Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Maio 2020

Apresentação

TIRANDO DO BAÚ COISAS NOVAS E VELHAS

Reinventando a vida a cada dia

Edição de maio de  2020

 Amigas e amigos,  mais uma seleção de textos  novos e antigos  colocados nesta tela para que todos  possamos  reinventar a vida.  Neste tempo  estranho e dolorido do  “coronavírus”  será preciso tomar alento e ir  adiante. Tirar coisas novas e velhas… Pedimos a força do Espírito.

Frei  Almir  Ribeiro  Guimarães, OFM

freialmir@gmail.com

O Vento e o Fogo

Quando o Espírito a tudo impregna

 

No último dia de maio de 2020 comemoramos a solenidade do vento e do fogo. É a festa do Espírito. Alma da Igreja. Luz de todos. Deus misterioso.

Não é fácil discernir quem seja o Espírito. Ele é, propriamente falando, invisível, imprevisível, inacessível, incalculável. Não o temos nem perto, nem longe de nós. Curiosamente, o Espírito “brinca” com os gêneros: neutro em grego, feminino em hebraico e masculino nas línguas latinas. Ele se oculta atrás de seus dons. Por isso seu discernimento não é cômodo. Ele mantém “um espaço de não compreensão” a seu respeito. Como ousar tecer considerações a seu respeito? Podemos refletir, isto sim, a partir dos efeitos produzidos por sua ação. Na Igreja, observa-se a presença dos dons ativos chamados carismas. Sua importância é tal que já se disse que ou a Igreja viverá dos carismas, ou não será nada. O que é certo é que de forma alguma podemos abafar o Espírito.

O Espirito é movimento

Para exprimir a incessante movimentação do Espírito abundam as imagens bíblicas: vento, chama, água viva, pomba. O Espírito sopra, desarruma, dilata, recria, transforma, inspira. Podemos reagrupar o movimento do Espírito sob quatro ângulos:

O Espírito é ação – Aparece sob a forma de energia na criação ou de recriação no começo de todos os grandes começos históricos: preside os começos do universo (Gn 1,2); à concepção do Verbo encarnado (Lc 1,35); ao Batismo do Messias (Lc 3, 22); aos primeiros passos da Igreja (At 2 e 10). Paulo nos convida a entrar no dinamismo do Espírito: “Se vivemos do Espírito, caminhemos também sob seu impulso” (Gl 5,25).

O Espírito é liberdade – “Onde reina o Espírito do Senhor, ali há liberdade” (2Co 3, 17). Suscita a liberdade humana, sobretudo diante de leis alienantes. “Sopra onde quer” (Jo 3,8), em total liberdade. Impossível querer definir todos os espaços de sua presença. Convida a Igreja a se libertar de todo tipo de cerceamento opressivo: históricos, ideológicos, culturais e religiosos. Na medida em que a comunidade e libertada, ela se torna libertadora.

O Espírito é novidade – Costuma-se atribuir ao Espírito o excecional, o extraordinário. Ele parece não se habituar aos caminhos batidos. É força de vida nova, fonte inesgotável de criatividade, entra em conivência com toda novidade na medida em que esta torna mais viável a chegada do Reino. Por meio do Espírito a Igreja é instada a percorrer de caminhos inusitados, nunca antes pensados.

O Espírito como “sinal” – Esse termo comercial pode parecer estranho nesse contexto. Ele, no entanto, é empregado três vezes por Paulo para designar o Espírito (2Co 1,22; 5,5; Ef 1, 14). Significa que o Espírito se apresenta como antecipação do futuro último, acompanhando-nos no começo do fim. Ele nos coloca em movimento e tensão rumo à realização da história. Ele faz com que nos acostumemos a nosso destino final. O Espírito é garantia, seguro para o amanhã.

O Espírito é impregnação

Completando esta apresentação do Espírito como dinamismo, a Escritura nos oferece um conjunto de imagens que o apresentam como impregnação, interiorização, habitação. Pertencem a esse grupo de afirmações as evocações do óleo ou do Templo. Nessa ótica é que Agostinho pode falar do Espírito como alma da Igreja. Deus nos possui a partir do interior. Uma expressão resume esta perspectiva: somos “repletos” do Espírito Santo.

O Espírito é comunhão – Abolindo fronteiras e barreiras, o Espírito une e reúne. O relato de Pentecostes ilustra perfeitamente esta comunhão na diversidade. A diferença não é sentida como uma ameaça, mas como uma riqueza. Completamente possuída pelo Espírito, nele a comunidade encontra equilíbrio, saúde e alegria. “Esforçai-vos por conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4, 3). Se o Espírito não estiver presente, reconhece João Crisóstomo, a Igreja não poderia formar um todo consistente: a consistência da Igreja manifesta a presença do Espírito.

O Espírito é desejo – Derramando o amor de Deus em nossos corações (Rm 5,5), o Espírito fortalece nosso elã na direção da plenitude de Deus. Faz nosso desejo mergulhar no próprio desejo de Deus. Nossa sede espiritual encontra então as águas vivas.

O Espírito é memória – Todo o discurso depois da Ceia relatado no evangelho de João (14 a 17) ganha uma dimensão mais ampla quando lido na memória do Espírito. “O Espírito Santo que o Pai haverá de vos enviar, vos ensinará todas as coisas e vos trará à memória tudo quanto eu vos disse” (João 14,26). O Espírito atualiza no hoje de cada geração a presença de Jesus de Nazaré passando pela morte e ressuscitado pelo Pai. Graças ao Espírito podemos nos tornar filhos no Filho. A vinda de Cristo na proclamação da Escritura e na celebração sacramental realiza-se graças à invocação do Espírito, dita “epiclese”. Não existe oração eucarística sem esta invocação do Espírito sobre pessoas e dons.

O Espírito é verdade – Ele ajuda a Igreja a não aceitar qualquer ideologia. Verdade e fidelidade. O bispo de João Maria Vianney enviando-o a Ars não sabia se ele era inteligente. Sabia, no entanto, que era iluminado pelo Espírito Santo. Somente o Espírito pode levar o coração fiel a plenitude da Revelação ( cf. Jo 16,13). Ele anima a Tradição da Igreja e notadamente a Escritura, principais traços que manifestam a vida eclesial. Podemos confiar nele: ele não deixará a Igreja por longo tempo perder-se longe dos caminhos de Deus.

Cf. La foi des catholiques
Catéchèse fondamentale
Le Centurion, Paris, p. 567-571

É o Senhor que nos busca

Temos saudades do Senhor. Queremos, precisamos estar com ele. Sabemos que ele não está na estratosfera ou não sei onde. Está perto, tem que estar perto, tem que ser mais íntimo, como dizia Agostinho, a nós mesmo do que nós o somos. Sempre sofremos com a ausência do Amado. Seu silêncio nos incomoda. Sabemos que sempre haveremos de buscá-lo às apalpadelas, na névoa e na densa cerração. Nada nítido. Fé e nevoa. A esposa do Cântico dos Cântico dizia que estava “morrendo de amor”. Reclamava a presença do Amado.

No Apocalipse, a imagem do Amado que bate à porta refere-se ao Ressuscitado que diz: “Já estou chegando e batendo à porta. Se alguém ouvir minha voz e bater à porta, entrarei em sua casa e juntos faremos refeição” (Ap 3,20). O Amor não faz violência. Espera, bate, promete intimidade. Promete uma refeição olhos nos olhos. O Amor gosta de brincar de esconder. Exige ser buscado.

Num de seus escritos, Martin Buber, recolhe um conto:

“O neto do rabino Baruch, o menino Jehiel, certo dia brincava de esconder com um outro garoto. Escondia-se com cuidado e esperava que o companheiro o procurasse. Depois de longo tempo de espera deixava o esconderijo. Não se via o outro. O outro não vinha. Jehiel se deu conta que o outro nunca o procurava. Isso fez com que chorasse e se dirigisse ao quarto do avô e se queixou do seu mau companheiro de brincadeira. Então, os olhos do rabino Baruch se encheram de lágrimas e ele disse: “Assim diz Deus: Escondo-me. Ninguém me busca”.

Aquele que anda sempre em busca do homem espera ser procurado. Também durante a noite até que se possa ouvir o grito: “Eis que vem o esposo. Ide ao seu encontro (Mt 25,5).

Inspirado em: Elena Bosetti
L’incanto, il desiderio, la ricerca
Consecrazione e Servizio 3/ 2008, P. 29-34

Pedindo o Espírito

Dá-nos teu Espírito, Senhor:
Onde não há o Espírito surge o medo.
Onde não há o Espírito a rotina invade tudo
Onde não há o Espírito a esperança murcha.
Onde não há o Espírito não podemos nos reunir em teu nome.
Onde não há o Espírito, esquece-se o essencial;.
Onde não há o Espírito introduzem-se normas
Onde não há o Espírito não pode brotar a vida.
Dá-nos teu Espírito Senhor

F. Ulibarri

Ode às Mães

Sempre pensei que minha mãe fosse única no mundo. No íntimo de meu coração pensava assim: Ela sabe fazer tudo: costurar, comprar com orçamento modesto tudo de que necessitávamos para viver, acender e alimentar o fogão e a lareira, preparar a comida de cada dia, receber as pessoas, falar com graça e firmeza, escrever cartas difíceis, contar histórias, resolver problemas complicados tentando sempre até achar o resultado, adições, subtrações, multiplicações e divisões. Sabe sorrir para todos e todos consolar. A quem poderia eu compará-la? Ela é única e eu sou o felizardo de possuir esta maravilhosa mãe.

Com o andar do tempo a vida me ensinou uma lição de modéstia. Fez com que eu compreendesse que minha mãe não era a única a praticar todas essas belas virtudes que me encantavam, quando eu era pequeno. Com o tempo fui conhecendo as mães de colegas, vizinhos, de camaradas de escola, de meus amigos e fui obrigado a reconhecer que muitas outras mães eram, com certas diferenças e nuanças, comparáveis àquela mulher que me trouxera ao mundo. Esta lição de modéstia teve como acontece muitas vezes, um resultado paradoxal. Fiquei muito mais orgulhoso de mãe que eu tinha, orgulhoso também de todas as mães de minha pátria, muito orgulhoso de todas as mulheres corajosas que constituem a substância e a alma do povo do qual saí.

Georges Duhamel

As mãos daquela mulher...

Mais um tema da mãe, das mãos da mãe.

A senhora estava sentada no canto da sala. Robe azul claro, cabelos brancos, pantufas, livro de rezas e óculos colocados no parapeito da janela. E , respirando lentamente, cochilava, docemente, suavemente. As mãos, meio entreabertas, se apoiavam sobre as pernas, relaxadamente. O filho, já não tão jovem, fixou seu olhar nas mãos de sua mãe:

“Respeito e venero as mãos de minha velha mãe. Mãos limpas, mas mãos ásperas de varrer, de carpir, de trabalhar. Nunca foram cuidadas por manicures, nem se vestiram de luvas nos dias frios de inverno. A mãe usava um creme, um creme baratinho que comprava na farmacinha do bairro. Ficava com as mãos cheirosas particularmente aos domingos, dia de ir à missa e de visitar uma ou outra tia e tomar com ela uma xícara de café com leite. Sempre eu gostava de olhar a aliança, não tão brilhante, feita com pouco ouro, muito desgastada, única joia em suas mãos. Uma vez lhe deram um anel. Talvez tivesse até algum valor, mas minha mãe não quis usá-lo. Achava que destoava de suas mãos escurecidas e cheias das marcas do tempo. Vejo suas mãos separando os ingredientes para um bolo, mexendo tudo com uma colher de pau… ligeiramente, graciosamente. Mãos que me acariciavam, mãos com as mãos do pai, quando saiam os dois. Mãos abertas para dar. Mãos estendidas para ajudar.

E o filho lembrou-se de um poema de Cora Coralina que sabia mais ou menos de cor misturando os versos:

“Mãos que varreram e cozinharam.
Lavaram e estenderam
roupas nos varais.
Pouparam e remendaram.
Mãos domésticas e remendonas.

Minhas mãos doceiras…
Jamais ociosas.
Fecundas. Imensas e ocupadas.
Mãos laboriosas
Abertas sempre para dar, ajudar, unir, abençoar.