Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Querida Amazônia

12/02/2020

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL DO SANTO PADRE FRANCISCO AO POVO DE DEUS E A TODAS AS PESSOAS DE BOA VONTADE

1. A AMAZÔNIA QUERIDA apresenta-se aos olhos do mundo com todo o seu esplendor, o seu drama e o seu mistério. Deus concedeu-nos a graça de a termos presente de modo especial no Sínodo que se realizou em Roma de 6 a 27 de outubro de 2019, concluindo com o Documento Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral.

O sentido desta Exortação

2. Ouvi as intervenções ao longo do Sínodo e li, com interesse, as contribuições dos Círculos Menores. Com esta Exortação, quero expressar as ressonâncias que provocou em mim este percurso de diálogo e discernimento. Aqui, não vou desenvolver todas as questões amplamente tratadas no Documento conclusivo; não pretendo substituí-lo nem repeti-lo. Desejo apenas oferecer um breve quadro de reflexão que encarne na realidade amazônica uma síntese de algumas grandes preocupações já manifestadas por mim em documentos anteriores, que ajude e oriente para uma recepção harmoniosa, criativa e frutuosa de todo o caminho sinodal.

3. Ao mesmo tempo, quero apresentar de maneira oficial o citado Documento, que nos oferece as conclusões do Sínodo e no qual colaboraram muitas pessoas que conhecem melhor do que eu e do que a Cúria Romana a problemática da Amazônia, porque vivem lá, por ela sofrem e a amam apaixonadamente. Nesta Exortação, preferi não citar o Documento, convidando a lê-lo integralmente.

4. Deus queira que toda a Igreja se deixe enriquecer e interpelar por este trabalho, que os pastores, os consagrados, as consagradas e os fiéis-leigos da Amazônia se empenhem na sua aplicação e que, de alguma forma, possa inspirar todas as pessoas de boa vontade.

Sonhos para a Amazônia

5. A Amazônia é um todo plurinacional interligado, um grande bioma partilhado por nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa. Todavia dirijo esta Exortação ao mundo inteiro. Faço-o, por um lado, para ajudar a despertar a estima e solicitude por esta terra, que também é «nossa», convidando-o a admirá-la e reconhecê-la como um mistério sagrado; e, por outro, porque a atenção da Igreja às problemáticas deste território obriga-nos a retomar brevemente algumas questões que não devemos esquecer e que podem servir de inspiração para outras regiões da terra enfrentarem os seus próprios desafios.

6. Tudo o que a Igreja oferece deve encarnar-se de maneira original em cada lugar do mundo, para que a Esposa de Cristo adquira rostos multiformes que manifestem melhor a riqueza inesgotável da graça. Deve encarnar-se a pregação, deve encarnar-se a espiritualidade, devem encarnar-se as estruturas da Igreja. Por isso, nesta breve Exortação, ouso humildemente formular quatro grandes sonhos que a Amazônia me inspira:

7Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida.

Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a carateriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana.

Sonho com uma Amazônia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas.

Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazônia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos.

CAPÍTULO I

UM SONHO SOCIAL

8. O nosso é o sonho de uma Amazônia que integre e promova todos os seus habitantes, para poderem consolidar o «bem viver». Mas impõe-se um grito profético e um árduo empenho em prol dos mais pobres. Pois, apesar do desastre ecológico que a Amazônia está enfrentando, deve-se notar que «uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres».[1] Não serve um conservacionismo «que se preocupa com o bioma, porém ignora os povos amazônicos».[2]

Injustiça e crime

9. Os interesses colonizadores que, legal e ilegalmente, fizeram – e fazem – aumentar o corte de madeira e a indústria minerária e que foram expulsando e encurralando os povos indígenas, ribeirinhos e afrodescendentes, provocam um clamor que brada ao céu:

«São muitas as árvores
onde morou a tortura
e vastas as florestas
compradas entre mil mortes».[3]

«Os madeireiros têm parlamentares
e nossa Amazônia não tem quem a defenda (…)
Mandam em exílio os papagaios e os macacos (…)
Já não será igual a colheita da castanha».[4]

10. Isto favoreceu os movimentos migratórios mais recentes dos indígenas para as periferias das cidades. Aqui não encontram uma real libertação dos seus dramas, mas as piores formas de escravidão, sujeição e miséria. Nestas cidades caraterizadas por uma grande desigualdade, onde hoje habita a maior parte da população da Amazônia, crescem também a xenofobia, a exploração sexual e o tráfico de pessoas. Por isso, o clamor da Amazônia não brota apenas do coração das florestas, mas também do interior das suas cidades.

11. Não é necessário repetir aqui as análises tão abrangentes e completas que foram apresentadas antes e durante o Sínodo. Mas lembremos ao menos uma das vozes ouvidas: «Estamos sendo afetados pelos madeireiros, criadores de gado e outros terceiros. Ameaçados por agentes econômicos que implementam um modelo alheio em nossos territórios. As empresas madeireiras entram no território para explorar a floresta, nós cuidamos da floresta para nossos filhos, dispomos de carne, pesca, remédios vegetais, árvores frutíferas (…). A construção de hidrelétricas e o projeto de hidrovias têm impacto sobre o rio e sobre os territórios (…). Somos uma região de territórios roubados».[5]

12. Já o meu antecessor, Bento XVI, denunciava «a devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana das suas populações».[6] Desejo acrescentar que muitos dramas tiveram a ver com uma falsa «mística amazônica»: é sabido que, desde os últimos decênios do século passado, a Amazônia tem sido apresentada como um enorme vazio que deve ser preenchido, como uma riqueza em estado bruto que se deve aprimorar, como uma vastidão selvagem que precisa de ser domada. E, tudo isto, numa perspetiva que não reconhece os direitos dos povos nativos ou simplesmente os ignora como se não existissem e como se as terras onde habitam não lhes pertencessem. Nos próprios programas educacionais de crianças e jovens, os indígenas apareciam como intrusos ou usurpadores. As suas vidas e preocupações, a sua maneira de lutar e sobreviver não interessavam, considerando-os mais como um obstáculo de que nos temos de livrar do que como seres humanos com a mesma dignidade que qualquer outro e com direitos adquiridos.

13. Para aumentar esta confusão, contribuíram alguns slogans, nomeadamente o de «não entregar»,[7] como se a citada sujeição fosse provocada apenas por países estrangeiros, quando os próprios poderes locais, com a desculpa do progresso, fizeram parte de alianças com o objetivo de devastar, de maneira impune e indiscriminada, a floresta com as formas de vida que abriga. Os povos nativos viram muitas vezes, impotentes, a destruição do ambiente natural que lhes permitia alimentar-se, curar-se, sobreviver e conservar um estilo de vida e uma cultura que lhes dava identidade e sentido. A disparidade de poder é enorme, os fracos não têm recursos para se defender, enquanto o vencedor continua a levar tudo, «os povos pobres ficam sempre pobres e os ricos tornam-se cada vez mais ricos».[8]

14. Às operações econômicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazônia e não respeitam o direito dos povos nativos ao território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime. Quando algumas empresas sedentas de lucro fácil se apropriam dos terrenos, chegando a privatizar a própria água potável, ou quando as autoridades deixam mão livre a madeireiros, a projetos minerários ou petrolíferos e outras atividades que devastam as florestas e contaminam o ambiente, transformam-se indevidamente as relações econômicas e tornam-se um instrumento que mata. É usual lançar mão de recursos desprovidos de qualquer ética, como penalizar os protestos e mesmo tirar a vida aos indígenas que se oponham aos projetos, provocar intencionalmente incêndios florestais, ou subornar políticos e os próprios nativos. A acompanhar tudo isto, temos graves violações dos direitos humanos e novas escravidões que atingem especialmente as mulheres, a praga do narcotráfico que procura submeter os indígenas, ou o tráfico de pessoas que se aproveita daqueles que foram expulsos de seu contexto cultural. Não podemos permitir que a globalização se transforme num «novo tipo de colonialismo».[9]

Indignar-se e pedir perdão

15. É preciso indignar-se,[10] como se indignou Moisés (cf. Ex 11, 8), como Se indignava Jesus (cf. Mc 3, 5), como Se indigna Deus perante a injustiça (cf. Am 2, 4-8; 5, 7-12; Sal 106/105, 40). Não é salutar habituarmo-nos ao mal; faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência social, enquanto «um rasto de delapidação, inclusive de morte, por toda a nossa região, (…) coloca em perigo a vida de milhões de pessoas, em especial do habitat dos camponeses e indígenas».[11] Os casos de injustiça e crueldade verificados na Amazônia, ainda durante o século passado, deveriam gerar uma profunda repulsa e ao mesmo tempo tornar-nos mais sensíveis para também reconhecer formas atuais de exploração humana, violência e morte. Por exemplo, a propósito do passado vergonhoso, recolhamos uma narração dos sofrimentos dos indígenas da época da borracha na Amazônia venezuelana: «Os nativos não recebiam dinheiro, mas apenas mercadorias, e caras, que nunca acabavam de pagar. (…) Pagava, mas diziam ao indígena: “Ainda está devendo tanto” e o indígena tinha que voltar a trabalhar (…). Mais de vinte aldeias ye’kuana foram completamente arrasadas. As mulheres ye’kuana foram violadas e seus seios cortados; as grávidas desventradas. Aos homens, cortavam-lhes os dedos das mãos ou os pulsos, para não poderem navegar (…), juntamente com outras cenas do sadismo mais absurdo».[12]

16. Esta história de sofrimento e desprezo não se cura facilmente. E a colonização não para; embora em muitos lugares se transforme, disfarce e dissimule,[13] todavia não perde a sua prepotência contra a vida dos pobres e a fragilidade do meio ambiente. Os bispos da Amazônia brasileira recordaram que «a história da Amazônia revela que foi sempre uma minoria que lucrava à custa da pobreza da maioria e da depredação sem escrúpulos das riquezas naturais da região, dádiva divina para os povos que aqui vivem há milênios e os migrantes que chegaram ao longo dos séculos passados».[14]

17. Ao mesmo tempo que nos deixamos tomar por uma sã indignação, lembremo-nos de que sempre é possível superar as diferentes mentalidades de colonização para construir redes de solidariedade e desenvolvimento: «o desafio é assegurar uma globalização na solidariedade, uma globalização sem marginalização».[15] Podem-se encontrar alternativas de pecuária e agricultura sustentáveis, de energias que não poluem, de fontes dignas de trabalho que não impliquem a destruição do meio ambiente e das culturas. Simultaneamente é preciso garantir, para os indígenas e os mais pobres, uma educação adequada que desenvolva as suas capacidades e empoderamento. É precisamente nestes objetivos que se mede a verdadeira solércia e a genuína capacidade dos políticos. Não servirá para devolver aos mortos a vida que lhes foi negada, nem para compensar os sobreviventes daqueles massacres, mas ao menos para hoje sermos todos realmente humanos.

18. Anima-nos recordar que, no meio dos graves excessos da colonização da Amazônia, cheia de «contradições e lacerações»,[16] muitos missionários chegaram lá com o Evangelho, deixando os seus países e aceitando uma vida austera e desafiadora junto dos mais desprotegidos. Sabemos que nem todos foram exemplares, mas o trabalho de quantos se mantiveram fiéis ao Evangelho também inspirou «uma legislação, como as Leis das Índias, que protegiam a dignidade dos indígenas contra as violações de seus povos e territórios».[17] E dado que frequentemente eram os sacerdotes que protegiam os indígenas de ladrões e abusadores, aqueles «pediam-nos insistentemente – contam os missionários – que não os abandonássemos e faziam-nos prometer que voltaríamos novamente».[18]

19. E, nos dias de hoje, a Igreja não pode estar menos comprometida, chamada como está a ouvir os clamores dos povos amazônicos, «para poder exercer com transparência o seu papel profético».[19] Entretanto como não podemos negar que o joio se misturou com o trigo, pois os missionários nem sempre estiveram do lado dos oprimidos, deploro-o e mais uma vez «peço humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América»[20] e pelos crimes atrozes que se seguiram ao longo de toda a história da Amazônia. Aos membros dos povos nativos, agradeço e digo novamente que, «com a vossa vida, sois um grito lançado à consciência (…). Vós sois memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar da Casa Comum».[21]

Sentido comunitário

20. A luta social implica capacidade de fraternidade, um espírito de comunhão humana. Então, sem diminuir a importância da liberdade pessoal, ressalta-se que os povos nativos da Amazônia possuem um forte sentido comunitário. Vivem assim «o trabalho, o descanso, os relacionamentos humanos, os ritos e as celebrações. Tudo é compartilhado, os espaços particulares – típicos da modernidade – são mínimos. A vida é um caminho comunitário onde as tarefas e as responsabilidades se dividem e compartilham em função do bem comum. Não há espaço para a ideia de indivíduo separado da comunidade ou de seu território».[22] Estas relações humanas estão impregnadas pela natureza circundante, porque a sentem e percebem como uma realidade que integra a sua sociedade e cultura, como um prolongamento do seu corpo pessoal, familiar e de grupo:

«Aquele luzeiro se aproxima
revolteiam os beija-flores
mais do que a cascata troa meu coração
com esses teus lábios regarei a terra
possa o vento jogar em nós».[23]

21. Isto multiplica o efeito desintegrador do desenraizamento que vivem os indígenas forçados a emigrar para a cidade, procurando sobreviver, por vezes de forma não digna, no meio dos costumes urbanos mais individualistas e de um ambiente hostil. Como sanar um dano tão grave? Como reconstruir estas vidas desenraizadas? À vista desta realidade, é preciso valorizar e acompanhar todos os esforços que fazem muitos destes grupos para preservar os seus valores e estilo de vida e integrar-se nos contextos novos sem os perder, antes pelo contrário oferecendo-os como uma própria contribuição para o bem comum.

22. Cristo redimiu o ser humano inteiro e deseja recompor em cada um a sua capacidade de se relacionar com os outros. O Evangelho propõe a caridade divina que brota do Coração de Cristo e gera uma busca da justiça que é inseparavelmente um canto de fraternidade e solidariedade, um estímulo à cultura do encontro. A sabedoria do estilo de vida dos povos nativos – mesmo com todos os limites que possa ter – estimula-nos a aprofundar tal anseio. Por esta razão, os bispos do Equador solicitaram «um novo sistema social e cultural que privilegie as relações fraternas, num quadro de reconhecimento e valorização das diferentes culturas e dos ecossistemas, capaz de se opor a todas as formas de discriminação e domínio entre os seres humanos».[24]

Instituições degradadas

23. Na Encíclica Laudato si’, lembramos que, «se tudo está relacionado, também o estado de saúde das instituições de uma sociedade tem consequências no ambiente e na qualidade de vida humana (…). Dentro de cada um dos níveis sociais e entre eles, desenvolvem-se as instituições que regulam as relações humanas. Tudo o que as danifica comporta efeitos nocivos, como a perda da liberdade, a injustiça e a violência. Vários países são governados por um sistema institucional precário, à custa do sofrimento do povo».[25]

24. Como estão as instituições da sociedade civil na Amazônia? O Instrumentum laboris do Sínodo, que reúne muitas contribuições de pessoas e grupos da Amazônia, refere-se a «uma cultura que envenena o Estado e suas instituições, permeando todos os estratos sociais, inclusive as comunidades indígenas. Trata-se de um verdadeiro flagelo moral; como resultado, perde-se a confiança nas instituições e em seus representantes, o que desacredita totalmente a política e as organizações sociais. Os povos amazônicos não são alheios à corrupção e tornam-se suas principais vítimas».[26]

25. Não podemos excluir que membros da Igreja tenham feito parte das redes de corrupção, por vezes chegando ao ponto de aceitar manter silêncio em troca de ajudas econômicas para as obras eclesiais. Por isso mesmo, chegaram ao Sínodo propostas que convidavam a «prestar uma atenção especial à procedência de doações ou outro tipo de benefícios, assim como aos investimentos realizados pelas instituições eclesiásticas ou pelos cristãos».[27]

Diálogo social

26. A Amazônia deveria ser também um local de diálogo social, especialmente entre os diferentes povos nativos, para encontrar formas de comunhão e luta conjunta. Os demais, somos chamados a participar como «convidados», procurando com o máximo respeito encontrar vias de encontro que enriqueçam a Amazônia. Mas, se queremos dialogar, devemos começar pelos últimos. Estes não são apenas um interlocutor que é preciso convencer, nem mais um que está sentado a uma mesa de iguais. Mas são os principais interlocutores, dos quais primeiro devemos aprender, a quem temos de escutar por um dever de justiça e a quem devemos pedir autorização para poder apresentar as nossas propostas. A sua palavra, as suas esperanças, os seus receios deveriam ser a voz mais forte em qualquer mesa de diálogo sobre a Amazônia. E a grande questão é: Como imaginam eles o «bem viver» para si e seus descendentes?

27. O diálogo não se deve limitar a privilegiar a opção preferencial pela defesa dos pobres, marginalizados e excluídos, mas há de também respeitá-los como protagonistas. Trata-se de reconhecer o outro e apreciá-lo «como outro», com a sua sensibilidade, as suas opções mais íntimas, o seu modo de viver e trabalhar. Caso contrário, o resultado será, como sempre, «um projeto de poucos para poucos»,[28] quando não «um consenso de escritório ou uma paz efêmera para uma minoria feliz».[29] Se tal acontecer, «é necessária uma voz profética»[30] e, como cristãos, somos chamados a fazê-la ouvir.

Daqui nasce o sonho sucessivo…

CAPÍTULO II

UM SONHO CULTURAL

28. O objetivo é promover a Amazônia; isto, porém, não implica colonizá-la culturalmente, mas fazer de modo que ela própria tire fora o melhor de si mesma. Tal é o sentido da melhor obra educativa: cultivar sem desenraizar, fazer crescer sem enfraquecer a identidade, promover sem invadir. Assim como há potencialidades na natureza que se poderiam perder para sempre, o mesmo pode acontecer com culturas portadoras de uma mensagem ainda não escutada e que estão ameaçadas hoje mais do que nunca.

O poliedro amazônico

29. Na Amazônia, vivem muitos povos e nacionalidades, sendo mais de cento e dez os povos indígenas em isolamento voluntário (PIAV).[31] A sua situação é fragilíssima; e muitos sentem que são os últimos depositários de um tesouro destinado a desaparecer, como se lhes fosse permitido sobreviver apenas sem perturbar, enquanto avança a colonização pós-moderna. Temos que evitar de os considerar como «selvagens não-civilizados»; simplesmente criaram culturas diferentes e outras formas de civilização, que antigamente registaram um nível notável de desenvolvimento.[32]

30. Antes da colonização, os centros habitados concentravam-se nas margens dos rios e lagos, mas o avanço da colonização expulsou os antigos habitantes para o interior da floresta. Hoje, a crescente desertificação obriga a novas deslocações muitos, que acabam por ocupar as periferias ou as calçadas das cidades por vezes numa situação de miséria extrema, mas também de dilaceração interior devido à perda dos valores que os sustentavam. Neste contexto, habitualmente perdem os pontos de referência e as raízes culturais que lhes conferiam uma identidade e um sentido de dignidade e vão alongar a fila dos descartados. Assim, interrompe-se a transmissão cultural de uma sabedoria que, durante séculos, foi passando de geração em geração. As cidades, que deveriam ser lugares de encontro, enriquecimento mútuo e fecundação entre diferentes culturas, tornam-se palco de um doloroso descarte.

31. Cada povo, que conseguiu sobreviver na Amazônia, possui a sua própria identidade cultural e uma riqueza única num universo multicultural, em virtude da estreita relação que os habitantes estabelecem com o meio circundante, numa simbiose – de tipo não determinista – difícil de entender com esquemas mentais alheios:

«Havia outrora uma paisagem que despontava com seu rio,
seus animais, suas nuvens e suas árvores.
Às vezes, porém, quando não se via em lado nenhum
a paisagem com seu rio e suas árvores,
competia a tais coisas assomar à mente dum
garotinho».[33]

«Do rio, fazes o teu sangue (…).
Depois planta-te,
germina e cresce
que tua raiz
se agarre à terra

mais e mais para sempre
e, por último,
sê canoa,
barco, jangada,
solo, jarra,
estábulo e homem».[34]

32. Os grupos humanos, seus estilos de vida e cosmovisões são tão variados como o território, pois tiveram que se adaptar à geografia e aos seus recursos. Não são iguais as aldeias de pescadores às de caçadores, nem as aldeias de agricultores do interior às dos cultivadores de terras sujeitas a inundações. Além disso, na Amazônia, encontram-se milhares de comunidades de indígenas, afrodescendentes, ribeirinhos e habitantes das cidades que, por sua vez, são muito diferentes entre si e abrigam uma grande diversidade humana. Deus manifesta-Se, reflete algo da sua beleza inesgotável através de um território e das suas caraterísticas, pelo que os diferentes grupos, numa síntese vital com o ambiente circundante, desenvolvem uma forma peculiar de sabedoria. Quantos de nós observamos de fora deveríamos evitar generalizações injustas, discursos simplistas ou conclusões elaboradas apenas a partir das nossas próprias estruturas mentais e experiências.

Cuidar das raízes

33. Quero lembrar agora que «a visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada atual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural, que é um tesouro da humanidade».[35] Isto afeta muito os jovens, quando se tende a «dissolver as diferenças próprias do seu lugar de origem, transformá-los em sujeitos manipuláveis feitos em série».[36] Para evitar esta dinâmica de empobrecimento humano, é preciso amar as raízes e cuidar delas, porque são «um ponto de enraizamento que nos permite crescer e responder aos novos desafios».[37] Convido os jovens da Amazônia, especialmente os indígenas, a «assumir as raízes, pois das raízes provém a força que [os] fará crescer, florescer e frutificar».[38] Para quantos deles são batizados, incluem-se nestas raízes a história do povo de Israel e da Igreja até ao dia de hoje. Conhecê-las é uma fonte de alegria e sobretudo de esperança que inspira ações válidas e corajosas.

34. Durante séculos, os povos amazônicos transmitiram a sua sabedoria cultural, oralmente, através de mitos, lendas, narrações, como sucedia com «aqueles primitivos jograis que percorriam as florestas contando histórias de aldeia em aldeia, mantendo assim viva uma comunidade que, sem o cordão umbilical destas histórias, a distância e a falta de comunicação teriam fragmentado e dissolvido».[39] Por isso, é importante «deixar que os idosos contem longas histórias»[40] e que os jovens se detenham a beber desta fonte.

35. Enquanto o risco de perder esta riqueza cultural é cada vez maior, nos últimos anos – graças a Deus – alguns povos começaram a escrever para contar as suas histórias e descrever o significado dos seus costumes. Assim, eles próprios podem reconhecer explicitamente que há algo mais do que uma identidade étnica e que são depositários de preciosas memórias pessoais, familiares e coletivas. Alegra-me ver aqueles que perderam o contacto com as suas raízes tentarem recuperar a memória danificada. Por outro lado, nos próprios setores profissionais, começou a desenvolver-se uma maior percepção da identidade amazônica, tornando-se a Amazônia – mesmo para eles, muitas vezes descendentes de imigrantes – fonte de inspiração artística, literária, musical, cultural. As várias expressões artísticas, particularmente a poesia, deixaram-se inspirar pela água, a floresta, a vida que se agita, bem como pela diversidade cultural e os desafios ecológicos e sociais.

Encontro intercultural

36. As culturas da Amazônia profunda, como aliás toda a realidade cultural, têm as suas limitações; as culturas urbanas do Ocidente também as têm. Fatores, como o consumismo, o individualismo, a discriminação, a desigualdade e muitos outros, constituem aspetos frágeis das culturas aparentemente mais evoluídas. As etnias que desenvolveram um tesouro cultural em conexão com a natureza, com forte sentido comunitário, apercebem-se facilmente das nossas sombras, que não reconhecemos no meio do suposto progresso. Assim, far-nos-á bem recolher a sua experiência da vida.

37. É a partir das nossas raízes que nos sentamos à mesa comum, lugar de diálogo e de esperanças compartilhadas. Deste modo a diferença, que pode ser uma bandeira ou uma fronteira, transforma-se numa ponte. A identidade e o diálogo não são inimigos. A própria identidade cultural aprofunda-se e enriquece-se no diálogo com os que são diferentes, e o modo autêntico de a conservar não é um isolamento que empobrece. Por isso, não é minha intenção propor um indigenismo completamente fechado, a-histórico, estático, que se negue a toda e qualquer forma de mestiçagem. Uma cultura pode tornar-se estéril quando «se fecha em si própria e procura perpetuar formas antiquadas de vida, recusando qualquer mudança e confronto com a verdade do homem».[41] Isto poderia parecer pouco realista, já que não é fácil proteger-se da invasão cultural. Por isso, cuidar dos valores culturais dos grupos indígenas deveria ser interesse de todos, porque a sua riqueza é também a nossa. Se não progredirmos nesta direção de corresponsabilidade pela diversidade que embeleza a nossa humanidade, não se pode pretender que os grupos do interior da floresta se abram ingenuamente à «civilização».

38. Na Amazônia, mesmo entre os distintos povos nativos, é possível desenvolver «relações interculturais onde a diversidade não significa ameaça, não justifica hierarquias de um poder sobre os outros, mas sim diálogo a partir de visões culturais diferentes, de celebração, de inter-relacionamento e de reavivamento da esperança».[42]

Culturas ameaçadas, povos em risco

39. A economia globalizada danifica despudoradamente a riqueza humana, social e cultural. A desintegração das famílias, que resulta das migrações forçadas, afeta a transmissão dos valores, porque «a família é, e sempre foi, a instituição social que mais contribuiu para manter vivas as nossas culturas».[43] Além disso, «diante de uma invasão colonizadora maciça dos meios de comunicação», é necessário promover para os povos nativos «comunicações alternativas, a partir das suas próprias línguas e culturas», e que «os próprios indígenas se façam protagonistas presentes nos meios de comunicação já existentes».[44]

40. Em qualquer projeto para a Amazônia, «é preciso assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas de compreender que o desenvolvimento de um grupo social (…) requer constantemente o protagonismo dos atores sociais locais a partir da sua própria cultura. Nem mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano».[45] E se as culturas ancestrais dos povos nativos nasceram e se desenvolveram em estreito contato com o ambiente natural circundante, dificilmente podem ficar ilesas quando se deteriora este ambiente.

Isto abre passagem ao sonho sucessivo…

CAPÍTULO III

UM SONHO ECOLÓGICO

41. Numa realidade cultural como a Amazônia, onde existe uma relação tão estreita do ser humano com a natureza, a vida diária é sempre cósmica. Libertar os outros das suas escravidões implica certamente cuidar do seu meio ambiente e defendê-lo[46] e – mais importante ainda – ajudar o coração do homem a abrir-se confiadamente àquele Deus que não só criou tudo o que existe, mas também Se nos deu a Si mesmo em Jesus Cristo. O Senhor, que primeiro cuida de nós, ensina-nos a cuidar dos nossos irmãos e irmãs e do ambiente que Ele nos dá de prenda cada dia. Esta é a primeira ecologia que precisamos. Na Amazônia, compreendem-se melhor as palavras de Bento XVI, quando dizia que, «ao lado da ecologia da natureza, existe uma ecologia que podemos designar “humana”, a qual, por sua vez, requer uma “ecologia social”. E isto requer que a humanidade (…) tome consciência cada vez mais das ligações existentes entre a ecologia natural, ou seja, o respeito pela natureza, e a ecologia humana».[47] Esta insistência em que «tudo está interligado»[48] vale especialmente para um território como a Amazônia.

42. Se o cuidado das pessoas e o cuidado dos ecossistemas são inseparáveis, isto torna-se particularmente significativo lá onde «a floresta não é um recurso para explorar, é um ser ou vários seres com os quais se relacionar».[49] A sabedoria dos povos nativos da Amazônia «inspira o cuidado e o respeito pela criação, com clara consciência dos seus limites, proibindo o seu abuso. Abusar da natureza significa abusar dos antepassados, dos irmãos e irmãs, da criação e do Criador, hipotecando o futuro».[50] Os indígenas, «quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuidam»,[51] desde que não se deixem enredar pelos cantos das sereias e pelas ofertas interesseiras de grupos de poder. Os danos à natureza preocupam-nos, de maneira muito direta e palpável, porque – dizem eles – «somos água, ar, terra e vida do meio ambiente criado por Deus. Por conseguinte, pedimos que cessem os maus-tratos e o extermínio da “Mãe Terra”. A terra tem sangue e está sangrando, as multinacionais cortaram as veias da nossa “Mãe Terra”».[52]

Esse sonho feito de água

43. Na Amazônia, a água é a rainha; rios e córregos lembram veias, e toda a forma de vida brota dela: «Ali, no pleno dos estios quentes, quando se diluem, mortas nos ares parados, as últimas lufadas de leste, o termômetro é substituído pelo higrômetro na definição do clima. As existências derivam numa alternativa dolorosa de vazantes e enchentes dos grandes rios. Estas alteiam-se sempre de um modo assombrador. O Amazonas referto salta fora do leito, levanta em poucos dias o nível das águas. A enchente é uma paragem na vida. Preso nas malhas dos igarapés, o homem aguarda, então, com estoicismo raro ante a fatalidade incoercível, o termo daquele inverno paradoxal, de temperaturas altas. A vazante é o verão. É a revivescência da atividade rudimentar dos que ali se agitam, do único modo compatível com uma natureza que se excede em manifestações dispares tornando impossível a continuidade de quaisquer esforços».[53]

44. A água encanta no grande Amazonas, que abraça e vivifica tudo ao seu redor:

«Amazonas,
capital das sílabas d’água,
pai patriarca, és
a eternidade secreta
das fecundações,
chegam-te rios como pássaros».[54]

45. Além disso é a coluna vertebral que harmoniza e une: «O rio não nos separa; mas une-nos, ajudando-nos a conviver entre diferentes culturas e línguas».[55] Embora seja verdade que, neste território, há muitas «Amazônias», o seu eixo principal é o grande rio, filho de muitos rios: «Da altura extrema da cordilheira, onde as neves são eternas, a água se desprende, e traça trêmula um risco na pele antiga da pedra: o Amazonas acaba de nascer. A cada instante ele nasce. Desce devagar, para crescer no chão. Varando verdes, faz o seu caminho e se acrescenta. Águas subterrâneas afloram para abraçar-se com a água que desceu dos Andes. De mais alto ainda, desce a água celeste. Reunidas elas avançam, multiplicadas em infinitos caminhos, banhando a imensa planície (…). É a Grande Amazônia, toda ela no trópico úmido, com a sua floresta compacta e atordoante, onde ainda palpita, intocada pelo homem, a vida que se foi urdindo nas intimidades da água (…). Desde que o homem a habita, ergue-se das funduras das suas águas e dos altos centros de sua floresta um terrível temor: a de que essa vida esteja, devagarinho, tomando o rumo do fim».[56]

46. Os poetas populares, enamorados da sua imensa beleza, procuraram expressar o que este rio lhes fazia sentir e a vida que ele oferece à sua passagem, com uma dança de delfins, anacondas, árvores e canoas. Mas lamentam também os perigos que a ameaçam. Estes poetas, contemplativos e proféticos, ajudam a libertar-nos do paradigma tecnocrático e consumista que sufoca a natureza e nos deixa sem uma existência verdadeiramente digna: «Sofre o mundo da transformação dos pés em borracha, das pernas em couro, do corpo em pano e da cabeça em aço (…). Sofre o mundo da transformação da pá em fuzil, do arado em tanque de guerra, da imagem do semeador que semeia na do autômato com seu lança-chamas, de cuja sementeira brotam solidões. A esse mundo, só a poesia poderá salvar, e a humildade diante da sua voz».[57]

O grito da Amazônia

47. A poesia ajuda a expressar uma dolorosa sensação que muitos compartilhamos hoje. A verdade ineludível é que, nas condições atuais, com este modo de tratar a Amazônia, tanta riqueza de vida e de tão grande beleza estão «tomando o rumo do fim», embora muitos pretendam continuar a crer que tudo vai bem, como se nada acontecesse:

«Aqueles que pensavam que o rio fosse uma corda para
jogar, enganavam-se.
O rio é uma veia muito subtil sobre a face da terra. (…)
O rio é uma corda onde se agarram os animais e as árvores.
Se o puxarem demais, o rio poderia rebentar.
Poderia explodir e lavar-nos a cara com a água e com o sangue».[58]

48. O equilíbrio da terra depende também da saúde da Amazônia. Juntamente com os biomas do Congo e do Bornéu, deslumbra pela diversidade das suas florestas, das quais dependem também os ciclos das chuvas, o equilíbrio do clima e uma grande variedade de seres vivos. Funciona como um grande filtro do dióxido de carbono, que ajuda a evitar o aquecimento da terra. Em grande parte, o solo é pobre em húmus, de modo que a floresta «cresce realmente sobre o solo e não do solo».[59] Quando se elimina a floresta, esta não é substituída, ficando um terreno com poucos nutrientes que se transforma num território desértico ou pobre em vegetação. Isto é grave, porque, nas entranhas da floresta amazônica, subsistem inúmeros recursos que poderiam ser indispensáveis para a cura de doenças. Os seus peixes, frutos e outros dons sobreabundantes enriquecem a alimentação humana. Além disso, num ecossistema como o amazônico, é incontestável a importância de cada parte para a conservação do todo. As próprias terras costeiras e a vegetação marinha precisam de ser fertilizadas por aquilo que o rio Amazonas arrasta. O grito da Amazônia chega a todos, porque a «conquista e exploração de recursos (…) hoje chega a ameaçar a própria capacidade acolhedora do ambiente: o ambiente como “recurso” corre o perigo de ameaçar o ambiente como “casa”».[60] O interesse de algumas empresas poderosas não deveria ser colocado acima do bem da Amazônia e da humanidade inteira.

49. Não basta prestar atenção à preservação das espécies mais visíveis em risco de extinção. É crucial ter em conta que, «para o bom funcionamento dos ecossistemas, também são necessários os fungos, as algas, os vermes, os pequenos insetos, os répteis e a variedade inumerável de micro-organismos. Algumas espécies pouco numerosas, que habitualmente nos passam despercebidas, desempenham uma função censória fundamental para estabelecer o equilíbrio dum lugar».[61] E isto facilmente se ignora na avaliação do impacto ambiental dos projetos econômicos de indústrias extrativas, energéticas, madeireiras e outras que destroem e poluem. Além disso a água, que abunda na Amazônia, é um bem essencial para a sobrevivência humana, mas as fontes de poluição vão aumentando cada vez mais.[62]

50. Com efeito, além dos interesses econômicos de empresários e políticos locais, existem também «os enormes interesses econômicos internacionais».[63] Por isso, a solução não está numa «internacionalização» da Amazônia,[64] mas a responsabilidade dos governos nacionais torna-se mais grave. Pela mesma razão, «é louvável a tarefa de organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos sistemas de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e não-delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país, sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais».[65]

51. Para cuidar da Amazônia, é bom conjugar a sabedoria ancestral com os conhecimentos técnicos contemporâneos, mas procurando sempre intervir no território de forma sustentável, preservando ao mesmo tempo o estilo de vida e os sistemas de valores dos habitantes.[66] A estes, especialmente aos povos nativos, cabe receber, para além da formação básica, a informação completa e transparente dos projetos, com a sua amplitude, os seus efeitos e riscos, para poderem confrontar esta informação com os seus interesses e com o próprio conhecimento do local e, assim, dar ou negar o seu consentimento ou então propor alternativas.[67]

52. Os mais poderosos nunca ficam satisfeitos com os lucros que obtêm, e os recursos do poder econômico têm aumentado muito com o desenvolvimento científico e tecnológico. Por isso, todos deveríamos insistir na urgência de «criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do paradigma tecno-econômico acabem por arrasá-los não só com a política, mas também com a liberdade e a justiça».[68] Se a chamada por Deus exige uma escuta atenta do grito dos pobres e ao mesmo tempo da terra,[69] para nós «o grito da Amazônia ao Criador é semelhante ao grito do Povo de Deus no Egito (cf. Ex 3, 7). É um grito desde a escravidão e o abandono, que clama por liberdade».[70]

A profecia da contemplação

53. Muitas vezes deixamos que a consciência se torne insensível, porque «a constante distração nos tira a coragem de advertir a realidade dum mundo limitado e finito».[71] Se nos detivermos na superfície, pode parecer «que as coisas não estejam assim tão graves e que o planeta poderia subsistir ainda por muito tempo nas condições atuais. Este comportamento evasivo serve-nos para mantermos os nossos estilos de vida, de produção e consumo. É a forma como o ser humano se organiza para alimentar todos os vícios autodestrutivos: tenta não os ver, luta para não os reconhecer, adia as decisões importantes, age como se nada tivesse acontecido».[72]

54. Além de tudo isso, quero lembrar que cada uma das diferentes espécies tem valor em si mesma. Ora, «anualmente, desaparecem milhares de espécies vegetais e animais, que já não poderemos conhecer, que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para sempre. A grande maioria delas extingue-se por razões que têm a ver com alguma atividade humana. Por nossa causa, milhares de espécies já não darão glória a Deus com a sua existência, nem poderão comunicar-nos a sua própria mensagem. Não temos direito de o fazer».[73]

55. Aprendendo com os povos nativos, podemos contemplar a Amazônia, e não apenas analisá-la, para reconhecer esse precioso mistério que nos supera; podemos amá-la, e não apenas usá-la, para que o amor desperte um interesse profundo e sincero; mais ainda, podemos sentir-nos intimamente unidos a ela, e não só defendê-la: e então a Amazônia tornar-se-á nossa como uma mãe. Porque se «contempla o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro, reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres».[74]

56. Despertemos o sentido estético e contemplativo que Deus colocou em nós e que, às vezes, deixamos atrofiar. Lembremo-nos de que, «quando não se aprende a parar a fim de admirar e apreciar o que é belo, não surpreende que tudo se transforme em objeto de uso e abuso sem escrúpulos».[75] Pelo contrário, se entrarmos em comunhão com a floresta, facilmente a nossa voz se unirá à dela e transformar-se-á em oração: «Deitados à sombra de um velho eucalipto, a nossa oração de luz mergulha no canto da folhagem eterna».[76] Tal conversão interior é que nos permitirá chorar pela Amazônia e gritar com ela diante do Senhor.

57. Jesus disse: «Não se vendem cinco passarinhos por duas pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus» (Lc 12, 6). Deus Pai, que criou com infinito amor cada ser do universo, chama-nos a ser seus instrumentos para escutar o grito da Amazônia. Se acudirmos a este clamor angustiado, tornar-se-á manifesto que as criaturas da Amazônia não foram esquecidas pelo Pai do céu. Segundo os cristãos, o próprio Jesus nos chama a partir delas, «porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino de plenitude. As próprias flores do campo e as aves que Ele, admirado, contemplou com os seus olhos humanos, agora estão cheias da sua presença luminosa».[77] Por todas estas razões, nós, os crentes, encontramos na Amazônia um lugar teológico, um espaço onde o próprio Deus Se manifesta e chama os seus filhos.

Educação e hábitos ecológicos

58. Assim, podemos dar mais um passo e lembrar que uma ecologia integral não se dá por satisfeita com ajustar questões técnicas ou com decisões políticas, jurídicas e sociais. A grande ecologia sempre inclui um aspeto educativo, que provoca o desenvolvimento de novos hábitos nas pessoas e nos grupos humanos. Infelizmente, muitos habitantes da Amazônia adquiriram costumes próprios das grandes cidades, onde já estão muito enraizados o consumismo e a cultura do descarte. Não haverá uma ecologia sã e sustentável, capaz de transformar seja o que for, se não mudarem as pessoas, se não forem incentivadas a adotar outro estilo de vida, menos voraz, mais sereno, mais respeitador, menos ansioso, mais fraterno.

59. De fato, «quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objetos para comprar, possuir e consumir. Em tal contexto, parece não ser possível, para uma pessoa, aceitar que a realidade lhe assinale limites; (…) não pensemos só na possibilidade de terríveis fenômenos climáticos ou de grandes desastres naturais, mas também nas catástrofes resultantes de crises sociais, porque a obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo quando poucos têm possibilidades de o manter, só poderá provocar violência e destruição recíproca».[78]

60. A Igreja, com a sua longa experiência espiritual, a sua consciência renovada sobre o valor da criação, a sua preocupação com a justiça, a sua opção pelos últimos, a sua tradição educativa e a sua história de encarnação em culturas tão diferentes de todo o mundo, deseja, por sua vez, prestar a sua contribuição para o cuidado e o crescimento da Amazônia.

Isso dá lugar ao novo sonho, que pretendo partilhar mais diretamente com os pastores e os fiéis católicos.

CAPÍTULO IV

UM SONHO ECLESIAL

61. A Igreja é chamada a caminhar com os povos da Amazônia. Na América Latina, esta caminhada teve expressões privilegiadas, como a Conferência dos Bispos em Medellín (1968) e a sua aplicação à Amazônia em Santarém (1972);[79] e, depois, em Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007). O caminho continua e o trabalho missionário, se quiser desenvolver uma Igreja com rosto amazônico, precisa de crescer numa cultura do encontro rumo a uma «harmonia pluriforme».[80] Mas, para tornar possível esta encarnação da Igreja e do Evangelho, deve ressoar incessantemente o grande anúncio missionário.

O anúncio indispensável na Amazônia

62. Perante tantas necessidades e angústias que clamam do coração da Amazônia, é possível responder a partir de organizações sociais, recursos técnicos, espaços de debate, programas políticos… e tudo isso pode fazer parte da solução. Mas, como cristãos, não renunciamos à proposta de fé que recebemos do Evangelho. Embora queiramos empenhar-nos lado a lado com todos, não nos envergonhamos de Jesus Cristo. Para quantos O encontraram, vivem na sua amizade e se identificam com a sua mensagem, é inevitável falar d’Ele e levar aos outros a sua proposta de vida nova: «Ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16).

63. A autêntica opção pelos mais pobres e abandonados, ao mesmo tempo que nos impele a libertá-los da miséria material e defender os seus direitos, implica propor-lhes a amizade com o Senhor que os promove e dignifica. Seria triste se recebessem de nós um código de doutrinas ou um imperativo moral, mas não o grande anúncio salvífico, aquele grito missionário que visa o coração e dá sentido a todo o resto. Nem podemos contentar-nos com uma mensagem social. Se dermos a vida por eles, pela justiça e a dignidade que merecem, não podemos ocultar-lhes que o fazemos porque reconhecemos Cristo neles e porque descobrimos a imensa dignidade a eles concedida por Deus Pai que os ama infinitamente.

64. Eles têm direito ao anúncio do Evangelho, sobretudo àquele primeiro anúncio que se chama querigma e «é o anúncio principal, aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a anunciar duma forma ou doutra».[81] É o anúncio de um Deus que ama infinitamente cada ser humano, que manifestou plenamente este amor em Cristo crucificado por nós e ressuscitado na nossa vida. Proponho voltar a ler um breve resumo deste conteúdo no capítulo IV da Exortação Christus vivit. Este anúncio deve ressoar constantemente na Amazônia, expresso em muitas modalidades distintas. Sem este anúncio apaixonado, cada estrutura eclesial transformar-se-á em mais uma ONG e, assim, não responderemos ao pedido de Jesus Cristo: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16, 15).

65. Qualquer proposta de amadurecimento na vida cristã precisa de ter este anúncio como eixo permanente, porque «toda a formação cristã é, primariamente, o aprofundamento do querigma que se vai, cada vez mais e melhor, fazendo carne».[82] A reação fundamental a este anúncio, quando o mesmo consegue provocar um encontro pessoal com o Senhor, é a caridade fraterna, aquele «mandamento novo que é o primeiro, o maior, o que melhor nos identifica como discípulos».[83] Deste modo, o querigma e o amor fraterno constituem a grande síntese de todo o conteúdo do Evangelho, que não se pode deixar de propor na Amazônia. É o que viveram grandes evangelizadores da América Latina como São Toríbio de Mogrovejo ou São José de Anchieta.

A inculturação

66. Ao mesmo tempo que anuncia sem cessar o querigma, a Igreja deve crescer na Amazônia. Para isso, não para de moldar a sua própria identidade na escuta e diálogo com as pessoas, realidades e histórias do território. Desta forma, ir-se-á desenvolvendo cada vez mais um processo necessário de inculturação, que nada despreza do bem que já existe nas culturas amazônicas, mas recebe-o e leva-o à plenitude à luz do Evangelho.[84] E também não despreza a riqueza de sabedoria cristã transmitida ao longo dos séculos, como se pretendesse ignorar a história na qual Deus operou de várias maneiras, porque a Igreja possui um rosto pluriforme, vista «não só da perspetiva espacial (…), mas também da sua realidade temporal».[85] Trata-se da Tradição autêntica da Igreja, que não é um depósito estático nem uma peça de museu, mas a raiz duma árvore que cresce.[86] É a Tradição milenar que testemunha a ação divina no seu povo e cuja «missão é mais a de manter vivo o fogo, do que conservar as suas cinzas».[87]

67. São João Paulo II ensinou que a Igreja, ao apresentar a sua proposta evangélica, «não pretende negar a autonomia da cultura. Antes pelo contrário, nutre por ela o maior respeito», porque a cultura «não é só sujeito de redenção e de elevação; mas pode ter também um papel de mediação e de colaboração».[88] E, dirigindo-se aos indígenas do Continente Americano, lembrou que «uma fé que não se torna cultura é uma fé não de modo pleno acolhida, não inteiramente pensada, nem com fidelidade vivida».[89] Os desafios das culturas convidam a Igreja a uma «atitude de prudente sentido crítico, mas também de atenção e confiança».[90]

68. Vale a pena lembrar aqui o que afirmei na Exortação Evangelii gaudium a propósito da inculturação: esta baseia-se na convicção de que «a graça supõe a cultura, e o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o recebe».[91] Notemos que isto implica um duplo movimento: por um lado, uma dinâmica de fecundação que permite expressar o Evangelho num lugar concreto, pois «quando uma comunidade acolhe o anúncio da salvação, o Espírito Santo fecunda a sua cultura com a força transformadora do Evangelho»;[92] por outro, a própria Igreja vive um caminho de recepção, que a enriquece com aquilo que o Espírito já tinha misteriosamente semeado naquela cultura. Assim, «o Espírito Santo embeleza a Igreja, mostrando-lhe novos aspetos da Revelação e presenteando-a com um novo rosto».[93] Trata-se, em última instância, de permitir e incentivar a que o anúncio do Evangelho inexaurível, comunicado «com categorias próprias da cultura onde é anunciado, provoque uma nova síntese com essa cultura».[94]

69. Por isso, «como podemos ver na história da Igreja, o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural»[95] e «não faria justiça à lógica da encarnação pensar num cristianismo monocultural e monocórdico».[96] Entretanto, o risco dos evangelizadores que chegam a um lugar é julgar que devem não só comunicar o Evangelho, mas também a cultura em que cresceram, esquecendo que não se trata de «impor uma determinada forma cultural, por mais bela e antiga que seja».[97] É necessário aceitar corajosamente a novidade do Espírito capaz de criar sempre algo de novo com o tesouro inesgotável de Jesus Cristo, porque «a inculturação empenha a Igreja num caminho difícil mas necessário».[98] É verdade que, «embora estes processos sejam sempre lentos, às vezes o medo paralisa-nos demasiado» e acabamos como «espectadores duma estagnação estéril da Igreja».[99] Não tenhamos medo, não cortemos as asas ao Espírito Santo.

Caminhos de inculturação na Amazônia

70. Para conseguir uma renovada inculturação do Evangelho na Amazônia, a Igreja precisa de escutar a sua sabedoria ancestral, voltar a dar voz aos idosos, reconhecer os valores presentes no estilo de vida das comunidades nativas, recuperar a tempo as preciosas narrações dos povos. Na Amazônia, já recebemos riquezas que provêm das culturas pré-colombianas, tais «como a abertura à ação de Deus, o sentido da gratidão pelos frutos da terra, o caráter sagrado da vida humana e a valorização da família, o sentido de solidariedade e a corresponsabilidade no trabalho comum, a importância do cultual, a crença em uma vida para além da terrena e tantos outros valores».[100]

71. Neste contexto, os povos indígenas da Amazônia expressam a autêntica qualidade de vida como um «bem viver», que implica uma harmonia pessoal, familiar, comunitária e cósmica e manifesta-se no seu modo comunitário de conceber a existência, na capacidade de encontrar alegria e plenitude numa vida austera e simples, bem como no cuidado responsável da natureza que preserva os recursos para as gerações futuras. Os povos aborígenes podem ajudar-nos a descobrir o que é uma sobriedade feliz e, nesta linha, «têm muito para nos ensinar».[101] Sabem ser felizes com pouco, gozam dos pequenos dons de Deus sem acumular tantas coisas, não destroem sem necessidade, preservam os ecossistemas e reconhecem que a terra, ao mesmo tempo que se oferece para sustentar a sua vida, como uma fonte generosa, tem um sentido materno que suscita respeitosa ternura. Tudo isto deve ser valorizado e recebido na evangelização.[102]

72. Enquanto lutamos por eles e com eles, somos chamados «a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles».[103] Os habitantes das cidades precisam  apreciar esta sabedoria e deixar-se «reeducar» quanto ao consumismo ansioso e ao isolamento urbano. A própria Igreja pode ser um veículo capaz de ajudar esta recuperação cultural numa válida síntese com o anúncio do Evangelho. Além disso, torna-se instrumento de caridade, na medida em que as comunidades urbanas forem não apenas missionárias no seu ambiente, mas também acolhedoras dos pobres que chegam do interior acossados pela miséria. É-o, igualmente, na medida em que as comunidades estiverem próximas dos jovens migrantes para os ajudarem a integrar-se na cidade sem cair nas suas redes de degradação. Tais ações eclesiais, que brotam do amor, são caminhos valiosos dentro dum processo de inculturação.

73. Mas, a inculturação eleva e dá plenitude. Sem dúvida, há que apreciar esta espiritualidade indígena da interconexão e interdependência de todo o criado, espiritualidade de gratuidade que ama a vida como dom, espiritualidade de sacra admiração perante a natureza que nos cumula com tanta vida. Apesar disso, trata-se também de conseguir que esta relação com Deus presente no cosmos se torne cada vez mais uma relação pessoal com um «Tu», que sustenta a própria realidade e lhe quer dar um sentido, um «Tu» que nos conhece e ama:

«Flutuam sombras de mim, madeiras mortas.
Mas a estrela nasce sem censura
sobre as mãos deste menino, especialistas
que conquistam as águas e a noite.
Bastar-me-á saber
que Tu me conheces
inteiramente, ainda antes dos meus dias».[104]

74. De igual modo, a relação com Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, libertador e redentor, não é inimiga desta visão do mundo marcadamente cósmica que carateriza estes povos, porque Ele é também o Ressuscitado que penetra todas as coisas.[105] Segundo a experiência cristã, «todas as criaturas do universo material encontram o seu verdadeiro sentido no Verbo encarnado, porque o Filho de Deus incorporou na sua pessoa parte do universo material, onde introduziu um gérmen de transformação definitiva».[106] Ele está, gloriosa e misteriosamente, presente no rio, nas árvores, nos peixes, no vento, enquanto é o Senhor que reina sobre a criação sem perder as suas chagas transfiguradas e, na Eucaristia, assume os elementos do mundo dando a cada um o sentido do dom pascal.

Inculturação social e espiritual

75. Esta inculturação, atendendo à situação de pobreza e abandono de tantos habitantes da Amazônia, deverá necessariamente ter um timbre marcadamente social e caraterizar-se por uma defesa firme dos direitos humanos, fazendo resplandecer o rosto de Cristo que «quis, com ternura especial, identificar-Se com os mais frágeis e pobres».[107] Pois, «a partir do coração do Evangelho, reconhecemos a conexão íntima que existe entre evangelização e promoção humana»,[108] e isto exige das comunidades cristãs um claro empenho com o Reino de justiça na promoção dos descartados. Para isso, é sumamente importante uma adequada formação dos agentes pastorais na doutrina social da Igreja.

76. Ao mesmo tempo, a inculturação do Evangelho na Amazônia deve integrar melhor a dimensão social com a espiritual, para que os mais pobres não tenham necessidade de ir buscar fora da Igreja uma espiritualidade que dê resposta aos anseios da sua dimensão transcendente. Naturalmente, não se trata de uma religiosidade alienante ou individualista que faça calar as exigências sociais de uma vida mais digna, mas também não se trata de mutilar a dimensão transcendente e espiritual como se bastasse ao ser humano o desenvolvimento material. Isto convida-nos não só a combinar as duas coisas, mas também a ligá-las intimamente. Deste modo resplandecerá a verdadeira beleza do Evangelho, que é plenamente humanizadora, dá plena dignidade às pessoas e aos povos, cumula o coração e a vida inteira.

Pontos de partida para uma santidade amazônica

77. Assim poderão nascer testemunhos de santidade com rosto amazônico, que não sejam cópias de modelos de outros lugares, santidade feita de encontro e dedicação, de contemplação e serviço, de solidão acolhedora e vida comum, de jubilosa sobriedade e luta pela justiça. Chega-se a esta santidade «cada um por seu caminho»,[109] e isto aplica-se também aos povos, onde a graça se encarna e brilha com traços distintivos. Imaginemos uma santidade com traços amazônicos, chamada a interpelar a Igreja universal.

78. Um processo de inculturação, que implica caminhos não só individuais, mas também comunitários, exige um amor ao povo cheio de respeito e compreensão. Em boa parte da Amazônia, este processo já começou. Há mais de quarenta anos, os bispos da Amazônia do Peru assinalavam que, em muitos dos grupos presentes naquela região, «o sujeito de evangelização, modelado por uma cultura própria, multiforme e mutável, está inicialmente evangelizado», pois possui «certos traços de catolicismo popular que, embora num primeiro tempo talvez tenham sido promovidos por agentes pastorais, atualmente são uma realidade que o povo assumiu e até mudou o seu significado transmitindo-os de geração em geração».[110] Não nos apressemos a qualificar como superstição ou paganismo certas expressões religiosas que nascem, espontaneamente, da vida do povo. Antes, é necessário saber reconhecer o trigo que cresce no meio do joio, porque, «na piedade popular, pode-se captar a modalidade em que a fé recebida se encarnou numa cultura e continua a transmitir-se».[111]

79. É possível receber, de alguma forma, um símbolo indígena sem o qualificar necessariamente como idolátrico. Um mito denso de sentido espiritual pode ser valorizado, sem continuar a considerá-lo um extravio pagão. Algumas festas religiosas contêm um significado sagrado e são espaços de reunião e fraternidade, embora se exija um lento processo de purificação e maturação. Um verdadeiro missionário procura descobrir as aspirações legítimas que passam através das manifestações religiosas, às vezes imperfeitas, parciais ou equivocadas, e tenta dar-lhes resposta a partir de uma espiritualidade inculturada.

80. Será, sem dúvida, uma espiritualidade centrada no único Deus e Senhor, mas ao mesmo tempo capaz de entrar em contato com as necessidades diárias das pessoas que procuram uma vida digna, querem gozar as coisas belas da existência, encontrar a paz e a harmonia, resolver as crises familiares, curar as suas doenças, ver os seus filhos crescerem felizes. O pior perigo seria afastá-los do encontro com Cristo, apresentando-O como um inimigo da alegria ou como alguém que é indiferente às aspirações e angústias humanas.[112] Hoje é indispensável mostrar que a santidade não priva as pessoas de «forças, vida e alegria».[113]

A inculturação da liturgia

81. A inculturação da espiritualidade cristã nas culturas dos povos nativos encontra, nos Sacramentos, um caminho particularmente valioso, porque neles se unem o divino e o cósmico, a graça e a criação. Na Amazônia, os Sacramentos não deveriam ser vistos como separação da criação, pois «constituem um modo privilegiado em que a natureza é assumida por Deus e transformada em mediação da vida sobrenatural».[114] São uma plenificação da criação, na qual a natureza é elevada para ser lugar e instrumento da graça, para «abraçar o mundo num plano diferente».[115]

82. Na Eucaristia vemos que, «no apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através dum pedaço de matéria. (…) [Ela] une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação».[116] Por isso, a Eucaristia pode ser «fonte de luz e motivação para as nossas preocupações pelo meio ambiente, e leva-nos a ser guardiões da criação inteira».[117] Assim, «não fugimos do mundo, nem negamos a natureza, quando queremos encontrar-nos com Deus».[118] Isto permite-nos receber na liturgia muitos elementos próprios da experiência dos indígenas no seu contato íntimo com a natureza e estimular expressões autóctones em cantos, danças, ritos, gestos e símbolos. O Concílio Vaticano II solicitara este esforço de inculturação da liturgia nos povos indígenas,[119] mas passaram-se já mais de cinquenta anos e pouco avançamos nesta linha.[120]

83. No domingo, «a espiritualidade cristã integra o valor do repouso e da festa. O ser humano tende a reduzir o descanso contemplativo ao âmbito do estéril ou do inútil, esquecendo que deste modo se tira à obra realizada o mais importante: o seu significado. Na nossa atividade, somos chamados a incluir uma dimensão receptiva e gratuita».[121] Os povos nativos conhecem esta gratuidade e este sadio lazer contemplativo. As nossas celebrações deveriam ajudá-los a viver esta experiência na liturgia dominical e encontrar a luz da Palavra e da Eucaristia que ilumina as nossas vidas concretas.

84. Os Sacramentos mostram e comunicam o Deus próximo que vem, com misericórdia, curar e fortalecer os seus filhos. Por isso, devem ser acessíveis, sobretudo aos pobres, e nunca devem ser negados por razões de dinheiro. Nem é admissível, face aos pobres e abandonados da Amazônia, uma disciplina que exclua e afaste, porque assim acabam descartados por uma Igreja transformada numa alfândega. Pelo contrário, «nas situações difíceis em que vivem as pessoas mais necessitadas, a Igreja deve pôr um cuidado especial em compreender, consolar e integrar, evitando impor-lhes um conjunto de normas como se fossem uma rocha, tendo como resultado fazê-las sentir-se julgadas e abandonadas precisamente por aquela Mãe que é chamada a levar-lhes a misericórdia de Deus».[122] Segundo a Igreja, a misericórdia pode tornar-se uma mera expressão romântica, se não se manifestar concretamente no serviço pastoral.[123]

A inculturação do ministério

85. A inculturação deve desenvolver-se e espelhar-se também numa forma encarnada de realizar a organização eclesial e o ministério. Se se incultura a espiritualidade, se se incultura a santidade, se se incultura o próprio Evangelho, será possível evitar de pensar numa inculturação do modo como se estruturam e vivem os ministérios eclesiais? A pastoral da Igreja tem uma presença precária na Amazônia, devido em parte à imensa extensão territorial, com muitos lugares de difícil acesso, grande diversidade cultural, graves problemas sociais e a própria opção de alguns povos se isolarem. Isto não pode deixar-nos indiferentes, exigindo uma resposta específica e corajosa da Igreja.

86. É necessário conseguir que o ministério se configure de tal maneira que esteja ao serviço de uma maior frequência da celebração da Eucaristia, mesmo nas comunidades mais remotas e escondidas. Em Aparecida, convidou-se a ouvir o lamento de tantas comunidades na Amazônia «privadas da Eucaristia dominical por longos períodos de tempo».[124] Mas, ao mesmo tempo, há necessidade de ministros que possam compreender a partir de dentro a sensibilidade e as culturas amazônicas.

87. O modo de configurar a vida e o exercício do ministério dos sacerdotes não é monolítico, adquirindo matizes diferentes nos vários lugares da terra. Por isso, é importante determinar o que é mais específico do sacerdote, aquilo que não se pode delegar. A resposta está no sacramento da Ordem sacra, que o configura a Cristo sacerdote. E a primeira conclusão é que este caráter exclusivo recebido na Ordem deixa só ele habilitado para presidir à Eucaristia.[125] Esta é a sua função específica, principal e não delegável. Alguns pensam que aquilo que distingue o sacerdote seja o poder, o fato de ser a máxima autoridade da comunidade; mas São João Paulo II explicou que, embora o sacerdócio seja considerado «hierárquico», esta função não equivale a estar acima dos outros, mas «ordena-se integralmente à santidade dos membros do corpo místico de Cristo».[126] Quando se afirma que o sacerdote é sinal de «Cristo cabeça», o significado principal é que Cristo constitui a fonte da graça: Ele é cabeça da Igreja «porque tem o poder de comunicar a graça a todos os membros da Igreja».[127]

88. O sacerdote é sinal desta Cabeça que derrama a graça, antes de tudo, quando celebra a Eucaristia, fonte e cume de toda a vida cristã.[128] Este é o seu grande poder, que só pode ser recebido no sacramento da Ordem. Por isso, apenas ele pode dizer: «Isto é o meu corpo». Há outras palavras que só ele pode pronunciar: «Eu te absolvo dos teus pecados»; pois o perdão sacramental está ao serviço de uma celebração eucarística digna. Nestes dois sacramentos, está o coração da sua identidade exclusiva.[129]

89. Nas circunstâncias específicas da Amazônia, especialmente nas suas florestas e lugares mais remotos, é preciso encontrar um modo para assegurar este ministério sacerdotal. Os leigos poderão anunciar a Palavra, ensinar, organizar as suas comunidades, celebrar alguns Sacramentos, buscar várias expressões para a piedade popular e desenvolver os múltiplos dons que o Espírito derrama neles. Mas precisam da celebração da Eucaristia, porque ela «faz a Igreja»,[130] e chegamos a dizer que «nenhuma comunidade cristã se edifica sem ter a sua raiz e o seu centro na celebração da Santíssima Eucaristia».[131] Se acreditamos verdadeiramente que as coisas estão assim, é urgente fazer com que os povos amazônicos não estejam privados do Alimento de vida nova e do sacramento do perdão.

90. Esta premente necessidade leva-me a exortar todos os bispos, especialmente os da América Latina, a promover a oração pelas vocações sacerdotais e também a ser mais generosos, levando aqueles que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazônia.[132] Ao mesmo tempo, é oportuno rever a fundo a estrutura e o conteúdo tanto da formação inicial como da formação permanente dos presbíteros, de modo que adquiram as atitudes e capacidades necessárias para dialogar com as culturas amazônicas. Esta formação deve ser eminentemente pastoral e favorecer o crescimento da misericórdia sacerdotal.[133]

Comunidades cheias de vida

91. A Eucaristia é também o grande sacramento que significa e realiza a unidade da Igreja,[134] celebrando-se «para que, de estranhos, dispersos e indiferentes uns aos outros, nos tornemos unidos, iguais e amigos».[135] Quem preside à Eucaristia deve ter a peito a comunhão, que, longe de ser uma unidade empobrecida, acolhe a múltipla riqueza de dons e carismas que o Espírito derrama na comunidade.

92. Ora a Eucaristia, como fonte e cume, exige que se desenvolva esta riqueza multiforme. São necessários sacerdotes, mas isto não exclui que ordinariamente os diáconos permanentes – deveriam ser muitos mais na Amazônia –, as religiosas e os próprios leigos assumam responsabilidades importantes em ordem ao crescimento das comunidades e maturem no exercício de tais funções, graças a um adequado acompanhamento.

93. Portanto não se trata apenas de facilitar uma presença maior de ministros ordenados que possam celebrar a Eucaristia. Isto seria um objetivo muito limitado, se não procurássemos também suscitar uma nova vida nas comunidades. Precisamos de promover o encontro com a Palavra e o amadurecimento na santidade por meio de vários serviços laicais, que supõem um processo de maturação – bíblica, doutrinal, espiritual e prática – e distintos percursos de formação permanente.

94. Uma Igreja de rostos amazônicos requer a presença estável de responsáveis leigos, maduros e dotados de autoridade,[136] que conheçam as línguas, as culturas, a experiência espiritual e o modo de viver em comunidade de cada lugar, ao mesmo tempo que deixem espaço à multiplicidade dos dons que o Espírito Santo semeia em todos. Com efeito, onde houver uma necessidade peculiar, Ele já infundiu carismas que permitam dar-lhe resposta. Isto requer na Igreja capacidade para abrir estradas à audácia do Espírito, confiar e concretamente permitir o desenvolvimento duma cultura eclesial própria, marcadamente laical. Os desafios da Amazônia exigem da Igreja um esforço especial para conseguir uma presença capilar que só é possível com um incisivo protagonismo dos leigos.

95. Muitas pessoas consagradas gastaram as suas energias e grande parte da sua vida pelo Reino de Deus na Amazônia. A vida consagrada, capaz de diálogo, síntese, encarnação e profecia, ocupa um lugar especial nesta configuração plural e harmoniosa da Igreja amazônica. Mas faz-lhes falta um novo esforço de inculturação, que ponha em jogo a criatividade, a audácia missionária, a sensibilidade e a força peculiar da vida comunitária.

96. As comunidades de base, sempre que souberam integrar a defesa dos direitos sociais com o anúncio missionário e a espiritualidade, foram verdadeiras experiências de sinodalidade no caminho evangelizador da Igreja na Amazônia. Muitas vezes «têm ajudado a formar cristãos comprometidos com a sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como o testemunha a entrega generosa, até derramar o sangue, de muitos dos seus membros».[137]

97. Encorajo o aprofundamento do serviço conjunto que se realiza através da REPAM e outras associações com o objetivo de consolidar aquilo que solicitava Aparecida: «estabelecer, entre as Igrejas locais de diversos países sul-americanos que estão na bacia amazônica, uma pastoral de conjunto com prioridades diferenciadas».[138] Isto vale especialmente para a relação entre as Igrejas confinantes.

98. Por fim, quero lembrar que nem sempre podemos pensar em projetos para comunidades estáveis, porque na Amazônia há uma grande mobilidade interna, uma migração constante, muitas vezes pendular, e «a região transformou-se efetivamente num corredor migratório».[139] A «transumância amazônica não foi bem compreendida nem suficientemente elaborada do ponto de vista pastoral».[140] Por isso devemos pensar em grupos missionários itinerantes e «apoiar a inserção e a itinerância dos consagrados e consagradas ao lado dos mais desfavorecidos e excluídos».[141] Por outro lado, isto desafia as nossas comunidades urbanas, que deveriam cultivar com inteligência e generosidade, especialmente nas periferias, várias formas de proximidade e recepção às famílias e jovens que chegam ao território.

A força e o dom das mulheres

99. Na Amazônia, há comunidades que se mantiveram e transmitiram a fé durante longo tempo, mesmo decênios, sem que algum sacerdote passasse por lá. Isto foi possível graças à presença de mulheres fortes e generosas, que batizaram, catequizaram, ensinaram a rezar, foram missionárias, certamente chamadas e impelidas pelo Espírito Santo. Durante séculos, as mulheres mantiveram a Igreja de pé nesses lugares com admirável dedicação e fé ardente. No Sínodo, elas mesmas nos comoveram a todos com o seu testemunho.

100. Isto convida-nos a alargar o horizonte para evitar reduzir a nossa compreensão da Igreja a meras estruturas funcionais. Este reducionismo levar-nos-ia a pensar que só se daria às mulheres um status e uma participação maior na Igreja se lhes fosse concedido acesso à Ordem sacra. Mas, na realidade, este horizonte limitaria as perspetivas, levar-nos-ia a clericalizar as mulheres, diminuiria o grande valor do que elas já deram e sutilmente causaria um empobrecimento da sua contribuição indispensável.

101. Jesus Cristo apresenta-Se como Esposo da comunidade que celebra a Eucaristia, através da figura de um varão que a ela preside como sinal do único Sacerdote. Este diálogo entre o Esposo e a esposa que se eleva na adoração e santifica a comunidade não deveria fechar-nos em concepções parciais sobre o poder na Igreja. Porque o Senhor quis manifestar o seu poder e o seu amor através de dois rostos humanos: o de seu divino Filho feito homem e o de uma criatura que é mulher, Maria. As mulheres prestam à Igreja a sua contribuição segundo o modo que lhes é próprio e prolongando a força e a ternura de Maria, a Mãe. Deste modo não nos limitamos a uma impostação funcional, mas entramos na estrutura íntima da Igreja. Assim compreendemos radicalmente por que, sem as mulheres, ela se desmorona, como teriam caído aos pedaços muitas comunidades da Amazônia se não estivessem lá as mulheres, sustentando-as, conservando-as e cuidando delas. Isto mostra qual é o seu poder caraterístico.

102. Não podemos deixar de incentivar os talentos populares que deram às mulheres tanto protagonismo na Amazônia, embora hoje as comunidades estejam sujeitas a novos riscos que outrora não existiam. A situação atual exige que estimulemos o aparecimento doutros serviços e carismas femininos que deem resposta às necessidades específicas dos povos amazônicos neste momento histórico.

103. Numa Igreja sinodal, as mulheres, que de fato realizam um papel central nas comunidades amazônicas, deveriam poder ter acesso a funções e inclusive serviços eclesiais que não requeiram a Ordem sacra e permitam expressar melhor o seu lugar próprio. Convém recordar que tais serviços implicam uma estabilidade, um reconhecimento público e um envio por parte do bispo. Daqui resulta também que as mulheres tenham uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na guia das comunidades, mas sem deixar de o fazer no estilo próprio do seu perfil feminino.

Ampliar horizontes para além dos conflitos

104. Frequentemente sucede que, num determinado lugar, os agentes pastorais vislumbram soluções muito diferentes para os problemas que enfrentam e, por isso, propõem formas aparentemente opostas de organização eclesial. Quando isto acontece, é provável que a verdadeira resposta aos desafios da evangelização esteja na superação de tais propostas, procurando outros caminhos melhores, talvez ainda não imaginados. O conflito supera-se num nível superior, onde cada uma das partes, sem deixar de ser fiel a si mesma, se integra com a outra numa nova realidade. Tudo se resolve «num plano superior que conserva em si as preciosas potencialidades das polaridades em contraste».[142] Caso contrário, o conflito fecha-nos, «perdemos a perspetiva, os horizontes reduzem-se e a própria realidade fica fragmentada».[143]

105. Isto não significa de maneira alguma relativizar os problemas, fugir deles ou deixar as coisas como estão. As verdadeiras soluções nunca se alcançam amortecendo a audácia, subtraindo-se às exigências concretas ou buscando culpas externas. Pelo contrário, a via de saída encontra-se por «transbordamento», transcendendo a dialética que limita a visão para poder assim reconhecer um dom maior que Deus está a oferecer. Deste novo dom recebido com coragem e generosidade, deste dom inesperado que desperta uma nova e maior criatividade, brotarão, como que de uma fonte generosa, as respostas que a dialética não nos deixava ver. Nos seus primórdios, a fé cristã difundiu-se admiravelmente seguindo esta lógica que lhe permitiu, a partir de uma matriz judaica, encarnar-se nas culturas grega e romana e adquirir na sua passagem fisionomias diferentes. De forma análoga, neste momento histórico, a Amazônia desafia-nos a superar perspetivas limitadas, soluções pragmáticas que permanecem enclausuradas em aspetos parciais das grandes questões, para buscar caminhos mais amplos e ousados de inculturação.

A convivência ecumênica e inter-religiosa

106. Numa Amazônia plurirreligiosa, os crentes precisam de encontrar espaços para dialogar e atuar juntos pelo bem comum e a promoção dos mais pobres. Não se trata de nos tornarmos todos mais volúveis nem de escondermos as convicções próprias que nos apaixonam, para podermos encontrar-nos com outros que pensam de maneira diferente. Se uma pessoa acredita que o Espírito Santo pode agir no diverso, então procurará deixar-se enriquecer com essa luz, mas acolhê-la-á a partir de dentro das suas próprias convicções e da sua própria identidade. Com efeito, quanto mais profunda, sólida e rica for uma identidade, mais enriquecerá os outros com a sua contribuição específica.

107. Nós, católicos, possuímos um tesouro nas Escrituras Sagradas que outras religiões não aceitam, embora às vezes sejam capazes de as ler com interesse e inclusive apreciar alguns dos seus conteúdos. Algo semelhante, procuramos nós fazer face aos textos sagrados doutras religiões e comunidades religiosas, onde se encontram «preceitos e doutrinas que (…) refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens».[144] Temos também uma grande riqueza nos sete Sacramentos, que algumas comunidades cristãs não aceitam na sua totalidade ou com idêntico sentido. Ao mesmo tempo que acreditamos firmemente em Jesus como único Redentor do mundo, cultivamos uma profunda devoção à sua Mãe. Embora saibamos que isto não se verifica em todas as confissões cristãs, sentimos o dever de comunicar à Amazônia a riqueza deste ardente amor materno, do qual nos sentimos depositários. De fato, terminarei esta Exortação com algumas palavras dirigidas a Maria.

108. Nada disto teria que nos tornar inimigos. Num verdadeiro espírito de diálogo, nutre-se a capacidade de entender o sentido daquilo que o outro diz e faz, embora não se possa assumi-lo como uma convicção própria. Deste modo torna-se possível ser sincero, sem dissimular o que acreditamos, nem deixar de dialogar, procurar pontos de contacto e sobretudo trabalhar e lutar juntos pelo bem da Amazônia. A força do que une a todos os cristãos tem um valor imenso. Prestamos tanta atenção ao que nos divide que, às vezes, já não apreciamos nem valorizamos o que nos une. E isto que nos une é o que nos permite estar no mundo sem sermos devorados pela imanência terrena, o vazio espiritual, o cômodo egocentrismo, o individualismo consumista e autodestrutivo.

109. Como cristãos, a todos nos une a fé em Deus, o Pai que nos dá a vida e tanto nos ama. Une-nos a fé em Jesus Cristo, o único Redentor, que nos libertou com o seu bendito sangue e a sua ressurreição gloriosa. Une-nos o desejo da sua Palavra, que guia os nossos passos. Une-nos o fogo do Espírito que nos impele para a missão. Une-nos o mandamento novo que Jesus nos deixou, a busca de uma civilização do amor, a paixão pelo Reino que o Senhor nos chama a construir com Ele. Une-nos a luta pela paz e a justiça. Une-nos a convicção de que nem tudo acaba nesta vida, mas estamos chamados para a festa celeste, onde Deus enxugará as nossas lágrimas e recolherá o que tivermos feito pelos que sofrem.

110. Tudo isto nos une. Como não lutar juntos? Como não rezar juntos e trabalhar lado a lado para defender os pobres da Amazônia, mostrar o rosto santo do Senhor e cuidar da sua obra criadora?

Conclusão

A MÃE DA AMAZÔNIA

111. Depois de partilhar alguns sonhos, exorto todos a avançar por caminhos concretos que permitam transformar a realidade da Amazônia e libertá-la dos males que a afligem. Agora, levantemos o olhar para Maria, a Mãe que Cristo nos deixou. E, embora seja a única Mãe de todos, manifesta-Se de distintas maneiras na Amazônia. Sabemos que «os indígenas se encontram vitalmente com Jesus Cristo por muitos caminhos; mas o caminho mariano contribuiu mais que tudo para este encontro».[145] Perante a beleza da Amazônia, que fomos descobrindo cada vez melhor durante a preparação e o desenrolar do Sínodo, penso que o melhor será concluir esta Exortação dirigindo-nos a Ela:

Mãe da vida,
no vosso seio materno formou-Se Jesus,
que é o Senhor de tudo o que existe.
Ressuscitado, Ele transformou-Vos com a sua luz
e fez-Vos Rainha de toda a criação.
Por isso Vos pedimos que reineis, Maria,
no coração palpitante da Amazônia.

Mostrai-Vos como mãe de todas as criaturas,
na beleza das flores, dos rios,
do grande rio que a atravessa
e de tudo o que vibra nas suas florestas.
Protegei, com o vosso carinho, aquela explosão de beleza.

Pedi a Jesus que derrame todo o seu amor
nos homens e mulheres que moram lá,
para que saibam admirá-la e cuidar dela.

Fazei nascer vosso Filho nos seus corações
para que Ele brilhe na Amazônia,
nos seus povos e nas suas culturas,
com a luz da sua Palavra, com o conforto do seu amor,
com a sua mensagem de fraternidade e justiça.

Que, em cada Eucaristia,
se eleve também tanta maravilha
para a glória do Pai.

Mãe, olhai para os pobres da Amazônia,
porque o seu lar está a ser destruído
por interesses mesquinhos.
Quanta dor e quanta miséria,
quanto abandono e quanto atropelo
nesta terra bendita,
transbordante de vida!

Tocai a sensibilidade dos poderosos
porque, apesar de sentirmos que já é tarde,
Vós nos chamais a salvar
o que ainda vive.

Mãe do coração trespassado,
que sofreis nos vossos filhos ultrajados
e na natureza ferida,
reinai Vós na Amazônia
juntamente com vosso Filho.
Reinai, de modo que ninguém mais se sinta dono
da obra de Deus.

Em Vós confiamos, Mãe da vida!
Não nos abandoneis
nesta hora escura.
Amém
.


Dado em Roma, na Basílica de São João de Latrão, a 2 de fevereiro – Festa da Apresentação do Senhor – do ano 2020, sétimo do pontificado.

FRANCISCO


[1] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 49: AAS 107 (2015), 866.
[2] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 45.
[3] Ana Varela Tafur, «Timareo», in: Lo que no veo en visiones (Lima 1992).
[4] Jorge Vega Márquez, «Amazônia solitária», in: Poesía obrera (Cobija-Pando: Bolívia 2009), 39.
[5] Rede Eclesial Pan-Amazónica (REPAM), Brasil, Síntese da contribuição para o Sínodo, 120; cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 45.
[6] Discurso no encontro com os jovens (São Paulo, Brasil 10/V/2007), 2: Insegnamenti III/1 (2007), 808.
[7] Cf. Alberto C. Araújo, «Imaginário amazônico», in: Amazónia real. Ver amazoniareal.com.br (29/I/2014).
[8] São Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26/III/1967), 57: AAS 59 (1967), 285.
[9] São João Paulo II, Discurso à Academia Pontifícia das Ciências Sociais (27/IV/2001), 4: AAS 93 (2001), 600.
[10] Cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 41.
[11] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 473.
[12] Ramón Iribertegui, Amazonas: El hombre y el caucho, ed. Vicariato Apostólico de Puerto Ayacucho – Venezuela, Monografia n.º 4 (Caracas 1987), 307ss.
[13] Cf. Amarílis Tupiassú, «Amazônia, das travessias lusitanas à literatura de até agora», in Estudos Avançados, vol. 19, n. 53 (São Paulo, janeiro/abril 2005): «De fato, depois de findar a primeira colonização, a Amazônia continuou seu trajeto de região açulada pela antiquíssima ganância, agora sob novas impostações retóricas (…) por agentes civilizatórios que nem precisam de corporificação para gerar e multiplicar as novas facetas da antiga dizimação, agora por via da morte devagar».
[14] Bispos da Amazónia do Brasil, Carta ao Povo de Deus (Santarém – Brasil 6/VII/2012).
[15] São João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz em 1998 (8/XII/1997), 3: AAS 90 (1998), 150.
[16] III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Puebla (23/III/1979), 6.
[17] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 6. O Papa Paulo III, com o Breve Veritas ipsa (2/VI/1537), condenou as teses racistas, reconhecendo aos índios, cristãos ou não, a dignidade de pessoa humana, reconheceu-lhes o direito aos seus bens e proibiu que fossem reduzidos à escravidão. Afirmava: «Sendo homens como os outros, (…) não podem de modo algum ser privados da sua liberdade e da posse dos seus bens, nem mesmo aqueles que estão fora da fé de Jesus Cristo». Este ensinamento foi reiterado pelos Papas Gregório XIV, com a Bula Cum Sicuti (28/IV/1591), Urbano VIII, com a Bula Commissum Nobis (22/IV/1639), Bento XIV, com a Bula Immensa Pastorum Principis, dirigida aos bispos do Brasil (20/XII/1741), Gregório XVI, com o Breve In Supremo (3/XII/1839), Leão XIII, na Epístola aos Bispos do Brasil sobre a escravatura (5/V/1888), São João Paulo II, na Mensagem aos indígenas da América (Santo Domingo 12/X/1992), 2: Insegnamenti XV/2 (1992), 341-347.
[18] Frederico Benício de Sousa Costa, Carta Pastoral (1909), ed. Imprensa do governo do Estado de Amazonas (Manaus 1994), 83.
[19] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 7.
[20] Francisco, Discurso por ocasião do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares (Santa Cruz da Serra – Bolívia 09/VII/2015): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 16/VII/2015), 13.
[21] Francisco, Discurso no Encontro com os Povos da Amazónia (Puerto Maldonado – Perú 19/I/2018): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25/I/2018), 8.
[22] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 24.
[23] Yana Lucila Lema, Tamyahuan Shamakupani (Com a chuva estou vivendo), 1. Ver http://siwarmayu.com/es/yana-lucila-lema-6-poemas-de-tamyawan-shamu-ku-pa-ni-con-la-lluvia-estoy-viviendo/
[24] Conferência Episcopal Equatoriana, Cuidemos nuestro planeta (20/IV/2012), 3.
[25] N. 142: AAS 107 (2015), 904-905.
[26] N. 82.
[27] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 83.[28] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 239: AAS 105 (2013), 1116.
[29] Ibid., 218: o. c., 1110.
[30] Ibidem.
[31] Cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 57.
[32] Cf. Evaristo Eduardo de Miranda, Quando o Amazonas corria para o Pacífico (Petrópolis 2007), 83-93.
[33] Juan Carlos Galeano, «Paisajes», in: Amazonia y otros poemas (ed. Universidade Externato de Colômbia – Bogotá 2011), 31.
[34] Javier Yglesias, «Llamado», in: Revista peruana de Literatura, 6 (junho 2007), 31.
[35] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 144: AAS 107 (2015), 905.
[36] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit (25/III/2019), 186.
[37] Ibid., 200.
[38] Francisco, Mensagem em vídeo para o Encontro Mundial da Juventude Indígena, (Soloy – Panamá 17-21/I/2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22/I/2019), 4.
[39] Mario Vargas Llosa, Prólogo de El Hablador (Madrid 08/X/2007).
[40] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit (25/III/2019), 195.
[41] São João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1/V/1991), 50: AAS 83 (1991), 856.
[42] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 97.
[43] Francisco, Discurso no Encontro com os Povos da Amazónia (Puerto Maldonado – Perú 19/I/2018): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25/I/2018), 9.
[44] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 123-e.
[45] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 144: AAS 107 (2015), 906.
[46] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29/VI/2009), 51 [AAS 101 (2009), 687]: «A natureza, especialmente no nosso tempo, está tão integrada nas dinâmicas sociais e culturais que quase já não constitui uma variável independente. A desertificação e a penúria produtiva de algumas áreas agrícolas são fruto também do empobrecimento das populações que as habitam e do seu atraso».
[47] Mensagem para o Dia Mundial da Paz em 2007 (8/XII/2006), 8: Insegnamenti, II/2 (2006), 776.
[48] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 16.91.117.138.240: AAS 107 (2015), 854.884.894.903.941.
[49] Documento Bolívia: Relatório do País. Consulta pré-sinodal (2019), 36; cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 23.
[50] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 26.
[51] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 146: AAS 107 (2015), 906.
[52] Documento com contribuições para o Sínodo da Diocese de San José del Guaviare e da Arquidiocese de Villavicencio y Granada (Colombia); cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 17.
[53] Euclides da Cunha, Os Sertões (São Paulo 2003), 110.
[54] Pablo Neruda, «Amazonas», in: Canto General (1938), I, IV.
[55] Rede Eclesial Pan-Amazónica (REPAM), Brasil, Documento Eixo da Fronteira. Preparação para o Sínodo da Amazónia (Tabatinga – Brasil 13/II/2019), 3; cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 8.
[56] Amadeu Thiago de Mello, Amazonas, pátria da água.
[57] Vinícius de Moraes, «A transformação pela poesia», in: jornal A Manhã (Rio de Janeiro 1946).
[58] Juan Carlos Galeano, «Los que creyeron», in: Amazonia y otros poemas (ed. Universidade Externato de Colombia – Bogotá 2011), 44.
[59] Harald Sioli, A Amazônia (Petrópolis 1985), 60.
[60] São João Paulo II, Discurso aos participantes num Congresso Internacional sobre «Ambiente e saúde» (24/III/1997), 2: Insegnamenti XX/1 (1997), 521.
[61] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 34: AAS 107 (2015), 860.
[62] Cf. ibid., 28-31: o. c., 858-859.
[63] Ibid., 38: o. c., 862.
[64] Cf. V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 86.
[65] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 38: AAS 107 (2015), 862.
[66] Cf. ibid., 144.187: o. c., 905-906.921.
[67] Cf. ibid., 183: o. c., 920.
[68] Ibid., 53: o. c., 868.
[69] Cf. ibid., 49: o. c., 866.
[70] Documento preparatório do Sínodo dos Bispos para a Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, 8.
[71] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 56: AAS 107 (2015), 869.
[72] Ibid., 59: o. c., 870.
[73] Ibid., 33: o. c., 860.
[74] Ibid., 220: o. c., 934.
[75] Ibid., 215: o. c., 932.
[76] Sui Yun, Cantos para o mendigo e o rei (Wiesbaden 2000).
[77] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 100: AAS 107 (2015), 887.
[78] Ibid., 204: o. c., 928.
[79] Cf. Documentos de Santarém (1972) e Manaus (1997), in: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Desafio missionário. Documentos da Igreja na Amazônia (Brasília 2014), 9-28.67-84.
[80] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 220: AAS 105 (2013), 1110.
[81] Ibid., 164: o. c., 1088-1089.
[82] Ibid., 165: o. c., 1089.
[83] Ibid., 161: o. c., 1087.
[84] Assim o refere o Concílio Vaticano II, no n. 44 da Constituição Gaudium et spes, quando diz: «[A Igreja] aprendeu, desde os começos da sua história, a formular a mensagem de Cristo por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e procurou ilustrá-la com o saber filosófico. Tudo isto com o fim de adaptar o Evangelho à capacidade de compreensão de todos e às exigências dos sábios. Esta maneira adaptada de pregar a palavra revelada deve permanecer a lei de toda a evangelização. Deste modo, com efeito, suscita-se em cada nação a possibilidade de exprimir a mensagem de Cristo segundo a sua maneira própria, ao mesmo tempo que se fomenta um intercâmbio vivo entre a Igreja e as diversas culturas dos diferentes povos».
[85] Francisco, Carta ao Povo de Deus que peregrina na Alemanha (29/VI/2019), 9.
[86] Cf. São Vicente de Lerins, Commonitorium primum, cap. 23: PL 50, 668: «Ut annis scilicet consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate – fortalece-se com o decorrer dos anos, desenvolve-se com o andar dos tempos, cresce através das idades».
[87] Francisco, Carta ao Povo de Deus que peregrina na Alemanha (29/VI/2019), 9; cf. a expressão atribuída a Gustav Mahler: «A tradição é a salvaguarda do futuro, não a conservação das cinzas».
[88] Discurso no encontro com os professores universitários e os homens de cultura (Coimbra 15/V/1982), 5: Insegnamenti V/2 (1982), 1702-1703.
[89] Mensagem aos indígenas do Continente Americano (Santo Domingo 12/X/1992), 6: Insegnamenti, XV/2 (1982), 346; cf. Discurso aos participantes no I Congresso Nacional do Movimento Eclesial de Empenho Cultural (16/I/1982), 2: Insegnamenti, V/1 (1982), 131.
[90] São João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Vita consecrata (25/III/1996), 98: AAS 88 (1996), 474-475.
[91] N. 115: AAS 105 (2013), 1068.
[92] Ibid., 116: o. c., 1068.
[93] Ibidem.
[94] Ibid., 129: o. c., 1074.
[95] Ibid., 116: o. c., 1068.
[96] Ibid., 117: o. c., 1069.
[97] Ibidem.
[98] São João Paulo II, Discurso à Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para a Cultura (17/I/1987), 5: Insegnamenti X/1 (1987), 125.
[99] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 129: AAS 105 (2013), 1074.
[100] IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Santo Domingo (12-28/X/1992), 17.
[101] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 198: AAS 105 (2013), 1103.
[102] Cf. Joseph Ratzinger, Diálogos sobre a Fé, apresentados por Vittorio Messori (Ed. Verbo – Lisboa 2005), 159-165.
[103] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 198: AAS 105 (2013), 1103.
[104] Pedro Casaldáliga, «Carta de navegar (pelo Tocantins amazónico)», in: El tiempo y la espera (Santander 1986).
[105] Como explica São Tomás de Aquino, «a maneira como Deus está nas coisas é tríplice: uma é comum, por essência, presença e poder; outra, pela graça nos seus santos; a terceira, singular de Cristo, pela união» (Ad Colossenses, c. II, lectio 2).
[106] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 235: AAS 107 (2015), 939.
[107] III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Puebla (23/III/1979), 196.
[108] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 178: AAS 105 (2013), 1094.
[109] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 11; cf. Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19/III/2018), 10-11.
[110] Vicariatos Apostólicos da Amazónia Peruana, «Segunda asamblea episcopal regional de la selva» (San Ramón – Perú 05/X/1973), in: Éxodo de la Iglesia en la Amazonia. Documentos pastorales de la Iglesia en la Amazonia peruana (Iquitos 1976), 121.
[111] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 123: AAS 105 (2013), 1071.
[112] Cf. Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19/III/2018), 126-127.
[113] Ibid., 32.
[114] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 235: AAS 107 (2015), 939.
[115] Ibidem.
[116] Ibid., 236: o. c., 940.
[117] Ibidem.
[118] Ibid., 235: o. c., 939.
[119] Cf. Const. sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium, 37-40.65.77.81.
[120] No Sínodo, surgiu a proposta de se elaborar um «rito amazónico».
[121] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 237: AAS 107 (2015), 940.
[122] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia (19/III/2016), 49: AAS 108 (2016), 331; cf. ibid., 305: o. c., 436-437.
[123] Cf. ibid., 296.308: o. c., 430-431.438.
[124] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 100-e.
[125] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre algumas questões concernentes ao Ministro da Eucaristia Sacerdotium ministeriale (6/VIII/1983): AAS 75 (1983), 1001-1009.
[126] Carta ap. Mulieris dignitatem (15/VIII/1988), 27: AAS 80 (1988), 1718.
[127] São Tomás de Aquino, Summa Theologiae III, q. 8, a. 1, resp.
[128] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ministério e a vida dos sacerdotes Presbyterorum ordinis, 5; São João Paulo II, Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17/IV/2003), 22: AAS 95 (2003), 448.
[129] Também é próprio do sacerdote administrar a Unção dos Enfermos, por estar intimamente ligada ao perdão dos pecados: «E, se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados» (Tg 5, 15).
[130] Catecismo da Igreja Católica, 1396; cf. São João Paulo II, Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17/IV/2003), 26: AAS 95 (2003), 451; Henry de Lubac, Meditation sur l’Église (Paris 1968), 101.
[131] Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ministério e a vida dos sacerdotes Presbyterorum ordinis, 6.
[132] Impressiona o facto de haver, em alguns países da bacia amazónica, mais missionários para a Europa ou os Estados Unidos do que para ajudar nos próprios Vicariatos da Amazónia.
[133] No Sínodo, falou-se também da falta de Seminários para a formação sacerdotal de pessoas indígenas.
[134] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 3.
[135] São Paulo VI, Homilia na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (17/VI/1965): Insegnamenti III (1965), 358.
[136] É possível, por escassez de sacerdotes, que o Bispo confie uma «participação no exercício do serviço pastoral da paróquia (…) a um diácono ou a outra pessoa que não possua o caráter sacerdotal, ou a uma comunidade» (Código de Direito Canónico, 517-§ 2.
[137] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 178.
[138] Ibid., 475.
[139] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 65.
[140] Ibid., 63.
[141] Ibid., 129-d 2.
[142] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 228: AAS 105 (2013), 1113.
[143] Ibid., 226: o. c., 1112.
[144] Conc. Ecum. Vat II, Decl. sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs Nostra aetate, 2.
[145] CELAM, III Simposio latinoamericano sobre Teología india (Cidade de Guatemala 23-27/X/2006).
[00189-PO.01] [Texto original: Espanhol]

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