Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Maio 2012

MAIO 2012

Reflexões em torno da oração como experiência de Deus

 

Na rubrica Leitura Espiritual, nesta nossa Revista Eletrônica, ao longo do ano de 2012, estamos refletindo sobre as fontes da vida espiritual.  Hoje queremos nos deter no tema da oração. Corremos o risco de  repetir o óbvio. Não existe vida espiritual sem cultivo de um relacionamento pessoal e comunitário com o Senhor. Não temos a pretensão de esgotar o assunto. Simplesmente fazemos  algumas reflexões que, esperamos, possam colocar em nós o desejo  da união com o Senhor. Estamos num tempo de redesenhamento, redimensionamento e revisão  da vida da Igreja, da vida consagrada, da pastoral e da evangelização. Desnecessário afirmar que  antes das novas configurações exteriores a serem escolhidas e implementadas será preciso a sinceridade de caminhar na presença do Altíssimo.  Nada mais importante do que nos situarmos de verdade e na verdade diante do Senhor.

I. LEITURA ESPIRITUAL

Dos que caminham na presença do Altíssimo

 

1. Não se pode imaginar um cristão que não tenha  “paixão” pelo dialogo pessoal e comunitário com o Senhor que é a oração.  Uma vida cristã ou religiosa sem oração não se sustenta.  De uma maneira muito feliz e extremamente  simples  João Paulo II, em sua Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, assim coloca o tema: “A grande tradição mística da Igreja, tanto no Oriente como no Ocidente, é bem elucidativa a respeito do tema  da oração, mostrando como ela pode progredir, sob a forma de um verdadeiro e próprio diálogo de amor, até tornar a pessoa  totalmente possuída pelo Amante divino, sensível ao toque do Espírito, abandonada filialmente no coração do Pai.  Experimenta-se então ao vivo a promessa de Cristo: ‘Aquele que me ama, será amado por meu Pai, e eu amá-lo-ei e manifestar-me-ei a ele’ (Jo 14,21).  Trata-se de um caminho sustentado completamente pela graça, que no entanto, requer grande empenho espiritual e conhece também dolorosas purificações, mas desemboca, de diversas formas possíveis, na alegria inexprimível  vivida pelos místicos como união esponsal” (n.33).  Estamos longe da oração maquinal, apenas repetição de fórmulas, seca, sem alma, sem desejo.  Tomás de Celano, falando da oração de Francisco de Assis, assim escreve: “Transformado não só em orante, mas na própria oração, unia a atenção e o afeto num único desejo que dirigia ao Senhor” (2Cel 95).  Não se trata de haver aqui e ali alguns “episódios” de oração, mas de alguém  ir se  tornado um orante que caminha galhardamente sob o olhar do Senhor na intempéries da vida.

2. A oração é esse desejo, essa decisão de procurar e buscar o Senhor em todas as circunstâncias da vida.  A oração é diálogo.  Antes, porém, escuta.  De manhã cedo, quando o sol levanta, muitos se reúnem para a oração da meditação e das Laudes: os salmos, a Palavra, o silêncio, a entrega, a contrição, o louvor que não cabe no coração. Leigos ou religiosos  se recolhem, preparam a chegada do Senhor, não tentam o Senhor com palavras ditas aos borbotões como se fossem expressões de oração. Alternam silêncio e palavra, grito do coração e espera da visita do Senhor.  Há  a Eucaristia. Nos domingos mais solenes.  Nos dias de semana, revestida  de beleza simples. Vidas que se entregam ao Senhor, vidas que ouvem a Palavra do Senhor, vidas que precisam desses espaços de silêncio e de intimidade. Vejo a senhora idosa ou o religioso doente desfiando serenamente as contas das ave-marias e meditando nos mistérios de Cristo e que são seus próprios mistérios.  Penso nesses momentos fugazes e densos em que dizemos com o coração: “Meu Jesus, misericórdia!” ou “Meu Deus e meu tudo!”  ou “Piedade de mim, Senhor, piedade de mim”.  Penso nessas pessoas que foram se acostumando a rezar com os salmos e que fizeram desses poemas sua oração.  Que bom quando conseguimos,  dia após a dia, na oração particular e pessoal, no ofício ou na missa,  perceber Cristo Jesus como que saltando dos versículos dos salmos. Na medida em que nos familiarizamos com essas preces, recitadas com o coração,  envoltas vezes muitas num manto  de silêncio,  quando rezamos os salmos,  Cristo se associa ao nosso rezar. Quem balbucia e salmodia é o Senhor.  Fazemos a doce experiência de que ele reza em nós e conosco. Fica difícil imaginar um discípulo de Jesus que não caminhe nesta direção.

3. Coisa tão simples: colocar-se em oração. Não se trata de dissertar sobre a oração mas de consagrar um tempo a Deus, para além da correria e evitando todas as escusas mentirosas.  Não há dúvida alguma: a oração é fundamental para o caminhar da vida interior. Ela preside e acompanha todo redimensionamento, todo redesenhamento e toda revisão.  Há um pensamento de Karl Rahner, o grande teólogo jesuíta do século passado, citado e transcrito incontáveis vezes, quase como seu testamento: “O homem religioso de amanhã será um místico, uma pessoa que experimentou alguma coisa, ou então não será um homem religioso, pois a religiosidade de amanhã  não depende de uma convicção pública e unânime”.  Cada vez fica mais claro que o futuro da fé depende de um cultivo da experiência pessoal de Deus e de sua presença inefável.  Sem experiência de Deus não haverá pessoas de fé.  José Pagola, refletindo sobre o tema da oração como experiência, ou simplesmente da experiência de Deus, afirma com acerto que antigamente bastava que o individuo não rompesse com a religião na qual nascera para ser um individuo religioso. Hoje não basta uma pertença passiva à Igreja e eu diria a uma Ordem;  não é suficiente a aceitação de normas nem a prática social de ritos. Não basta recitar o ofício da manhã, fazer o retiro anual. Pagola, retomando  H.U.von Balthasar, afirma que o indivíduo redescobrirá que “é um ser com um mistério em seu coração que é maior do ele mesmo”.  Não se trata de inventar comunidades emocionais onde o indivíduo se sente protegido das incertezas da época e  das intempéries religiosas fechando-se numa fé privada, individualista, sentimentalista. Experiência de Deus quer dizer, fundamentalmente, reconhecer a própria finitude e aceitar existir a partir dessa realidade que chamamos Deus. Aceitar com confiança, o Mistério que fundamenta nosso ser e “nele vivemos, nos movemos e existimos”  (At 17,28).

4. Sim aceitar com confiança o Mistério. “Esta confiança não é resultado de um raciocínio ou de uma convicção que nos chegaria de fora. Aquele que crê encara esta confiança como graça e presente de Deus. Nesta confiança está a fé, antes que o indivíduo se integre a uma religião ou Igreja determinada.  A pessoa “sabe” que não está sozinha e aceita viver desta luz obscura mas inconfundível de Deus. Esse Mistério encerra aquilo que mais profundamente deseja o coração.  O decisivo não é ver, mas ser visto; não é entender, mas ser conhecido; não é chamar, mas ser chamado; não é buscar, mas ser encontrado. Uma tal experiência permite ao homem entrar, de alguma maneira no Mistério de Deus. Não está em primeiro lugar o compreender, mas a certeza de ter sido tocado profundamente. O homem não elabora raciocínios, mas adora; não domina, mas é dominado”(José A. Pagola,  Testigos del mistério de Dios em la noche, in Sal Terrae, enero 2000, p 31).

5. Marcel Légaut, leigo francês que viveu no século passado, místico, dizia que não se pode fomentar um cristianismo de epiderme.  Pagola continua sua reflexão afirmando  não se pode efetivamente permanecer na superficialidade da fé, “cultivando um cristianismo sem interioridade nem experiência mística  que aparentemente oferece a segurança de um punhado de crenças práticas religiosas, mas que dispensa  as pessoas de adentrar-se num relacionamento vivo com a Realidade inefável de Deus. O prioritário não é transmitir doutrina, pregar a moral, ou alimentar uma prática religiosa, mas  tornar possível a experiência originária  dos primeiros discípulos que acolheram o Filho de Deus vivo encarnado em Jesus Cristo para nossa salvação.  Se não se operar uma continua renovação desta experiência, a pregação vai continuar repetindo a doutrina, a ação pastoral seguirá organizando o rito religioso, mas desaparece e se dilui a experiência mística original da qual  se origina a fé em Deus” (Idem, p. 31).

6. Não estamos aqui falando de uma oração alienada, sem compromisso com a realidade.  No documento acima mencionado  João Paulo II  deseja que nossas comunidades não sejam apenas feitas de pessoas que pedem.  “Nossas comunidades… devem tornar-se autênticas escolas de oração, onde o encontro com Cristo não se exprima apenas em pedidos de ajuda, mas também em ação de graças, louvor, adoração, contemplação, escuta, afetos da alma, até se chegar a um coração verdadeiramente “apaixonado”. Uma oração intensa, mas sem se afastar do compromisso na história: ao abrir o coração ao amor de Deus, aquela abre-o também ao amor dos irmãos, tornando-os, capazes de construir a história segundo o desígnio de Deus” (n.33).

7. Quem diz ter fé é alguém que reza. Quem não reza, não pode ter fé. A oração é antes de tudo desejo. Enzo Bianchi, monge da comunidade de Bose, na Itália, assim se exprime: “A oração é expressão de um desejo do Senhor e se não há desejo do Senhor –  não intelectual, mas existencial -, um desejo como este testemunhado pelo salmo:  “Meu Deus, meu Deus minha alma tem sede de vós… como terra sedenta e sem água” (Sl 62)  “Minha alma tem sede de Deus, e deseja o Deus vivo” (Sl 41), se não existe sede de Deus, um entranhado amor por Jesus, então não existe fé” ( Il presbítero e la preghiera, in Rivista del Clero Italiano  11/2011).

8. Esse balbuciar dos salmos em comunidade, essa entrega nossa e de Cristo na Eucaristia, esses dias de retiro que seja retiro, dão sentido à nossa vida, esses momentos de meditação sérios, esses momentos em que enxugamos as lágrimas de Cristo no rosto do irmão, são indispensáveis para não perdermos o sentido profundo da fé e para não realizarmos atos exteriores suspensos no vazio. Damos facilmente desculpas tentando explicar nossa negligência na oração. Dizemos que não temos tempo, que o tempo escapa de nossas mãos, que somos absorvidos pelas tarefas que precisamos executar.  Dizemos, nós sacerdotes, que nosso ministério é uma oração. Fernando Pessoa diz que ter tempo e não ter tempo para tudo.  Significa colocar ordem no tempo, criar prioridades.  Rezar é discernir. Saber distinguir e colocar também ordem dentro de nós.  Reza e reza bem aquele que nada antepõe a Cristo segundo a Regra de São Bento. Nessa certeza de caminhar sob olhar do Senhor, acolhendo os raios dessa presença-amor vamos sendo trabalhados interiormente. Sabemos que a oração é resultado de uma ação do Espírito que geme em nós.  Sem esta “unção”, a oração corre o risco de ser um mero discurso dos lábios.

9. A oração verdadeira requer esforço.  Não é uma atividade que acontece espontaneamente. Ela se situa na encruzilhada de um coração sedento e da vontade do Senhor se unir à criatura no Espírito que geme no coração do orante. Vale lembrar um apotegma  do abade Agatão:  “Alguns irmãos interrogaram o Abade Agatão, dizendo: “Qual é a virtude que exige maior esforço?”  Ele respondeu: “A mim me parece  que nada pede tanto esforço quanto o  rezar a Deus. Cada vez que o homem deseja rezar, os inimigos procuram impedi-lo. Sabem estes que aquele que reza não cai em suas mãos.  Qualquer obra que o homem venha a empreender, se nela perseverar, encontra repouso. Na questão da oração, no entanto, haverá de lutar até o ultimo suspiro”.

10. A  oração é uma espaço de gratuidade. Ela é fecunda quando alimentada pelo Espírito. Ela é ato de liberdade.  A oração não responde apenas a um sentimento de emoção, não é obsessiva busca de si, ou procura narcisista do estar bem consigo. Quem pratica a oração com assiduidade desde a juventude até a idade avançada  sabe que ela demanda empenho. Na fidelidade de todos os momentos, o orante se transforma em oração. No começo dessa experiência de Deus (a oração, com efeito, é uma experiência de Deus), o orante, muitas vezes,  vive alegria, sente doçura. Pode mesmo chegar a uma “quietude” interior.  Com o passar dos tempos, no frenesi dos trabalhos e atividades,  pode-se viver a aridez e a secura. E a pessoa foge da oração. Aquilo que parecia tão emocionante nos primeiros anos, essa oração que parecia produzir resultados imediatos e automáticos, não acontece mais.  Por que nosso coração não experimenta mais desejo de Deus? Por que não sabemos o que lhe dizer?  Aparece a tentação de acusar o silêncio de Deus e de que é inútil qualquer esforço para retomar  a vida de oração.  Digo bem, a vida de oração.  Há essa tentação de dizer que a oração e que a vida espiritual não servem para nada.  Não para colocar gestos religiosos vazios da fé no Deus que me vêm, me perscruta e conhece o meu deitar e o meu levantar.

11. Dietrich  Bonhoeffer  refletindo sobre a oração, escreve: “Aprender a rezar…  Aí está uma expressão contraditória.  Diremos antes: ou o nosso coração sobeja a tal ponto que naturalmente começa a rezar, ou, nunca aprenderá a rezar. Há um erro  muito perigoso entre os cristãos, e aliás muito difundido, que é pensar que o homem possa naturalmente rezar.  Tal significaria confundir o desejo, a esperança, o suspirar, o pranto, a alegria, tudo aquilo de que é capaz o nosso coração por si só, com a oração. Seria confundir a terra e o céu, o homem e Deus. Não, rezar não significa apenas abrir o próprio coração; quer dizer antes de tudo encontrar o caminho que leva a Deus, com o coração pleno ou vazio”  (Citado no artigo  de Bianchi mencionado, p. 732).

12. Assim  como os relacionamentos humanos exigem  assiduidade, diálogo, conversa e que  faltando tais elementos vem a reinar o mutismo, e a relação estiola e morre, de alguma forma o mesmo acontece com os relacionaemntos com Deus  mesmo se Deus, diferentemente dos relacionamentos humanos, nos precede, nos chama. Rezar não é buscar um certo estado de alma, mas um ato de fé. Rezar na secura e na aridez é também, de alguma forma, carregar a cruz. A oração requererá perseverança. Somente nessa perseverança se atinge a profundidade da fé.

13. Terminamos estas reflexões chamando a atenção para  Francisco de Assis como homem das profundezas, da profundidade. Éloi Leclerc  mostra como Francisco, no começo de sua conversão, sente necessidade de sair do epidérmico e do superficial.  Aos poucos vai se dirigindo para uma região de profundidade. “A partir desse dia (pouco antes de sua conversão, inaugura-se na vida de Francisco um período de silêncio. Uma necessidade imperiosa de silêncio toma conta dele. Procura afastar-se da agitação mundana e do mundo dos negócios.  Esforça-se, segundo a expressão de Tomás de Celano ‘por reter Jesus Cristo em seu interior’ (1Cel 6). A superfície do mundo tão cheia de brilho  não mais o atrai. Procura a profundidade de uma caverna ou a sombra de uma capela solitária nos campos. Lá acha o seu tesouro, diz ele. Passa aí horas a fio. Tornou-se um homem chamado pela profundidade”  (É. Leclerc, Francisco de Assis. Retonro ao Evangelho, Petrópolis, Vozes, p. 35 ).

Conclusão

Na realidade concluímos sem concluir.  Essa fonte de vida espiritual que é a oração continuará sendo objeto de nossa reflexão no próximo  Tirando do Baú ( mês de junho de 2012).  O tema é rico demais. Quem fracassar na arte da oração, terá fracassado na fé, levará uma vida epidérmica e não “entrará na tálamo nupcial”, da amada que é recebida pelo Amado. Aí está uma conclusão inconclusa.

A seguir

Frei Almir Ribeiro Guimarães

II. JANELA ABERTA

Essas mulheres chamadas mães

 

Nossa  “janela” de maio  se escancara para as mães, mães de todos os jeitos, mães que enfeitam a face da terra.  Maio é o mês das mães. Maio em que pensamos em nossas mães.

 

a)  Ação de graças pelas mães

Senhor Deus,

Colocamos diante de teu amor previdente e providente a vida de nossas mães.

Que nesse tempo de maio possa chegar até  teu coração esse hino de agradecimento que brota de nossos corações de filhos.

Graças te damos pelo seio que designaste que seria o espaço do começo de nossa vida.

Ali estivemos escondidos durante meses.

Fomos alimentados com o sangue, o ar, o leite, o carinho dessas mulheres que aprendemos a chamar de mães, matrizes, fontes de vida.

Nós te damos graças pelos cuidados que nos foram dispensados na infância, na adolescência e na juventude:  pela roupa lavada e cheirosa, pelo purê de batata, pelo macarrão com queijo e molho de tomate, pelo suco de laranja, pela moussede maracujá e pela cuca de banana.

Nós te damos graças pelas conversas que tivemos com a mãe, quando saíamos com ela, quando nos levava ao pediatra, ao “barbeiro”, ou simplesmente para um passeio no parque, quando ela nos fazia visitar a igreja, nossa paróquia, quando nos levava a visitar os avós e os tios.

Nós te damos pelas histórias que a mãe contava respeito da família, de sua infância, das coisas que ela viveu e tinha no coração, do cinema mudo, dos bailes, da banda que tocava no coreto da praça.

Sim, nós te damos graças de modo muito especial por essas conversas no tempo da adolescência e da juventude e pela xícara de café com leite que ela nos preparava quando voltávamos da escola, alguns dias o café  se fazia acompanhar de uma broa de fubá ou de um bolo de chocolate.

Nós te damos graças pela presença da mãe no dia da formatura com seu vestido azul com bolinhas brancas, seus sapatos de salto, sua bolsa azul marinho.

Nós  nos lembramos com carinho da figura da mãe  nos dias de Natal, nas comemorações dos aniversário, na festa de nosso casamento, nas conversar que tivemos para “salvar” nosso casamento. Nós te damos graças, Senhor, pela trajetória e pela história dessa mulher única da vida de cada um.

E, Senhor Deus, perdoa se temos no fundo do coração uma tristeza, a tristeza de não termos mais, perto de nós,  porque tu levaste a mãe que tivemos e que agora está assentada à mesa do banquete celeste  diante de teus olhos.

Que ela interceda por nós junto a ti, por nos que temos uma imensa saudade dela.

b)  A mãe do traficante

Dona Rosa, mãe de um homem de trinta anos, há 3 anos preso e tendo mais dois para cumprir, dizia mais ou menos o seguinte:

“Meu nome é Rosa.  Nasci a 23 de agosto, dia de Santa Rosa de Lima. Por isso ganhei esse nome tão bonito e que me orgulho de portar.  Foi minha mãe que o escolheu.  Sou conhecida na vizinhança como Rosinha.  Nos últimos tempos, bem nos últimos anos, as pessoas referindo-se a mim  simplesmente dizem:   “mãe do traficante”.

De um lado as pessoas me evitam… sem motivo… de outro lado,  sinto que sou objeto de piedade e de compaixão.  “Coitada da Rosinha…”.

Vivo há dez anos o pesadelo de ter um filho envolvido na questão do consumo e do tráfico de drogas.  Agora está na cadeia. Andou roubando muito e fazendo outras loucuras. Cumpre uma longa pena. O que me incomoda e  me faz sofrer é que seus “colegas” ou “comparsas”  estão soltos… Alguns sumiram do mapa. Parece que dois ou três deles, nossos  antigos vizinhos, tentaram entrar no presídio disfarçados de bombeiros hidráulicos para soltar meus filhos…  mas já de longe foram espantados pelos seguranças e desapareceram no meio do mato… Soube isso pelo radinho de pilha que tenho…

Meu  Deus, como tudo isso é triste! Lembro-me do tempo da gravidez do meu menino, do seu nascimento, meu menino esperto, bonito demais com olhos grandes e esverdeados. Chamava a atenção de todos. Era a cara do avô, meu pai. Esse meu filho que hoje é simplesmente chamado de traficante  tinha bochechas coradas, cabelos encaracolados feito um Menino Jesus de presépio, menino cheio de graça e boniteza.  Era uma graça quando ia dormir. Fechava os olhos, dizia uma oração, pedia água benta para fazer o sinal da cruz, me dava um beijo estalado e molhado e ia dormir e eu chorava de alegria só  de ver meu bonito menino.  Quando saímos, ele pedia moedinhas para dar aos pobres que fosse encontrando…  Perguntava a cada o nome e onde morava… uma doçura de criança.

Um dia a ventania começou a soprar… um dia… uma porção de dias, colegas, desculpem, uma porção de homens maus, de colegas que  não eram colegas, uma porção de homens de motocicletas e carros estranhos foram fazendo a cabeça de meu filho quando ele tinha entre quinze e dezesseis anos… Ai começou o inferno.  Poucos anos depois foi procurado pela polícia, preso e condenado.  Hoje, o meu filho, que tinha os cabelos parecidos com os cabelos do Menino Jesus, é  o preso traficante e eu sou a mãe do traficante.  Meu nome é Rosa, mas quase todos me chamam de Rosinha.  Hoje quase todos dizem “a mãe do traficante”.

Frei Almir Ribeiro Guimarães

III. CRÔNICA

Tema das portas

 

Bom seria se nossas casas não precisassem de portas. Ou ao menos que as portas não tivessem fechaduras, ferrolhos, correntes, segredos e senhas.  Bom seria se querendo visitar um amigo fôssemos acolhidos por um porteiro descontraído e não por alguém que desconfia de nós e  nos olha com visível preocupação. O mundo ficou complicado nas grandes cidades. As pessoas começam a se enclausurar em seus apartamentos com medo de morrer, de serem assaltadas, com medo dos outros, com medo da convivência, cada um em seu mundo.  Se nossas casas  pudessem ter portas abertas seria um modo de dizer a outros que lá na cozinha, na copa, no quintal há lugar para eles… sobretudo quando precisassem de um ombro para chorar suas dores. A porta aberta seria um convite  para que as pessoas chegassem, entrassem,  tecessem o tecido da comunhão.  “Passei por aqui, vi as janelas com as cortinas balouçantes e as portas abertas, fui à padaria comprei este cuca coberta com canela e açúcar e vim aqui para a gente tomar um café, comer um pedaço de cuca e esquentar o coração”

Quantas portas…. portas das casas antigas, em madeira trabalhada, portas enceradas, ou tratadas com óleo de peroba… com uma guirlanda no tempo do Natal e um ramo de cipreste no domingo das palmas.  Vejo esta casa simples no interior, talvez com uma porta feita de madeira de caixotes e fechada com uma tramela…   Pensei em nossas portas, nas portas de nossas casas.  Na porta do convento, na porta da prisão, na porta da cidade.  Perto da porta de entrada, em nossas casas há os que colocam uma imagem do Coração de Jesus. As pessoas, antes de sair de casa, perto da porta da rua, param diante da porta aberta do Coração do Mestre.

Há a porta do quarto do avô, quarto que fica no fundo da casa, porta que precisa ficar meio entreaberta  para que todos possam escutar um pedido de socorro ou  ter a alegria de perceber seu ressonar suave e tranquilo.  Ele dormiu e esqueceu de desligar o rádio.

A mulher entra para a sala da maternidade. O médico e as enfermeiras chegam. O marido e alguns familiares permanecem na sala de espera… Aguardando o resultado e, depois de um tempo razoável,  a enfermeira chega toda de branco  à porta, por detrás do vidro e mostra uma menina berrando com toda força. Ela vai se chamar Rafaela e nasceu com três quilos e meio. Nasceu no dia dos arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael.

Há a porta do local de trabalho… Quantas vezes Helena, a contadora, passou por aquela porta. Dias houve em que entrava sorridente, outros,  preocupada com a filha mais nova que estava com febre. Outras vezes ainda quando passava pela porta via a mesa do chefe… chefe que, diziam, estava disposto a reduzir o efetivo da firma pela metade.   Helena contempla a porta, mas antes de virar o trinco, reza  prece ao Espírito  Santo. Espera  ainda entrar e sair por esta porta por muito tempo,  nesse espaço onde ganha o pão nosso de todos os dias fazendo planilhas e não sei que mais.  Sempre em função da família, do casamento, dos filhos…

Há as portas do metrô. As pessoas estão amontoadas nas horas de “pico” e o condutor reclama que ninguém impeça as portas de serem fechadas.  Quando  as portas são bloqueadas todo o sistema fica prejudicado. E o condutor ou a condutora suplicam que deixem que as portas se fechem… que mochilas e pacotes  não fiquem presos nas portas.

Infelizmente, algumas portas vão se fechando na vida das pessoas.  Pena!  Depois de um desentendimento, amigos que se visitavam e se estimavam evitam passar pelas portas de antigamente.  Há mesmo situações em que alguém bate à porta em nosso rosto…  Há portas que se abrem para os jovens que chegam e para  alguns adultos talentosos. Um jovem pianista é convidado a dar concertos nas grandes capitais da  Europa.  O melhor estudante de Física de uma faculdade já tem assento garantido numa grande empresa.  Para alguns, as portas se abrem.  Para outros, elas se  fecham, pela doença, pela idade avançada, pelo desânimo.  Aquele que sofreu um sério acidente e não pode mais andar, o outro que já está com sessenta e tantos anos,  o homem infeliz em seu casamento e em sua vida que não tem coragem de reagir e é visto como… um fracassado.

Há as portas do templo, da igreja. O homem dos salmos experimentava uma imensa alegria quando estava  diante dos umbrais da casa do Senhor. O Evangelho nos diz que a porta que leva  à vida não é larga, mas estreita. Não é com facilidades que entramos na vida, mas nos curvando para podermos passar pela estreiteza de uma porta. No livro do Apocalipse, Deus pede hospedagem em nosso coração e quer que o acolhamos. “Já estou chegando e batendo à porta. E alguém  ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, e juntos faremos a refeição” (Ap 3, 20).  A porta da casa do filho pródigo estava aberta para ele. O pai o esperava de volta à soleira da casa. Não são aqueles que dizem  “Senhor, Senhor…” que passam pelas portas das paragens eternas… mas o que fazem a vontade do Pai.

Sonhamos com um tempo em que as pessoas possam ser mais hospitaleiras e corteses, mais acolhedoras e dadivosas umas para com as outras. Que as portas de nossos corações acolham os pedintes de uma palavra, de uma ternura, de um olhar. E que quando quiser o Senhor empurre a porta de nosso coração e tome conta de  nossa casa.

Frei Almir Ribeiro Guimarães

IV. E A FAMÍLIA, COMO VAI?

A força da oração do casal e da família

 

Precisamos de famílias sólidas, novas, famílias que inventem uma maneira nova de viver  no seio dessa comunidade de pessoas que é também Igreja doméstica. Em família não se reza por rezar, mas porque existe uma fome do Altíssimo.

 

1. Todos estamos convencidos de que o casal e a família necessitam de atenções e de cuidados humanos e pastorais  urgentes, inadiáveis e persistentes. Não é agora o momento de refletir sobre toda a problemática em redor deste tema.  Ficamos muito preocupados em ver que, em muitas paróquias, não se consegue desenvolver uma pastoral familiar de verdade. Somos cristãos, somos casais e famílias cristãs e é fundamental que a oração venha a ocupar um lugar importante na agenda de nossos casais e de nossas famílias. Ficamos encantados com casais e famílias de oração. Há uma força toda especial na oração do casal e da família.

2. Um homem e uma mulher… duas histórias, duas trajetórias, duas vidas que se encontram, dois destinos que se entrelaçam. Um escolhe o outro. Um toma a decisão de fazer uma caminhada  com esta pessoa bem determinada…  Imaginamos aqui  um rapaz e uma moça que sejam cristãos. Não apenas de missa dominical frequente ou esporádica. Pensamos em jovens que, desde a sua adolescência, convivem com o Senhor, pessoas que fazem experiências de grupos onde  se escuta a Palavra, onde se rezam os salmos, onde seus membros adquirem o hábito de dias de recolhimento.  Desculpem, sei que estou idealizando. Mas para falar da força da oração do casal  será preciso que esse mesmo casal já tenha  um passado de intimidade com o Senhor, uma “folha corrida”. Não se chega a uma densa oração da noite para o dia.

3. Imagino um casal  que, na véspera de seu casamento religioso, participa de uma missa,  recolhe-se na igreja e entrega sua vida a Deus.  Que força teria esta oração!  Muitos que se casam, mesmo no religioso,  não  estão  “ligados” ao Senhor. Penso aqui num casal de fé que escolhe padrinhos de vida humana e cristã  densas. Penso num casal que vive  com toda verdade a celebração do sacramento: maridos amarão suas mulheres na força de Cristo, os que se casam são sinais e sacramentos do amor de Cristo pela Igreja.  No amor dos que se casam se insere e se inscreve a presença do Ressuscitado. Quando Cristo ressuscitado se “instala” na vida do casal  não é possível não haver oração conjugal.  Que força ela tem!

4. Esses que se unem no Senhor, constituem a Igreja doméstica. Eles se abrem para o mistério da vida, para a chegada dos filhos. São colaboradores da obra do Criador. São administradores da vida e defensores dela. Colocam crianças no mundo. Tremem diante da responsabilidade. Sabem perfeitamente que precisarão apresentar seus filhos ao Senhor Jesus. Pedindo para eles, os sacramentos da Igreja, os pais, têm consciência de sua missão de primeiros e fundamentais catequistas dos filhos. Um casal que tem apenas um verniz de fé dificilmente poderá realizar sua missão a contento. Sim, os pais cristãos sabem perfeitamente que o futuro de seus filhos no campo da fé depende em boa parte do modo que eles, pais,  iniciam os filhos nesse belo universo da fé cristã. Sabemos todos que isso é tarefa árdua porque muitos esposos estão fragilizados em seu perfil humano e cristão, sabemos que os filhos encontram na internet, nos meios eletrônicos e no ar que respiram  outros atrativos. Com tudo isso que vem acontecendo parece fundamental pensar numa séria e densa pastoral de acompanhamento dos casais.  Não basta apenas um encontro, um evento pastoral  ocasional.  Necessário que o casal se solidifique.

5. Não padece dúvida:  a oração conjugal e familiar, nesse contexto, é de fundamental importância.  Oração não é apenas um movimentar dos lábios. É questão de enamoramento entre o ser humano e o Senhor.  Oração é entrega, é apresentação de nossa fragilidade ao Deus da força e do amor sem limites.  Oração é o grito de um pobre que  precisa estar suspenso ao Senhor.  A oração não é apenas uma ladainha enfadonha de pedidos de coisas que nós mesmos temos que conseguir.  A oração é abandono, entrega, admiração, encantamento, pedido de socorro.  Desde a nossa infância vamos tentando estabelecer com o Senhor esse diálogo amoroso. Importante que ele não se interrompa. Importante que o coração dos orantes seja humilde. Importante que essa oração não seja um mero papaguear dos lábios e aconteça apenas em alguns  momentos de aflição do casal e da família.

6. Vamos agora esmiuçar alguns  momentos concretos de oração do casal e da família:

• Muitas vezes, o casal precisa ter momentos de oração a dois. Num canto da casa, no quarto.  Uns momentos de silêncio, uma invocação do Espírito Santo, um trecho da Escritura, curto e denso, uns momentos de silêncio, um salmo, a entrega da vida a dois a Deus. E o casal se coloca no seio de Deus.  Ou melhor dizendo: o Senhor se torna hóspede de seu relacionamento conjugal.

• Há a oração familiar. De preferência com todos.  Se não for diária, ao menos frequente.  À noite ou em torno à mesa.  Uma família cristã que não reza está dando o seu atestado de fracasso. Momentos de silêncio, também uma Palavra. Preces espontâneas.  Os filhos crescem quando vêm que seus pais colocam sua vida diante do Senhor. Nada de oração demorada, mas densa e que encha de profunda alegria os orantes.

• Importante a missa do casal e da família. A missa de domingo poderia ser preparada em casa, em família ou ao menos em casal.  Escolher o melhor horário do domingo. Viver a missa com toda verdade de cristão e de casal.  Que força!   Tomara que as equipes de liturgia não atrapalhem esta oração com agitação demasiada.

• Tenho sempre em mente alguns casais que conheci e que tinham  hábito da missa cotidiana. Penso que a participação em missas de semana pode fazer com que o casal cresça e tenha mais força.

• Penso ainda na oração de súplica, acompanhada de gemidos e dor.  Há mulheres que precisam ter a coragem de  perdoar um marido infiel.  Há pais perplexos diante das loucuras dos filhos:  filha que se junta a um homem casado,  filhos que colocam filhos no mundo antes da hora,  filhos que se tornam rebeldes, saem de casa.  Marido e mulher   intensificam sua oração,  fazem penitências, e  com lágrimas se apresentam a Deus pedindo sua força e suas luzes. Esta é uma oração cheia de força.

• Penso ainda em casais, e eventualmente famílias, que uma vez ou outra, durante a semana, visitam o Santíssimo Sacramento para louvá-lo e  mostrarem desejo de unir-se a ele.

7. A oração é um gesto gratuito.  Não visa interesse.  Nesses milhares de apartamentos e de casais sobem a Deus a prece pessoas que sentem frágeis para seguirem o Senhor Jesus até o fim. Dessas residências chega até o  Altíssimo esse grito de socorro.  Que bom  se nossas famílias venham a suplicar  a força do Senhor para  que seus membros sejam fortes da na fé.

Frei Almir Ribeiro Guimarães

V. UM CERTO FRANCISCO DE ASSIS

Francisco se encontra com o crucificado

 

Francisco, o homem de Assis, foi tocado pelo mistério de Deus e pelo esplendor de Cristo despojado e pobre. Sentiu-se chamado a um seguimento intenso do Senhor Jesus. Nada estava claro no começo do apelo divino.  Aos poucos, Francisco foi discernindo a vontade de Deus a seu respeito.  Houve um encontro particularmente importante em sua vida.  Este se deu na igrejinha de São Damião. Francisco teve nitidíssima certeza de que o Crucifixo bizantino daquela capela lhe dizia alguma: “Francisco vai e repara a  minha igreja que, como vês está em ruínas”.  Será que a vocação de Francisco poderia ser descrita como a de um pedreiro que reconstruiria as igrejinhas em ruína?  Ou se deveria pensar maior?

 

1. Nós, franciscanos, temos um carinho todo especial por uma capelinha consagrada a São Damião que ficava fora dos muros da antiga cidade de Assis. Muitos acontecimentos queridos de nossa  história franciscana ali se deram. O mais importante de todos, sem dúvida, foi que ali viveram Clara e suas irmãs uma aventura espiritual esplendorosa. Falar em São Damião, para a alma franciscana, é  deixar que o coração fale e se deliciar com tudo aquilo que ali se passou. Nessa capelinha, em ruínas, dedicada a São Damião, companheiro de São Cosme, havia um crucifixo bizantino dos olhos negros e profundos que hoje se encontra proto-mosteiro de Santa Clara, dentro dos muros da cidade. A capela, com efeito, estava em ruínas.  Francisco, neste momento, já estava vivendo uma transformação. Passa a usar uma roupa diferente.  Vai discernindo a vontade de Deus. Os biógrafos assim descrevem o episódio que se passou na  igrejinha de São Damião. “Transcorridos poucos dias, estando ele a andar nas proximidades da igreja de São Damião foi-lhe dito em espírito que entrasse na mesma para a oração. Entrou nela e começou a rezar com fervor diante de uma imagem do Crucificado que piedosa e benignamente lhe falou, dizendo:  ‘Francisco não vês que minha casa está destruída?  Vai, portanto, e restaura para mim’. Tremendo e admirando-se, ele diz: “Vou fazê-lo de boa vontade, Senhor”. Ele entendeu que lhe fora dito daquela igreja que por causa de sua extrema antiguidade, ameaçava uma ruína próxima. Por causa desta palavra que lhe fora dita, ficou repleto de tanto júbilo e iluminado de tanta luz  que na sua alma sentiu verdadeiramente que fora o Crucificado quem lhe falara” (Três Companheiros  13, 6-10).

2. Francisco estava nos arredores e  entra na capelinha. De fato, estava em ruínas. Havia poeira, falta de limpeza.  Lá no fundo o Crucificado com seu olhar sereno e negro e Francisco alguém que estava buscando clarear o seu caminho. O Poverello é um ser em trabalhos de parto para saber o que Deus quer efetivamente dele. A oração que Francisco faz só pode ser essa: “Iluminai as trevas de minha alma, dai-me um fé íntegra uma esperança firme e uma caridade perfeita para que eu possa conhecer a vossa vontade”.  Francisco deve, pois, ter se sentado no chão e passou a contemplar aquela imagem de Cristo diferente de outras. Era um Cristo cheio de paz, como que descansando, de pé, na cruz, aqueles olhos profundos e perto da coxa um galinho que lembrava o galo que cantou três vezes por ocasião da negação de Pedro.  Francisco, por um tempo, mergulha na oração. Há essa mensagem que lhe chega:  “Francisco, vai e restaura a minha igreja que, como tu vês, está caindo as pedaços”.

3. Durante um tempo, Francisco leva vida de pedreiro. Pede ajuda. Sobe a um muro e diz que um dia, no futuro, naquele lugar, haveriam de morar mulheres santas que honrariam a Igreja. Fazia ele a profecia da instalação naqueles espaços, mais tarde, de Clara e de suas irmãs, das irmãs pobres de São Damião.  Francisco leva vida de pedreiro e apressa-se em dar ao padre do lugar uma igrejinha, refeita e bonita.

4. Quando vemos Francisco ali, aos pés do belo Crucificado, vemos o amante procurando o amado. O homem buscando o Cristo, nessa vontade de comunhão, de agradecimento sem limites pela cruz, pela morte de cruz, pelo dom. Francisco amará o Senhor do presépio simples e chegando à cruz  despojada, passando pela Eucaristia tão rica de simplicidade.   Francisco vai crescendo no amor desse  Cristo que vai ocupar todo o espaço de seu coração, de sua vida, de suas preocupações. Pe. Fernando Felix Lopes escreve a respeito dos expedientes de Francisco para conseguir pedras para a restauração de São Damião. “Foi-se, pois,  à cidade e pelas praças e ruas e começou a cantar os louvores de Deus, ébrio que andava do espírito do Senhor. E, ao fim, lembrava a pequenina igreja de São Damião precisada de restauro, e rematava a cantilena  devota com o estribilho: “Quem me der  uma pedra, terá uma recompensa;  quem me der duas, duas terá também; e quem me der três, outras tantas recompensas há de ter”. E em palavras singelas desfiava o seu pedido. Ser simples e escolher a Deus, em todas as circunstâncias se  apresentaria simples. Houve ainda quem dele se mofasse e o tratasse de doido; mas outros ao pensar na vida em que fora criado com tantos mimos e luxos, enterneciam-se até às lágrimas, ao vê-lo assim feito pobre  em tanta embriaguez de amor divino”  ( O Poverello, p.65).

5. Aos poucos, Francisco e seus primeiros irmãos compreenderam, com toda humildade, sem soberba, que se tratava de reformar a grande Igreja, que andava meio abandonada. O clero não tinha muita  instrução. Os fiéis andavam  meio desorientados. Faltava-lhe a força do Evangelho, a seiva do Evangelho.  Surgiam aqui e ali  movimentos evangélicos de cunho penitencial e sentia-se a esposa de Cristo, a Igreja, se vestia de roupas novas.  Francisco e os seus foram compreendendo que não se tratava de serem pedreiros, mas reconstrutores da grande Igreja por meio de uma vida evangélica, profundamente fraterna,  ocupando-se dos mais abandonados… Mas isso vem mais tarde.  Agora, nesse momento preciso tratava-se de restaurar esta igreja e ainda outras, como seria o caso da Porciúncula. Por enquanto, eles podiam tentar absorver o espírito das bem-aventuranças, viver sem complicação, pessoas que não se consideram superioras aos outros.  Os franciscanos sabem disto: levando a sério sua opção ajudam a construir uma Igreja forte. Foi esse o pedido do Crucifixo de São Damião a Francisco e aos que desejam ser irmãos de Francisco.

Para continuar a reflexão

2Celano  10 :  O Crucificado fala a Francisco

Para reflexão em grupo

1. O que mais chama sua atenção nesse texto de estudo?
2. O que significa restaurar a  Igreja hoje?

Frei Almir Ribeiro Guimarães