Frei Alberto Beckhäuser, OFM
Entre os exercícios da espiritualidade cristã encontra-se o Retiro espiritual ou simplesmente o Retiro, que pode ser de um dia, de uma semana, de um mês ou, mesmo, mensal ou anual.
Antes do Concílio Vaticano II o Retiro espiritual era muito praticado pelo clero, pelos religiosos, pelas religiosas e Associações de fiéis leigos. Infelizmente, nos anos após o Concílio, esta prática foi em grande parte abandonada pelos fiéis leigos, tanto na forma de Exercícios espirituais segundo a tradição de Santo Inácio de Loyola, como na forma de Retiro, seja individual, seja coletivo. Nos dias atuais, a prática, aos poucos, vem ressurgindo. Vemos, sobretudo, grupos de jovens se reunindo em retiro espiritual.
O Instituto Teológico Francisco elaborou um Projeto no sentido de oferecer a oportunidade do Retiro espiritual para fiéis leigos em geral e para todos os que sinceramente buscam a Deus. No ano de 2014 foram oferecidos dois Retiros orientados por frades professores do Instituto. Neste ano de 2015 são oferecidas três oportunidades de Retiro, no ambiente silencioso e convidativo do Instituto, à Rua Coronel Veiga 550.
O primeiro será em preparação à celebração da Páscoa: Viver à luz da Páscoa do Senhor. Será no dia 21 de março, sábado, de 8 às 18h. Objetivo: Predispor o entendimento e o coração para a celebração da solenidade da Páscoa de Jesus Cristo. O segundo acontecerá por ocasião da solenidade de São Francisco de Assis, no dia 26 de setembro, também de 8 às 18h. O lema é: Pai nosso, venha teu reino! Objetivo: Cultivar a oração e a contemplação com São Francisco de Assis. O terceiro será no Advento em preparação da celebração do Natal do Senhor, dia 12 de dezembro de 2015, com o lema: Deus, vem a meu encontro!Objetivo: preparar a mente e o coração para a celebração da fraternidade natalina.
Mas, afinal, o que é um Retiro espiritual? Sua prática atualmente está bastante distante da consciência e da prática dos cristãos. Por isso, nas linhas que se seguem, proponho-me a introduzir de maneira simples as pessoas na compreensão do Retiro espiritual, realçando, assim, a sua importância.
Modalidades deste exercício de espiritualidade: No decorrer da história da Igreja sobressaem dois tipos de cultivo intenso da vida espiritual em sua expressão individual. Temos os Exercícios espirituais na tradição de Santo Inácio de Loyola, promovidos e orientados também hoje, sobretudo, pelos Padres Jesuítas. Costumam durar 30 dias. Trata-se de um tempo forte de meditação, de discernimento, de oração, de conversão, enfim, de renovação espiritual. Acentua-se a caminhada; existe um pregador e um diretor espiritual. Dá-se grande importância ao método. O segundo tipo vai na linha do Retiro, tendo como modelo São Francisco de Assis.
Aqui gostaríamos de abordar o chamado Retiro ou Retiro espiritual muito praticado por São Francisco de Assis. O Retiro pode ser feito em comum, em geral com algum sacerdote orientador ou pregador. O orientador não precisa necessariamente ser sacerdote. Ele pode ser feito também individualmente, a exemplo do próprio Cristo e de São Francisco de Assis.
A prática de Jesus: Antes de momentos importantes de sua missão messiânica, Jesus se retirava para rezar. Pensemos na oração por ocasião de seu batismo no rio Jordão, nos 40 dias no deserto. A oração antes de chamar os apóstolos, antes de ensinar os apóstolos a rezar, antes de sua Paixão no Monte das Oliveiras. Retirava-se também do meio das “multidões” e dos discípulos para pôr-se em oração, para cultivar o colóquio com o Pai, para estar com o Pai.
A prática de Francisco: Se os Evangelhos apresentam Jesus Cristo retirando-se para a oração, para a contemplação no ermo, no deserto, nas montanhas, na solidão, Francisco queria fazer o mesmo. Em sua vida constatamos longos retiros, até quatro retiros de quarenta dias no mesmo ano. Ele se retirava geralmente paras as montanhas junto aos vales e lá nas montanhas, como os “Carceri” no Vale de Espoleto, Greccio, Fonte Colombo, La Foresta e Poggio Bustone, no Vale de Rieti, e o monte Alverne no Vale Caselino, entre outras, ele se refugiava nas grutas ou nas cavernas. Para ele, toda esta topografia tinha um significado. Basta pensar no sentido simbólico dos vales, das montanhas e das grutas ou cavernas. Para Francisco, o vale simboliza a sociedade, o mundo, o século; a montanha, os ideais, o lugar de Deus, o próprio Deus; a gruta ou caverna, o encontro consigo mesmo. De fato, o homem só se encontra consigo mesmo na montanha, onde se entra na caverna. Encontra-se consigo mesmo somente em Deus. É significativo que a moradia mais permanente de Francisco e de seus companheiros tenha sido Nossa Senhora dos Anjos da Porciúncula, situada na planície de Assis. Francisco, com seus irmãos, era chamado a realizar o apostolado do testemunho fraterno, de reconciliação e de paz, a ser o irmão universal, irmão de todo irmão, irmão de toda irmã. Mas, daí ele se retirava sempre de novo para as montanhas, onde se recolhia nas cavernas em intensa oração.
Assim também o cristão em geral, embora viva na planície, entre os homens, sempre de novo terá que retirar-se para o seu quarto, onde se dedicará à oração, a fim de que possa iluminar o mundo e ser sal da terra e fermento na massa. Na escola franciscana de espiritualidade, o Retiro tem algo de eremítico. Apela fortemente para o indivíduo, mesmo quando feito em grupo. Praticamente é destituído de método.
Elementos do retiro espiritual: Existem alguns elementos que são próprios das várias formas de Retiro ou de Exercícios espirituais. Eles se distinguem de cursos, de encontros, de estudos em grupos. Sua finalidade não é, em primeiro lugar, a de adquirir mais conhecimentos para saber mais, mas amar mais intensamente a Deus como filhos e filhas, ao próximo como irmãos e irmãs, e ao mundo como senhores e senhoras da criação. Trata-se de deixar-se libertar de todas as amarras para, na liberdade dos filhos de Deus, viver sempre mais intensamente o amor a Deus e ao próximo, em ação de graças, abraçando toda a realidade criada.
Os Retiros e os Exercícios espirituais caracterizam-se pelo ermo, pela solidão, pelo sair do ambiente do cotidiano da vida. Trata-se de deixar as agitações do dia-a-dia, os ruídos que entram através de todos os sentidos e acabam ocupando nossa mente e nosso coração. Procura-se fazer o jejum das palavras para dar lugar à Palavra, o Verbo de Deus, Jesus Cristo. Diria que o recolhimento e o silêncio são condições indispensáveis para um retiro frutuoso.
Neste ambiente de silêncio e de recolhimento podem-se realizar os exercícios próprios do Retiro ou dos Exercícios espirituais. Serão de grande utilidade as conferências, sobretudo, quando o Retiro é realizado em grupo. Tais conferências são, antes de tudo, meditações que querem levar à contemplação dos mistérios de Deus, de Jesus Cristo, da Igreja; contemplarão a vocação e a missão do ser humano neste mundo, sua origem e seu destino, o mistério do mal, o pecado. Ajudam a provocar o confronto com Deus, com o próximo, consigo mesmo e com todo o criado, donde brotará uma resposta de reconciliação, de ação de graças, de amor. Este confronto poderá ser provocado também pela leitura de trechos da Sagrada Escritura ou de outros livros apropriados.
Sobretudo nos Retiros individuais, este confronto pode ser suscitado pela contemplação da natureza, pela reflexão, pela meditação. Trata-se de dar uma resposta concreta àquela pergunta que fazia São Francisco: “Senhor, quem sois vós e quem sou eu? Vós o altíssimo Senhor do céu e da terra, e eu, um miserável vermezinho, vosso ínfimo servo”.
O retiro é um tempo de cultivo intenso de Deus pela meditação, pela oração e a contemplação. Será uma experiência de reconciliação com Deus, com o próximo, consigo mesmo e com toda a natureza criada.
A dinâmica interna do retiro parece ser sempre: a escuta de Deus, a meditação que leva ao confronto; a meditação que leva à resposta orante; a meditação que leva à contemplação. Surgirão, assim, como consequência, os propósitos de conversão, de resposta ao Deus de bondade e de misericórdia.
Ouvi alguém dizer: “É importante que nós religiosos reservemos para o cultivo expresso, intenso e exclusivo de nossa vida espiritual uma semana por ano, um dia por mês e uma hora por dia. Claro que estamos diante de um ideal. Os religiosos, as religiosas e os sacerdotes assumem este compromisso como fazendo parte de sua forma de vida. Oxalá também os fiéis leigos consigam realizar algo desse ideal. Seu retiro anual em geral se restringirá a um fim de semana. E a hora por dia? Será uma breve meditação, seguida de um momento de oração. Lembro que em muitas de nossas casas de família havia um oratório. Nem sempre será possível recolher-se. Mas, quem sabe, pela manhã, ou à noite, a pessoa poderá reservar-se uns 10 minutos, se não 15 ou meia hora, para a meditação a partir da leitura da Palavra de Deus do dia ou de outro subsídio válido.
Tudo parte do amor! Quem ama faz um esforço especial para estar com o amado. Importa dar uma resposta de amor ao Amor que nos amou primeiro.