Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Junho 2013

JUNHO 2013

Mês após mês temos a preocupação de tirar do baú de nossa tradição,  da tradição da Igreja e do franciscanismo  coisas novas e velhas.  Neste número vamos refletir sobre a urgência de buscar a aquietação interior e o silêncio.  Nada mais oportuno do que tentar melhor compreender o que vem a ser a “nova evangelização”.  Lembramos mais uma vez a necessidade de que a família seja a primeira educadora dos filhos.  Aos catequistas apresentamos alguns traços espirituais de seu perfil. Franciscanos e amigos de São Francisco  encontrarão texto sobre o “viver segundo o santo Evangelho”.

Frei Almir Ribeiro Guimarães
freialmir@gmail.com

I. LEITURA ESPIRITUAL

Reencontrar o templo do silêncio interior

 

Tenta encontrar o caminho do interior, até o centro do coração, ali onde o homem despertando para si, desperta para Deus

(Henri Le Saux, monge beneditino)

 

Não dá mais para viver na superficialidade das coisas. Chegou a hora de reencontrar o caminho do interior, do silêncio eloquente. Andar lentamente, caminhar, fechar os olhos, deixar a beleza nos penetrar: beleza de um salmo recitado lentamente, beleza de uma música que vai até o fundo, beleza de horas de silêncio. Não suportamos mais gritos e berros,  baterias e atabaques, zoada e barulheira perturbadora. Barulho de nosso ego, desse mundo inquieto que fabricamos para nós mesmos. Temos saudade de ouvir o correr suave do regato sobre as pedras do ribeiro, de escutar a brisa que baloiça as roseiras e as azaleias e nos dar conta de um murmúrio dentro de nós. Seria o farfalhar do Espírito?

Lá está no canto da sala a senhora dos cabelos brancos e olhos azuis,  na penumbra da sala, quieta, profundamente quieta, pensando na vida toda que viveu, agradecendo a presença do Senhor no mistério daquele silêncio de fim de tarde. Uma suave presença. Uma mulher habitada. Ela encontrou o caminho do interior.

Elas deslizam pelos corredores dos mosteiros. Ouviram o sino chamando para a oração. Elas, essas contemplativas, levantaram às 5h… Caminham suavemente pelos corredores do mosteiro na manhã fria.  Entram na capela, prostram-se diante do Santíssimo. O máximo de ruído que se escuta é o crepitar da vela que fora acesa para a recitação das  Laudes. Antes de começar a salmodia, há o silêncio. Olhos fechados, corpo sereno, mente acalmada. As portas do coração das religiosas estão abertas para ouvir Aquele que fala no silêncio. E cantam os hinos, cantam os salmos, misturam aleluias, mesclam tudo com longos momentos de silêncio.  Fala a letra do salmo. Fala o silêncio no asterisco do salmo. E como fala!!! Há silêncio dos sons externos… Mas há antes de tudo esse silêncio do esvaziamento. E a mulher que sai da capela, depois da Laudes e da Missa é pessoa vestida de silêncio, grávida do Deus que fala no silêncio.

“Conquista a paz interior e milhares à tua volta serão salvos” (São Serafim de Sarov –  1759-1833)

O encontro do homem com Deus conjuga duas realidades percebidas sempre em tensão na experiência humana: a palavra e o silêncio. Guardini: “A palavra é uma das formas fundamentais da vida humana. A outra forma é o silêncio, que é também um grande mistério… As duas realidades constituem uma só. Falar significativamente pode somente aquele que também pode calar. De outra forma, nada mais acontece senão um cacarejar. Calar significativamente pode somente aquele que sabe falar. De outra forma é um mudo. Nesses dois mistérios, no calar e no falar, vive o homem. A essência do homem se faz na união dos dois mistérios”.

Jean Guitton: “Há um silêncio que é um elemento primordial sobre o qual a palavra desliza e se move como o cisne na água. Para ouvir a palavra convém criar dentro de nós este lago sereno. Depois de ter ouvido, deixar que as ondas concêntricas da palavra se propaguem, se atenuem e morram no silêncio. A palavra vem do silêncio e ao silêncio retorna”.

Não se chega à verdade por um acúmulo de noções, de palavras, mas  por meio da capacidade de discernir a realidade. Nos escritos de um Padre da Igreja lemos: “Se amas a verdade, sê amante do silêncio. Este fará com que resplandeças em Deus como o sol, e te afastará das ilusões da ignorância” (Isaque de Nínive).

Quanto ao silêncio de Deus, escreve Simone Weil: “As criaturas falam com os sons. A palavra de Deus é silêncio. A secreta palavra do amor de Deus não pode ser outra senão o silêncio. Cristo é o silêncio de Deus. Não há árvore semelhante à arvore da cruz; não há harmonia semelhante ao silêncio de Deus (…).  Quando o silêncio de Deus penetra em nossa alma, abre-se uma passagem que atinge o silêncio que há em nós. Nesse momento temos em Deus nosso tesouro e nosso coração e o espaço que se abre diante de nós como um fruto que se separa em dois porque vemos o universo a partir de um ponto situado fora do espaço. Para esta operação existem somente dois caminhos possíveis e não outros, dois fios capazes de penetrar em nossa alma: a desventura e a beleza”.

Felizes aqueles que colocam a Palavra de Deus no silêncio de suas vidas…

II. JANELA ABERTA

Desafios da nova evangelização

 

Como discípulos de Jesus, não temos outra coisa a fazer senão evangelizar. E começar sempre tudo de novo. O que fizemos até o presente momento é pouco. Tudo está para ser refeito. Nossa janela se abre para o tema da Nova Evangelização. Transcrevemos algumas linhas da Introdução do livro La Sfida dela Nuova Evagelizzazione

(Walter Kasper e George Augustin, versão italiana, p. 8ss).

 

“O desafio central da nova evangelização consiste na crise de fé dos cristãos e da própria Igreja. Um certo ofuscamento da transcendência, também na igreja, é o problema central. Tendo perdido de vista o essencial, ocupamo-nos quase que exclusivamente com problemas secundários. Há a crítica interna da Igreja, debate a respeito de suas estruturas, as disputas sectárias, a formação ad intra, tudo isso pode ocultar o verdadeiro rosto da Igreja. Desta forma, pode acontecer que as pessoas se restrinjam à dimensão horizontal. E, no entanto, somente a dimensão divina pode conferir-lhe capacidade duradoura de atração e fazer com que as pessoas se liguem positivamente à comunidade salvífica que é Igreja. De fundamental importância que essa dimensão vertical permaneça viva e seja reconhecível o princípio da encarnação, o divino e o humano, num recíproco dinamismo.

A nova evangelização começará antes de tudo no interior da Igreja e de cada um dos cristãos. “Senhor, renova a tua Igreja, a partir de mim” (São Francisco de Assis). Precisamos aprender a colocar de novo Deus no centro. Somente a clara opção em favor de Deus pode encher a Igreja de nova vida. Somente uma Igreja evangelizada pode de novo evangelizar. A evangelização interna da Igreja significa, em primeiro lugar, formar e aprofundar a fé dos fiéis, de sorte que estejam em condições de darem a razão de sua fé. Assim, a Igreja se tornará uma Igreja orante e adoradora de Deus. Estruturas e reformas estruturais serão feitas à luz desta pergunta: Como podemos manter a Igreja permeável à mensagem de Jesus Cristo? O pressuposto fundamental para tanto consiste na evangelização das próprias estruturas eclesiais, no formá-las e plasmá-las segundo o espírito de Jesus. Deveremos aprender a conhecer e apreciar a multiformidade e riqueza da Igreja Católica. Somente assim descobriremos que estamos unidos com os outros e para os outros em sua complementaridade e juntos daremos conta da urgência de uma nova evangelização.

A nova evangelização será bem-sucedida ali onde os cristãos forem capazes de ir além das questões cotidianas políticas, organizacionais, estruturais da Igreja e puderem dar uma resposta plena de fé católica aos problemas autênticos e essenciais das pessoas. As estruturas da Igreja não são fim em si mesmas, mas sistemas capazes de manterem a fé viva e criar condições necessárias para tornar a salvação experimentável. Esta função, ela só realiza se encontrar forças no encontro com Deus. Haveremos de nos empenhar com todas as forças para que a atual imagem fenomênica da Igreja, como “cristianismo cultural”, atrelado à liturgia, seja superada e a Igreja se torne de novo experimentável como uma comunidade de fé que glorifica a Deus. A Igreja como comunidade de fé deve perguntar-se, fazendo uma autocrítica: Por que tantas pessoas interessadas na religião buscam respostas às suas interrogações fora da Igreja? Por que perdemos a confiança por antecipação?

III. FAMÍLIA

Em torno da educação

 

Os bispos da Itália escolheram como prioridade de sua ação pastoral no decênio (2010-2020) a delicada questão da educação. Deram como título ao  documento-base: Educare alla vita buona del Vangelo  (maio de 2010)  (Il Regno – Documenti  19/ 2010, p. 601ss). Inspirados no texto queremos aqui colocar em realce algumas reflexões em torno do papel da família na educação e “transmissão” da fé.

 

1. Apesar de todas as transformações culturais, sociais e religiosas, a família continua sendo a primeira, fundamental e indispensável comunidade educadora dos filhos. A educação é tarefa prioritária porque está intimamente ligada à transmissão da vida. Creche, escola e outras instâncias educativas podem ajudar os pais em sua tarefa. Mas cabe aos pais o carinhoso dever de educar seus filhos.

2. Tarefa delicada e difícil essa de educar em família. Muitos pais experimentam uma sensação de solidão, de inadequação e mesmo de impotência. Há um sentimento de isolamento social porque a sociedade privilegia o indivíduo e não considera a família como sua célula fundamental.

3. Os pais haverão de se esforçar em apresentar aos filhos as razões profundas de viver. Querem e precisam dizer “não” com autoridade. Por vezes, oscilam entre dois extremos: de um lado deixam que os filhos sigam seu caminho, meio soltos e, de outro, mostram-se possessivos e controladores. Com isso, podem sufocar a criatividade ou perpetuar a dependência paterna. Parece oportuno que os pais se exercitem na virtude da fortaleza ou da coragem.


4. 
Há sempre essa possibilidade da educação dos filhos (ou deseducação) ser feita pelos meios eletrônicos, sem ser acompanhada pela presença carinhosa e digna de crédito dos pais, por esses anônimos recursos eletrônicos.

5. A família, com efeito, é forte e frágil. Sua fragilidade não se deve apenas a motivos internos ao casal e ao relacionamento com os filhos. Pesam fortemente fatores externos: há famílias que vivem precariedade material e, diria, também moral; há a dificuldade de conciliar o trabalho dos pais com uma presença de qualidade junto aos filhos; nem sempre se tem possiblidade  de cuidar dos membros mais frágeis de nossas famílias (doentes e idosos). A isso deve-se acrescentar o aumento do número de uniões de fato sem laço, as separações e os ‘recasamentos’  com todas as suas implicações.

6. Apesar destas e tantas outras dificuldades, a família continua sendo espaço de transmissão dos valores e da fé. Mesmo sendo verdade que a família não é a única instância educativa, sobretudo no tempo da adolescência, deve-se recordar que ela é aquela instância que  perdura ao longo da vida dos filhos. Desta forma, a Igreja precisa acompanhar os pais em sua missão de educadores, dando-lhes competência a partir de encontros, cursos, textos, grupos de reflexão e de revisão da fé.

7. A educação da fé torna-se viável e possível no contexto de uma experiência concreta partilhada por uns e outros. Vivendo numa teia de relacionamentos significativos, olhando os pais serem gente e cristãos, os filhos vão modelando sua personalidade futura. Também a imagem de Deus que terão dentro de si será fortemente marcada pela experiência religiosa vivida nos primeiros anos de vida. Por isso, é altamente conveniente que os pais se questionem a respeito de sua missão educativa na linha da transmissão da fé. “Como vivemos a fé em família? Que experiências cristãs fazem nossos filhos? Como os educamos para a oração?” Lembramo-nos sempre do texto de Lucas referindo-se à vida do lar de Nazaré: “O menino crescia em sabedoria, idade e graça, diante de Deus e  dos homens” (Lc 2,52).

8. Cabe aos pais cuidar do caminho vocacional dos filhos. Chamamento da vida para serem pessoas maduramente humanas, que cresçam afetivamente, que tomem consciência da nobreza e beleza de um amor casto e responsável.

9. Os pais que ficarem sozinhos (pai ou mãe) merecerão especial atenção. A Igreja não pode abandoná-los, entregues a si mesmos.  Pensamos aqui em casais separados. Os filhos serão também educados. Pensamos ainda nos filhos de segundas uniões que precisarão, eles também, serem apresentados à fé.

10. Os bispos italianos falam da preparação para o casamento. O período de preparação para o casamento deveria assumir traços de um verdadeiro itinerário de redescoberta da fé e de inserção na comunidade paroquial. O tempo do noivado poderia ser uma época  de introduzir os filhos na beleza do Evangelho. Vivendo uma experiência de amor entre homem e mulher, os noivos estão em melhores condições de apreender o amor de Deus manifestado em Jesus e de se entregar mais densamente ao Senhor Jesus como seus discípulos, no momento em que fundam uma nova família.

11. Casais da comunidade, casais sólidos e que estão buscando crescer  na fé, haverão de acompanhar os jovens namorados e noivos de nossas famílias e de nossas paróquias. Casais sólidos e entusiasmados haverão de trabalhar na pastoral do batismo.  Grupos de casais sólidos e sequiosos de crescimento espiritual poderão  ser força para casais que experimentam dificuldades em seus relacionamento e na construção de famílias cristãs. Nossas paróquias deveriam assistir a um pulular de grupos de casados.

12. Parece importante que se organize uma pastoral familiar. Os pais que pedem o batismo para os filhos, os que inscrevem seus filhos na preparação para a crisma podem e devem ser acompanhados para que se sintam encorajados a realizar sua missão de educadores da fé dos filhos. Os responsáveis pela pastoral não podem deixar as famílias morrerem de inanição. Quando se fala em Nova Evangelização merecem especial atenção os casados, os pais de família e os que estão  para fundar uma nova família.

IV. PASTORAL

Perfil apostólico e espiritual do catequista

 

Estamos vivendo o  Ano da Fé. Uma das figuras mais queridas e mais importantes em nossas comunidades eclesiais é a do catequista. São como jardineiros que cultivam o jardim da fé. Não são eles e elas professores e professoras. São testemunhas da fé. Normalmente constituem um grupo coeso e quase sempre formam uma comunidade de vida. Sabemos que os pais são os primeiros e fundamentais catequistas dos filhos. Ao lado destes,   as novas gerações são fortemente marcadas pela figura do seus catequistas. Hoje, multiplicam-se os catequistas de adultos e os animadores de grupos de reflexão.

 

1. O catequista é, antes de tudo, um cristão que leva a sério sua fé. Na realização de sua missão, os catequistas fazem muito mais do que ensinar uma doutrina. São testemunhas do Evangelho e participantes  de um Mistério que eles vivem e querem comunicar aos outros com amor. O Mistério do qual estão envolvidos os transcende infinitamente. Através do seu ministério o Mistério é anunciado. O catequista atesta, explica, faz viver e reviver a fé. É pessoa humildade e cheia de confiança.

2. Testemunha de Cristo Salvador, cada catequista aparece como uma pessoa na qual se operou e se opera a salvação. É alguém que obteve não por seus méritos, mas por graça de Deus, o dom da fé. Pressente-se nele aquele que acolhe e tenta compreender esta mesma fé. Sentindo-se agraciado acolhe a fé numa atitude de humilde simplicidade e sempre está em estado de busca. Educador dos irmãos na fé, tudo deve ao Evangelho. Está sempre se abrindo à ação do Evangelho.

3. O catequista é um vocacionado e consagrado. Confia na graça. Mas sempre pede sua abundância. Ele sabe que precisa ser instrumento eficaz da benevolência do Pai. Tem consciência de ser porta-voz da Igreja. Sua segurança como catequista lhe vem precisamente da  experiência da fé no seio da mesma Igreja. Não crê sozinho. Crê com outros.

4. Insistimos: o catequista responde a um chamamento, a uma vocação. É testemunha qualificado de Cristo e de todo o mistério cristão. Normal que tenha noções de psicologia, sociologia, pedagogia e, de alguma forma, técnica de persuasão.  Para que esse “adquirido” e “conquistado” produza efeito será preciso que tudo seja colocado na gratidão pelo dom da vocação que Deus lhe dá.

5. Além de se esforçar por conhecer adequadamente a mensagem que expõe ele passa a ser um sinal visível das coisas do Evangelho, a partir de sua vida. Todos os que o escutam devem poder  compreender que, de certo modo, seus olhos “viram” e suas mãos “tocaram” o Mistério. Os catequizandos haverão de receber luz e certeza de sua experiência religiosa.

6. Uma concreta coerência de vida é necessária ao catequista para que  ele possa “ver” a fé antes de proclamá-la. Somente aquele que opera a verdade vem à luz. A verdade da fé se dirige à existência humana.  Por isso, o catequista traduz a fé em atos. A vida do catequista é manifestação de realidades invisíveis. Tais realidades nele encarnadas é que ele propõe aos catequizandos.

7. O testemunho específico que o catequista dá a respeito da fé é o  ensino. Exerce na Igreja a função do mestre para a edificação do Corpo Místico de Cristo, para que o amor de Cristo sejam plenamente  conhecido. O catequista é chamado a tornar explícita toda a riqueza do mistério de Cristo, contida de modo global, desde o início, no ato de fé. Ele ensina, faz perceber e compreender, quanto possível, a realidade de Deus que se revela e se comunica.

8. Não padece dúvida: o catequista haverá de procurar uma acurada preparação imediata para sua atividade orientada para o “como dizer” o  “como ensinar” as realidades e as verdades da fé,  “como fazer ver” o amor e a obra de salvação das três Pessoas divinas.  Não pode improvisar, nem falar à maneira de quem soubesse o texto de cor. Deve partilhar um ensinamento vivo que o transforme num intérprete do colóquio de Deus com os homens. É instrumento desse colóquio. Atua e desaparece. O importante é a resposta de amor do catequizando ao Senhor. Fazendo sua tarefa da melhor maneira possível o catequista desaparece.

9. Esse ensino é anúncio orgânico e eficaz. O conteúdo da fé não é transmitido simplesmente para ser conhecido. A catequese o torna atual a fim de que aquele que o escuta entre concretamente em comunhão com Deus, por meio de Jesus Cristo. O catequista sabe que a Palavra de Deus,  uma vez pronunciada,  não cessa de agir. 

10. O catequista tem como objetivo o pleno desenvolvimento da personalidade do fiel. Fé, esperança e caridade são as virtudes primeiras e fundamentais às quais deverá levá-los para que assim possa surgir a vida de oração e o empenho em viver as outras virtudes: justiça, coragem, veracidade, domínio sobre si mesmo, serviço dos outros, fidelidade e alegria.

11. Mais ainda: o catequista haverá de estimular a liberdade e a responsabilidade dos discípulos, fazendo que eles possam verificar na prática as verdades propostas, alimentar a atividade apostólica e o espírito comunitário, introduzir na vida litúrgica. Estes são alguns dos objetivos espirituais muitas vezes lembrados através dos quais o catequista realiza sua obra educativa. Quando o ensino do catequista vai se tornando educação aparece no horizonte a vontade de Deus.  O catequista nunca esquecerá que o desenvolvimento da “nova criatura” rumo à plenitude do estado de Cristo, querida pelo Pai, é obra do Espírito Santo. Haverá de reconhecê-lo com humildade e gratidão.

Obs.: Cf.  Il Rinovamento dela Catechesi. Conferenza  Episcopale Italiana,  n 185-189.

V. NOSSO GÊNERO DE VIDA

Francisco, fascinado pelo evangelho

 

Elementos da Forma de Vida dos Irmãos de Francisco

 

Reflexões sobre as Constituições Gerais da Ordem dos  Frades Menores

Os franciscanos e milhões de amigos de São Francisco gostam de refletir sobre o modo como o Poverello foi fazendo seu arranjo existencial. Nesta nossa rubrica do mês de junho tomamos o Artigo 1 das  Constituições Gerais dos Frades Menores com os seus dois parágrafos. Francisco aí aparece como alguém fascinado pelo Evangelho vivo chamado Jesus Cristo. Convida os seus a viverem o Evangelho.

Art I § 1

A Ordem dos Frades Menores, fundada por São Francisco de Assis, é uma Fraternidade na qual os irmãos, seguindo mais de perto a Jesus Cristo sob a ação do Espírito Santo, pela profissão, dedicam-se totalmente a Deus, o sumo bem, vivendo o Evangelho na Igreja, segundo a forma observada e proposta por São Francisco.

1. Uma forma e um gênero de vida, segundo o Evangelho. Não segundo a materialidade do texto dos quatro evangelistas, não fundamentalmente, mas de acordo com o espírito daquele que é o Evangelho vivo: Cristo ressuscitado. Não ousamos seguir por nossa iniciativa. Vivemos uma vocação. Ao longo de nossa vida fomos sendo convocados por esse Cristo vivo e ressuscitado. Sonhos, aspirações, entranhas, corpo, mente, trabalho, pastoral, dores e alegrias, juventude, idade madura e tempo das colheitas, tudo orientado para esse que nos chamou. No ardor de nossos verdes anos quisemos ser do Senhor. Como Francisco sentimos que deveríamos viver aspirando o Evangelho. Nosso gênero de vida é seguir o Cristo vivo à maneira de Francisco. Respondemos a um chamado que deu sentido a nosso viver.

2. Temos uma predileção por certas partes dos textos dos evangelistas.  Assim, por exemplo, cada vez que lemos ou ouvimos o Sermão da Montanha de Mateus temos vontade de dizer com Francisco: “É isso que eu quero, isso que eu busco de todo o coração”. Nem sempre sendo fiéis, experimentamos um desejo de viver a limpidez do discurso do novo Moisés no alto do monte da nova aliança: ser sal da terra e luz do mundo, oração no secreto, fé na providência, construir a casa sobre a rocha, jejuar perfumando a cabeça, caminhar 2000 passos com quem nos pede 1000. Sem a pujança do Sermão da Montanha perdemos o fogo, somos praticantes, funcionários das coisas do sagrado, gente da rotina. Na verdade queremos levar uma vida segundo a forma do Evangelho.

3. Fernando Uribe, OFM, em La Regla de San Francisco. Letra y espíritu,  Murcia 2006, p. 57, tece considerações a respeito do verbo observar que está na expressão observar o Evangelho. “O verbo observar… etimologicamente é composto da raiz servare, locução que significa guardar ou custodiar o lugar de alguém e o prefixo ob que enfatiza a ação do verbo; neste caso indica que a custódia se realiza com particular interesse. A uma conclusão semelhante se chega  aplicando-seobservare a significação visual de “vigiar ou montar guarda” que se deu na latinidade clássica, de onde se originou o termo observatório, que comporta a máxima atenção na vigilância, ou no estudo, ou na análise, ou na reflexão. À luz do contexto semântico em que se encontra, quer dizer, referindo-se ao  Evangelho, pode-se dizer, portanto, que o ver observar se coloca na esfera da contemplação”.

4. Francisco, homem do evangelho, irmão universal. Foi um homem simples e um cristão excelente e nisso transparece  o modo como vai encarnando o Evangelho. Uma bela página de Frei José António Merino, frade menor espanhol, talvez possa nos animar: “Podemos ver, considerar e admirar Francisco a partir de muitas e sugestivas perspectivas humanas, porque foi personalidade rica em suas vivências e atitudes. Nada pode  obscurecer ou diminuir, no entanto,  sua dimensão religiosa porque foi um cristão excelente”.

5. Continuamos a seguir o texto de Merino. Yves Congar, dominicano célebre, profeta dos tempos novos, homem corajoso, afirmou a respeito de Francisco que, “depois do Único  (Jesus Cristo),  ele foi o primeiro”. Foi mesmo denominado de outro Cristo. Todos os seus escritos são uma clara e iluminadora confissão de fé. Soube empreender uma caminhada ininterrupta para Deus. Foi um verdadeiro e sincero peregrino na direção do Amor infinito que é Deus e que ia se revelando em diversas ocasiões de sua vida pessoal, familiar e no mundo em que vivia. Podemos aplicar-lhe  perfeitamente a palavra de Boaventura:  “Senhor, venho de ti e é por ti que vou a ti”.

6. “Francisco de Assis antecipou tudo o que há de mais sugestivo e  simpático na moderna sensibilidade, como: liberdade pessoal,  alegria profunda, senso de fraternidade, camaradagem universal, amor à natureza, a compaixão social, a cortesia com todos, a atenção especial aos seres mais marginalizados da sociedade, uma sensibilidade aguçada a respeito dos perigos da prosperidade, do poder e do consumismo”. Francisco, aquele que se tornou um evangelho vivo, aquele que, com sua vida, escreveu uma página viva do Evangelho no século XIII, talvez o único que reescrito o Evangelho em sua vida.

7. Continuamos com Merino. Francisco “praticou a difícil pedagogia de dizer sim sem contradizer. Não porque fosse carente de interlocutores, mas porque respeitava a liberdade e a originalidade de cada pessoa. Francisco é um desses raros seres que sempre traz consigo e transmite a primavera de seu coração. Um santo profundamente cordial. Daí sua simpatia e sua ternura. Sua força e sua fascinação”.

8. Um paradoxo: Francisco “propôs uma grande fraternidade e os seus conseguiram cavar lacerações internas. Durante séculos os franciscanos se reúnem mas não conseguem unir os franciscanismos”.

9. Em nossos tempos, tempo do Papa Francisco, discípulos de Francisco, somos chamados a viver o Evangelho na Igreja: fraternidade de frades que querem se estimar, fraternidades evangélicas de irmãos que buscam juntos o Senhor, fraternidades abertas ao mundo sem perder sua mais profunda identidade. A Igreja necessita fraternidades  sólidas e quase utópicas para podermos ser colaboradores do Papa na obra de restauração  da Igreja nesse século XXI, que como vemos, esgotou algumas de suas possibilidades e precisa reencontrar o novo que vem do Evangelho:  “…vivendo o Evangelho na Igreja, segundo a forma observada e proposta por São Francisco”. Repetimos: Estamos à disposição da Igreja para ajudar sua reconstrução.  Ou no dizer de Uribe: observar contemplando.

10. Antonin Alis, OFMCap:  “Por seu grito (“É isso que eu quero, isso que desejo de todo o coração”), por seu gesto, Francisco nos convida a levar a sério o Evangelho. Antes de tudo vemos essa atitude de verdade para consigo mesmo e para com aquilo que ele percebe e sente a respeito da vontade de Deus a seu respeito. A vontade de Deus. Esta é uma evidência do mais profundo de seu ser. Depois do primeiro momento de discernimento, Francisco abandona tudo e entra numa trilha de conversão. Despoja-se exteriormente de todos os bens ficando apenas com o essencial. Depois haverá de despojar-se do orgulho, da suficiência e de seu narcisismo. Progressivamente, e isto vai ocupar toda a sua vida, ele palmilhará um caminho de serviço, minorismo e fraternidade que permitir-lhe-á de deixar de lado todo desejo de poder, de dominação sobre outros, imitando Jesus Cristo servo. Progressivamente abre-se à ação do Espírito Santo e à sua santa operação, deixando-se transformar a partir do interior. Este despojamento realizado pela escuta da Palavra vai acompanha-lo até à morte, nu sobre a terra nua. Lentamente, a Palavra germina nele e torna-se fecunda a ponto de o identificar com seu Senhor e mestre. A Palavra se torna fecunda na vida de outras pessoas que o escutam, esses que são testemunhas do trabalho do Espírito nele. Francisco é testemunha da existência e do amor de Deus porque deixa que a Palavra o transforme. Por isso, por ser transformado pela Palavra, é alegre, vive a alegria perfeita da qual está cheio e transborda em ação de graças”.

11. Tudo isso vem belamente sintetizado no Art 1 § 2“Seguidores de São Francisco, os irmãos são obrigados a levar uma vida radicalmente evangélica, isto é: viver em espírito de oração e devoção e em comunhão fraterna; dar testemunho de penitência e minoridade; anunciar o Evangelho ao mundo inteiro em espírito de caridade para com os homens; pregar por obras a reconciliação, a paz e a justiça; e mostrar o respeito pela criação”.

Questões:

A) O que significa praticamente para nós, franciscanos, viver o Evangelho?

B) Para que nós existimos? Por que somos cristãos? Para que somos franciscanos?