Julho 2019
Apresentando
Amigos diletos, julho… e o ano se vai. Julho mês em que ocorrem datas bonitas: dia do amigo e dia dos avós, temas de nossa Revista Eletrônica… Depois, bem depois, há essas coisas de todos os dias: jovens, explosão de vida e a história de um menino sardente.
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Dia dos Avós
Na constelação familiar ocupam um lugar privilegiado e bonito o avô e a avó, o vô e a vó. São, na verdade, seres bonitos por dentro, tecidos de fios muito tênues de carinho e de afeto. Escuto dizer que os avós, via de regra, são pessoas muito felizes.
Há essa avó bem idosa que tem ainda blusas e vestidos com golas de rendas, cabelos pintados de azul clarinho. Ela tem classe. Não entrega os pontos e não quer dar trabalho a ninguém. Há esse avô novo com um pouco mais de quarenta anos. Sua filha muito novinha andou se envolvendo com um rapaz, ficou grávida e lhe deu Bruno, seu primeiro neto. Na verdade esse bombeiro hidráulico não sabe ainda como assumir a condição de avô tão novo, tão jovem ainda frequentando academia de musculação. A gravidez da filha, certamente, foi um transtorno. O avô não pode deixar de dizer que o pequerrucho do Bruno encanta seus dias.
Aquele rapazinho universitário de seus vinte e poucos anos dizia: “Hoje estou triste. Pela manhã foi o enterro do meu ‘vô’ um homem que me amava e que abria sempre seu coração para mim, um coração tão cheio de sabedoria”.
Cena bonita, tocante e delicada é ver uma senhora idosa, majestosamente bela em seu anos avançados passeando de bengala, com a neta já feita mulher, funcionário do FMI. As duas conversam, depois entram num café e tomam uma xícara de chocolate. A velha senhora, de quando em vez, levanta os olhos e observa a figura da neta, jovem, educada, bonita e fica toda feliz em saber que ela é filha de sua filha, sangue de seu sangue, sonho de seus sonhos.
Belo ver os cuidados de um neto para com seu avô idoso e muito doente. O moço passa todos os dias por sua casa, traz-lhe o jornal, o pão para o café da manhã, seu carinho e um beijo afetuoso. Paga seu plano de saúde e, aos domingos, costuma passar uns momentos com o avô. Por vezes, no final da tarde, leva o avô para um passeio de carro nos lugares e que seu querido havia vivido. Entre os dois há uma cumplicidade de amor e de afeto. Eles se entendem. Há química entre eles.
Uma liberdade que jorra aos borbotões
Sempre de novo o tema dos jovens
A maior grandeza dos humanos é a liberdade. Os jovens ficam extasiados diante de escolhas, que livremente podem fazer. O que é sempre desafiador. Ela se manifesta, de modo particular nas plagas da juventude.
A liberdade humana manifesta-se em todas as idades da vida. Às vezes mais fortemente em determinados momentos. Outras vezes ela pode ser tolhida por determinismos e influências do ambiente. Uma liberdade cerceada. Manifesta-se de modo particular no tempo da juventude.
Há notas e características humanas fortes que, em geral, aparecem no tempo da maturidade: fidelidade e responsabilidade, renúncia e despojamento, menos vivenciadas pelos jovens.
Típicas dos jovens são independência e espontaneidade, abertura do horizonte pessoal aos possíveis, tomada de consciência séria da escolha de vida. Jovem tem estas marcas.
A liberdade humana é um maravilhoso poder recomeçar, uma capacidade inaugural que toma distância da repetição dos fenômenos do mundo para introduzir a novidade. Esta verdadeira “natividade” que abre a história humana ao imprevisível se manifesta de maneira dupla: na recusa de determinismos e na espontaneidade criativa. Os jovens que chegam ao mundo são símbolo privilegiado de tal “natividade”. Reivindicando por vezes meio barulhentamente sua independência, fazem-no precisamente porque neles brota em todo o seu frescor a emergência da vida como poder de iniciativa, recusa de toda rotina e de determinados hábitos herdados.
O tempo da juventude não é aquele que apenas consolida o que já foi adquirido nem sua repetição no amanhã.
O tempo da juventude é aquele de uma contínua criação, de um amanhã mais rico do que o ontem, tempo de um imprevisível borbulhar do novo e da vida sempre nova.
Há uma graça própria dos começos inseparável de um sentimento de gratuidade. A vida do jovem ultrapassa todo cálculo. Há o gratuito, o inesgotável. A juventude é tempo de expressões de grande alegria. A alegria é sempre anúncio de que vida saiu vitoriosa.
Os jovens, mesmo os mais feridos, são seres singulares, insubstituíveis, portadores de uma profundidade insondável, de uma palavra a dizer que não é dele, mas do mistério da vida no qual ele está inserido.
(Un âge spirituel, Marguerite Léna, in Christus, 258, abril de 2018, p. 15
Crônica
O MENINO SARDENTO
Viver é o que conta. Viver com olhos abertos. Viver estendo os braços para
Vi um menino sardento e peralta
correndo desengonçadamente pelas ruas
com outros meninos igualmente travessos,
alguns sardentos, outros não.
Gosto demais de ver meninos traquinas e cheios de vida,
“levados à breca”, capazes de revolucionar o mundo e
tirando o sossego dos pais e dos vizinhos.
Sinal de vida. Provavelmente serão capazes de gestos corajosos.
Gosto sem gosto? Pode ser.
Aquele menino sardento, esperto e agitado,
cheinho de sardas, pequenas e grandes,
parecia o dono do mundo, independente,
braços levantados, cabelos ao vento,
rasgando a história, buscando ser ele mesmo
e não apenas cópia dos outros
ou imagem daquilo que os outros quereria que viesse a ser.
Os meninos sardentos, podem crer,
são mais audaciosos, corajosos e, paradoxalmente,
até mesmo graciosos.
Carregam em seus olhos e em suas sardas
um tipo de espontaneidade e sinceridade
que as peles lisas parecem desprezar.
São mais transparentes.
Creio que todos os garotos precisariam
ser peraltas, levados, arteiros, “aprontadores”.
Almejo um mundo novo cheio de paz e de compreensão,
mas sonho também com escolas e ruas,
casas e clubes com meninos travessos e traquinas
que quebram a monotonia das coisas,
inventam o novo com suas peraltices,
seus projetos loucos e atitudes provocadoras.
Não conheço meninos sardentos
bem comportados, dirigidos e teleguiados.
Gosto dos meninos sardentos
porque são livres, decididos,
espontâneos, sinceros
Se tivesse me casado haveria de procurar
uma moça sardenta que pudesse ter filhos sardentos,
meninos que teriam nomes comuns e bem simples
como Juca, Zeca e Chico.
Dia da Amizade
Ocorre a 20 de julho a comemoração do dia internacional da amizade Tema belo e caro. Os amigos nos ajudam a viver e tornam bonitos os dias em todas as etapas da caminhada. No cotidiano lá estão eles. Gostam de se farem presentes nos dias de exultação e noites frias e tuneis escuros da doença, do desânimo, das perdas. Vamos enriquecer esta página dando a palavra a José Tolentino Mendonça. Escreveu ele um saboroso livro sobre o assunto (Nenhum caminho será longo de mais, Paulinas, 2014).
Há um provérbio que diz: “Viver sem amigos é viver sem testemunhas”. Os amigos trazem à nossa vida uma espécie de atestação. Os amigos sabem o que é para nós o tempo. Eles testemunham que somos, que fizemos, que amamos, que perseguimos determinados sonhos e que fomos perseguidos por este ou aquele sofrimento. E fazem-no não com superficialidade que, na maior parte das vezes, é a das convenções, mas com a de forma comprometida de quem acompanha. O olhar do amigo é uma âncora. A ela nos seguramos em estações diferentes da vida para receber esse bem inestimável e de que temos absoluta necessidade e que, verdadeiramente só a amizade pode nos dar: a certeza de que somos acompanhados e reconhecidos. Sem isto a vida é uma baça (embaciada) surdina destinada ao esquecimento ( Tolentino, op.cit, p.102-103).
A amizade não se alimenta de encontros episódicos ou de feitos extraordinários. A amizade é um contínuo. Tem sabor a vida cotidiana, a espaços domésticos, a pão repartido, a horas vulgares, a intimidade, a conversas lentas, a tempo gasto com detalhes, a riso e a lágrimas, à exposição confiada, a peripécias à volta de uma viagem ou de um dia de pesca. A amizade tem sabor a hospitalidade, a corridas atarefadas e a tempo investido na escuta (Tolentino,op.cit. p.104).
Os amigos sustentam conosco, e a nosso lado, o duro e ligeiríssimo mistério da existência. Mesmo quando os dias empalidecem ou se estilhaçam, a amizade tem a capacidade de religar, a partir do fundo, as pontas decepadas e dispersas, os opostos indizíveis da alma: a noite e o dia, a dor e o riso, a ação e contemplação, a vida e a morte. Por ventura o mais fecundo a perguntar quando nossos amigos morrem, não é: “Por que é que eles partiram?”. O que levaremos o resto da vida para responder, sempre em total gratidão, é antes: “Por que é que eles vieram?” (Tolentino, op.cit. p. 216-217).