Frei Conrado Lindmeier, OFM
De repente, a nossa liberdade é invadida e delimitada. Os nossos caminhos controlados e condicionados. A permanência em casa ordenada. Até os contatos com parentes e amigos restringido e regulamentado. Os encontros e celebrações cancelados e proibidos. E o pior, parentes e amigos são levados pelas ruas e praças vazias aos hospitais e de lá, talvez, aos cemitérios. Sim, cemitérios, pois não sabemos com certeza o que acontece com eles nos hospitais e depois. Já que ninguém, nem parentes, os pode visitar. Tudo isso para evitar a contaminação com o inimigo mortal e impedir, assim, sua expansão. Pois por ele toda a humanidade está mortalmente ameaçada: sem excluir ninguém, nem país, nem raça ou religião. E é sério, pois ninguém tem remédio nem vacina para se proteger do novo coronavírus. E muitos já se perguntam: quando será a minha vez?
Tal situação me faz lembrar de Carlos Drummond de Andrade, quando diz: “E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu. E agora, José?”
Sim, e agora, José? Qual será a atitude, a minha atitude e defesa perante tal situação generalizada e presente em todos os espaços? Por enquanto, foi dada uma resposta de urgência coletiva: confinamento. Ordenada pelas autoridades competentes. Sim, ajuda. Mas a ameaça não é apenas coletiva, não! Ela atinge a cada um e cada uma, a cada indivíduo em particular. E agora, José?
Desta forma, cada um vai ter que elaborar uma resposta para si mesmo frente a tal caos. Sim, sim! E qual será a minha? Como devo me posicionar frente a tal situação imposta por um inimigo mortal, mas desconhecido e oculto? Devo recorrer à magia? Fazer promessa? Trancar-me no quarto e rezar?
Recorrer ao poder de Deus e ao Espírito Santo? Aos Santos e Santas? Organizar missas de cura e libertação? O que eu farei? Talvez resolveria um milagreiro ou um padre destacado pela mídia? Pois estes sempre têm um caminho para anunciar…
Quem pode nos salvar?
Aí vem a pergunta: “afinal, quem eu sou?” Não sou cristão, católico? Sim senhor! Assim se acende uma luz em nossa mente. E a possibilidade de resposta já se torna mais clara, pois logo nos lembramos de quando Jesus diz: “Por que estais com medo, gente de pouca fé?” (cf. Mt 8,26-29).
É isso mesmo, no fundo tenho medo e provavelmente pouco fé. Parece que Jesus fala agora diretamente para mim. Parece que conhece a minha, a nossa situação. E, de fato, a Psicologia também mostra que o melhor remédio contra o medo é a fé em Deus. Portanto, a resposta possível, em nível pessoal, frente a tal ameaça, é o fortalecimento da própria fé. Assim, o primeiro passo é dado. Confiando profundamente em Deus, tudo o que então acontece recebe um sentido, quer compreendamos ou não, e mesmo se não o conseguimos ver no momento. Isso, de fato, deve nos deixar mais tranquilos.
E agora vemos também que as autoridades competentes estabeleceram regras válidas fundamentadas na inteligência humana, a fim de proteger os cidadãos. Sinto que é válido e importante nesta situação confiar na inteligência humana, na ciência, porque ela é um dom de Deus para que o ser humano consiga resolver os seus problemas. Assim, Deus não faz na Terra o que o ser humano pode fazer e resolver com sua inteligência. E, certamente, qualquer que seja a solução desta pandemia, ela necessariamente vai ser fruto desse dom do ser humano.
Portanto, temos a fé em Deus e na inteligência humana, e este deve ser o caminho para elaborar uma postura adequada frente a esse perigo. Por outro lado, vejo agora que está surgindo um outro inimigo, mas desta vez dentro de nós. É consequência das restrições impostas pelas autoridades competentes à nossa liberdade: Ficar em casa, com várias pessoas, dias e noites num espaço reduzido, também gera medo. Agora não é medo do vírus, mas medo de mim mesmo. Dentro de mim surge uma insatisfação cada vez mais forte…
E agora, José?
A ameaça que vinha de fora, de repente vem também de dentro de mim. E agora?
Aí tem várias consequências: a primeira e a mais comum é a projeção. Ela acontece quando deslocamos essa nossa insatisfação, de forma inconsciente, sobre as outras pessoas no ambiente. Pois elas, então, nos irritam. Começamos uma briguinha por qualquer coisa (ou outra situação qualquer), e, para mim, a culpa, no fim é do outro. Ou então descontamos nossa insatisfação na comida, no álcool, no sexo… Tentamos compensar o nosso problema com um prazer que nos deixa esquecer por um tempo a insatisfação.
Tais caminhos nos aliviam, momentaneamente, mas não são soluções. Por isso devemos pensar melhor. O certo é assumir a responsabilidade sobre a nossa insatisfação, isto é, nos conscientizar que o problema é meu e que eu tenho que assumir responsabilidade sobre ele. Em outras palavras, significa confrontar-me comigo mesmo e não fugir disso.
Amigo, aproveite essa ocasião única para se conhecer melhor. Não tente fugir do problema, não tente projetá-lo sobre os outros nem descontar na comida ou no sexo. Vá ao encontro de si mesmo. Isto é: fale com alguém sobre seu sentimento. Ou então desenhe, pinte, escreva uma poesia ou uma música… Comece a aceitar-se a si mesmo com insatisfação na alma. Este é o caminho para o amadurecimento e crescimento.
Acredite também em você, que você é capaz de resolver seus problemas adultamente e com a sua inteligência e capacidade. Isso evita que em situações impostas você caia em desamor, tédio, depressão ou violência.
Portanto, desta forma, podemos concluir que a ameaça mortal pelo vírus desencadeia nas pessoas um medo existencial. Para sanar tal medo, não adianta recorrer a exercícios mágicos ou religiosos infantis, pois este seria o caminho para a neurose. Tal medo existencial exige uma atitude adulta e madura.
A vitória sobre tal pandemia, certamente, será um produto de inteligência humana. Ela deve ser o nosso guia. Ela já ajuda agora a humanidade a dar os passos preliminares certos. E ela mostra para o cristão o caminho da fé. Isto é, construir a sua personalidade sobre a rocha (cf. Mt 7,24). Assim, as ameaças não poderão derrubar a nossa casa.
Num segundo momento, devemos obedecer e confiar nas restrições estabelecidas pelas autoridades competentes, desde que estas sejam fundamentadas em dados científicos.
Para resolver os efeitos secundários, causados pelas regras de isolamento social, entendemos que não adianta deslocar nossas insatisfações sobre pessoas ou compensá-las com outros subterfúgios, pois tais atitudes não são soluções e agravam o problema mais ainda.
Entendemos que a solução é confrontar-se com o problema e conscientizá-lo, assumindo responsabilidade sobre ele. Pois isso faz crescer e amadurecer.
E agora, José?
Agora, sim, após essa reflexão, sou mais calmo e esperançoso. Mais estruturado frente à ameaça externa bem como à interna. Agora compreendi o valor da profunda fé em meu Criador e na inteligência humana que sempre deverá ser a luz que ilumina o nosso caminho. Por outro lado, as restrições à minha liberdade me ensinam que devo assumir sempre responsabilidade sobre os meus problemas e resolvê-los comigo mesmo. Esse é o caminho para o amadurecimento.
Vejo agora também que tal flagelo que ameaça atualmente toda a humanidade deve trazer para os que a ele sobrevivem, algo de muito positivo, tanto para o indivíduo como para as sociedades. Desde que as pessoas se esforcem em apreender a situação. Estou convicto de que tudo tem o seu profundo sentido, estando nós conscientes dele ou não.
Frei Conrado Lindmeier, OFM, é vigário paroquial da Paróquia Santa Inês, em Balneário Camboriú (SC). Psicólogo, é natural de Pfenningbach, Alemanha, e ingressou na Ordem dos Frades Menores no dia 19 e dezembro de 1963 como missionário no Brasil. Fez profissão solene no dia 03 de outubro de 1968.