão dispostos a viver um para o outro e os dois desejam se abrir a mistério dos outros e da vida.

2. O texto do livro das Equipes de Nossa Senhora assim reza: “Lembremo-nos do estado de “graça” em que ficamos quando nos conhecemos. A solidão e a incerteza do futuro desapareceram porque uma pessoa nos escolheu, nos amou, nos deu a segurança de que tínhamos necessidade para enfrentar a vida, para curar o passado. Isto nos levou a nos examinarmos em profundidade, com o desejo de oferecer nossa verdade ao outro. O outro, por sua vez, nos ofereceu seu tempo, seus pensamentos e essa correspondência de amor nos pareceu um dom imerecido. O mundo encheu-se de significado e nossa vida se unificou”.

3. Um homem, uma mulher, seu passado, seu presente e seu futuro. Não se pode viver sozinho. O Senhor colocou um desejo em Adão de buscar uma companheira. Esse masculino e esse feminino, essa força vital nos membros e na carne e esse desejo de fazer um projeto de vida a dois: companheirismo, fidelidade, entrega irrestrita, doação dos corpos, busca de uma celebração do amor profundo no encontro dos corpos. Uma para o outro, os dois eventualmente abertos à vida que se esconde no corpo e nas entranhas de um de um e de outro. Um sim que se prepara. Para os cristãos há o sim dito na presença no Senhor. Os maridos amam suas mulheres na força do amor de Cristo. Uma casa, a casa do amor, a casa da família construída sobre a rocha do sim dito diante do Senhor. E os dois traçam as linhas de um projeto conjugal no respeito, na acolhida da diferença, na vontade de adivinhar os anseios mais profundos. Ele e ela e a família dele e a família dela. Vidas e histórias se entrecruzam. Há a história dela e a história dele.. e um conta ao outro a historia de sua vida e de sua família e daí nasce um projeto novo que é a família nova que não é mais a família dele nem a família dela, mas a nova família que surge do deixar pai e mãe e ir correndo na busca doida e feliz do amor conjugal.

4. Entre marido e mulher vai surgindo um laço que chamamos de conjugalidade. Dia a dia, no quarto esponsal, à mesa, nas conversas, nas cruzes carregadas, nas histórias partilhadas vai nascendo uma dependência mútua que é fruto do amor. Um amor paciente, benigno, que tudo aceita, tudo perdoa e tudo acolhe. Esse laço vai sendo construído com tanto esmero que não pode ser rompido sem danos. Se por ventura a morte vier buscar um dos dois ou se a loucura do coração fizer com que se queira romper o laço será difícil sobreviver. Além dele e dela há o liame, o laço, a conjugalidade e uma conjugalidade fecundada e sanada pela graça do sacramento do matrimônio. Por isso, toda separação é sempre uma catástrofe e sofrem todos com ela. Há pessoas que, separadas, fazem outros arranjos… de repente, sem querer, dizem à nova amada o nome da amada antiga com a qual, durante anos, fizeram a construção do amor conjugal, base de toda família.

5. “No decorrer dessa caminhada, passamos talvez por crises conjugais, às quais se juntaram, quem sabe, problemas causados pela adolescência e puberdade dos filhos; tivemos também problemas de saúde. Depois veio o tempo da dispersão dos filhos: às vezes a casa se enche de filhos e netos, às vezes fica vazia. O círculo se fecha e voltamos a ser o casal que éramos no começo, mas com uma bagagem de amor maior, com noção mais positiva do sofrimento, com um conhecimento mais profundo do mundo”. Peça importante do criar uma família é o casal, essa obra de arte que se faz ao longo do tempo que passa.

V. PASTORAL

Atitudes pastorais a serem encorajadas
em nossos tempos (I)

 

1. Desnecessário repetir que vivemos um tempo complexo na vida do mundo e da Igreja. Somos franciscanos e desejamos ser missionários no seio de uma Igreja que muitos amamos e num mundo em transformações radicais. Como São Francisco, somos convidados a restaurar a vida dessa Igreja. Fazemo-lo a partir de nossa vocação de seguimento do Evangelho do Cristo pobre, à maneira de Francisco. Realizamos nossa vocação a partir de nossa Fraternitas. Não nos sentimos “funcionários” de uma “agência do sagrado”. Muitos de nós trabalhamos nas paróquias que foram e continuam nos sendo confiadas. Fazemos o trabalho o melhor que podemos. A partir dessa revolução operada em nós pela vocação, pelo chamamento do seguimento de Cristo, procuramos compreender o mundo e ser agentes através de um sério e alegre retorno ao vigor do Evangelho. Pastores, documentos da Igreja sugerem, aqui e ali, algumas atitudes pastorais que precisam ser encorajadas em nossos tempos. Muitas delas se aproximam do espírito franciscano de ser no mundo e na Igreja. Fique bem claro que nossa presença na pastoral diocesana será na linha de colaborar com a Igreja sempre sabendo que levamos esse nosso ser de seguidores do Evangelho à maneira de Francisco. Não precisamos anunciar as cores e nem usar crachás e rótulos. Basta que passe em nossas palavras e gestos o fogo que nos habita.

2. Há preocupações. Como transmitir a fé? O que é transmitir a fé? Como reagir frente ao indiferentismo manifestado aqui e ali com relação à fé da Igreja? Que visibilidade tem a Igreja nesse momento no mundo? Fazemos sentir que constituímos um grupo de busca séria da verdade, do bem e de Deus? Quais as nossas preocupações pastorais de modo particular quando somos párocos e vigários paroquiais? Será que, sem querer, não aceitamos uma mentalidade meramente sacramentalista?

3. Vivemos, com efeito, num mundo de indiferença. Não temos que ficar lamentando o tempo todo. Será preciso acolher a indiferença com um apelo à renovação do testemunho e um convite ao discernimento. Pode-se dizer que, ao menos nas grandes e médias cidades, há o fenômeno da indiferença frente à Igreja. Não generalizemos. Há sintomas bonitos de busca séria do Evangelho, tanto nas paróquias quanto em grupos de movimentos. Esperamos sempre que esses movimentos não se tornem grupos fechados, com um linguajar bizarro, com práticas apenas emocionais. Há pessoas indiferentes à prática religiosa. Há os que não estão de acordo com certas posições da Igreja no campo da moral. Há pessoas que, além de indiferentes, devido a várias razões foram se tornando impermeáveis aos apelos da fé. Pessoas de certa idade constatam que seus filhos são indiferentes. Lamentam que eles se casem ou passem a viver juntos com pessoas separadas. Lamentam ainda que filhos e netos deixaram de sentir necessidade da missa dominical. Certos pais e avós sentem uma espécie de complexo de culpa. Filhos e netos não retiveram nada daquilo que se designa de transmissão da fé. O fenômeno da indiferença religiosa ou da indiferença para com a prática religiosa mostra que alguma coisa não toca as pessoas, não chega a ser recebida e percebida. Essa atitude de indiferença precisa questionar um certo tipo de pastoral em que as pessoas não fizeram uma verdadeira experiência espiritual. Nasceram numa família católica, foram batizadas, fizeram a primeira comunhão, nunca assimilaram de verdade os enunciados da fé, ficaram numa fé nocional. Os tempos da indiferença são um convite a uma pastoral de “personalização” da fé. Não se transmite a fé como se transmitem traços físicos dos pais e costumes de uma nação. Ora, a indiferença de muitos é um convite a que os agentes de pastoral e as comunidades cristãs digamos nossa fé de uma maneira nova. Sim, a indiferença pode ser um convite a que vivamos com coragem a fé em Cristo como verdadeira experiência espiritual, como uma experiência que não se inventa, mas que se recebe de Deus e modela nossa vida. Os responsáveis pela catequese em todos os níveis devem ser pessoas que estão sempre se reunindo, estudando, rezando, se preocupando em realizar sua missão da melhor e mais profunda maneira.

4. Outra atitude a ser encorajada em nossos dias é praticar um diálogo verdadeiro. Será fundamental não colocar de um lado o certo e do outro o errado em duas colunas. Não se pode elencar de um lado as afirmações da fé com o bloco das indiferenças. Em cada um de nós há o homem da fé e o homem da dúvida ou da indiferença. Há nossa verdade cristã católica, mas também existe a verdade desses outros buscadores sinceros de Deus no cristianismo e nas religiões. Hoje estamos convencidos de que será fundamental viver em constante diálogo. Há o diálogo entre os fiéis e seus pastores, o diálogo entre pais e filhos, o diálogo entre pessoas de religiões diferentes. Nas catequeses, nas homilias isso precisa transparecer. Nada da intransigência dos que dão a impressão de serem donos da verdade. Mas pessoas que estão convencidas da verdade de sua fé, sem o desejo de impor e de levar ninguém para práticas inquisicionais. Pensamos no diálogo entre pessoas de diferentes religiões, mas pensamos também no diálogo diante do pluralismo de pontos de vista dentro da própria comunidade eclesial. O diálogo não é uma estratégia para convencer os outros de nossas convicções ou pontos de vista, mas um clima de busca sincera da verdade que nos liberta. Daí a importância de fóruns, de tardes e dias de reflexão sobre temas candentes do mundo: respeito pela vida, sexualidade, mundo do dinheiro, opções sexuais e tantos outros temas. Quando uma “catequese” é feita em estilo dialogante, as coisas podem mudar. Pensamos de modo muito particular em todo um clima de acolhimento e de diálogo com pessoas que, rompido o vínculo do casamento, se recasaram. Pensamos também em todos os que se sentem discriminados.

5. Será importante cultivar “um estilo de vida” cristão. A fé em Cristo modela e transforma a existência. A fé leva a que adotemos um “estilo de vida” diferente. Sem posições emocionais exageradas, sem discursos, as pessoas devem se dar conta de um estilo de vida cristão que vivemos, que vivem nossas comunidades, que aparece nas exortações de nossos pastores. A evangelização começa sempre com a simples presença. Famosas e claras as palavras de Paulo VI na sua exortação apostólica Evangelii Nuntiandi : “E esta Boa Nova há de ser proclamada, antes de mais nada, pelo testemunho. Suponhamos um cristão ou grupo de cristãos que, no seio da comunidade humana em que vivem, manifestam sua capacidade de compreensão e de acolhimento, a sua comunhão de vida e de destino com os demais, a sua solidariedade nos esforços de todos para tudo aquilo que é nobre e bom. Assim, eles irradiam, de modo absolutamente simples e espontâneo, a sua fé em valores que estão para além dos valores correntes e sua esperança em qualquer coisa que não se vê e que não se seria capaz sequer de imaginar. Por força deste testemunho sem palavras, estes cristãos fazem aflorar no coração daqueles que o veem viver, perguntas indeclináveis: Por que eles são assim? Por que é que eles vivem daquela maneira? O que é – ou quem é – que os inspira? Por que eles estão conosco? Pois bem: um semelhante testemunho constitui já proclamação silenciosa, mas muito valiosa e eficaz da Boa Nova“ (Evangelii Nuntiandi, 21). Através desse testemunho, desse “estilo de vida” cristão, já há uma primeira inserção do Evangelho de Cristo no tecido da realidade do mundo na ordem social, política, econômica e cultural. No dizer de um documento dos bispos franceses, pode-se dizer que “existe verdadeiramente um ethos cristão, um modo eficaz de manifestar a relação que une a fé proposta e os comportamentos vividos, sobretudo quando no meio ambiente há leis e costumes que estão em oposição ao Evangelho”. Um “estilo de vida” cristão requer uma referência explícita à Palavra de Deus e à voz da Tradição.

6. Em nossos dias, a diferença cristã é chamada a manifestar-se em condições novas. Na medida em que nossa sociedade esquece suas raízes cristãs, mais e mais os batizados deverão andar na busca da fonte de sua identidade e manifestá-la claramente. Esse estilo de vida exige uma formação toda especial que certos movimentos religiosas e famílias de vida consagrada desenvolvem. Não se trata apenas de incentivar o esforço de vida cristã, mas de fundar nosso estilo de vida nas exigências do Evangelho. A vida de consagração religiosa nas diferentes formas, também vivida pelos consagrados no mundo podem ser uma evangelização pela simples presença. Mas se trata também de um testemunho singelo e forte dado nos corredores das câmaras dos vereadores, nos balcões do comércio e e simplesmente num estilo de vida cristão.

Nota bene: Em nosso próximo número continuaremos esta nossa reflexão. Abordaremos outros empenhos pastorais a serem encorajados: manifestar a visibilidade sacramental da Igreja, formar comunidades fraternas e apostólicas, aprender a vivenciar a esperança cristã. Esse nosso texto se inspira, em boa parte, no documento La Passione del Vangelo, do bispo francês Claude Dagens e publicado em italiano na Revista Il Regno (8/2010).