Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Cadernos de formação – Junho 2021

"Mestre, onde tu moras?"

Joao 1, 35-42

Voltar a Jesus é reavivar nossa relação com ele. Deixar-nos alcançar por sua pessoa. Deixar-nos seduzir não só por uma causa, um ideal, uma missão, uma religião, mas pela pessoa de Jesus, pelo Deus vivo nele encarnado.
Pagola

♦ Vamos refletir sobre o chamamento dos primeiros discípulos para o seguimento do Mestre segundo João. Nossos leitores deverão ler o texto do Novo Testamento acima indicado para poderem melhor acompanhar nossa reflexão. Bom seria mesmo lê-lo duas vezes.

Os evangelhos nos dizem que Jesus estava sempre se deslocando, sempre em movimento. Um andarilho. Vem do mistério do Pai, vive caminhando na terra dos homens, diz sempre que vai para o Pai, que volta para o Pai. Encontra-se com as pessoas em seus locais de trabalho, na família, à beira da estrada, nas circunstâncias em que vivem. No texto, Jesus passa e o Batista o aponta, dizendo: “Eis o Cordeiro de Deus”. Dois dos discípulos do Batista certamente já tinham ouvido falar dele. Esse mesmo Jesus, vivo e ressuscitado, hoje passa e questiona vidas. Uns e outros ouviram falar dele na catequese no tempo de criança ou nunca de verdade prestaram atenção em seu nome e sua pessoa. De repente, Jesus “passa” nas vidas. Ele os acorda. Experimentam vontade de dizer: “Onde tu moras?”

Os dois discípulos seguem Jesus. Reconheceram que aquele homem era de fato o Cordeiro de Deus. Chamaram-no de Mestre dando-se conta de sua autoridade e sabedoria. Querem saber onde ele mora. O pedido exprime o desejo do homem de morar perto de Deus. No Tabor, Pedro vai querer levantar tendas para morar com o Jesus do rosto iluminado. Habitar junto de Deus é desejo de toda criatura. Jesus responde: “Vinde e vede”. No Tabor, uma nuvem cobrira os discípulos. Agora Jesus convida os dois discípulos do Batista a que andem atrás dele: caminhar, seguir, ir. Ser discípulo: andar onde ele andou, segui-lo, acompanhá-lo em sua viagem e atingi-lo através da morte. Digo bem: tomar sua cruz. No final do caminho haveremos de vê-lo face a face como ele é. Ver quem é Jesus é um ato de fé. A fé é dom. “Vinde e vede”.

Jesus convida à ação: caminhar, seguir, andar em seu caminho. Andar onde ele andará, partilhar sua viagem até o fim, até a morte e a paz da ressurreição. No fim do caminho haveremos de vê-lo face a face. O importante é seguir o Senhor Jesus

Pequenas orientações práticas:

♣ É preciso buscar ou deixar-se buscar. Experimentar sede. Não se acomodar com teorias e noções cerebrais. Não se acostumar preguiçosamente com as coisas da fé. Importante não é buscar uma coisa, mas uma pessoa.

♣ Se em algum dia ou algum tempo a pessoa de Jesus nos tocar é o momento de nos deixarmos fascinar por ele. Isto pode acontecer quando mergulhamos no silêncio, quando encontramos um corpo dilacerado como o corpo do Senhor e ele suplica nosso olhar, quando nos tornamos uma oferenda ao Pai com ele. Quem sabe possamos ser tocados no momento da fé mais pura e da noite mais escura.

♣ Andar nos passos do Senhor. Conviver com Cristo.

♣ Quem se põe a caminho seguindo Jesus começa a recuperar a alegria e a sensibilidade para com os que sofrem. Começa a viver uma generosidade sem limites e sempre animada pela esperança.

♣ Quando se encontra ou se busca Jesus a sensação é que se começa a viver a vida a partir da raiz, pois começa a viver a partir de um Deus bom, mais amigo e mais humano.

Pensamento final

“Chegou a hora da verdade. É o momento de reagir sem fechar-nos em esquemas e estilos de vida enfadonhos só por inércia, negligência ou temor de ajustar-nos ao que está estabelecido. Precisamos iniciar processos de conversão a Jesus Cristo, para que nossas paróquias e comunidades se sintam arrastadas por Ele e todos nós experimentemos em nossos corações, o mesmo chamado ouvido pelos primeiros que se converteram em seus discípulos e discípulas e o seguiram”. (Pagola, Voltar a Jesus, p. 53).

O Evangelho de Jesus segundo Marcos

Michel Quesnel é um estudioso da Bíblia. Numa revista francesa de divulgação bíblica de 1987 (Les dossiers de la Bible) procurou explanar os motivos pelos quais apreciava Marcos. Neste ano de Marcos nas leituras dos domingos esta leitura pode ser oportuna. Vamos sintetizar seu pensamento.

Devo dizer que quanto mais leio Marcos, mais o aprecio, pelo texto como tal e pela face de Cristo que ele me permite descobrir. Quando mais se lê Marcos, mais alguém se sente ligado a Cristo.

O texto de Marcos parece rude, sem acabamento, por vezes curiosamente breve, incisivo; outras vezes cheio de pormenores que passam a impressão que ele faz parte do evangelho. Gosto do travesseiro sobre o qual Jesus dorme na parte detrás da barca durante a tempestade que se desencadeia e apavora os apóstolos (Mc 4,38); ou esse possesso desgrenhado, que arrebentava as correntes que o prendiam e se feria com pedras (Mc 5,4); ou a história do infeliz pai de um menino epilético que descreve para Jesus todos os pormenores de suas crises (Mc 9,22). Sim, Marcos é um habilidoso contador de histórias e é bom deixar-se levar pelo seu charme.

Sem complacência

Não se pode, no entanto, constatar apenas habilidade. Se o evangelista faz tantos esforços para que o leitor entre em seu texto é porque seu lugar encontra-se ali, junto de seus discípulos, olhando e escutando Jesus sem compreender grandes coisas. Segundo Marcos os discípulos não são muito brilhantes. Duros de coração, impermeáveis a todos os sinais, sequiosos de honraras no momento mesmo em que Jesus anuncia sua paixão, covardes… Presentes quando as coisas andam bem e quando são suscetíveis de participar do cortejo vitorioso do Messias. Quando as coisas desandam; cada um vai para o seu lado. Nenhum deles está presente ao pé da cruz. Ali estavam apenas algumas mulheres paralisadas num silencio medroso. Pelo fato de não poupar os discípulos e sem medo de mostrar suas limitações, o evangelista permite que eu me identifique com eles com meus temores e minha mediocridade. O itinerário é meio delicados, mas ele pode ser o meu.

Marcos permite que una minha história à sua obra e quando a leio, eu sou Pedro, Tiago e João que olho para Cristo, sigo por um momento, dois passos para trás e depois retomo a caminho que redescubro com muita dificuldade.

Aguçado senso do mistério

Há mais ainda. Marcos está todo impregnado da ideia de morte: perseguição para os discípulos, angústia de Jesus quando chega a hora da cruz, a surpreendente confissão do centurião romano que fiscalizava a execução dos três condenados e vendo Jesus exalar o último suspiro exclama: “Realmente este homem era o Filho de Deus” (Mc 15, 39). É nos mais profundo dos abismos a que foi lançado, tendo abandonado toda sua onipotência, que o Filho de Deus oferece a mais nítida revelação de si mesmo. Deus nunca será tanto Deus que quando ele morre.

Simples jogo de palavras? Masoquismo? Penso que não. Vejo uma permeação toda particular do mistério pascal, a passagem pela morte pela qual todos haveremos de passar. Pensemos nas morte que Deus parece ter permitido ao longo da história. Um ironia: humildade de Deus, silêncio de Deus no mundo do poder, do gozo e do barulho.

Como nos outros evangelistas o tema da ressurreição é abordado discretamente. As três mulheres que o ouvem quando penetram no túmulo aberto não ousam repetir o que ouviram. O anúncio, no entanto, é real e está a lhes queimar as entranhas. Esse anúncio comunica seu fogo mesmo aos corações endurecidos. Permite que nasça, tenaz apesar de tudo, a pequena chama que designamos de esperança.

Muito é dito através da palavras de seu texto que, num primeiro momento, pode ser simplesmente pitoresco. Marcos não usa palavras eruditas. Comparado com Lucas e Mateus, mais ainda com João, seu texto parece de pouco alcance teológico. Ora, Marcos e o mais próximo de Paulo, homem das epístolas, que lemos com dificuldade devido à sutileza de seus raciocínio e ao seu difícil vocabulário. Eles têm, entre outras coisas em comum, a mesma percepção da condição do verdadeiro discípulo: aquele que aceita mergulhar na morte com Cristo, para ser conduzido por ele até à luz da vida.

O que Paulo explicita em conceitos, Marcos sugere com os meios próprios de um relato: mudança de lugares, silêncios, medos, olhares.

Teólogo que sou, sonho dizer com simplicidade as coisas essenciais: o conto, a história, a parábola são formas literárias que falam a todos onde cada um pode tomar seu alimento. Nossos contemporâneos precisam mais disto do que estudos teológicos e doutos tratados. Isto Marcos soube fazer.

Espiritualidade pastoral

Os que nos dedicamos à pastoral precisamos nos encher do fogo do Espírito. Os atos pastorais não podem gestos rituais sem futuro. Vejamos o que nos diz Salvador Valadez Fuentes em seu “Espiritualidade Pastoral”, Paulinas (p. 183-184)

1. Uma espiritualidade da esperança pascal e da confiança (e não de otimismo ingênuo)

Diante de um mundo sem utopias claras e sem esperança, precisamos de uma espiritualidade da esperança pascal capaz de superar o pesar pelo passado, a ansiedade pelo presente e o temor pelo futuro. Na difícil situação atual é dramático desafio à esperança cristã. Esta supõe uma grande capacidade contemplativa para reler evangelicamente os novos sinais dos tempos e continuar acreditando na atualidade da mensagem de Jesus Cristo crucificado “força de Deus e sabedoria de Deus”.

Trata-se da espiritualidade da confiança, expressa na certeza de que nada que realizamos em nome do Senhor é definitivamente estéril, ainda que nos dê impressão de ser infecundo. Essa confiança nos ensina a entregar a Deus o nosso próprio futuro, da Igreja e do mundo.

2. Uma espiritualidade da fidelidade (não do êxito imediato)

Diante de um mundo que põe a realização do ser humano no êxito, pela via do ter, do poder e do prazer irrestrito, da competitividade selvagem e da produtividade ilimitada, precisamos de uma espiritualidade da fidelidade. É a espiritualidade do servo de Javé cuja trajetória não é de êxito imediato e visível, mas de um caminhar árduo e de um final aparentemente de fracasso total.

Em uma época como a que estamos vivendo, de um certo eclipse de Deus, a fidelidade é posta à prova. É o tempo de pensar que nunca o Pai esteve tão perto do Filho do que na cruz, no silêncio e aparentemente no abandono. É hora de aprender – como diria Martin Buber – que o êxito não e um dos nomes de Deus, mas misericórdia, fidelidade, amor…

3. Uma espiritualidade do serviço oculto (não do fazer que deslumbra)

Em um mundo ávido do espetacular e do chamativo; numa sociedade em que a Igreja não é mais “a noiva da festa” e sim “mais uma convidada”; numa Igreja em que uma enorme desproporção ente a “oferta” e a “procura” pastoral, torna-se necessária a espiritualidade do serviço oculto, inspirada e centrada naquele que se mostrou não apenas como um servo inútil, mas que se identificou com um escravo (cf. Jo 13, 1-5). Ela nos ajudará a compreender a predileção de Deus pelas mediações pobres, a aceitar nossa pobreza e impotência; e nos dará a sabedoria e gosto no serviço aos últimos, aos excluídos, aos mais pobres.

4. Uma espiritualidade do fazer sossegado (não do ativismo frenético)

Em um mundo acelerado e ruidoso, de mudanças bruscas e permanentes; numa sociedade marcada, seja pela pressa frenética de quem pretende fazer tudo, seja pela passividade apática de quem crê que não pode fazer nada, precisamos uma espiritualidade do fazer sossegado.

Urge aprender de Jesus, que certamente trabalhou muito, mas não viveu devorado pela febre de querer curar todos os doentes, nem de saciar a todos os esfomeados ou libertar todos os escravos. Apenas realizou as ações libertadoras e significativas do Reino que inaugurava.

É necessário aprender que nenhuma ação tediosa, reduzida ao mínimo obrigatório, nem uma ação frenética, marcada pela ansiedade, são capazes de tornar presente e operante a práxis de Jesus. Esta convicção deve inspirar em nós um estilo pastoral diferente: mais sossegado e, por isso, ungido pela felicidade, pela bondade e pela paz.

(continua mês que vem)

Historieta ou parábolas

a) OS DOIS LENÇOS

Na escola maternal, um menino sempre tinha dois lenços. A professora quis saber o motivo de sua ideias:
– Um é para assoar o nariz, o outro para enxugar os olhos dos que choram.

Quantos lenços você costuma ter ?

b) A CONSOLAÇÃO

Um menina volta da casa de uma senhora vizinha que havia perdido uma filha de modo trágico.
– Filha, por que estiveste na casa de nossa vizinha, pergunta o pai.
– Para consolar a mãe da menina.
– Tão pequeninha, o que tu pudeste fazer para consolá-la?
– Ela me pegou no colo e eu chorei com ela.

Neste número

CADERNOS DE FORMAÇÃO
Junho de 2021

Este é o sexto Caderno de Formação de 2021. Onde mora o Mestre? Qual o encanto do evangelho segundo Marcos? O quer significa realizar uma pastoral “espiritual”? Não deixem de ler as duas historietas-parábolas… deliciosas e que mexem com a gente.
Boa leitura!

Frei Almir Guimarães (freialmir@gmail.com)


Imagem: Caminhando pela Trilha de Jesus, logo após Nazaré; na pedra à esquerda uma marca da Trilha de Jesus (Wikipedia)