Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Agosto 2020

O memorial eucarístico

Anunciar (3)

 

Continuamos nossa reflexão-tradução do artigo “Memorial Eucarístico” do jesuíta Joseph Moingt, considerações profundas que nos fazem amar mais a Eucaristia . Desta vez são reflexões sobre a Eucaristia como “anúncio”.

O anúncio rompe o círculo fechado daqueles que se lembram de um fato. Faz saber o que se passou “naquele tempo” aos que não estavam lá, amplia a mesa dos discípulos, espalha a Boa Nova, chama e faz Igreja. – Quanto tempo o anúncio vai durar? Rigorosamente anuncia-se o que vai se passar, o que se sabe ou se prevê para o futuro, ou ainda o que aconteceu e do qual se tomou conhecimento há pouco tempo, mas que ocorreu dois mil anos passados e que, presume-se, seja de notoriedade pública, não é mais objeto de anúncio; à primeira vista, o tempo de vida de um anúncio é limitado; parece não produzir seu efeito do que no breve intervalo de tempo que flui entre o momento que o fato se passou e aquele em que a novidade se difunde, se espalha. – Por esta razão “anunciar a morte do Senhor” não é dar conhecimento que ela ocorreu sob Pôncio Pilatos, mas quebrar seu isolamento do passado e inseri-lo na sucessão do tempo que passa, que não cessa de correr; é proclamar que o fato produz ainda seu efeito de salvação para quem se volta para ele, que nunca é tarde demais para confiar nele. É ainda advertir que é necessário ter pressa de atingi-lo porque o tempo do mundo pode parar e o tempo da vida em breve se interromper. A morte do Senhor é sempre a ser anunciada, porque esse nome de Senhor significa que Jesus libertou-se da morte, que ele é o mestre da vida e da morte e que sua morte para quem nela é sepultado é passagem da morte para a vida eterna.

Segundo São Paulo, no entanto, o efeito do anúncio está ligado com a maneira como é recebido o alimento na “ceia do Senhor” quando se faz a partilha do pão e do vinho: com a condição de que seja uma verdadeira “partilha” fraterna. “Não é o que está acontecendo entre vós”, censura o Apóstolo os cristãos de Corinto. Ele ouve dizer que os que chegam primeiro ao lugar da reunião se colocam à mesa sem esperar os retardatários e nada deixam para comer ou beber. Paulo os ameaça e adverte: “Agir desta maneira não é participar da ceia do Senhor, mas da própria condenação”. Aprendei melhor a “discernir o corpo”: esperem uns pelos outros. Dito de outra maneira: para acolher em vós a presença e a vida do Senhor ressuscitado necessário que vos volteis uns para os outros,fazei corpo entre vós, comportai-vos como membros de um único e mesmo corpo.. Nesta condição recebereis em verdade aquilo que vos tornareis de verdade: o corpo de Cristo. Com efeito, diz Paulo: “o pão que rompemos não é comunhão com o corpo de Cristo? Há um só pão, somos todos um só corpo, nós que participamos todos deste único pão”, se tivermos partilhado como pão vindo de Um só para todos.

Este foi o ensinamento dado às primeiras comunidades cristãs onde se misturavam judeus e gregos de origem, cidadãos livres e escravos, homens e mulheres. Esse era o admirável espetáculo que anunciava ao mundo pagão a morte do Senhor: uma travessia de fronteiras estava em curso, uma transformação da cidade, uma libertação de opressões, uma renovação dos corações, os que não se falavam vieram assentar-se à mesma mesa. A maneira de se fazer a eucaristia se difunde para longe e prolonga no tempo o que aqui se faz.

(continua).

Uma mulher vestida de sol

Maria assunta na glória

É necessário, sem dúvida, falar dos privilégios de Maria como se fossem algo de compreensível através da linguagem humana, algo com possibilidade de se medir por qualquer escala humana. É perfeitamente justo falar dela como uma Rainha e de comportar-vos como se soubésseis o que significa ter ela um trono acima dos anjos. Mas isso tudo não devia fazer alguém olvidar que seu mais alto privilégio é a sua pobreza e a sua maior glória, a modéstia suprema e que a fonte de todo o seu poder de ela ser como nada na presença de Cristo, de Deus.
Thomas Merton, Sementes de contemplação, p. 140

♦ Agosto, mês dos pais e mês de Nossa Senhora da Glória. O livro do Apocalipse nos fala de uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés (Apocalipse 12,1). Santo Agostinho e São Bernardo de Claraval viram nesta mulher do Apocalipse uma figura de Maria.

♦ Maria, mulher vestida da claridade do sol. Essa jovem judia tinha o coração aberto para as coisas do alto. Sentia-se profundamente ligada ao Deus de seus pais e esperava, no cortejo dos Pobres de Javé, a chegada do tempo do Messias. Estes últimos eram os depositários da Esperança. Tudo começou com uma visita misteriosa do mensageiro de Deus: “Deus precisa de ti, Maria, de teu sim, de teu assentimento. Não te inquietes. O Altíssimo conhece tua simplicidade e teu modo de ser. Dá-lhe teu assentimento e a humanidade será diferente”. Maria assente, dá seu sim e Deus ganha carne na carne humana de Maria de Nazaré. “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. E Maria se tornou a Mulher vestida de sol, iluminada pelo sol Nascente que veio nos visitar.

♦ Ela é Maria da anunciação, Maria de Nazaré, Maria do presépio, Maria dos pastores, Maria dos magos, Maria das coisas de todos os dias, Maria da festa de casamento de Caná da Galileia, Maria da cruz, Maria do cenáculo, sempre Maria, a mesma Maria. Nossa Mãe da glória.

♦ Desde o primeiro momento de sua concepção, a mulher vestida de sol não conhecera a desordem do pecado, da maldade e da malícia. Tudo sempre nela fora imaculadamente intacto. Ela tem a pureza das fontes primevas, intocadas, puras. Deus só poderia nascer em espaços de luminosidade. Desde a sua concepção no seio de sua Mãe, Maria foi isenta do pecado. Ela é a Imaculada em sua conceição. Ela escapa das consequências da desordem dos começos.

♦ Ela tem um hábito: levar as coisas, os acontecimentos, as engrenagens da vida para o fundo do coração. Não perde nenhuma visita do Altíssimo. É permeável a tudo e as interrogações que os lábios insistem em formular são levadas ao fundo do coração. Lá ela entrega tudo àquele que nem sempre dá respostas, mas plenifica os que dele se aproximam.

♦ Quando terminou sua caminhada foi elevada à glória do céu. Hoje está com seu corpo glorificado às portas do Paraíso esperando os discípulos de seu Filho e também filhos seus para leva-los à sala do banquete da glória.

♦ Ó Deus altíssimo, eterno e todo poderoso que elevastes à gloria do céu Maria em corpo e alma dai-nos viver atentos às coisas do alto sem negligenciar o que precisa ser feito nessa terra dos homens onde viveu a Mulher vestida de sol. Amém.

Cântico para uma viagem

Há muito tempo, muito tempo de verdade, uma barca zarpou
com passageiros que se chamavam Abraão, Isaac
e Jacó, e muitos outros hoje esquecidos.
Eles nos disseram que Deus os chamava para praias desconhecidas.
Palavra misteriosa e inacessível.
Eles partiram e de sua viagem dá testemunho da Voz fundadora.

A barca atravessou muitas tempestades
que poderiam ter feito com que ela soçobrasse .
Encontrou mesmo dilúvios
onde o silêncio de Deus era repreensão.
Do meio da tempestade, porém, jorrava a vida.
Ela se chamava Noé ou talvez Moisés
ou ainda Israel rasgando o mar rumo a um país de sonho.

Um dia, depois de muitas tempestades, de muitas palavras
Deus falou num filho recém-nascido, surgido do mar.
Ele nos falou de Deus e ele mesmo fala Deus
como a gente fala uma língua. Deus-Palavra, Verbo feito carne.

A viagem termina. Os passageiros se preparam
para descer da nau e descansar.
No alto de uma colina nua
o barco se choca e Jesus com ele.
Deus silêncio. Deus estranho suspenso a um mastro solitário.
Na noite da morte, no entanto, ressoa uma voz:
“Este é meu Filho”. E do abismo aflora um imenso barco preparado para a viagem.
E agora é a Igreja que penetra no mar levando consigo
o murmúrio da voz de Deus.

Hoje o barco ainda veleja
com cicatrizes e feridas
que lembram combates e tempestades.
“Mestre, não te importa que pereçamos?
E ele dormia! Sono-silêncio, sono tão demorado
que dava impressão de estar morto.

A nave continua a rasgar a noite
num rastro de luz.
Lentamente o barco avança rumo a mares inéditos
conduzido por um passageiro misterioso
que subiu a bordo quando Jesus entregou o Espírito.
Do barco sobe um rumor que se assemelha
à Palavra de Deus.

Alain Marchadour
Les Dossiers de la Bible, n. 4, 1984

O Pão e o Vinho

Descobrindo a Missa…

 

Antigamente, os cristãos traziam de casa o pão o vinho para que o presidente da assembleia tomasse em suas mãos para celebrar a eucaristia. Mostravam assim que eram um povo sacerdotal. Do forno e da cave, da casa para o altar, o pão e o vinho, “fruto da terra e do trabalho humano”, unindo toda a vida à oferenda de Jesus. Tal prática é atestada no século II.

As duas orações que acompanham a apresentação do pão e do vinho têm sua origem em bênçãos judaicas pronunciadas por ocasião das refeições e que Jesus pode ter retomado por ocasião da ceia. “Bendito sejais, Senhor Deus pelo pão… pelo vinho… fruto da terra e do trabalho humano”.

Durante muito tempo era o pão comum que apresentava-se no altar. Por volta do século IX começou-se a utilizar o pão ázimo – quer dizer – sem fermento – como no rito da páscoa judaica. As Igrejas do Oriente continuaram a usar o pão de fabricação comum. A partir do século XII se difundo o uso das “hóstias”; a partir de então os cristãos não trarão mais o pão das casas e o pão eucarístico fica difícil de ser percebido como um “alimento”.

O vinho da missa, desde as origens, era o vinho tinto. No século XVI começou-se a “purificar” o cálice com uma pequena toalha chamada “purificatório”; a partir de então, passou-se a utilizar o vinho branco que manchava menos.

Quanto à água normalmente era misturada com o vinho já que este era muito forte. Ao longo do tempo foram sendo dados significados diferentes a essa mistura. A oração que hoje acompanha esse gesto inspira-se numa oração da liturgia de natal: “Como esta água se mistura ao vinho para o sacramento da aliança, possamos nós unirmo-nos à divindade daquele que assumiu nossa humanidade”.

Gérard Bessières

Festa dos Pais

Pai, padre, père, father, vater…

 

Do coração dos filhos, no segundo domingo de agosto, brota um canto de gratidão pela vida homens chamados pais. Logo depois de nosso nascimento certamente nossa mãe a ele nos apresentou: “Olha, eis o teu filho, marido, eis o teu e nosso filho”. O nome de pai é tão belo e forte que o Deus altíssimo quis ser chamado de pai. Pediu-nos a nossa palavra emprestada para si.

Antes de ser pai, ele é esposo. No tempo de juventude em que jogava futebol nas tardes de sábado e frequentava os bailinhos encontrou uma mulher com a qual quis criar vida comum, comunhão de sonhos e de tudo, celebrando esse bem querer na união dos corpos. A mulher que chegou veio quebrar-lhe a solidão. “Não é bom que o homem viva só” O marido é amigo, companheiro fiel de todas as horas, parceiro de destino. Os filhos pequenos e crescidos sentem-se “arrumados” por dentro quando se dão conta da certeza do amor mútuo do pai e da mãe. Os pais começam a ser bons quando antes são ternos “amantes” de suas esposas. Uma das experiências mais doloridas que os filhos podem experimentar é ver o pai deixando a casa…

O pai é presença densa, presença de qualidade, presença forte e meiga no seio da casa. Não é apenas provedor. Sua missão não se limita a garantir a sobrevivência da família. O que importa é a qualidade de sua presença. Os filhos que vivem em casa constituem um dom de Deus confiado aos pais. Os pais administram a dádiva que lhes foi dada pelo Alto. Tal presença madura, de qualidade, deverá ser sentida mesmo com a eventual e não desejada separação do casal.

O pai presente vai se tornando mais e mais amigo e confidente. Aos poucos conquista a confiança e a amizade dos filhos. Faz-se amigo e, se possível, confidente na turbulência da adolescência e juventude.

Os pais não querem que seus filhos sejam cópia-xerox de seu jeito de ser e de viver. Que eles escolham seus caminhos, aceitando todas boas e menos boas consequências advindas de suas opões… Os pais observam. Ajudam a discernir. Nada impõem. Prestam atenção para que seus filhos não sejam joguetes de circunstâncias nem se filiem à sociedade consumista e hedonista.

O pai é um cuidadoso vigia. Vigilante atencioso, sem ser déspota. Não serão omissos, covardes, nem daqueles que deixam as coisas rolarem. Há valores que precisam ser abraçados. Necessário vigiar carinhosamente as vivências afetivas para que os filhos não venham a se machucar na vida. Vigilância discreta e amorosa.

O pai procurará ser pai também pai dos filhos que sua nova esposa trouxe de um união anterior. Não existe apenas o pai biológico, mas o pai que adota o filho de um outro e o leva até os aposentos de seu coração.

O pai da terra ocupa-se das coisas do Pai do céu. Anda numa séria busca de Deus, dos apelos de Jesus e dos chamados de sua consciência. Ele e a mulher criam em casa espaços de tal ordem que o Senhor possa empurrar a porta e entrar e sentar-se à mesa da refeição. Não queremos mães e pais “beatos”, mas pessoas lúcidas que sentem saudades de Deus e sede de plenitude. Os filhos ficam contentes ao ver que seus pais são amigos e confidentes de Deus.

Nesta edição

TIRANDO DO BAÚ COISAS NOVAS E VELHAS
Reinventando a vida a cada dia
Edição de agosto de 2020

Edição de agosto desse “Tirando do Baú”. Para sua leitura, meditação e formação. Nesta Revista Eletrônica, trazemos uma reflexão sobre Maria, assunta ao céu; um poema sobre a caminhada do povo de Deus; o Memorial Eucarístico, o Pão e o Vinho e uma homenagem aos Pais.

Paz e todos os bens.
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM