Dezembro 2020
- "Desceu dos céus..."
- Que segredo tem o Natal?
- Eis o meu Deus
- Quando o coração arde no peito
- As sopas de nossas casas
- Nesta edição
"Desceu dos céus..."
José González Faus, SJ publicou um livro comentando o Credo cristão. No momento em que aborda o artigo que fala do Verbo que desceu do céu tem uma breve página cujo conteúdo cabe bem para ser refletido no tempo do Natal.
Trata-se de um homem pobre que viveu num lugar humilde e quase desconhecido, que não teve estudos especiais nem escreveu nada e que apenas atuou de forma pública durante uns três anos. Que apresentou Deus como “boa notícia”, viveu a partir da experiência de Deus como abbá, experiência que nos é oferecida a nós, mas que carrega consigo a exigência da fraternidade e igualdade entre nós. Que “passou fazendo o bem e libertando aos que estavam oprimidos” por suas próprias escravidões interiores ou pela dominação do dinheiro ( que considera os pobres amaldiçoados por Deus) e pela dominação dos poderes religiosos ( que buscam ser saudados e reverenciados como superiores e impõem aos outros pesados fardos que eles mesmos não querem carregar), E, finalmente, cuja vida tornou-se conflitiva, não para os judeus enquanto judeus, mas sim enquanto homens “religiosos”.
Algo disso é o que significa a expressão “desceu do céu”.
José I. Gonzalez Faus, SJ – Confio, Comentário ao Credo cristão – Vozes, p. 77
Ilustração: Vatican Media
Que segredo tem o Natal?
Belíssimas linhas de José Tolentino Mendonça, hoje Cardeal Tolentino Mendonça
Pergunto-me, Senhor, que segredo tem o Natal?
Há um milagre que acontece dentro de nós, só pode ser um milagre,
pois é como se a vida reascendesse.
Contemplando o presépio, percebo que este é um milagre humaníssimo que Deus suscita aos nossos olhos.
Ele amou-nos tanto que nos deu o seu próprio Filho.
O milagre do Natal assenta sobre esse dom absoluto que nos faz perceber que somos à medida em que nos damos.
E que a vida renasce, como dádiva, na ponta dos dedos, no olha e nas palavras.
José Tolentino Mendonça, Um Deus que dança, Paulinas, p. 61
Eis o meu Deus
Natal, natal, um recém nascido, envolto em panos e dormindo. Uma criancinha chorando. Um menininho é nosso Deus.
Jesus! Quando Jesus ganha corpo ele passa a sentir necessidades, fome, sede, frio, cansaço, sono e suor. As coisas do mundo se tornaram dele. A tudo isso ele juntou seu Espírito. Seu corpo se tornou “condição” de seu Espirito.
Deus aprende a usar um corpo e com isso assimila a lição da dependência.
Dependência do tempo e do espaço, dos cinco sentidos para ver, escutar e tocar. Conviverá com fôlego curto ou largo, com seu ritmo cardíaco, química, músculos. Aprende limites e limitações.
O filho do Infinito ganhando corpo ingressa na finitude. O animado de toda a Vida conhece a morte. Assim o nosso Deus.
Quando ganha corpo começa a correr o risco do encontro com o outro.
Desde seu nascimento, criancinha, seu corpo está implicado na proximidade, a começar por essa proximidade umbilical no côncavo de sua mãe. Sua pele se tornou o seu mais profundo. A pele é caminho do outro nele.
Tomando corpo ele optou pela possibilidade da dor.
Destarte pode se entregar. Foi de colo em colo, de braços em braços
como recém nascido, antes de ser entregue
de Caifás a Herodes e de Herodes a Pilatos.
Este é meu, nosso Deus.
A Palavra se fez corpo.
Correu o risco da decepção com nossos gestos e nossas palavras.
Correu o risco com as incertezas de nossa linguagem.
A Palavra aventurando-se em carne e osso.
Palavra que corria o risco de não ser aceita.
Não quis nenhum sinal que o privilegiasse e o distinguisse dos outros.
Ele é meu e nosso Deus.
Para ouvir a Palavra de Deus não resta outro caminho
se não ouvir a voz do homem!
Texto de apoio, Tu es donc mon Dieu, in Prier (dezº 1981)
Quando o coração arde no peito
Desejo de Deus, desejo de plenitude, súplica ardente para o tempo do advento. Mestre Hildebrando, seu autor, foi monte no século XIII
Jesus bendito, minha esperança, minha espera, meu amor, tenho algo a dizer-te, algo sobre ti, uma palavra cheia de dor e de miséria. Tu que és o Verbo, o unigênito do Pai não gerado, feito carne por causa de mim, Palavra que saiu do coração do Pai, Palavra que Deus proferiu uma só vez, Palavra por meio da qual nestes dias que são os últimos, teu Pai celeste me falou (cf. Hb 1,1-2), queira escutar a palavra que sai do meu coração cheio de desejos, e que se dirige a ti, Palavra de Deus. Escuta e vê: minha alma fica triste e perturbada quando diariamente me dizem: Onde está o teu Deus? (Sl 42). Nada tenho a responder, receio que estejas ausente, não sinto tua presença.
Meu coração arde no peito, desejo ver o meu Senhor. Onde estão minha paciência e minha constância ? És tu, Senhor o meu Deus, e eu, o que farei? Procuro-te e não te encontro; desejo-te e não te vejo; persigo-te e não te alcanço (cf. Ct 3, 5; 5-6). Que forças tenho eu para persistir e até que ponto poderei suportar? Que há de mais triste do que minha alma? Que há de mais miserável? De mais atormentado? Crês, ó amado, que minha tristeza se converterá em alegria ao te ver? Que minha miséria se mudará em íntima partilha quando eu habitar contigo? E o meu tormento, num jogo entre dois amigos, quando eu te conhecer perfeitamente? Fala, Senhor que o teu servo escuta (1Sm 3,9), Que eu possa ouvir o que dizes de mim, Senhor meu Deus (cf. Sl 85,9). Dize a mim: Eu sou a tua salvação! (Sl 35,3). Fala de novo Senhor e fala de modo que eu escute: “Filho tu estás sempre comigo e tudo que é meu é teu” (Lc 15,31). Eis aí, Verbo de Deus Pai, eis aí o que eu desejaria ouvir!
Mestre Hildebrando
Lecionário Monástico I, p. 57-58
As sopas de nossas casas
Tempo de natal, ceia, aconchego, mesa de família. Quem não se lembra dos encontros em torno à mesa e das sopas que se tomam ao cair da tarde…
A família não perdura e progride no espaço e no tempo por um decreto lei, mas com a atenção e a vigilância de todos ao longo do tempo da vida. Há revisões de rota, momentos de busca do perdão, criatividade amorosa. Ela cresce através de alguns ritos e de coisas triviais levadas ao fundo do coração. Vejam como é curiosa esta frase: “As sopas que se tomam ao cair da tarde, perfumam a casa e aquecem o coração”. Dizem que seu autor é Antoine de Saint-Éxupéry.
Ah! Essas coisas simples nas casas dos homens. Há esse cheiro de neném novo, o odor de lavanda nas roupas, em armários e closes, o perfume de talco que ficava no armário do banheiro. Essas coisas, quando evocadas, aquecem o coração.
Há esses odores que chegam da cozinha: café fresco, pudim de leite queimado e sopa com bacon. Ao cair da tarde, a frase supostamente de Éxupéry, dá a entender que as pessoas se reúnem ou podem se reunir para tomar um prato de sopa, sopa quente, sopa com torradas tudo isso feito como se fosse um ritual. Alguns poderão dizer que em nossos dias isso não acontece. As pessoas, homens e mulheres, preferem um happy hour ou fazem um sanduiche e comem diante da televisão e nada de sopa ao cair da tarde…nada de perder tempo com isso.
Mas a tal da sopa pode perfumar a casa e o coração. Ajuda o marido a gostar da mulher, a mulher a gostar do marido e todo mundo sentir um “crescimentozinho” da família. Enquanto se toma a sopa de ervilha, de legumes ou de massinha em forma de lacinhos, ou de cebola há tempo para olhar que a mulher está com mais fios de cabelo branco, ver novamente o jeito maroto do marido e a beleza da filha mais velha.
Sim, as sopas que se tomam ao cair da tarde perfumam a casa e aquecem o coração.
Nesta edição
TIRANDO DO BAÚ COISAS NOVAS E VELHAS
Reinventando a vida a cada dia
Edição de dezembro de 2020
Há alguns anos procuramos nos aproximar dos amigos deste site franciscano através desta “revista”. Chegamos ao fim de um ano diferente. Mas estamos aqui. Gostaríamos, nesta edição de dezembro, de abrir uns frascos de perfume no ar pensando em termos de advento e natal.Com carinho e votos de paz e todos os bens.
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM