Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Agosto 2019

Apresentação

TIRANDO DO BAÚ  COISAS NOVAS E VELHAS

Reinventando a vida a cada dia

Edição de agosto de 2019

 Mensalmente chega à tela e seu computador esta revista eletrônica que pretende  tirar pérolas do baú da vida:  coisas novas e velhas. Desta vez vamos conversar a necessidade de abraçarmos o propósito de criar o  novo.  O Espírito não admite caminhos batidos. O novo requer imaginação, criatividade e coragem.  É proibido envelhecer. Vamos também refletir sobre a figura do pai e sobre o jeito de ser padre em nossos dias. Em agosto ocorre o dia dos pais e do pároco.  Há ainda uma oração  enaltecendo a visita que fazemos e aquela que recebemos.

Boa leitura!

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM

freialmir@gmail.com

Ousando inventar o novo

Dá-nos  a graça de uma inteligência livre,

aberta, com gosto de aventura,

capaz de deslocar todas as coisas

colocando-as num contexto mais vasto,

sem espírito de sistema, sem desejo de poder,

sem acanhada mesquinhez.

Françoise Le Corre

♦ Ninguém duvida: precisamos todos desse gosto pela aventura, vontade de descobrir aquilo que o Senhor anda falando por meio do seu Evangelho sempre novo e pelos sinais dos tempos que berram novidades. Em nossos dias muito se ouve em falar do novo, novidade, deixar de lado aquilo que envelheceu e se esclerosou. Tal se dá em todos campos e nos mais diversos contextos. Não há outro jeito. O mundo avança e aqueles que se aferram ao que valeu por muito ou pouco tempo perdem o trem da história. Fala-se de homem novo, novo jeito de pregar o Evangelho, paróquia nova, padre novo, casal com jeito novo de viver a conjugalidade, religiosos novos mais límpidos e transparentes e certamente mais despojados. Trata-se efetivamente de reinventar a vida a cada instante. “É proibido envelhecer!” Mesmo em seu paradoxo esta afirmação é profundamente verdadeira.

Gosto pela aventura do novo não quer dizer andarmos a improvisar, a mudar pelo bel-prazer de mudar. O novo não começa do ponto zero. Há uma receita para o futuro que pode vir e que costuma vir de uma sabedoria que é fruto de experiências vividas pelos que nos precederam. Apoiados na sabedoria dos antigos, as jovens gerações que trazem a ânsia do novo nas dobras do peito podem inventar o inédito. Não há dúvidas. O novo está nas veias, no coração dos jovens. São eles os senhores do amanhã.

Novo é aquilo que sempre mais e mais se aproxima da verdade. A verdade liberta. O contato verdadeiro entre mestres e alunos, filhos e pais, esposo e esposa faz desaparecer máscaras e deita por terra aparências e fachadas mentirosas. Tudo fica mais belo quando revestido de verdade. Nada mais triste de viver farisaicamente. Pode ser que muitos tenhamos vivido na mentira. Fomos nos acostumando com mentiras. A pergunta que fazemos: até que ponto podemos suportar e criar a verdade? Um autor deu ao seu livro sobre a transparência o título: “Quanta transparência podemos digerir?” Desafio esse de viver a verdade.

♦ Um pregação rebuscada, cheia oratória e com muitas “notas de rodapé”, discursos sociais cheios de sua excelência para cá e para lá, pessoas que complicam as explicações, que se vestem estranhamente, exoticamente, rebuscadamente estão frontalmente contra o novo que requer simplicidade. Simplicidade não quer dizer descuido e displicência. A simplicidade é prima irmã do despojamento.

Novo será aquilo que torna o homem mais humano. Uma coisa é viver na superfície do ser. Levantar, trabalhar, casar, passear, comer, viver e morrer sem atentar para seu mistério pessoal. Outra coisa é viver o ser mais profundo de cada um. Homem, mistério ambulante, ser de desejos, insaciável, fortemente desconfiado que existe para transcender. O Mistério anda a nos convocar. O homem é mais do que o físico, o dinheiro, o correr louco, a estafa do trabalho.

♦ Necessário entrar em si mesmo e descobrir que somos feitos para as alturas, que nosso eu se completa com um tu, que existimos num estado de graça por tudo o que nos é dado e que nossa vida é criar laços de profunda estima. Seres humanos em nossos tempos e em outros tempos foram feitos objetos de lucro, de consumo, seres usados e descartados. Antes de tornar o homem religioso será preciso que ele seja homem de verdade.

Novo é o que se aproxima da fragilidade. Há um clamor no ar. Crianças, jovens, povos inteiros vivem exploração, são objeto de abusos, indivíduos e coletividades se tornam miseráveis materialmente, interiormente sem riquezas humanas. Por isso o modo novo de ser será o de aproximação do que é frágil.

♦ O Papa Francisco insiste que sejamos uma Igreja em saída, pessoas que não contentam apenas com um prática religiosa, orante e litúrgica, mas que tenhamos a coragem de conviver com as periferias existenciais. Uma Igreja que esquecesse disso’ estaria fadada a morrer de inanição. Isso requer uma revisão de nossas pastorais sempre tudo muito dentro de nosso grupo, entre os nossos.

Novo para nós é aquilo que se reveste ao máximo do espírito do Evangelho. Para além das estruturas inventadas com sabedoria, para além dos costumes por mais nobres que tenham sido está a força do Evangelho. Trata-se do Evangelho da proximidade, da compreensão, da generosidade, do empenho de recolher os jogados à beira do caminho. O Evangelho é fonte inesgotável da novidade.

♦ “É preciso viver de maneira diferente. Resistir a que tudo continue igual. Ver a vida de maneira nova, a partir dos olhos dos pobres, dos necessitados, dos deserdados de nossa sociedade. Começar a entender nossa existência a partir da solidariedade e do esforço de humanizar o mundo. Precisamos deixar-nos trabalhar mais pela graça do Evangelho em nossas comunidades. Esta graça é capaz de introduzir uma ruptura em nossa vida, para não continuarmos vivendo como sempre. Não o esqueçamos. Um cristianismo feito de conchavos e acordos, com uma vida superficial e egoísta, não é exigente, mas também não infunde alegria nos corações” (Pagola, Marcos, p, 77).

♦ Nunca haveremos de nos esquecer que o Espírito Santo renova a face de terra. Ele, quando o terreno é propício, inventa o novo em cumplicidade com os pequenos e sinceros da terra. Ele abomina o caminhos batidos e dele se diz que renova tudo.

♦ Que o Senhor nos dê o gosto pela aventura!!!

Criatividade, imaginação e coragem

Luciano Manicardi, prior da Comunidade de Bose, perto de Milão, Itália, é um fecundo pensador cristão.  Diante dos olhos tenho seu texto: “Reforma da Igreja: em que condições espirituais?, publicado na Rivista del  Clero Italiano, 6/2015, p.407ss.Transcrevo o parágrafo que aborda algumas condições em vista da reforma da Igreja. Estamos ainda no tema do  novo.

            Se uma reforma, em profundidade, é um ato de obediência,  uma tal obediência à palavra de Deus é histórica, acontece em tempos e lugares bem precisos e, portanto, não pode ser apenas  retomada das proposições de modelos do passado, mas precisará ser  criativa e corajosa.  Precisa também de imaginação. A imaginação parte da realidade, mas não é simples cópia dela:  é criativa, combinação de forma nova de elementos que brotam da experiência, mas que não podem ser remetidos à tal experiência feita, mas  exigem nova configuração. Por isso, os empenhos da imaginação, uma vez concretizados, passam para a realidade como uma nova força ativa, transformadora da realidade. Longe de ser mera fantasia, a imaginação é uma força que incide na realidade.  O que é imaginado, não é simplesmente alguma coisa que não existe. Na verdade, não existe ainda.  O ainda não existe  aponta para a dimensão profética  da imaginação, da qual deram amplo testemunho os profetas bíblicos. A criatividade também está estreitamente ligada à realidade porque na realidade se trata da capacidade de ver e responder, de auscultar  e apreender o hoje e de tentar dar resposta ao que está emergindo. E, evidentemente, tudo reclama coragem que é a capacidade  de dar início a alguma coisa  mesmo em condições difíceis, dificuldades, oposições e resistências (op.cit., p. 417).

 Como criar, imaginar e ter a coragem de criar o novo na vida cristã, na vida consagrada,  na maneira de se governar as cidades e os povos?

Esses homens chamados de pais

Carinhosas, vivas, oportunas estas palavras do Papa Francisco na Exortação “Alegria do amor” a respeito da figura paterna.  Por ocasião da passagem do dia dos pais, agora  no segundo domingo de  agosto,  vale a pena refletir sobre o assunto: a figura do pai em nossos  tempos.

         Diz-se  que a nossa sociedade é uma “sociedade sem pais”. Na cultura ocidental a figura do pai estaria simbolicamente ausente, distorcida, desvanecida. Até a virilidade parecia posta em questão. Verificou-se uma  compreensiva confusão  já que em primeiro  momento isto foi sentido como libertação:  libertação do pai patrão, o pai como representante da lei que  se impõe de fora, do pai como censor da felicidade dos filhos e impedimento  à emancipação e  à autonomia dos jovens. Por vezes, havia casas em que no passado reinava o autoritarismo, em certos casos até a prepotência. Mas, como acontece muitas vezes,  passa-se de um extremo ao outro. O problema de nossos dias  não parece ser tanto a presença invasora do pai, mas sua ausência,  o fato de não estar presente. Por vezes, o pai está tão absorvido em si mesmo e no próprio trabalho ou então nas próprias realizações individuais  que até se esquece da família. E deixa as crianças e os jovens sozinhos. A  presença paterna e, consequentemente sua autoridade  são afetadas também pelo tempo que se dedica aos meios de comunicação social e à tecnologia da distração. Além disso, hoje, a autoridade é olhada com  suspeita e os adultos são duramente postos em discussão.  Eles próprios abandonam as certezas e, por isso, não dão orientações seguras e bem fundamentadas a seus filhos.  Não é saudável que sejam invertidas as funções entre pais e filhos:  prejudica o processo adequado de amadurecimento pelo qual as crianças precisam passar e nega-lhes um amor capaz  de orientá-las e que as ajude a maturar (n. 176).

Deus coloca o pai na família  para que,  com as características  preciosas  da sua masculinidade, esteja próximo  da esposa para compartilhar  tudo, alegria e dores, dificuldades e esperanças.  E esteja próximo dos filhos no seu crescimento: quando brincam e quando se aplicam, quando estão descontraídos e quando estão  angustiados, quando  se exprimem  e quando permanecem calados,  quando ousam e quando têm medo,  quando dão um passo errado e quando voltam a encontrar  o caminho, pai presente sempre. Estar presente não significa ser controlador, porque os pais demasiado controladores  aniquilam os filhos. Alguns pais sentem-se inúteis e desnecessários, mas a verdade é que os filhos têm necessidade de um pai que os espera quando voltam de seus fracassos.  Farão tudo  para não o admitir, para  não o revelar, mas precisam dele. Não é bom que as crianças fiquem se pais e, assim,  deixem de ser crianças antes do tempo (n. 177).

A nobreza e beleza da figura do sacerdote

São Maria João Vianney, o pároco de Ars, na França, foi designado padroeiro celeste dos párocos e dos sacerdotes. Sua festa se comemora a 4 de agosto. Para nossos leitores uma breve página sobre a beleza e nobreza da figura do sacerdote católico.

♦ Enzo Bianchi, antigo prior da Comunidade de Bose, próxima a Milão, norte da Itália, em palestra durante assembleia de presbíteros sobre a vocação à santidade dos sacerdotes em nosso tempo, dizia: “Antes de começar a abordar nosso tema gostaria de exprimir com força, e espero com clareza, uma convicção que me anima profundamente e que reitero há muitos anos em meus escritos sobre a vida do presbítero: a vossa vida espiritual, a vossa santificação não consiste senão em viver em plenitude o vosso ministério, em tudo o que pensais, sentis e dizeis como presbíteros, como ministros da Igreja de Deus” (“Siate santi perché io sono santo” (Lv 19,2; 1Pe 1,16). La vocazione alla santità nella vita del presbítero oggi, La Rivista del Clero Italiano, 7/8 julho-agosto 2012, p. 488).

♦ Um rapaz, um homem e sua vida normal. Alguns por diferentes caminhos e misteriosas circunstâncias foram descobrindo o encanto da figura de Jesus nos evangelhos: fascinação pessoal, vontade de conhecer seu pensamento, convicção desse Jesus não era apenas uma figura do passado, mas o Vivo a interpelar os corações que a ELE fossem se abrindo. Convivência com jovens retos, retiros, exames de consciência. No fundo desses rapazes um chamado, uma vocação a serem, de alguma forma, continuadores da missão do Ressuscitado no mundo. Há uma revolução na vida desse rapaz. Ele decide orientar-se para ser ministro do Senhor.

♦ O padre, a figura do sacerdote, responde, pois, a um chamado, a uma vocação que surge no meio de outros chamados humanos e cristãos: leigos no mundo, missionários leigos em terras de missão, vocação a ser sal da terra e luz do mundo vivendo no laicato, casamento, caminhar pelas trilhas da vida consagrada contemplativa ou missionária no meio do mundo. Não é tão fácil e simples esse discernimento em nossos tempos. Trata-se de uma decisão que mexe com todos cantos da existência. Antes de ser aceito pela Igreja em sua vocação o rapaz deverá viver um sincero e custoso tempo de discernimento.

♦ Pode-se dizer que o padre tem muito a ver com João Batista. Ele, como o Precursor, prepara os caminhos do Senhor. Tenta fazer com que o coração de seus ouvintes coloquem o mínimo de resistência aos apelos do Senhor e deixem aberta a porta do coração contrito para que possa ser possuído pelo Senhor. Um desbravador de caminhos… “Importa que ele cresça e que eu desapareça”.

♦ O padre é o homem da palavra, não de qualquer palavra, mas da Palavra. Nada de fundamentalismo, nem idolatria pelo livro, mas pela vida que sai do Livro, nada de verbolatria. O padre convive com a Palavra e fala dela com intimidade seus sons. Nota-se isso pela inflexão de sua voz, sem “melosidade”, mas com unção. Um padre que convive com a Palavra, mormente com os evangelhos e cartas, fala com “autoridade”. O padre é, por excelência, o catequista no coração da vida.

♦ O padre é íntimo do Senhor, amigo do Senhor. À semelhança de Moisés ele sobe ao monte para estar com o Senhor e para “ver” aquele que o chamou para o delicado ministério de acompanhar vidas. Não é “funcionário” do sagrado, mas amigo de Deus e dispensador dos dons adquiridos por Jesus com sua vida, paixão, morte e ressurreição. Em intimidade com o Senhor o padre tem sempre o cuidado de expor sua verdade Àquele que o perscruta e ama e do qual é venturoso ministro.

♦ O padre é o homem dos contatos e da criação de comunidades de fé, esperança e caridade. Não admite divisões, grupos que eventualmente possam querer sobressair em detrimento de outros. A casa do Ressuscitado é a comunidade. Como teria sido bom se tivéssemos dado passos mais amplos na linha de verdadeiras comunidades eclesiais de base mesmo em nossas cidades. Seria um modo de tornar os cristãos verdadeiros discípulos e não meros membros da instituição eclesial. O padre busca animar uma comunidade sem exclusão e sem guetos. Buscar forjar santos.

♦ O padre é pessoa acolhedora, profundamente acolhedora e, ao mesmo tempo defensor da verdade. Vive, por vezes, a tensão entre as exigências da palavra de Jesus e a fragilidade das pessoas. Verdade e misericórdia se abraçam no coração do padre.

♦ Capítulo delicado na vida dos presbíteros é o da celebração dos sacramentos. É sempre constrangedor para o padre a administração dos sacramentos quando se tem a impressão que as pessoas estão sem sede de Cristo e que os gestos são colocados sem a devida densidade e total beleza. Por detrás dos ritos sacramentais está adorável presença do Ressuscitado. Os padres esclarecidos com leigos formados e ardorosos saberão criar espaços catecumenais em todos os setores da administração dos sacramentos. É de total urgência. Na celebração dos sacramentos, insistimos, deverá poder irromper a presença forte do Ressuscitado.

Visitas, visitantes, visitadores

Senhor Jesus,
tu vieste nos visitar.
Vieste como o  sol de todas as  manhãs
que acaricia os prados
aquece os vales gelados
cobre de claridade os cantos
mais escuros e escondidos.

Tu, Senhor Jesus, visitaste nossa terra.
Bebeste da água de nossas fontes,
frequentaste nossas casas,
te fizeste presente em nossas solidões
e   nos cantos doídos e doloridos.

Tu mesmo disseste que estarias à nossa porta,
esperando que ela se abrisse  para poderes entrar e cear.
Que bom que  estás por perto.
Basta abrir a porta do coração.

Maria, tua mãe, visitou  Isabel.
Tiveram a calma de conversar,
de falar das coisas de seus corações,
das alegrias que viviam,
dos meninos que esperavam.
E João, teu precursor, exultou de alegria
com tua visita  ainda no seio de tua mãe.

Nós te damos graças por todos aqueles que nos visitam.
Há os que chegaram com uma palavra de ânimo,
de estímulo, de encorajamento.
Quando estivemos doentes  fizeram questão de vir,
de sentar-se junto ao nosso leito de enfermos
e nos trouxeram em seu sorriso uma palavra de conforto.
Trouxeram flores e doces que nos fizeram sensivelmente gratos.
Nós te damos graças pelas visitantes e visitadores.
Há muitos esperando nosso carinho, nossa presença
e o estímulo para continuarem a viver.