Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Maio 2018

MAIO 2018

O tempo voa. Já estamos quase no meio do ano de 2018. Maio? Mês das ladainhas de Nossa Senhora? Não mais. Maio, simplesmente maio. A vida continua. O que estamos fazendo de nossa vida? Não podemos desperdiçar o tempo da peregrinação errando um lado para outro. Cuidado para não ficarmos corcundas com tanto acesso ao celular e suas mensagens! Levando essas mensagens tantas para o nosso “liquidificador” interior o que sobra ou o que resulta?

Boa leitura!

Frei Almir Ribeiro Guimarães

I. PARA COMEÇO DE CONVERSA

O que lhe faz viver?

 

A crítica cinematográfica costuma saudar com muito entusiasmo os trabalhos de um cineasta sul-coreano chamado Hong Sang-Soo. Há tempos atrás apareceu nas telas um de seus filmes bastante apreciado “Na praia à noite sozinha”. Agora está sendo exibido outro: “O dia depois”. Um homem cansado das rotinas da vida, buscando o novo, procura envolvimento com outras mulheres. Na verdade não ama nenhuma delas. Trata-se de um homem de letras famoso. De mais nada somos informados. O filme, em preto e branco, mostra alguém vazio, fechado, estranho, egoísta, sem delicadeza interior, não enxergando o coração das pessoas. Os diálogos são extremamente interessantes. Quase sempre duros. Os atores muito colaboram para o sucesso do filme com invulgar talento.

Logo nas primeiras cenas, no café da manhã, a mulher do personagem central entra em cena e começa a fazer perguntas: Por que sair tão cedo? Por que está emagrecendo? Por que mal come? Está namorando alguém? O homem hesita, não encara a mulher. Hesita, nega, esquiva-se. Na realidade está envolvido com uma funcionária de sua loja-editora. Um desses romances muito quentes. Esta última desaparece. O “chefe” contrata uma outra.

Outro envolvimento, que também será descartado rudemente com a volta da funcionária anterior, amante do “chefe”. Ele descarta a precedente sem nenhum remorso. Num determinando momento do diálogo uma das amantes, sentada em face do homem, coloca uma pergunta simples e difícil de ser respondida: “O que lhe faz viver?” A esta pergunta todos precisamos responder. O que estamos fazendo do tempo de viver?

O que nos faz viver? Queremos viver porque somos seres humanos, homem ou mulher, vivemos com outros, dependemos de outros, prestamos serviços alegres aos outros. Não constituímos uma ilha. Existimos para a partilha e é na partilha e no relacionamento transparente e belo com os outros que pensamos encontrar qualquer coisa parecida com felicidade. Existimos para a esposa, para o esposo, para os filhos. Cuidamos de não nos possuirmos uns aos outros como coisas. Queremos ser profundamente pessoas de dom, sem posse. Talvez seja quase banal dizer que vivemos para o amor…

Nesse tempo que passa, nesse espaço entre o nascer e o morrer, queremos dar o melhor de nós mesmos. Trabalhamos não mecanicamente, não somente pelo lucro. A dedicação ao trabalho nos faz viver… escrever, plantar, cuidar do corpo e da mente das pessoas, incentivar pesquisas em todos os campos, trabalhar para que leis melhorem a condição de vida das pessoas. Não é apenas o gozo e interesse pequeno com nosso ego doentio que nos faz viver: viagens, lucros, prazeres pequenos. Sou um operário do mundo, nesse mundo globalizado. O que faz me viver não é querer que meu nome faça parte de relatos grandiosos, mas que digam que passamos a vida tentando melhorar o mundo.

Não queremos rolar pela vida, de perfume em perfume, de flor em flor. Sentimos uma saudade do Mistério. De onde viemos? Para onde vamos? Quem nos tirou do nada e colocou dentro de nós essa sede do Infinito? Será que podemos dizer que andamos essa Luz que clareia nossos passos.

Sabemos que somos seres dilacerados, rasgados, fissurados. Somos uma penca de contradições. No dizer de Pascal “caniço pensante”. Com Paulo dizemos: “Quem nos livrará deste corpo de morte?” Queremos o bem e fazemos o mal. Será que somos seres que buscamos esse Deus, esse Mistério, essa Fonte. Fomos criados por um Outro, por amor e no amor. Esse que nos amou primeiro e nos ama para sempre se fez um pedaço de gente em Jesus. O que nos faz viver seria essa vontade doida de nos configurar a esse Cristo? Ou será que isso é apenas uma teoria?

Uma das amantes do ilustre protagonista do filme pergunta queima roupa se ele acredita em Deus. Não há resposta.

O que nos faz viver? “Seja o mundo real ou sonhado, com Deus ou sem Deus, todas as hipóteses levam a um mundo nem de santos, nem de demônios. Somos mais seres levados por correntes, por acasos” (Inácio Araújo, crítico, Folha de São Paulo, 12 de abril de 2018, Ilustrada C5).

Acreditar que existe um amanhã para esse mundo e nosso mundo. Não perder a esperança. Sempre esses outros e esse Outro: “Ninguém está na origem de si mesmo, recebemos tudo de um outro, como tudo recebemos do Todo-Outro, nosso Pai em Jesus Cristo. É que o afirmamos quando confessamos Deus criador. Fomos criador por amor e para o amor. A cada um de nós cabe transmitir vida e amor, à imagem de Deus” (Arnaud Corbic).

O que realmente nos faz viver?

II. MEDITANDO E REZANDO

Frei Almir: Os mistérios que envolvem a oração

 

Belíssima página de Tertuliano (séc III) sobre a oração. Estas linhas nos tiram de desvios e nos fazem recuperar o gosto pelo diálogo com Deus, de coração a coração.

A oração é o sacrifício espiritual que aboliu os antigos sacrifícios. Que me importa a abundância dos vossos sacrifícios? – diz o Senhor. Estou farto de holocaustos de carneiros e da gordura de animais cevados; do sangue de touros, de cordeiros e de bodes, não me agrado. Quem vos pediu estas coisas? (Is 1, 11).

O Evangelho nos ensina o que pede o Senhor: Está chegando a hora, diz Ele, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade. Deus é espírito (Jo 4, 23.24), e por isso procura tais adoradores.

Nós somos verdadeiros adoradores e verdadeiros sacerdotes, quando, orando em espírito, oferecemos o sacrifício espiritual da oração, como oferenda digna e agradável a Deus, aquela que ele mesmo pediu e preparou.

Esta oferenda, apresentada de coração sincero, alimentada pela fé, preparada pela verdade, íntegra e inocente, casta e sem mancha, coroada pelo amor, é a que devemos levar ao altar de Deus, acompanhada pelo solene cortejo das boas obras, entre salmos e hinos; ela nos alcançará de Deus tudo o que pedimos.

Que poderia Deus negar à oração que procede do espírito e da verdade se Ele mesmo que assim exigiu? Todos nós lemos, ouvimos e acreditamos como são grandes os testemunhos de sua eficácia!

Nos tempos passados, a oração livrava do fogo, das feras e da fome; e no entanto ainda não havia recebido de Cristo toda a sua eficácia.

Quanto maior não será, portanto, a eficácia da oração cristã! Talvez não faça descer sobre as chamas o orvalho do Anjo, não feche a boca dos leões, não leve a refeição aos camponeses famintos, não impeça milagrosamente o sofrimento; mas vem em auxilio dos que suportam a dor com paciência, aumenta a graça aos que sofrem com fortaleza para que vejam com os olhos da fé a recompensa do Senhor, reservada aos que sofrem pelo nome de Deus.

Outrora a oração fazia vir pragas, derrotava os exércitos inimigos, impedia a chuva necessária. Agora, porém, a oração autêntica afasta a ira de Deus, vela pelo bem dos inimigos e roga pelos perseguidores. Será para admirar que faça cair do céu as águas, se conseguiu que de lá descessem as línguas de fogo? Só a oração vence a Deus. Mas Cristo não quis que ela servisse para fazer mal algum; quis antes que toda a eficácia que lhe deu fosse apenas para servir ao bem…

Consequentemente, ela não tem outra finalidade senão tirar do caminho da morte as almas dos defuntos, robustecer os fracos, curar os enfermos, libertar os possessos, abrir as portas das prisões, romper os grilhões dos inocentes. Ela perdoa os pecados, afasta as tentações, faz cessar as perseguições, reconforta os de ânimo abatido, enche de alegria os generosos, conduz os peregrinos, acalma as tempestades, detém os ladrões, dá alimento aos pobres, ensina os ricos, levanta os que caíram, sustenta os que vacilam, confirma os que estão em pé.

Oram todos os anjos, ora toda criatura. Oram à sua maneira os animais domésticos e as feras, que dobram os joelhos. Saindo de seus estábulos ou de suas tocas, levantam os olhos para o céu e não abrem a boca em vão, fazendo vibrar o ar com seus gritos. Mesmo as aves quando levantam voo, elevam-se para o céu e, em lugar de mãos, estendem as asas em forma de cruz, dizendo algo semelhante a uma prece.

Que dizer ainda a respeito da oração? O próprio Senhor também orou: a ele a honra e o poder pelos séculos dos séculos.

Liturgia das Horas II, p. 221-222, Cap. 28-29: CCL 1, 273-274.

III. CASAMENTO E FAMÍLIA

Que testemunho de amor conjugal podem oferecer os cristãos casados a outros casais?

 

Sabemos muito bem que nossos tempos não gostam de muitos discursos nem de longos “sermões”. Exemplos e testemunho colam melhor. A pergunta é a de se saber que luzes, que claridade casais que sejam verdadeiramente casais podem oferecer a outros casais. Ou, o que o mundo espera com testemunho de casais que se vestem do Evangelho. Testemunhos e não discursos.

Antes de tudo há o testemunho da simplicidade na vida de todos os dias. Simplicidade no falar, no modo de se vestir, nos contatos e relacionamentos, sem pose, sem verniz, numa delicadeza que se manifesta pela força da simples presença. Quanto menos “benzinho para lá e benzinho para cá”, melhor.

Um casal que como casal se faz presente na missa, em reuniões e encontros. Um casal que por sua postura dá a entender que são unidos nas diferenças. Um casal que passa a ideia de que os dois juntos são profundos amigos do Senhor. Amigos entre si e amigos do Senhor.

Um casal que sabe equilibrar conjugalidade com paternidade e maternidade. Amantes de verdade que exercem a paternidade e maternidade num saudável equilíbrio com um encantador amor a dois.

Um casal feliz de terem filhos, que amam de verdade, mas não os prendem. Casal que vigia com delicadeza e persistência esses que saíram de suas entranhas. Vigilância amorosa. Um casal que não se apossa dos filhos, não faz deles propriedade sua. Corrige-lhes a rota quando consumismo, vaidade e superficialidade tomam conta das preocupações e dos dias dos filhos. Ensinam os filhos a beleza do sacramento do matrimônio e a celebrá-lo com uma festa bela e belamente simples.

Um casal que suas exposições em cursos de noivos e em outros momentos fala com realismo, não doura a pílula. Diz a beleza e a verdade da vida a dois sem frases ocas soltas no ar. Verdade que não é romantismo enganador. Casal com uma fala verdadeira e feliz.

As pessoas precisam sentir que o casal é casal de verdade e não aparência de casal. Os dois vivem juntos no contentamento de uma infinidade de encontros. Vivem juntos na diferença. Vivem alegres mesmo com ocupações diferentes, mesmo distantes fisicamente por questões de trabalho e de doença.

Um casal testemunha seu amor conjugal cristão quando as pessoas de fora sentem que os dois não são apenas rotineiros praticantes da religião, mas dão a entender que estão buscando uma santidade de vida.

Casal, casal de verdade, mas que cuida dos pais doentes e envelhecidos e chega mesmo a recebê-los em sua casa quando não há outra alternativa. Casal que não se fecha no seu mundinho a dois, com passeios, jantarezinhos, os dois tão somente na missa dominical e ponto final.

Um casal cristão, sem melosidade no falar, dá a entender que os dois se amam na qualidade do amor de Cristo por sua Igreja.

Dão testemunho quando colocam como regra de suas vidas prestar atenção, nunca indiscretamente, na vida daqueles cujo casamento parece estar doente.

Um casal cristão dá um belo testemunho quando não desespera diante do negativo da vida: a chegada de um filho especial, situação de desemprego, doença.

IV. PASTORAL

Desafios pastorais a serem enfrentados pela Igreja em nossos tempos

 

Dioceses e paróquias, leigos, sacerdotes e agentes de pastoral, religiosos e religiosas haveremos de nos dedicar à pastoral e evangelização levando em consideração as transformações de nossos tempos. Diante de nós, desafios e provocações.

Salvador Valadez Fuentes, em seu livro Espiritualidade Pastoral – Como superar uma pastoral “sem alma”? (Paulinas, p. 173-174), oferece uma lista quase exaustiva dos problemas a serem enfrentados.

Diante da crise generalizada de civilização:

– a Igreja tem o desafio de oferecer motivações evangélicas, éticas, espirituais, para dar alento às sociedades e elementos e projetá-las para um futuro por construir.

Diante da cultura de morte que caracteriza o atual processo globalizador:

– a Igreja é desafiada a incentivar a cultura da vida, optando com radicalidade pela vida dos excluídos e da natureza.

Diante da atual crise planetária, em que a maioria dos humanos está aprisionada na angústia, no desespero e na falta de sentido:

– a Igreja tem o desafio de recriar a utopia e alimentar a esperança.

Diante da situação generalizada de exclusão, de miséria e pobreza das maiorias ante o monopólio escandaloso de bens por parte de alguns poucos:

– a Igreja tem o desafio indubitável de viver com radicalidade sua opção pelos pobres e impulsionar a cultura da solidariedade e da cooperação.

Diante da visão redutora do ser humano, considerado apenas um ser de necessidades, capaz de produzir e consumir:

– a Igreja tem o desafio de proclamar e defender o ser humano como um ser “à imagem de Deus”.

Diante de uma comunidade planetária, mas fragmentada, marcada pelo individualismo:

– somos desafiados a viver e difundir o valor essencial da comunhão.

Diante do culto ao “deus” mercado:

– a Igreja tem o desafio de erguer com força sua voz profética de denúncia contra o ídolo e de anunciar o Deus Único e Verdadeiro.

Diante da ética do ter, fundada nos valores da eficiência e da competitividade, que transforma tudo em mercadoria:

– a Igreja tem o desafio de propor a ética do ser.

Diante da situação política mundial, carente de significado, irrelevante e corrupta:

– a Igreja tem o desafio de unir esforços com todos aqueles que lutam para construir uma nova ordem e impulsionar a formação de uma sociedade civil, forte vigorosa, que assuma os rumos da história.

Diante dos estragos contra identidades locais e culturais, por causa de uma constante tendência à homogeneização cultural:

– a Igreja tem o desafio de promover a valorização e o respeito pelas diversas culturas, para fortalecê-las. Isto exige dela o rompimento com o autoritarismo, o dogmatismo, o patriarcalismo, o clericalismo, bem como o centralismo romano e outros tipos de centralismo. Somente se responder a esses desafios, a Igreja poderá ser verdadeiramente significativa.

Diante da crescente deterioração da natureza e da destruição do meio ambiente:

– a Igreja possui uma rica doutrina para conscientizar, apoiar e promover toda forma de iniciativas em favor da ecologia.

Diante da crescente consciência planetária:

– a Igreja tem a possibilidade de lhe dar sentido, a partir da Verdade do Evangelho: há um só Deus e Pai de todos e um destino comum: somos todos irmãos que se encaminham para a casa do Pai.

Diante da sede de pertença provocada pelo individualismo feroz e a fragmentação de grupos e comunidades:

– a Igreja tem o desafio de desenvolver modelos alternativos de convivência, criando espaços de autêntica comunhão.

Diante do enorme desafio de conseguir uma democracia planetária, que seja verdadeiramente social e participativa:

– a Igreja é desafiada a colocar a própria compreensão do ser humano como um ser de relações; assim como a concepção da sociedade como subjetividade coletiva, que deve se comprometer na busca do bem comum.

Diante da grande crise de valores pela qual passa a humanidade e a urgência de se estabelecer um código de conduta com validade universal que impõe o desafio de uma nova ética:

– a Igreja é desafiada a rever sua própria ética e a somar esforços aos daqueles que procuram criar uma ética global.

Diante do vazio existencial e da sede espiritual, gerados por um mundo materialista e tecnificado:

– a Igreja tem o desafio de difundir uma espiritualidade que facilite um reencontro com o sentido central da vida e da história.

V. O TEMA DAS MÃES

As mães enfeitam a face da Terra

 

Maio, mês das mães, e aqui simplesmente uma galeria de retratos de mãe. Isto é verdade verdadeira, elas sempre enfeitam a face da terra.

As mães são criaturas adoráveis, especialíssimas, sim quase sempre adoráveis. Aí estão elas, numerosas, apressadas, cuidando de mil tarefas antes de ir para o trabalho, antes que a noite chegue, antes que caia tonta de sono, antes de os filhos irem para a cama, antes de rezarem uma reza para a mãe de Jesus.

As mulheres ficam mais bonitas no tempo da gravidez. Até mesmo as que não são bonitas demais. Caminham devagar carregando um tesouro. Depois bem o abraço com o pimpolho que saiu de dentro dela. Cuidados e mais cuidados. Vacinas, papinhas, fraldas, mamadeiras, material para o jardim da infância, mochila e… tênis, roupa para as noites, festa de formatura…aparelho de barba, namoro, casamento e o ninho fica vazio. Há sempre, no entanto, um ponto de referência: a mãe, a mamãe.

Lá está aquela mãe. Mais parece uma menina. Dezesseis, dezessete anos. Está amamentando uma criança. Houve um envolvimento amoroso com um homem casado que dera à mocinha a ideia do aborto e de uma soma de dinheiro para tanto. A garota resistiu às insinuações de uns e de outros. Pena que a criança tenha nascido assim, fora do amor de verdade de um homem e de uma mulher, fora de um espaço que se chama família. Tomara que essa mãe-menina encontre um rapaz de valor que lhe queira bem e “adote” a criança que ela agora amamenta.

Aquela outra mulher é uma executiva. Resolveu ter dois filhos. Fez de tal sorte que um chegasse logo após o outro. Pouco tempo de intervalo. Não pode estar sempre perto dos filhos. Faz o que pode para se fazer presente em suas vidas. Procura estar com eles à noite, em torno à mesa. Ela e o marido, mesmo com atividades estressantes e ocupações absorventes, não delegam a ninguém a educação dos filhos. Estão presentes na vida dos filhos.

Ainda aquela outra mulher teve uma porção de filhos. Vive num bairro modesto da cidade. Teve uma tristeza muito grande anos atrás. Sua menina mais velha, quando vinha da escola, morreu numa dessas brigas de facções criminosas. Era uma menina de muito valor. Estava dando catequese na capela do morro, preparando crianças para a primeira comunhão. Mesmo cercada do marido e de muitos outros filhos a dor daquela mãe não tem tamanho.

Aquela outra mulher queria ter muitos filhos e não pode ter nenhum. Adotou duas meninas. Sua maternidade vem do coração. Uma vez crescida a menina mais velha casou-se e já lhe deu dois netos. A mais nova está fazendo enfermagem e vive com a mãe. Há sempre um belo almoço com todos no dia as mães. Normal que seja assim. Preito de gratidão.

Ainda uma cena protagonizada por mães. Era o primeiro filho do casal. Ao sair da maternidade marido e mulher e João Ricardo passaram pela igreja perto de sua casa. Os pais do menino foram até a Capela do Santíssimo e entregaram o dom que lhes tinha sido dado ao Deus de todos os dons.


O tema das mães

Os tempos mudaram. Nem todas as mães têm o avental sujo de ovo. Mas sempre são fontes da vida. Pessoas que alimentam os filhos com o oxigênio de seus pulmões, o sangue de suas veias, o leite do peito e atenções ao longo de todo o tempo da vida. Aquela que dá entre num eterno estado de maternidade.

Mãe, pessoa única, figura de toda grandeza e de toda beleza. Frágil e forte. Quantas vezes vemos essas figuras descarnadas das terras da miséria alimentando os filhos com a secura de seus peitos. Normal que sua data seja comemorada com alegria. Muitas vezes discursos e elogios às mães são exagerados, são marcados por sentimentalismo balofo, nem sempre dizendo a verdade.

Mãe que antes de tudo é esposa. Na sua caminhada encontrou uma pessoa especial que lhe roubou o coração. Ele e ela, marido e mulher, esposo e esposa se abrem ao mistério da vida. Aceitam alegremente o colocar filhos no mundo. Filhos que chegam do mistério da vida e do sonho do Altíssimo e são confiados aos dois.  A mãe apresenta o filho que saiu de suas entranhas ao pai. Deus empresta o tesouro de seus filhos aos pais da terra.

Maternidade não é fatalidade. É vocação. A decisão pela maternidade começa no útero de uma mulher. Aquele nadinha se instala ali. Precisa de alimentos, sais minerais, sangue, oxigênio, carinho, conversa, ternura. Depois que nasce… é a vida toda filho…cresce, vai à escola, enturma-se, fica conhecendo o mundo… vai e volta… namora, casa, separa-se. Uns desses meninos e meninas têm uma trajetória bonita e linear… outros são difíceis… mas lá está mãe que vai dando a vida pelos filhos que acabam de nascer, que sofreram um acidente, que andam pelas noites, que se drogam.. sempre a mãe. A vida inteira vai dando a vida pelos filhos sem querer possuí-los. Que não se tornem trapos humanos, vítimas de sociedade da mentira, sociedade consumista, matadora de sonhos e de utopias. Sociedade que usa os filhos de nossas famílias.

Mãe, aquela que sabe escutar, que sempre escuta, que adivinha antes que lhes digam o que nem sabem ou podem dizer. Aquela com quem se pode contar. Aquela a quem os filhos recorrem com toda confiança. Mesmo um filho de quarenta que se separa depois de um casamento tumultuado e desastroso encontra espaços largos no coração da mãe.

Mãe cristã, não apenas religiosa ou pessoa de rezas, mas mulher que foi se plasmando pela força do Evangelho da misericórdia, do serviço. Mulher de oração, de intimidade com Deus, mulher da qual os filhos se orgulham porque sabem que é confidente de Deus. Mulher que, delicadamente, apresenta os filhos ao Senhor que não impõe práticas religiosas, fazendo antes com que seus filhos se tornem límpidos por dentro em tenham sede de Deus, que consigam ter em seus semblantes os traços de Jesus.


A mulher e sua filharada

Uma mulher, mulher simples, com sua filharada.

O cronista encontra matéria para suas divagações simplesmente observando a vida à sua volta. As histórias acontecem nas coisas inesperadas do cotidiano. Um dia desses vi uma mulher de seus quarenta e poucos anos, forte, robusta. Chinelo de dedos, saia comprida com blusa solta. A cores da saia com a da blusa se desentendiam. Carregava uma bolsa, dessas bolsas de supermercado, cheia de coisas. Os filhos, os filhos todos à sua volta. A mulher, cabelo liso, corpo ainda jeitoso, dava ordens a uns e outros. Eram seis. Os meninos de bermudas e as meninas de saiotes e camisetas coloridas. Um dos mais novos que vinha atrás pinicava o nariz. A menina de tranças olhava para trás, observando uma mulher que puxava a filha pelo braço e a teimosa da menina se jogava no chão. A mãe e os filhos iam depressa. Não sei de onde vinham nem para onde iam. Não sei se marido tinha aquela mulher. Devia ter e devia ser uma pessoa muito orgulhosa da mulher e dos miúdos. Imaginei que fosse um homem bonito parecido com o guri mais velho com luminoso e escultural semblante. Uma mãe, uma mulher dessas mulheres belamente simples.

Lembrei-me de uns versos delicados e verdadeiros de Cora Coralina:

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca grossa
de chinelinha
e filharada.

Cena encantadora, essa da mãe com seus filhos, todos caminhando com decisão, para frente, não sei para onde… mas gente que vivia a vida, essa mulher de tantos filhos parecia mesmo a senhora do mundo.