Novembro 2020
- Abertura
- Leitura Espiritual
- Recordar é viver
- Reflexão quase em forma de poesia
- Uma história que leva a pensar
- Nesta edição
Abertura
I. O PERFUME DA CRUZ DISSIPA AS DÚVIDAS
Novembro, sim mês dos finados. Um ladrão que morre na cruz e a ele é prometido o Paraíso. Vida definitiva no mundo novo de Jesus. Que Jesus também se lembre de nós. Nossa vida e nossa morte são sempre iluminadas pela luz do Crucificado ou animadas pelo “perfume da cruz”. Vejam como são belas estas considerações de Santo Anselmo.
Quero sentir o perfume da tua cruz, como o ladrão que disse: Lembra-te de mim quando entrares no teu reino (Lc 23,42). Será que este ladrão te viu restituir a vista aos cegos e ressuscitar os mortos? Será que ele não te adorou? Mas quando te vê suspenso no madeiro, ele te adora: Senhor lembra-te de mim quando entrares em teu reino. O que teus milagres não puderam fazer, a tua cruz fez. Ele te reconheceu com maior certeza e mais perfeitamente na cruz do que na pregação e nos milagres. Ó poder da cruz, ó poder no Crucificado. Desde que viu o madeiro o homem reconheceu teu reino. Vendo-te crucificado compreendeu que eras rei. Ó perfume da cruz que dissipas as dúvidas! Senhor! – exclama o ladrão, vendo com seus olhos o preço com que Deus o resgatou.
Mas, boníssimo Senhor, que respondeste ao ladrão suplicante? Hoje estarás comigo no Paraíso (Lc 23,43). Ó meu rei, os cravos te atravessavam e tu prometes o Paraíso! Suspenso no madeiro, dizes ao ladrão: Hoje estarás comigo no Paraíso! Ó desejo das almas, onde é o Paraíso? Será que o Paraíso está contigo? Que o Paraíso é lá onde queres? Sim, eu sei, o Paraíso és tu que o prometes com tanta certeza. Eu creio, Senhor, eu creio sem reserva que o Paraíso é lá onde queres, lá onde estás. Estar contigo, eis o Paraíso.
Oração de Santo Anselmo
Lecionário Monástico II, p. 594-595
Leitura Espiritual
II. UMA INTERIORIDADE HABITADA
Voltar ao coração, organizar nossa biografia a partir do nosso mistério pessoal. Para tanto, convém contemplar com amorosa atenção o Coração do Senhor.
O tema do coração tem marcas profundas na tradição bíblica. Trata-se de um símbolo carregado de ressonâncias. A espiritualidade cristã atribuiu-lhe um lugar especial. Seu simbolismo aponta para o ser humano, sua interioridade, seu centro e mistério. Em Jesus Cristo, Deus tem um coração de homem, coração do Filho encarnado. Interioridade humana e divina. Nela nos mergulhamos. Ou somos mergulhados por bondade.
Contemplar o Coração de Cristo é adentrar-se no mistério divino e acercar-se ao mais íntimo de sua realidade pessoal: o Amor. Seu interior se abre como acesso encarnado, humanado, ao Mistério. Na Páscoa se converte em coração do mundo e, a partir de então, tudo está traspassado por sua presença viva e vivificante. A interioridade de Deus se abre na humanidade no Filho e, por ele, em toda realidade. O coração – e seu correlato a interioridade – não nos falam apenas da dimensão antropológica. O mistério da Encarnação e a Páscoa transfiguram-no para convertê-lo em lugar de encontro, acesso ao Mistério, possibilidade de comunhão. Lugar de encontro e de acesso…
O coração humano é, ao mesmo tempo, centro pessoal e espaço de Presença, lugar de mistério e de comunicação. Somos seres habitados e a interioridade já não pode ser entendida apenas como subjetividade e identidade. Se falamos de horizonte e abertura do coração, ele é também porta do Mistério. Entrar em nosso coração, interioridade habitada, supõe achar nosso fundamento no seio do próprio Mistério. Esse Outro, para o cristianismo, é sempre Alguém. Por isso entrar é penetrar no santuário da relação e da intimidade amorosa com a Alteridade mais radical, com sua vida que se derrama a partir de nossas entranhas por todo nosso ser.
“Eis que estou à porta e chamo. Se alguém ouve meu chamado e abre a porta entrarei em sua casa cearei com ele e ele comigo” (Ap 3, 20). Este encontro, esse olhar, essa palavra silenciosa dita no coração, transforma-nos radicalmente. A interioridade se torna espaço da graça. Quem ali se encontra pode perfurar a realidade e ver as coisas, as pessoas, os relacionamentos tal como Deus as vê. Aquele que é capaz de viver a partir do escondido, sob o olhar do Pai se dá conta que todos são irmãos.
Texto inspirado fortemente em
Recuperar el corazón
María José Mariño
Revista de Espiritualidad 75 (2016), 161-187
Recordar é viver
III. O DELICADO ENCANTO DE NOSSAS IGREJAS
Crônica
Entro nas igrejas na pontinha dos pés, igrejas grandes e imponentes, capelinhas perdidas em povoados, em casa de religiosas ou em hospitais, entro sempre na ponta dos pés, evitando todo barulho desnecessário. Foi assim que aprendi desde criança. Aquele espaço todo me pede carinhoso silêncio. Modero minhas passadas, mesmo onde não se conserva a presença do Santíssimo, porque há vestígios de visitas de Deus naqueles espaços. Um sacerdote ali rompe o pão ou batiza uma vida para a vida. Na pontinha dos pés… Nada de agitação nem alvoroço. As pedras querem me falar…
Um espaço diferente. O altar, o lugar onde se proclama o Evangelho, a lamparina vermelha indicando o sacrário, a imagens do Coração de Jesus e de Maria Imaculada me apontam para o Mistério e me convidam ao silêncio. Silêncio externo e interior. Sinto necessidade de me ajoelhar ou sentar e permitir que esse silêncio penetre ao meu nó interior. Há pessoas que entram nas igrejas que estão no limite de seus sofrimentos e que precisam desses oásis de silêncio para chorar sua dor. Os templos precisam ser santuários do silêncio. As dores e os murmúrios do coração dos outros precisam ser levados em consideração. Como os jubilosos gritos de gratidão ali ecoam.
Às vezes me lembro de um autor português que dizia ter dificuldades aceitar os rostos tristes das imagens, principalmente de São Francisco. Concordo. Há imagens carrancudas. Gosto de me sentar no altar de Nossa Senhora e desfiar baixinho as contas do terço.
As igrejas sempre foram para mim espaços onde, de alguma forma, o céu se encontrava com a terra. Acho esplendorosa a liturgia da Dedicação de um Templo. Conheci uma igreja, quando tinha 15 anos, que muito me marcou. Aos domingos à tarde, perto de sessenta frades cantavam com vozes jovens as Vésperas com paramentos bonitos, incenso e órgão. Todas essas marcantes experiências se passavam no templo onde entrávamos em silêncio para preparar o coração e saíamos comentando, à meia voz, a experiência vivida.
Gosto de viver celebrações eucarísticas com participação de todos. Há tristes missas com cantos sem beleza sem a participação viva de todos. Sinto-me mal em celebrações com pessoas longe umas das outras, como no tempo do isolamento social. Mas tudo ganha seu esplendor quando se tem silêncio no coração e quando o silencio faz parte do “drama” que vivemos com nossa verdade mais íntima.
Está na hora de enfeitarmos nossos templos com a beleza e a eloquência muda do silêncio!!!
Reflexão quase em forma de poesia
IV. O AMOR NÃO PODE ACABAR
Primavera.
A terra está enfeitada de verde, tudo recende a frescor sob um céu dourado.
Percorremos a passos largos a terra toda, eu e tu, apostamos num futuro que nos esperava.
Pensarás em mim, tenho certeza, quando as flores estiverem se abrindo, quando a terra vier a ganhar novamente vida.
Costuma-se dizer que a morte é o fim de tudo.
Meu amor por ti nunca haverá de morrer.
Assim como o sol que aquece nossos corações, que este meu amor
num entardecer venha a te tocar quando eu tiver partido, quando estiveres sozinha e antes que a aurora tenha dispersado teus sonhos.
Verão.
Nunca me tinha dado conta que um pássaro pudesse cantar tão doce e tão claramente até o dia em que me disseram que era preciso te deixar por um tempo.
Nunca tinha visto um céu azul tão puro antes que tivesse sabido que eu não envelheceria a teu lado.
Prefiro de muito ter sido amado por ti do que ter vivido um milhão de verões sem nunca ter conhecido teu amor.
Juntos, eu e tu, lembrar-nos-emos dos dias e das noites, durante a eternidade.
Elisabeth Kübler-Ross
La mort, dernière etapa de croissance
Ed. du Rocher, 1994
Uma história que leva a pensar
V. “AINDA MAIS 10 MIL VIDAS!”
Uma historieta… há os que rejeitam mais 10 vidas e outros que, quando recebem a proposta, dançam de alegria.
Era uma vez um anjo. Este apareceu a um peregrino que labutava duro nos campos da vida, e disse-lhe:
– Recebi dos deuses a missão de lhe comunicar que você terá mais 10 mil vidas para viver.
O andarilho que durante anos a fio perseguira o sonho da vida eterna, desabou no chão desesperado e bradou:
– Oh, não! Mais 10 vidas ainda; mais 10 mil vidas ainda! – E pôs-se a lastimar e a rolar por terra.
Em seguida o anjo partiu em busca de outro peregrino. Encontrou-encurvado, fustigado pelo calor do dia, e repetiu a mesma mensagem:
– Recebi dos deuses a missão de lhe comunicar que você terá mais 10 mil vidas para viver.
– Sério? – o homem exclamou. – Ainda mais 10 mil vidas? – Então ele endireitou os ombros, atirou os braços para o alto, ergueu a cabeça e, radiante, começou a dançar e a saltitar, e a gritar empolgado, tomado da mais genuína alegria:
– Ainda mais 10 mil vidas! Ainda mais 10 mil vidas!
Citado por
Joan Chittister
O Livro da Felicidade
Vozes, p. 13
QUEM PUDER COMPREENDER QUE COMPREENDA E BOM ADVENTO…
Nesta edição
TIRANDO DO BAÚ COISAS NOVAS E VELHAS
Reinventar vida a cada dia
Edição de novembro de 2020
Amigos, estamos a colocar diante de seus olhos os textos de nossa revista eletrônica de novembro. Ano de 2020, tempo como nunca vivêramos antes. Um apagão. Em casa, isolados da presença dos outros, assediados por mensagens eletrônicas. Chegamos ao mês de novembro em que o mundo haverá de se recordar de tantos e tantas que largaram suas mãos de nossas mãos e partiram sem um beijo e um adeus.
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
freialmir@gmail.com