Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Agosto 2021

Meditação

PEREGRINOS E FORASTEIROS NESTA TERRA DOS HOMENS

Santo Agostinho escreveu: “O verdadeiro cristão é aquele que, mesmo em casa, se sente peregrino”. O tema da peregrinação sempre ocupou amplo espaço na meditação dos homens de todos os tempos, e modo particular no universo da fé e da filosofia. Ir, sair, andar de lugar em lugar. Não se instalar. Ter horizontes novos. Conhecer paisagens diferentes, insuspeitadas. São incontáveis os santuários como meta de peregrinações em quase todas as religiões. Eles foram e continuam sendo espaços de busca do novo, daquilo que nos tira da monotonia das coisas definidas como definitivas quando nada mais são do que provisórias, de lugares de encontro com o Mistério, espaços para onde se dirigem os pobres, famintos e sofredores. O tema da peregrinação, tomado em seu sentido mais amplo, nos leva para assim chamada “dinâmica do provisório”. Nada de engessar a vida. Pessoas leves e não seres pesados.

Uma das características do peregrino é tentar atingir um determinado objetivo que tenha sido sugerido. Talvez a meta nem seja o mais importante. As paisagens da viagem, suas surpresas, os perigos superados, os novos companheiros que se encontra com os quais se come ou se bebe nem que seja um copo de água fresca ou um pedaço de pão. E depois esses tantos passam a ocupar um espaço no álbum da viagem de nossa vida. Saímos, deixamos nosso mundo pequeno. A peregrinação nos enriquece. Faz-nos jovens por dentro.

Na medida em que tomamos consciência de nossa condição peregrinante começamos a fazer o exercício da simplificação. Primeiramente deixamos de lado as coisas materiais perfeitamente dispensáveis porque dificultam os deslocamentos. Muito peso para carregar na mochila. Depois fazemos rifa dos apegos que querem nos prender a pessoas, aos bens, aos aplausos do “pessoalzinho” de nosso pedaço. Um viagem de gente com o necessário e livre de apegos que apequenam a vida. Caminhar com confiança que de que nada nos faltará. O Senhor não cuida até mesmo dos pássaros dos céus e dos lírios dos campos? Caminhantes que mais claramente descobrem um mundo novo. Saíram do gueto sufocante.

E chega à nossa mente a história do Povo de Israel, peregrinos, atravessando mares e rios, percorrendo desertos sob a claridade de uma luz. Alguém os “impulsionava” para frente, sempre para frente, com o maná do céu e a água do rochedo. Esse Abraão, esse andarilho andando rumo a uma terra que Deus haveria de mostrar, embora seus olhos nada percebessem de claro. “Deus providenciará”, respondeu a Isaque que perguntava pelo animal do sacrifício. E Jesus o grande andarilho que nem tinha pedra para reclinar a cabeça, que caminhou valentemente para o alto do Calvário. Temos diante de nosso olhos caravanas de peregrinos. Inserimo-nos nelas.

Santo Agostinho lembra que mesmo sem sair de casa se reconhece o cristão como um peregrino. Vamos conhecendo a nós próprios. O tempo da pandemia não foi ocasião para uma revisão de vida? Passamos pelas estações de vida metamorfoseando-nos. Um olhar acanhado sobre a vida, pensando demais em nós mesmos e depois um olhar mais dilatado sobre tudo: vida, amores, sonhos, projetos…sempre com a mala pronta para a vigem. Devidamente firmados em valores indiscutíveis. Mas crescendo como gente, como homem, como mulher, como cristão. Lendo, observando, estudando, convivendo, sem teimosias infantis.

Os que fazem a experiência da peregrinação da vida… conhecem seus desafios e por isso, por sua vez, se tornam pessoas hospitaleiras. Os peregrinos precisam de um sorriso, de uma ajuda, de uma cama, de uma palavra dita olhos nos olhos. Leiam com atenção esse texto de Enzo Bianchi: “Os lugares inóspitos, os “não lugares” são esses espaços em que a umidade sobe pela parede, esses quartos escuros, decorados com um mobiliário faustoso provindo de outros tempos, dizendo exatamente que já foram “vividos”, essas salas em que as pessoas que nos recebem ficam do outro lado da mesa, como num escritório. Nada disso. A acolhida pede que se coloque sobre a mesa um vaso de flores. Fazer com que um se coloque ao lado do outro, não frente a frente, mas num meio face-a-face, de maneira que o hóspede possa dirigir seu olhar para outro lugar.”

Francisco de Assis insistia que seus irmãos fossem forasteiros e peregrinos nesta terra. Atanasio Matanic, frade menor, assim escreve: “Para Francisco, “sentir-se” peregrino e forasteiro quer dizer, positivamente, sobretudo, duas coisas: ser efetivamente pobre (desapropriado, desprovido, dependente, humilde) e esperar confiantemente na “segura” providência do Senhor (através da caridade dos bons”.


Imagem ilustrativa: Catholic Pictures (https://www.cathopic.com/)

Reflexão - I

ADULTOS NA FÉ

Tema de pastoral, catequese, de meditação? Tentativa de ver em que consiste uma fé em crescimento, uma fé que vai se tornando adulta.

Muitos de nós católicos e cristãos, de alguma forma, “herdamos” a fé de nossas famílias e de nosso ambiente. Sem consciência do alcance dos gestos que nos proporcionavam não questionamos a maneira como tudo nos era oferecido. Nas voltas da vida a camisa foi ficando apertada. Vida e fé caminharam paralelamente. Quase sempre tivemos uma catequese nocional que, repetíamos no Credo dos domingos e do terço que eventualmente desfiamos.

A pastoral da Igreja em diversos momentos de sua atuação não poderá omitir-se de formar adultos num processo de maturação de sua fé. Quanto já se falou disto! Renovação da catequese. Formação permanente. Minguados, no entanto, são os resultados. Há ainda a triste realidade de uma sacramentalização sem fé esclarecida e iluminadora da vida. Que cuidados estão sendo tomados para revitalizar a fé dos que se dizem cristãos para que sejam adultos na fé?

Vejamos algumas caraterísticas de uma fé em crescimento:

♦ O cristãos adulto é um convertido, ou pessoa em estado de conversão. Cristo dirige-se à sua liberdade, a seu coração e ele tem a convicção de que precisa transformar a sua vida com a seiva da Boa Nova. Há uma resposta a ser dada.

♦ Sua imagem de Deus é a do Deus vivo, Pai, Amor, Santo, Deus do Reino, Deus da fé e não Deus de um vago sentimento religioso.

♦ A fé do adulto marca toda a sua vida: motivação evangélica em seus comportamentos, unidade de sua personalidade (maturidade afetiva, solidariedade humana.

♦ Numa fé infantil ou imatura: a pessoa age por conformismo, ou do ambiente, a um Deus feito de projeções inconscientes de seus desejos, à medida de suas necessidades, angústias e culpabilidade. O homem de fé infantil, age em função de seus interesses e impulsos, procura fugir do real e do trágico da existência. Sua fé resulta de uma adesão pessoal a dom de Deus.

♦ Adulto é aquele que tem fé motivada, que conhece as razões pelas quais crê Refere-se constantemente à Palavra não para aprender coisas, mas para ganhar critérios de discernimento, motivações para agir, normas para avaliar os valor das coisas.

♦ Procura na medida quase do impossível estabelecer coerência entre fé e vida

♦ Sabe que vive na Igreja que nasceu do lado de Cristo. Dela não se afasta apesar dos escândalos e pecados. Ela é santa e pecadora.

♦ É capaz de dialogo com os outros porque não se fecha sobre si mesmo. É pessoa de escuta porque sabe que tem muito a aprender com os outros.

♦ É animado de uma inquietude missionária e olha a Igreja como modelo de comunhão no Cenáculo e de missão nas estradas do mundo. Vive o suspiro de Paulo: “Ai de mim se não evangelizar.

Estudo

SACRAMENTO DOS ENFERMOS

2. A história mais antiga do sacramento
No Oriente

A história do sacramento dos enfermos no Oriente nos coloca diante de múltiplas formas de sua realização, nenhuma delas manifestando exaustivamente sua riqueza e beleza tomadas as fórmulas separadamente. Estas formas foram se sucedendo ao sabor das necessidades do povo cristão, colocando em realce tal ou tal dimensão. Conferido na residência das pessoas, por padres ou leigos o destinatário é sempre o doente que, qualquer que seja seu estado, grave ou não tão grave, encontra-se de um jeito ou de outro face à eventualidade da morte. Seus efeitos também foram sempre muito variados indo da cura física ao reconforto espiritual nas provações. Uma constante permanece: a benção do óleo dos enfermos pelo bispo. Este é o ponto de partida indispensável para reconhecer, hoje ainda, o sacramento em sua coerência humana e sacramental.
A prática litúrgica dos primeiros séculos atesta, assim, um fato altamente significativo: a bênção do óleo dos enfermos pelo bispo. O óleo é ao mesmo tempo luz que clareia e unção que alivia, revigora e cura. Sua aplicação nos começos parece mesmo ter ido confiada aos fiéis

Vejamos fórmulas de bênção do óleo significativas. Há a forma da bênção do óleo da Tradição Apostólica, atribuída a Santo Hipólito de Roma. Remonta ao começo do século III. É a mais antiga fórmula de benção de que dispomos. Ela ocorre ao término da oração eucarística, fonte de toda bênção. Pronunciada pelo bispo, exalta a força curativa do óleo em termos de reconforto e restituição da saúde. Na liturgia romana antiga não havia um dia particular fixo para esta bênção por parte do bispo. Os fieis traziam seus frascos com óleo e estes uma vez abençoados eram levados para suas casas para ungir seus enfermos.

Fórmula de bênção (sec.V) que influenciou todas as seguintes: “Envia, nós te pedimos, Senhor, do alto dos céus o Espírito Santo, o Paráclito, sobre este óleo que vos dignaste extrair da árvore verde em vista de aliviar nossos corações e nossos corpos. Que a tua santa bênção venha sobre aqueles que forem ungidos. Por eles seja seja absorvido como um remédio do corpo e da alma e do espírito, que expulse todas as dores, toda fraqueza, toda doença do coração e do corpo, óleo com o qual ungiste sacerdotes e reis e os profetas e os mártires, o crisma excelente que tu abençoaste, e que permanece em nossas entranhas, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo”.

Mencionemos ainda o Eucológio ( livro dos ritos cristãos em grego) de Serapião, bispo de Thmuis no século IV no Egito, amigo e correspondente de Santo Atanásio. A coleção de orações que lhe são atribuídas dá uma ideia a respeito das fórmulas do Oriente concernentes à benção do óleo. A coletânea liga os efeitos do óleo ao mistério de Cristo. Destina-se ao distanciamento de doença e da enfermidade. Traz ainda a graça do perdão dos pecados, dimensão penitencial da unção, remédio de vida e salvação. O óleo é percebido espontaneamente em liame com o Espírito e o corpo que ele reconforta, permitindo recuperar a saúde ou preparar para as núpcias eternas. A dimensão de remissão dos pecados se faz presente vinculada à luz do Cristo ressuscitado e aquele que cura.

Nota:
Estamos, pois continuando nosso estudo sobre o Sacramento da Unção dos Enfermos segundo artigo da Nouvelle Revue Théologique: L’onction des malades: sacrement de la tendresse de Dieu. de Vincent Guibert (NRT 134 2012, p. 215-232).

 

Reflexão - II

O QUE VEM A SER O PAI?

Em primeiro lugar o pai é uma força com a qual se pode contar. Uma das principais coisas que um filho ou uma filha esperam de seu pai é que ele seja forte, não só física, mas sobretudo como ser humano. Que seja como uma árvore, uma pilastra. Uma força que se coloca a serviço da fragilidade. Uma das mais belas imagens da paternidade e tudo resume é a mão do pai segurando a mão da criança. Quando vejo na rua um pai levando a criança pela mão, confesso que me emociono contemplando essas duas mãos. A mãozinha que agarra a mão grande e a mão grande que a segura e que se coloca ao ritmo do pequeno, mão que é paciente. Algumas vezes, o que me confunde é imaginar que essa mãozinha diga ao pai: “Não nos deixe, fique conosco, não nos largue”. Quantos pais com certa facilidade “se vão”.

Pai, figura que vive de laços: aliança com a esposa e laço de filiação. Pode-se dizer que o pai é designado pela palavra da mãe. É sempre apontado pela mãe. A criança estava escondida nela. Ninguém assistiu o engendramento, a fecundação. A essência da paternidade é ser secreta. Há um link entre paternidade e segredo, há sempre alguma coisa que é misteriosa, secreta. A paternidade é conhecida pela palavra da mãe que diz: “Este homem é teu pai”, seja pela palavra estabelecida no casamento, palavra de aliança. “Queres ser meu esposo? Queres ser minha esposa?” Uma das funções do casamento é de designar antecipadamente este homem como pai de todos os filhos que vierem a nascer. O pai é aquele a quem se reenvia a palavra.

O pai é aquele que torna presente o que vem de outro lugar. Desde a concepção, o pai proporciona uma informação nova no patrimônio genético da mulher, no núcleo das células do óvulo. Leva seu próprio patrimônio genético uma informação que se poderia opor com a partenogênese ou a clonagem. Ele continua aportando informações saindo de casa e a ela voltando. Ele é que traz a novidade, a diferença no núcleo da intimidade mãe-filho. Ele traz a distância. Pode-se dizer que o pai remete ao que é maior do que cada um. A mãe deu à criança o corpo e o pai a introduz no campo social. Faz com que a criança ingresse no corpo social ao qual o pai pertence e que ele representa numa crença e numa fé. Não se pode ser pai sem crença e sem desejo de transmitir uma fé, sem adesão a uma fonte de sentido.

O pai é alguém que exprime, que encarna uma palavra de vocação: ir mais longe, para frente, rumo ao futuro. Há um liame entre pai e futuro. Ele o exprime pela palavra ao mesmo tempo encarna esse para frente.

Nota:
Reflexões recolhidas de entrevista de Xavier Lacroix, teólogo leigos da cidade de Lyon na França.

Pensamento

EU SEI QUE SOU AMADO
Testemunho

Os sentimentos que eu gostaria de experimentar no momento de minha morte e que nesse momento tomam conta de mim: pensar que eu vou descobrir a Ternura. Impossível que Deus me decepcione. Nem tem sentido formular tal hipótese. Irei até ele e dir-lhe-ei: “De nada me prevaleço, a não ser de ter acreditado na vossa bondade”.

Nisto, com efeito, está minha força, toda minha força, minha única força; Se ela me abandonasse, se esta confiança no amor me escapasse, tudo acabaria. Não tenho sentimento de valer sobrenaturalmente alguma coisa. Quanto mais caminho, mais ganho a convicção de representar meu Pai como infinita indulgência Que os mestres de vida espiritual digam o que quiserem: falem de justiça, de exigências, de temores, meu juiz é aquele que todos os dias subia no alto de uma torre ou de uma colina e dirigia o olhar para o horizonte para ver se o pródigo estava voltando Quem não gostaria de ser julgado por esse juiz? São João escreveu: “Aquele que tem medo não é ainda perfeito no Amor”. Não temo a Deus, não tanto porque eu o amo, mas porque sei que sou amado por ele.
Auguste Valensin

Nesta edição

CADERNOS DE FORMAÇÃO
Agosto de 2021

Formação, dar à nossa vida uma forma humana e cristã. Não podemos deixar de nos “formar”, de buscar formação. Ao longo das estações de nossa vida precisamos ver tudo com olhos novos. Que estas reflexões possam ser úteis para nossa formação continuada.
Frei Almir