Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Dezembro 2017

DEZEMBRO 2017

Colocamos nas mãos de todos os nossos prezados amigos e leitores o número de dezembro de nossa Revista Eletrônica. Estamos sempre a remexer no baú. Artigos, reflexões, textos de espiritualidade querem ser instrumentos de preparação para as visitas do Senhor em nossa vida não somente nesta quadra do Natal. Estamos sempre esperando o Senhor. Vigiamos sua chegada.

freialmir@gmail.com

I. PARA COMEÇO DE CONVERSA

É sempre tempo de Advento

 

Esperar não é sonhar:
é o meio de transformar o sonho em realidade.
Felizes os que têm a coragem de sonhar,
os que estão  dispostos a pagar seu preço, para que o sonho ganhe corpo  na história dos homens!

Cardeal Suenens

 

Quando falamos em Advento certamente pensamos mais no período antes do Natal, pensamos mais na vinda, no Advento do Senhor. Os autores espirituais falam de três vindas:  a primeira  na pobreza de Belém, a segunda no fim dos tempos e a terceira, discreta, em nosso dia a dia. Sabemos que sempre é tempo de vigilância, de ter velas acesas nas mãos esperando a chegada do Senhor e a irrupção do cortejo do esposo que chega para a festa da intimidade.

Desnecessário ficar repetindo que vivemos na agitação, na superficialidade. Disto temos plena consciência. Isso nos incomoda. Com atividades febris, correria, tarefas urgentes ou inventadas, nossas horas parecem curtas e mal começamos a percorrer o mês de janeiro temos a impressão de que o tempo escapa de nossas mãos. Não temos tempo.  Há solicitações e urgências. Temos tanto que fazer que o tempo nos falta.

Tudo se precipita. Não temos mais tempo de visitar o coração. Nossa vida é como essa mania de comida rápida, sempre rápida (fast food). Será que esperamos? O que esperamos? Na verdade não temos tempo de ver crescer nossos amores, nossas crianças, nossas competências, simplesmente nossa vida.  Repetimos ideias.  Somos sonâmbulos no trânsito, no trabalho, no metrô, na família.  Um autor assim se exprime: “Vivemos o tempo da recusa do tempo; os mostradores de nossos relógios  não têm mais os ponteiros  que iam pulando de segundo em segundo, na direção da hora seguinte.  Acabou-se o  tempo  em que o tempo era um espaço a ser percorrido. Por medo do futuro e esquecimento do passado  fomos nos tornando  zelosos turiferários da religião do instante” (Bertrand  Révillion, Revista Panorama  (Paris),   2002, p. 3). Religião do instante… como isso é verdade.

Faz muito bem viver o tempo do Advento. Reencontrar as passagens de Isaías, ver o Batista apontando para aquele que vem, estar perto de Maria grávida de Deus. Há qualquer coisa de novo no ar. Vamos, pois, nos revestindo de esperança.

O futuro não nasce inopinadamente. Ele é resultado de fecundações lentas  que deixamos germinar no ventre da  Natal nada mais é do que um fabuloso dom feito ao homem: o tempo longe de ser uma prisão que acorrenta e  que leva ao nada, é chance de vida. Natal que dizer que Deus se fez tempo, nasceu no tempo, que a eternidade está no tempo.

Celebrar o Advento é ousar viver o tempo das lentas maturações, reaprender a caminhar lentamente, passo a passo, para nossa mais densa e profunda humanidade.  É quebrar essa cadeia frenética do tempo vazio demais  porque cheio de  coisas sem valor, é fazer em si, em seu mistério de homem, lugar para a chegada do Inesperado.

Viver o Advento é dizer a todos os desesperados que a terra tem um amanhã desde que deixemos esse futuro nascer. E o futuro é sempre esse Deus que vem. Ele, o Inesperado, vem.

… “Os satisfeitos não buscam nada realmente novo.  Não trabalham para mudar o mundo.  Não lhes interessa um futuro melhor. Não se revoltam diante das injustiças,  dos absurdos do mundo presente. Na realidade, este mundo é para eles o céu ao qual se candidatariam para sempre. Podem permitir-se ao luxo de não esperar nada melhor.  Como é tentador adaptar-se sempre  à situação,  instalar-nos confortavelmente em nosso pequeno mundo. Mas não esqueçamos:  somente aqueles que fecham os olhos e os ouvidos, somente aqueles que se tornaram insensíveis, podem sentir-se à vontade num mundo como este( R.A.Alves)  (Pagola,  Lucas, p 337).

Até o fim da vida, o homem está sob o regime do Advento: “O ‘agora’ eterno  já está em teu interior, esse ‘agora’ que ninguém pode encurtar, nem para atrás, nem para frente e que já começou a arrumar em ti o buquê de todos os instantes terrenos. Até o dia em que ouvirás: “Entra na alegria de teu Senhor” (Mt 25,21), estarás no regime do Advento. Deus, no momento, não espera de ti uma alegria exuberante, porque são pesadas as correntes que te prendem no tempo, mesmo que elas tenham começado a cair.  A única coisa que te é pedida é de alimentar esta alegria humilde e discreta da fé  que vive na ardorosa espera do mundo que está para vir, tão firme que faz com as coisas que caem sob nossos sentidos  não constituem a totalidade da realidade; a alegria humilde do presidiário  ainda encarcerado mas que sabe que está  para ser libertado”  (Karl Rahner).

II. LEITURA ESPIRITUAL

“Vem, Senhor”

 

Uma página traduzida e inspirada em “Prières des Premiers Chrétiens” de Adalbert  G.  Hamman,  franciscano. Fala da oração e da vinda ou das vindas do  Senhor. Texto que nos coloca no espírito do Advento e nos faz mergulhar na oração.

 

“Maranatha”, esta exclamação de Jesus que o Apocalipse traduz: “Vem, Senhor”, primitivamente fazia parte da celebração eucarística dos cristãos que falavam aramaico. Foi passando, da mesma forma, para comunidades de origem e cultura gregas(…).

“Vem, Senhor”, não exprime apenas a súplica das primeiras gerações cristãs;  exprime bem  a espera e a dinâmica de toda oração. O verbo “vir”, no Novo Testamento, sobretudo em Paulo e João, exprime a tensão de toda história com o duplo sentimento de proximidade e de distância.  Deus é “Aquele que é, que  era e que vem”.

A história bíblica, desde suas origens até seu  termo, do Gênesis ao Apocalipse, é polarizada pela espera. Está orienta para o futuro, para a realização das promessas. Todo cumprimento contém uma nova promessa, até o seu termo no fim dos tempos.

O tempo é o espaço em que Deus vem ao homem e onde o homem pode descobrir Deus. Toda a história é profecia deste acontecimento, preparação para “apressar” o Dia, acostumar, como diz Irineu, o homem para esta visita. A oração de Israel, dos profetas e, sobretudo  dos salmos,   manifestam uma espera, súplica para que os céus se abram e as nuvens chovam o justos (…).

O cristão traz em si, em sua fé, a tensão entre o “já” e o “ainda não”.  A Igreja, o fiel, a criação geme no dizer de Paulo consciente  de sua falta de acabamento, de completude. O Apocalipse compara a Igreja à mulher sofrendo as dores de parto. A fé no Ressuscitado, a liturgia diante do Trono de Deus nada mais fazem do que  fazer sentir o sofrimento do cristão com sua situação e gritar: Até quando?

A eternidade já começou.  Ela é Deus. Quem vive em Deus, nesse Deus manifestado em Jesus Cristo, já vive na eternidade, mas ainda na provação e desgaste do tempo. Para o cristão, uma dupla fidelidade:    presença ao hoje de Deus para agir com ele, e, ao mesmo tempo, ter os olhos fixos na vinda do Senhor que vem, que virá, porque o tempo não é eterno. Fomos embarcados na aventura de Deus, conscientes de que ela passa além e  invocaremos o Senhor com  orações e clamor (…).

Vigiai e orai…”, essa recomendação de Jesus volta sempre de novo, é como um leitmotiv que dá ritmo à paciência do tempo. Isto quer dizer que a cada instante precisamos estar preparados para encontrar o Cristo.  Não é uma questão de tempo, uma fatalidade da vida, mas o ato mais importante da existência que precisa ser preparado, amadurecido, numa disponibilidade  livre e franca.

O verdadeiro limite da vida do crente não é a morte, mas a fé.  É a partida sem volta possível, rumo ao país de Deus, cortando todas as amarras do porto.  É um empreendimento de todo o nosso ser, verdadeira passagem da morte para a vida, mistério de morte vivido na fé, que é mistério de ressurreição e de vida. Para o cristão que viveu e vive  esta fé,  a morte é, como dizia Inácio de Antioquia, uma aurora, uma aurora esperada pelas sentinelas da noite.

A atitude do cristão consiste menos em escrutar o horizonte, em conhecer o Dia, do que a viver intensamente o presente, para discernir Aquele que vem.

Texto publicado na revista
Prier n. 96, nov. 1987

III. DIANTE DO PRESÉPIO

Quando o Altíssimo se torna fragilidade

 

Na noite despojada da gruta Oriente

 

Vocês dizem que é muito difícil conviver com crianças. Vocês têm razão. Dizem que é muito difícil colocar a seu nível, abaixar-se, inclinar-se, curvar-se, tornar-se pequenos… Aí é que vocês se equivocam. O que mais cansa é elevar-se até à nobre altura de seus sentimentos, de se estirar, de se esticar, erguer-se na ponta dos pés para não feri-las.
Janusz  Korczak

 

“A humildade é a veste de Deus”, diz Isaac, o Sírio (sec. VIII). O encontro com Deus só se produz na humildade. É preciso que me entendas bem: trata-se da humildade de Deus, antes de tudo, porque como dizia São Francisco de Assis, Deus é humildade e ele sempre se abaixa quando quer falar conosco”  (Enzo  Bianchi).

A onipotência de Deus se manifesta em sua fragilidade. Tudo nele é fragilidade. Tudo ficará muito claro, no final da trajetória. Um jovem adulto, no alto da cruz, sem apoios externos, um ser na plenitude de sua força sendo exposto ao ridículo, despojado de tudo, vilipendiado, amarrado, desrespeitado, insultado, abandonado.    Remexendo-se de dor no alto da cruz, como se remexia nas palhas do presépio, torturado pela sede, tentado pelo desânimo, sorvendo gole a gole o cálice da amargura: um ser frágil que atinge o ápice da fragilidade. Fragilidade essa que havia acompanhado todos os seus dias: sem casa, sem pedra para reclinar a cabeça, peregrino,  buscando sempre abrigo no Pai e no coração dos pequenos, rejeitado pelos de sua terra. Tudo começara naquela noite do Oriente, na noite despojada da gruta de Belém.

Chega à nossa mente tudo o que foi se construindo em torno do Natal: arrumação cuidadosa da casa, as vitrines com presentes, as melodias natalinas, a árvore iluminada, o presépio,  panettone, rabanadas, Papai Noel, velas coloridas,  gente se confraternizando. No momento em quem evocamos tudo isso nosso coração ainda se enternece.

Tudo isso aponta para o Natal. Mas o que é o Natal? Precisamos nos colocar diante do adorável mistério da Trindade. Não temos condições de representar mentalmente esse insondável abismo, de vida, de amor, de ventura. Uma eterna fornalha de dom, de amor, irradiante e irradiadora, difundindo amor, sendo incapaz de não difundir caridade. O Pai gerando o Verbo e o Verbo voltando-se para o Pai.  Entre o Pai e o Verbo, o Sopro, o Hálito, o Espírito.  Deus fornalha de amor, comunhão de amor.

Quando chegou a plenitude dos tempos a Palavra, o Verbo eterno de Deus se tornou carne e habitou entre nós. “E a Palavra se fez carne e habitou entre nós. E nós contemplamos a sua gloria, glória que recebe do Pai como Filho Unigênito, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14)

Um abismo de beleza e de amor se aproxima do homem. Por que o homem tão frágil foi tão elevado?  Por que, tanta benignidade? Por que aquele que sendo de condição divina se torna uma criança, a Criança? Somente a caridade, o amor divino explica esse excesso. Repetimos: a caridade divina, o amor trinitário, o ardor, o fogo  do  Deus uno e trino.

Temos motivos sobejos para nos alegrar. Contemplamos a singeleza e majestade da cena.  Uma mulher jovem e transparente que diz sim, acolhe o convite do Alto, torna-se tabernáculo do Altíssimo. Uma mulher recitadora dos salmos e discípula de Abraão, o homem da fé. Uma mulher que levava as coisas para o fundo do coração. José, o esposo e companheiro de Maria, o guardião da Sagrada Família, o Justo, o que fica perto e marca presença com seu eloquente silêncio.  A frágil criança envolta em faixas, entrando em contato com o mundo. Uma Criança, Deus que se faz dependente dos peitos de uma mulher, dos cuidados de José.  Uma criança que será acolhida pelos corações despojados e pobres, sedentos de plenitude. Tudo encantadoramente pobre e simples. Assim é o Natal.

Francisco de Assis soube extasiar-se diante do presépio. Quis celebrar o evento na aldeia de Greccio. Damos a palavra a Frei Fernando Felix Lopes:  “Foram chamados os  frades dos eremitérios à  Homens e mulheres da redondeza, todos acorreram, e noite a dentro, era procissão  dos archotes e fogaréus a trepar por aquelas encostas e a espantar as trevas da noite bendita em que raiou a aurora que veio alumiar os séculos, tantas luzes boiando no escuro, subindo e descendo em cada da gruta em que outra  vez ia nascer  Jesus. E chegou o santo,  e exultou naquela noite de alegria.  O curral, a manjedoura com o feno, o boi, o jumentinho.  Podia chegar Nossa Senhora, podiam vir os pastores. Estava bem montada a casa da santa simplicidade e da humilde santa Pobreza. A gruta de Greccio era tal qual fora a gruta de Belém. Alumia-se a noite como se fora dia: cantam os bosques de a volta, e as rochas respondem em eco aos cânticos de alegria. É que se aproximam as gentes  e não lhe cabe n a alma a alegria daquele mistério  novo nunca visto”  ( O Poverello  S. Francisco de Assis,  Ed. Franciscana,  Braga, p. 435).

IV. FAMÍLIA

Ter um espírito de família

 

No domingo 31 de dezembro estaremos comemorando a festa da Sagrada Família  Jesus, Maria e José.  Será dia de oração e de reflexão por nossas famílias e as família dos outros.  Somos convidados a viver em família uma descontraída e delicada ternura ternura.

 

Lá está aquela mulher. Ela acabou de ninar o filho.  A criança dorme tranquilamente no berço. A mãe traça uma cruz na fronte do menino.  Na pontinha dos pés retoma seus trabalhos. Está fazendo um bolo de chocolate para o almoço de domingo. Passado algum tempo ela volta para espiar as coisas. A criança já acordou e quando vê a mãe chegar abre um sorriso esplendoroso.

O homem já tinha chegado à casa. A mulher e as crianças ainda não tinham voltado. Ele faz o que pode, o que deve fazer: cuida das plantas, varre o quintal, ajeita a casa, recolhe as roupas do varal,  arruma tudo para fazer uma omelete com queijo e presunto. Fica nas janelas esperando que os pedaços de seu coração comecem a chegar.

Aquece o coração da gente quando aquela menininha que está para começar a falar ensaia sons… quer tanta coisa, mas não consegue, atrapalha-se toda, sabe que que não sabe falar, mas não desiste. Há dentro daquele peito um desejo de comunicar, de contar que o gato se escondeu debaixo de sua cama, que ele quer um biscoito de maizena, que seu irmão implicou com ela… Está doidinha para destravar a língua

Quanta ternura no rosto daquela senhora de muitos anos. Está sentada no canto do quarto iluminada por um abajur.  Lê trechos do livro da Imitação de Cristo de Tomás de Kempis.  Fecha o texto e conversa amorosamente com o Senhor.  Ela sabe que ele está perto dos que o buscam.  Quanta ternura no rosto desta mulher de cabelos brancos e com  semblante revestido de tanta paz.

Lá estão eles, dia de domingo, sentados à mesa armada no quintal.  Almoço de domingo.  Um casal de tios com os filhos vieram também para  a festa do dia do Senhor. O Pai  lê um poucos versos do Sermão da Montanha.  Há momentos de silêncio e depois é celebrada a vida e a união da família naquele almoço de domingo.

V. FIM DE ANO

Prece de Ação de Graças

 

Às porta do ano novo temos vontade de agradecer ao Senhor.

 

Senhor,
pela chuva e pelo sol,
pelo sorriso das crianças,
pelos cabelos brancos dos idosos,
pelas mãos calejadas do agricultor,
nós te damos graças.

Pela fertilidade da terra,
pela generosidade das fontes
pela serenidade das noites de luar,
nós te damos graças.

Pelos amigos que cruzarem nossos caminhos,
pelos dons que recebemos a cada instante,
pelos que enxugaram nossas lágrimas,
nós te damos graças.

Pelas dores experimentadas,
pelas cruzes abraçadas,
pelas preocupações suportadas,
nós te damos graças.

Pelos médicos que se dobram sobre os enfermos,
pelos cautelosos e sábios cirurgiões,
pelos enfermeiros que velam à noite nos hospitais,
nós te damos graças.

Pelos gestos desinteressados que nos fizeram,
pela verdade que nos foi dita,
pela lealdade com que fomos tratados,
nós te damos graças.

Pelo tempo da vida, pelo ano que passou,
pelos amores e dissabores,
pela ofensa que nos foi perdoada,
nós te damos imensas e infinitas graças,
Senhor grande e belo.

Amém.