Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Fevereiro 2011

I. LEITURA ESPIRITUAL

As promessas do frade menor

 

1. Muitos frades da Imaculada fizemos nossa profissão solene no dia da Apresentação do Senhor, esse belo 2 de fevereiro. Maria e José, na simplicidade de seu coração, tudo ofereceram: um par de pombinhas e a fragilidade do menino que viera do mistério de Deus e precisava do leite da mocinha Maria. Oferta, oferenda, entrega. Que belas palavras! Mais tarde, bem mais tarde, ao pé da cruz, ainda era questão de oferta, de dom, de oferenda. Cena tocante! Simeão, o homem cheio de anos, não se conteve e explodiu de júbilo. Agora podia terminar sua carreira. Maria fica sabendo que ela um dia estaria ao pé da cruz fazendo uma nova oferenda. Os olhos de Simeão haviam visto a salvação de Deus. Ora, neste 2 de fevereiro, muitos frades colocamos nossas mãos nas mãos do Ministro Provincial que, de alguma forma, lembra o Pai Francisco, e fizemos a promessa, a grande promessa de viver todos os dias em estado de conversão, tentando fazer de nossa vida uma cópia da vida de um Francisco que nos fascinara, ali, no tempo dos verdes anos de nossa vida. Voz embargada, roupa ensopada de suor, óculos embaçados, não tínhamos dúvida alguma. Nossa fragilidade contaria com a força de Deus que parecia tão perto, tão junto da sinceridade de nosso coração, tão cúmplice do desejo que habitava nosso interior de correr, como peregrinos e forasteiros, na busca da santidade, no desejo de estar com Aquele que cativara nosso coração e que queríamos chamar de nosso Esposo. No final o Provincial dizia: “ E eu, da minha parte, se isto observares, te prometo a vida eterna”.

2. A promessa dos votos solenes organiza a vida do frade. O sim que damos é sempre palavra importante. Não basta que os casados comecem de qualquer jeito sua vida a dois. Não basta juntar os trapos. É preciso o sim, sim da fidelidade, sim da entrega e sim da renúncia aos loucos desejos de corações instáveis. Não basta apenas que se realize o rito da profissão. Será preciso, para cada frade, que esse acontecimento seja um evento que perdure ao longo da vida. Não apenas um momento fugidio, mas uma palavra que se desdobra nas fases da vida, nos tempos da história, na história das crises, no arranjos que precisaremos fazer para sobreviver, nas tentações de todos os jeitos e modos, no vazio de muitos anos, na aridez interior e na secura espiritual. Um sim sonoro, vibrante que atinge esse nó interior de homem que somos, de filhos de uma família, de sonhadores por um mundo novo. Os casados não dizem o sim para viverem na mesmice de uma vida tediosa e monótona. O sim cria o novo. Não fizemos nossa profissão solene apenas como um ato jurídico, mas como se estivéssemos dando um salto no escuro, um embrenhar-se nos caminhos e desvios. Os que já comemoraram seu jubileu de entrada no noviciado sabem muito: cansaço, sensação de inutilidade, perda daqueles confrades que nos ajudaram a escrever o diário de nosso amor pelo Senhor e pelos irmãos. E ao mesmo tempo segredos do Rei que não precisamos contar a ninguém.

3. Aquele 2 de fevereiro chegou e passou. Depois continuaram a vida e a promessa. Depois continuou a existir em nosso interior esse desejo de atingir as estrelas; uma alegre sensação de não pertencermos a nós mesmos; um desejo de ir em praça pública e jogar nas mãos não sei de quem tudo o que temos…como Francisco jogou suas roupas nas mãos de Pietro Bernardone. Um desejo muitas vezes forte e veemente de estar com o Senhor, na intimidade da oração, no balbuciar de um salmo, no silêncio de nosso canto, de nossa casa que não pode ser hotel, mas hospedaria do Peregrino que precisa de amor. Mestres vivos e mestres mortos foram nos dizendo que era possível chegar aos píncaros da oração e ao gastar nossa vida pela vida de muitos, sem formalismos, sem burocracia, não apenas com relatórios e papéis. Nesses anos todos de profissão… O que foi acontecendo?

4. Votos perpétuos… Que sentido? Muitos dizem que é possível fazer uma promessa definitiva, como tantos no passado fizeram e fizeram com sucesso. Outros, dizem que hoje isto não é possível. Seria cegueira não ver. A vida muda com muita velocidade. Como alguém pode se amarrar definitivamente a um compromisso feito em torno dos vinte e poucos anos? No mundo atual tudo é provisório. Esse jogar-se para sempre numa decisão não seria mais possível. Estamos na era das tribos, das escolhas feitas em grupo, segundo o sabor dos tempos. As pessoas se identificam com seus pares. As pessoas dizem que fazem a sua verdade, escolhem seus laços de amizade e não vão se prender a um grupo, a uma Província. Aliás, a quem pertencemos? Ninguém quer e pode depender de ninguém. Inventamos nossa vida cada dia e nada de referências ditas firmes. Assim, ouvimos dizer.

5. Quem puder compreender que compreenda! Somente na medida em que uma pessoa faz uma sólida experiência de Deus, na medida em que Cristo se desenha de verdade em seu horizonte, podem ser feitas opções corajosas e definitivas. Somente quando a profissão solene é precedida de experiências de fé fundantes terá tal ressonância que possa durar o tempo de uma vida e chegar à terra da visão. Sempre de novo precisamos rever a qualidade da formação inicial. Quais as motivações profundas de nossos postulantes? O que ficou no coração no fim do noviciado? Que experiências marcantes, que fraternidades “impressionantes” têm os frades antes da profissão? Que estágios encheram de ideal o coração dos estudantes de Rondinha e de Petrópolis? O que a Província propõe de prático para encher de plenitude a vida de uma pessoa?

6. E vem então o tempo da formação permanente. E tudo começa com cada frade. “Compete a cada Frade, como responsável último e decisivo, promover e levar a cabo sua própria Formação Permanente. Sob a ação do Espírito Santo, o Frade menor é o agente principal de sua própria formação, responsável por assumir e interiorizar todos os valores da vida franciscana e capaz de autonomia e iniciativa pessoal” (cf. Doc. Sois chamados à liberdade, n. 46). Trata-se de querer ser frade. É uma decisão que não depende da “tribo”. A vocação é pessoal. O Senhor chama a cada um, mesmo que depois envie para a fraternidade. O frade é o agente de sua formação: oração séria e diária, meditação e não apenas uma oração barulhenta e resumida ao mínimo, respeito carinhoso pelo Ofício, celebração e participação da missa e na missa, leitura de livros que alimentem, capacidade de mudar segundo as moções do Espirito, prática do exame de consciência diário e recepção regular do sacramento da reconciliação, leitura de páginas franciscanas que façam o frade não perder sua identidade, retiro regularmente com silêncio e séria revisão de vida. O frade que prometeu fidelidade não poderá viver ao sabor do acaso, dos caprichos e dos ventos. Ele fez um compromisso com o Amado e não pode falhar. Prometeu ser pobre, não ser dono de si, ter o necessário, depender… Prometeu escutar a voz do Senhor hoje, aqui, e não endurecer o coração num estado quase de fechamento… Prometeu ser puro de corpo e de coração e travar um relacionamento esponsal com aquele que fascinou sua juventude…

7. “Cada Frade acolhe a tensão própria da Formação permanente entre “liberdade e fidelidade criativa” para responder ao dom de Deus no caminho da conversão cotidiana. Nesse sentido, o caminho formativo é chamado a suscitar a disponibilidade à renovação e ao crescimento contínuo, amadurecendo na convicção pessoal de sua necessidade e no assumir os tempos, meios e situações” (Doc. Sois chamados… n. 46). Não somos franciscanos de qualquer jeito. Há essa conversão cotidiana. Cada um de nós sabe que esse tema não pode ser ventilado mais tarde. Quando a conversão não está na pauta do dia instala-se em nossas comunidades o espírito dos arranjos tácitos de sobrevivência. Mas é evidente que o frade precisa da fraternidade e a fraternidade do frade. O Documento conclui: “A responsabilidade do frade, como primeiro agente de Formação Permanente, é de per si aberta à partilha e à corresponsabilidade com seus irmãos”. Será preciso, numa próxima vez, examinar o apelo da Fraternidade na formação permanente.

8. Refletindo sobre o tema do engajamento na vida religiosa, uma autora assim escreve: “O engajamento (compromisso) é gerador de esperança para aqueles e aquelas que o acolhem com gratidão, porque sem mérito de sua parte. Sentem-se também responsáveis por tal engajamento, embora ele seja um dom. Esperança fundamental para a própria pessoa. Esperança no sentido de que é possível se determinar (fazer a opção), inclusive com partes de obscuridade. Engajamento que dá coerência a uma existência, com todo o possível caos, não é um ato impossível… A profissão religiosa, como toda promessa definitiva, reúne o tempo passado e aquele que ainda está para chegar. É uma tomada de posição pela decisão de engajar o futuro, sem pretender ter domínio sobre ele (ser dono dele). É porque este engajamento é bem determinado (profissão solene num determinado instituto, ou mosteiro) que ele é justo. Inscrevendo-se numa história contingente, de invernos e primaveras, caracterizada pelas fragilidades da pessoa e da instituição, que os votos definitivos apontam para aquele que atravessou as trevas para ser tirado da morte” (Peut-on faire aujourd’hui des voeux perpétuels? Véronique Margrom, op. Christus 193, p. 810).

Questões que ficam… e que podem ser debatidas

1. O que está presente na mente e no coração do frade quando ele emite sua profissão? O que significa, na prática, renovar a profissão?
2. O que pode, efetivamente, fascinar nosso coração para continuarmos numa fidelidade criativa?
3. As escolhas que andamos fazendo nos ajudam à fidelidade aos votos?
4. Pode-se falar de uma paixão pela vida religiosa (e franciscana) em nossos dias?

II. PÁGINAS FRANCISCANAS

Francisco, apaixonado pelo absoluto

 

Francisco de Assis, ao longo de toda sua vida, foi alguém que buscou apaixonadamente o Absoluto. Esta é uma das características de seu temperamento. Depois de sua conversão será também marca de seu jeito espiritual de ser. Alguém que escapa da mesmice e da mediocridade. Esta página poderá muito bem ser um texto para ser colocado nas mãos de eventuais vocacionados franciscanos.

Um temperamento humano orientado para o absoluto

Múltiplas são as situações evocadas por seus biógrafos que revelam como Francisco de Assis era, por natureza, uma apaixonado. Não queria fazer as coisas pela metade. Particularmente significativo a esse respeito foi o seu comportamento por ocasião de uma peregrinação que fez a Roma, nos primeiros anos de sua conversão (Três Companheiros 10). Diante da falta de generosidade dos que visitavam o túmulo de São Pedro, ele se revolta e, num gesto teatral que podemos bem visualizar, atira na direção dos mendigos punhados de moedas que tira de sua bolsa. Depois, saindo da igreja, troca suas roupas com as de um pobre e coloca-se a mendigar em seu lugar para experimentar a gama de sentimentos que podiam existir no coração daquele que nada tem: humilhação aos olhos dos homens, ação de graças pela generosidade providencial de Deus.

Em outros lugares, seus biógrafos, quando uma ocasião se apresenta, se comprazem com gosto em chamar atenção para a radicalidade de suas decisões. Assim lemos em Tomás de Celano (1Celano 17). Francisco ficou com remorsos de não ter dado esmola a um pobre e fez o propósito, dai em diante, “na medida do possível não negar alguma coisa a quem lhe pedisse por amor de Deus. E isto ele fez e cumpriu com maior diligência até oferecer-se totalmente a si mesmo de todos os modos tornando-se antes cumpridor do que ensinador do conselho evangélico”.

Com um tal temperamento numerosas foram as ocasiões em que exprimiu seu voluntarismo tanto no plano espiritual quando no plano humano. Duas realidades de vida constituem os traços maiores desta busca incessante do absoluto: o retiro e a itinerância peregrinante.

Experiência primordial do retiro

As origens de sua vocação, lembramo-nos bem, estão ligadas à voz que havia feito com que ele se detivesse na estrada de Espoleto, ordenando que voltasse a Assis: “Lá eu te mostrarei o que tens a fazer”. Depois deste acontecimento emocionante, durante longos meses, dirigiu-se para cavernas e lugares retirados “ para tomar distância pouco a pouco do tumulto do mundo”, procurando saber a vontade de Deus. “Procurava guardar em seu interior a Jesus Cristo e quase todos os dias ia frequente e secretamente fazer orações. Sentia-se atraído pela doçura que experimentava e que penetrando em sua alma, mesmo nas praças e outros lugares públicos, o impelia à oração” (Três Companheiros, 8).

Esta forte experiência da doçura de Deus, longe do mundo, está em conexão com a experiência fundamental da escolha eremítica porque é no silêncio, mais precisamente no íntimo de si mesmo, que Deus se revela na figura d’Aquele à imagem e semelhança de quem fomos feito, o Cristo (cf. Admoestação 5). Não vale a pena consagrar a tal bem todos os nossos bens? Não somente os bens materiais (Francisco renuncia á herança), mas ainda aos bens relacionais (rompe com seu pai) chegando à renúncia de si mesmo (enfrenta deboches e a desaprovação de todos que pensam ter ele ficado maluco, mas ignorando que ele assim agia por identificação amorosa com o crucificado, numa loucura de amor). Três aspectos da pobreza, três renúncias que Francisco evoca explicitamente no começo de sua Regra (1Regra 1).

A itinerância

Graças ao episódio subsequente ocorrido na festa de São Matias, sabemos que Francisco tinha optado pelo habitus de eremita (quer dizer, tanto o hábito-roupa quanto os hábitos de vida) e que, no momento em que ouviu ao evangelho do envio dos 72 discípulos, dizendo “É isso que quero viver” ele se conformou à palavra evocada optando por um outro habitus fazendo dele um eremita pregador.

Lembramo-nos como, depois, voltando de Roma com seus primeiros companheiros, conseguindo aprovação do Papa para seu gênero de vida, os irmãos se puseram a mesma questão: viver no ermo ou ir pelas estradas e pregar? Esta questão ficará sempre ardente ao longo de sua vida. Um dia, não aguentando mais, enviou a Clara, a contemplativa, e a frei Silvestre, o primeiro sacerdote do grupo, alguns irmãos para que os dois o ajudassem a esclarecer a escolha que deveria fazer. Recebeu a inequívoca resposta de que deveria partir em pregação da Boa Nova.

A acreditar no testemunho deixado pela existência de um grande número de conventinhos, que em razão de sua colocação, eram eremitérios, fica claro que Francisco levava os dois tipos de vida: nos eremitérios e na pregação. Segundo os cálculos feitos por alguns historiadores, Francisco passava 200 dias por ano retirado nesses lugares de silêncio. A outra parte do tempo, estava nas estradas, servindo-se de todas as ocasiões que apareciam para pregar, como aliás, era costume de muitos eremitas dos séculos XI e XII. Alguns se tornaram muito conhecidos como Roberto de Abrissel e seus companheiros.

François, un chercheur passioné de l’absolu
Jean-Baptiste Auberger, OFM
in Évangile d’aujourd’hui, n. 178, 1998, p.25-27

Perguntas para reflexão com jovens e vocacionados

1. As poucas linhas do texto acima falam de um Francisco apaixonado. Dá para captar essa dimensão no texto?
2. Será que jovens que querem ser franciscanos experimentam um apelo ao eremitério?
3. Como os jovens que optam pelo caminho da vida franciscana consagrada imaginam sua vida de missionários?

III. ORAÇÕES

Sonhando na tempestade

 

Mês após mês, queremos oferecer aos nossos estimados
leitores eletrônicos preces, orações para o dia-a-dia da vida.

 

1. SONHANDO NA TEMPESTADE

Senhor, houve tempos em que as coisas pareciam
arrumadas, ajeitadas e enfeitadas.
Houve tempo em que tudo parecia em seu lugar,
tudo bem colocado e bem situado,
conforme nossos gostos.
Tudo tinha gosto de definitivo, de para sempre,
de eterno.
Talvez, Senhor, tenhamos organizado demais as coisas,
e Tu, com teu Espírito, vieste
desalojar pseudoconvicções,
embaralhar costumes e tradições.
O Deus das alturas e da eternidade
é o Senhor das mutações e das transformações.
Tu nos convidas para um novo e gigantesco êxodo
através de novos e ardentes desertos.
Tudo muda. Muda a maneira de rezar,
A maneira de anunciar a esperança,
A maneira de estar no mundo.
Teu Espírito vem sacudir instalações,
e todos somos levados a sentir o gosto do provisório.
e a vestir o que logo mais não servirá para nós.
Somos viandantes e forasteiros em busca da terra
do amanhã e de paisagens ainda desconhecidas.
Nada é definitivo senão teu Amor e o teu Evangelho.
Nada é para sempre senão tua Verdade e tua Promessa.
Nesta hora de turbulência queremos nos apegar
firmemente a ti.
Tu és o farol no meio da noite.
Tua luz, por mais tênue que possa ser,
é guia de nossa caminhada.
Sentimo-nos irmãos de tantos que caminham
às apalpadelas, quase cegos
todos pobres que ajudam outros pobres,
sem títulos, sem privilégios, sem falsas seguranças.
Por vezes sonhamos que um dia a poeira se assentará
e as coisas haverão de serenar.
Mas as coisas não serenam e o mundo continua a agitar-se.
Parece que tudo nos queres despojados e pobres,
mas firmes e unidos.
Tu nos convidas a contemplar a cruz,
a sentarmo-nos à mesa da Eucaristia,
a estarmos em torno de tua Palavra,
sem apoios externos, sem a força das coisas sem força,
suspensos apenas em tua Palavra e na certeza de que
estarás conosco até a consumação dos séculos
e de todas as coisas!

2. SERÁ QUE HOJE DEMOS FLORES?

À moda de exame de consciência

Vivemos, Senhor, a jornada de hoje segundo tua Vontade?
Fomos pacientes, humildes e amorosos?
Fomos atentos aos que chegaram?
Fomos esperança dos que careciam de esperança?
Abraçamos os que choravam?
Sorrimos ternamente de tal sorte que
eles também começaram a sorrir?
Demos flores antes de dar o pão?
Fizemos que Tua alegria pudesse explodir?
Fomos irmãos de nossos irmãos?
Se assim não fizemos. Senhor, perdoa-nos.
Mesmo que tenhamos feitos temos consciência
de que poderíamos ter feito melhor.
Por isso te pedimos:
que sejamos cada vez mais abrasados de amor.

Oração da noite dos Irmãozinhos dos Pobres

3. CONVERTEI-ME, SENHOR!

Para o tempo da quaresma

Meu Deus, perdão, perdão,
perdão pela minha tibieza,
perdão pela minha covardia,
perdão pela minha dissipação,
perdão pelo meu orgulho,
perdão pela minha fraqueza e pela minha inconsistência,
perdão pela desordem de meus pensamentos;
perdão por me recordar tão pouco que estou em tua presença (…)
Meu Deus, convertei-me!
Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo.
Vós que podeis transformar as pedras em filhos de Abraão,
que tudo podeis em mim.
convertei-me, Senhor!

Charles de Foucauld

4. ORAÇÃO DE UM CATEQUISTA

Venho te pedir, Senhor…
Está chegando o momento em que
estarei com as crianças para falar de ti.
Eles chegam para reunir-se
para te conhecer e te amar.
Gostaria que meu bom dia, meu sorriso,
meus gestos fossem os teus.
Que minhas reflexões, minhas palavras, meus silêncios
sejam corretos e bem colocados.
Que nossos diálogos seja ricos de tua presença,
ricos de paciência e de verdade.
Que nossas atividades, nossas descobertas,
sejam grãos de luz no coração de cada um.
Ajuda-me, Senhor, a realizar
como tu desejas
minha missão de catequista.

Albéric de Palmaert
Prier, n. 224, setembro de 2000, p. 17.

IV. E A FAMÍLIA, COMO VAI

Há feridas que custam a cicatrizar

 

A família é lugar de estreitamento de laços de ternura e espaço de demonstrações de carinhosas atenções. Leva tempo, leva muito tempo para construir um casamento e para a “confecção” de um casal de verdade. Há pares bem sucedidos andando por aí. Eles caminham de mãos dadas, um perto do outro, coração perto de coração. Muitos têm os cabelos brancos, mas o coração anda viçoso. Aprenderam a ser amigos e companheiros. É belo ver um casamento que dura. Belo ver um casal que tem sempre alguma coisa a se dizer. Lembro-me daquela mulher que dizia, depois da morte do marido: “Não bastaram 60 anos de casamento…Quando meu marido partiu eu ainda tinha na agenda do coração muita coisa a lhe dizer. Por vezes me vejo conversando com ele interiormente. Não foram suficientes os 60 anos”.

Fica difícil construir a unidade do casal quando houve machucados ao longo do caminho. Há feridas maiores ou menores. Elas impedem que um casamento e uma família sejam, efetivamente, espaço de ternura e de lugar de alegria profunda.

Há rapazes que, no tempo de solteiros, foram muito “namoradores”. Uma vez casados não conseguem controlar seus desejos e continuam sendo galanteadores, sedutores e conquistadores. São casados, mas vivem aventuras. São seres desarrumados interiormente. Falta-lhes unidade afetiva interior. Borboleteiam. Esse dilaceramento interior impede que o casal construa sua unidade na limpidez. São feitos remendos e costuras. Há mulheres que ao terem certeza das aventuras do marido sofrem demais. Umas jogam tudo para o ar. Outras tentam costurar os rasgões ou curar a ferida… mas esta demora a fechar.

São conhecidos casos de homens e mulheres que sofreram muito na mão de um sogro ou de uma sogra. O sogro, dono da empresa familiar, dono também de sua esposa, do filho, da mulher do filho, dos netos, do dinheiro impõe sua vontade: não quer que o filho tenha conta bancária conjunta com a mulher, resolve que ele será gerente de uma das filiais, situada bem distante da matriz. A mulher do filho nunca é consultada. Não tem outra alternativa senão dobrar-se à imperativa vontade de sua excelência, o sogro. Esse gênero de humilhação não favorece o crescimento do casal. Pode até mesmo destruí-lo. É uma grave ferida…

Há ainda essas feridas que são abertas em momentos de discussão acalorada do casal em sua intimidade, ou diante dos filhos e mesmo em encontros com conhecidos e amigos do casal. Normal que um casal tenha suas desavenças e diferenças e tente, por vezes, até com a voz mais elevada, resolvê-las. Mas quando o coração de um escuta palavras duras e humilhantes da parte daquele que é seu companheiro ou da daquela esposa para o qual ele faz convergir as melhores energias de sua vida e de sua história… nesse momento abre-se uma ferida. Quando a ofensa é profunda a ferida custa a cicatrizar…

Finalmente, lembremo-nos de uma outra ferida familiar. Uma mulher viúva casa-se novamente. Traz para esta união sua filha quase adolescente. O novo marido da mulher em momentos de loucura aproxima-se da enteada e quer se servir dela sexualmente. A menina moça tem medo de denunciá-lo. Fica perplexa. Há ameaças bem concretas. Ele a acusaria de ter entrado em seu quarto…. E a menina ficará para toda a vida com essa ferida…

O mundo de hoje conhece perturbações de toda sorte. Lutamos para que os casais seja casais amorosos e sinceros e a família lugar de vida e de ternura.

V. PASTORAL

Preparação imediata para o casamento (II)

 

Nesta nossa seção de pastoral queremos começar a abordar a problemática do acompanhamento dos que se casam, dos noivos. O assunto é vasto e não pode ser abordado de uma só vez. Nossos amáveis leitores encontrarão sua continuação nos próximos números de nossa revista eletrônica.

 

Primeiras constatações

1. Párocos, sacerdotes, casais, agentes de pastoral familiar todos andamos preocupados com o acompanhamento dos jovens que se preparam para o casamento e para receber o sacramento do matrimônio em nossas comunidades. O presente texto tem a finalidade de levantar algumas questões e fazer algumas sugestões. O tema é delicado e espinhoso. Todos os que levam a sério a pastoral, como ação da Igreja de acompanhar os batizados rumo à perfeição da vida cristã sentem-se, mal com esta pastoral que deveria ser chamar de pastoral dos querem casar-se e dos que se casaram há pouco tempo. A impressão que fica é que continuamos com uma mentalidade sacramentalista. Falta a dimensão profunda do conhecimento do ser humano e da evangelização.

2. Devemos observar que diminuiu o número de celebrações do sacramento do matrimônio. Muitas de nossas paróquias, na década de 80, aos sábados, celebravam, por vezes, até dez casamentos. Hoje as pessoas não se casam mais “no religioso”. Muitos que estão vivendo maritalmente, talvez até com muita seriedade, são convidados a “legitimar” sua situação frente à Igreja. Há esses casamentos coletivos. Até que ponto houve a devida e séria preparação? Será que não foi feita a toque de caixa? Há mesmo certas legitimações em que filhos, já quase adolescentes, entram trazendo as alianças dos pais… e há muitas fotos e vídeos…quase só pompa e circunstância. Até que ponto isso é pastoral?

3. Tempos houve em que não havia uma pastoral dos noivos. Jovens oriundos de famílias tradicionalmente católicas pareciam não necessitar de maiores esclarecimentos. Faziam parte de comunidades, algumas vivas outras mais litúrgicas e tradicionais. Tinham ideia do que vinha a ser o casamento católico. No começo da década de 50 começaram a surgir, aqui e ali, os ditos cursos de noivos. Depois vieram os cursos para o batismo dos filhos e outros cursos. Corremos o perigo de realizar simplesmente uma pastoral pragmática, uma pastoral de cursos. Os interessados em sacramentos se dobram às exigências e com um certificado de papel recebem os sacramentos. E a vida cristã? E a adesão a Cristo? E o amor dos esposos que será como o amor de Cristo pela Igreja? Não se trata de eliminar essa preparação imediata chamada curso ou encontro de noivos. Apesar de sua precariedade, em alguns casos, produz frutos. Radicalismos em pastoral não levam a nada. Mas é evidente que estamos diante de uma aberração. Rapazes e moças desvinculados da Igreja, do espaço onde vive o Ressuscitado, chegam, ouvem, se casam e desaparecem. A criatividade pastoral precisa ser colocada em ação.

4. Neste contexto digamos uma palavra rápida a respeito da cerimônia religiosa do casamento religioso. Nada contra as flores e o canto, nada contra a festa no dia em que se celebra o amor humano. Nada contra o álbum. Sejamos lúcidos. O que assistimos nas celebrações, por vezes, nos choca. Luxo, empresas com cerimonialistas, quantidade exagerada de padrinhos, atrasos, pessoas se sentindo desajeitas com o senta-e-levanta dos ritos, leituras que parecem nada dizer aos convidados, muita emoção, chuva de pétalas de rosas, portas fechadas e abruptamente abertas ao som de trombetas. Depois ainda a recepção… Compreendemos e não compreendemos. Como se coloca em tudo isso Cristo vivo e ressuscitado?

5. Digamos ainda uma palavra a respeito do primeiro contato de pretendentes ao casamento com a paróquia. As mais das vezes isso é feito por uma secretária ou um secretário, nem sempre devidamente esclarecidos. Chega a noiva que quer o tal dia e o tal horário. Ela fica sabendo das condições todas: se pode ou não pode enfeitar do jeito que ela quer, se é possível trazer um padre de fora, quanto custa… Passemos. Esse primeiro contato com a secretaria, nos meus 46 anos de padre, sempre me incomodou. Tem que haver um outro modo para se realizar o contato dos candidatos à vida matrimonial cristã… Tenho receio de que o importante fiquem sendo os aspectos exteriores e o quanto… custa….

6. Sentimos que não se trata apenas de uma preparação tão curta. Devemos dizer que, não poucas vezes, o curso ou encontro de noivos tem a duração de um sábado à tarde e de um domingo pela manhã. Há honrosíssimas exceções. Sentimos que não se trata apenas de aumentar a “carga horária” (vejam o vocabulário que usamos). Não se trata apenas de tornar o casamento mais “barato”. Por detrás de tudo está a vida de um homem e de uma mulher, de um rapaz e de uma moça, de pessoas que, vindas de horizontes diferentes, passarão a serem um só corpo e uma alma. Por detrás destes rostos bonitos, desses corpos atléticos, dessa juventude adorável está em jogo a construção do casamento e de uma família. Compreendemos hoje, mais do que nunca, a importância da família na vida das pessoas. Sabemos que boa parte dos dramas do mundo e das sombras da Igreja se originam precisamente da falta de famílias. O sacramento do matrimônio inaugura a vida familiar. Num tempo de coisas provisórias, do individualismo sem nome, do descarte de tudo, da fragilidade do vínculo precisamos de uma pastoral que oriente essas vidas a serem vidas viçosas. Casamento precisa durar, os filhos precisam da estabilidade afetiva dos pais, a família é lugar de educação e de “transmissão” da fé. Lá se forjam caracteres de valor e ali os filhos são apresentados a Cristo. A família é Igreja doméstica.

Continua no próximo número