Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Projeto Pessoal e Projeto Fraterno – diálogo urgente e necessário

05/08/2019

                                                                                                                             Imagem ilustrativa (Giotto Bondone)

Frei Fidêncio Vanboemmel (*)

Introdução

O primeiro biógrafo de São Francisco, Frei Tomás de Celano, escreve na Primeira Vida: “Vendo o bem-aventurado Francisco que o Senhor Deus a cada dia aumentava o seu número, escreveu para si e para seus irmãos presentes e futuros, de maneira simples e com poucas palavras, uma forma e regra de vida, utilizando principalmente palavras do Santo Evangelho, a cuja perfeição unicamente aspirava” (1Cel 32).

Lida no contexto da origem da Ordem Franciscana, esta frase leva-nos a intuir que, para além da elaboração de uma regra canônica, Francisco constrói para si um projeto de vida fundamentado no Evangelho. E depois, com a chegada dos primeiros companheiros dados por Deus como irmãos, o Pobre de Assis elaborou em fraternidade um projeto de vida para dizer que a dádiva da vocação e missão de cada irmão, e, consequentemente da fraternidade, é autêntica quando iluminada pelo Evangelho. Para Francisco é o Evangelho que direciona a vida do frade menor no seguimento de Jesus Cristo. Portanto, todos os irmãos são vocacionados a viver em fraternidade e como fraternidade. Logo, a fraternidade é o dom supremo de Deus que determina a forma de vida, legitima a vocação e habilita a missão evangelizadora de cada irmão.

Nos nossos dias muito se fala sobre a necessidade de se elaborar um projeto pessoal de vida e de um projeto fraterno de vida e missão. Esses projetos, embora independentes e com metodologias específicas no respectivo processo de elaboração, não são duas coisas distintas. Para serem legítimos, os dois projetos são dependentes, se iluminam e se complementam mutuamente. A construção dos dois projetos só é possível de ser realizada mediante o diálogo: com Deus, consigo mesmo, com a fraternidade/comunidade, com a Igreja e com a realidade na qual os irmãos estão inseridos.

1. Um projeto dialogado

Em vários textos das Fontes Franciscanas, percebemos que a primitiva fraternidade minorítica, ao elaborar seu projeto de vida, mais tarde transformado em Regra, necessitou do diálogo para dar autenticidade à identidade inicial dos “penitentes de Assis” (LTC 37,6-7) ou, como escreve o Biógrafo na sequência, da “Ordem dos Frades Menores” (1Cel 38,3).

O diálogo foi fundamental no processo de configuração desta forma de vida. Francisco e a fraternidade dialogaram com Deus através do seu Evangelho (AP 10) e com a Igreja (1Cel 22 e 33). Como irmãos, dialogaram acerca da vida de oração (1Cel 45; 1Cel ), sobre o modo de trabalhar e pregar (evangelizar) (1Cel 29; 39), sobre o espírito de familiaridade e do mútuo cuidado (1Cel 38-39), sobre o modo como se relacionar com o mundo (1Cel 39-40), sobre o exercício da misericórdia na correção fraterna (Adm 22, 2-3), etc.

2. Projeto pessoal permanentemente revisado

Francisco de Assis, segundo as narrativas dos primeiros biógrafos, ao longo da sua vida, particularmente nas quaresmas que fazia, além de compenetrar-se em Deus na oração, também buscou rever o projeto originário da sua vocação e missão para purificá-la das obscuridades (“poeiras”) adquiridas na sua itinerância apostólica. Francisco dialoga com o Senhor através do Evangelho, dialoga com a fraternidade e com outras pessoas. S. Boaventura afirma que Francisco, qual “servo fiel e prudente”, desejava “conformar-se com o máximo ardor à vontade de Deus”, (cf. LM XIII 1, 4.6). E nas dúvidas, dialoga com a comunidade para melhor discernir a “vontade do Senhor” (cf. LM XII 2, 2-6). Frei Tomás de Celano afirma que o Santo de Assis tinha como “filosofia” a permanente busca de projetar sua vida de acordo com a vontade de Deus: “Enquanto viveu, perguntava aos simples, aos sábios, aos perfeitos e imperfeitos como poderia tomar o caminho da verdade e chegar ao propósito maior” (1Cel 91, 5-6).

3. O diálogo para construir um projeto fraterno de vida e missão

São Francisco de Assis, da mesma forma como reconheceu a sua vocação como obra da graça do Senhor (“Foi assim que o Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, iniciar uma vida de penitência” – Test 1), também acolheu a Fraternidade como um dom do Senhor (“E depois que o Senhor me deu irmãos…” Test 14), ciente de que esta vida não nasceu pronta, acabada ou perfeita. Através do diálogo fraterno e construtivo, os primeiros irmãos consagraram um precioso tempo para aprimorar a vida de oração e contemplação, as exigências da vida fraterna e o amor partilhado na evangelização. Para Francisco a fraternidade é dinâmica e itinerante. Por isso está permanentemente em construção no contexto social e eclesial na qual está inserida.

A primitiva fraternidade, além de projetar a vida e a missão, também se reunia para avaliar, rever, corrigir e propor novos desafios. “Quando voltavam a se ver, enchiam-se de tão grande prazer e de alegria espiritual que não se recordavam de nada da adversidade e, mormente, da pobreza que padeciam” (AP 25). O mesmo “Anônimo Perusino”, afirma que, por ocasião de Pentecostes, “reuniam-se todos os irmãos para o Capítulo junto à igreja de Santa Maria da Porciúncula. Nesse Capítulo tratavam da maneira como melhor poderiam observar a regra… São Francisco fazia admoestações, repreensões e prescrições aos irmãos, conforme lhe parecia melhor, tendo antes consultado o Senhor” (AP 37).

Também os desafios pontuais e pessoais são remetidos à fraternidade. Francisco é muito lúcido quando fala dessa questão na famosa “Carta Magna” sobre a misericórdia, dirigida a um Ministro: “De todos os capítulos da Regra que falam sobre pecados mortais, no Capítulo de Pentecostes, com a ajuda de Deus e com o conselho dos irmãos, faremos um capítulo assim:…” (Mn 13). As palavras “com a ajuda de Deus e com o conselho dos irmãos” são muito sugestivas no contexto da Carta a um Ministro. Diante das reais dificuldades que se apresentam no cotidiano da vida fraterna, o religioso não pode autorizar-se a abraçar projetos individuais, nem mesmo sob o pretexto da vida contemplativa. Francisco combate a tentação da fuga dos compromissos assumidos pela fraternidade (projeto fraterno de vida e missão). Para Francisco, mesmo com desafios e provocações naturais de um grupo humano, o que plenifica o irmão é a vida construída em fraternidade e como fraternidade em missão, “com a ajudada de Deus e com o conselho dos irmãos”.

4. Diálogo urgente e necessário para recompor o Projeto Fraterno de Vida e Missão

A nossa Província, em 2009, procurou colocar em prática a 7ª decisão do Capítulo Geral de 2009: “Que os Ministros com o Definitório acompanhem cada fraternidade na elaboração do Projeto de Vida Fraterna à luz das linhas emanadas do Capítulo”. Esta tarefa foi abraçada pela Formação Permanente no Capítulo Provincial de 2009 e colocada em prática a partir da recomposição das fraternidades no início de 2010.

Não negamos que, inicialmente, ocorreram resistências ou a não-compreensão por parte de alguns irmãos e fraternidades acerca do “Projeto de Vida Fraterna”. Algumas poucas afirmações pontuais, muito semelhantes a esta, diziam: “Essa questão do projeto de vida fraterna não tem muito a ver com a nossa forma de vida”. Por isso algumas poucas fraternidades não conseguiram dialogar de forma fraterna para construir seu Projeto de Vida Fraterna. Mas o que importa é que depois do empenho da maioria dos irmãos, das cobranças e revisões periódicas, os resultados obtidos em muitas fraternidades foram gratificantes. Por isso a Formação Permanente, após os Capítulos de 2016 e 2018, além de aprimorar metodologicamente o subsídio do “projeto de vida fraterna”, também acolheu a compreensão mais abrangente que a Fraternidade Provincial foi adquirindo nesse processo. Por isso passou a ser chamado de “PROJETO FRATERNO DE VIDA E MISSÃO”.

Recentemente o Conselho Plenário da Ordem dos Frades Menores, realizado em Nairóbi, de 12 a 28 de junho de 2018, afirmou: “Reforça-se a importância da elaboração do Projeto Fraterno de Vida e Missão, de modo que todos os frades sejam envolvidos nas diversas atividades, num processo que leve em conta as várias dimensões da fraternidade, favorecendo as capacidades e os recursos de cada um e da comunidade como um todo. No projeto é preciso considerar com atenção a perspectiva da missão própria no contexto em que cada comunidade vive, de modo que os frades coloquem a vida fraterna como centro propulsor da atividade pastoral” (CPO/2018 nº 148).

Conclusão

Se Francisco de Assis sentiu a necessidade da permanente releitura e confronto pessoal com os valores do projeto originário (“a divina inspiração”), creio que o seu Testamento é o retrato fiel de uma fraternidade que, em torno de Francisco, não elabora “outra Regra” (Test 34), mas recorda os elementos essenciais que devem animar a vida fraterna e sua respectiva missão evangelizadora. Francisco, ao vislumbrar a proximidade da “Irmã Morte”, recorda, revê e encoraja esta fraternidade constituída por irmãos a não perderem de vista aquilo que prometeram ao Senhor observar, e sem glosas (cf. Test 39).

Nesse sentido, a elaboração de um “projeto pessoal e fraterno” tem muito a ver com a nossa formação permanente que “é uma caminhada de toda a vida, tanto pessoal como comunitária” (CCGG Art 135). Se cada irmão é o primeiro responsável pela sua permanente formação, também compete à Fraternidade e aos Ministros e Custódios zelarem pelo crescimento integral do Frade Menor (cf. CCGG Art. 136 e 137).

O desafio final é este: como eu, em consonância com o Plano de Evangelização (Projeto Provincial) e o Projeto Fraterno de Vida e Missão da minha Fraternidade, devo construir o meu projeto pessoal? Certamente algumas questões são imprescindíveis, como organizar e planejar meu tempo para: o cuidado pela vida espiritual e a fidelidade no seguimento de Jesus Cristo, o preenchimento de eventuais lacunas formativas, a minha atualização para exercer a missão com qualidade, os ajustes de que necessito para harmonizar em mim a formação humana e afetiva.

No final do seu Testamento, ele considera o coletivo da comunidade e cada irmã em particular, afirmando: “O Senhor que deu o bom começo, dê o crescimento e também a perseverança até o fim” (TestC 78). Construir, dialogar e elaborar um projeto pessoal e fraterno de vida e missão é empenho vital para não perdermos de vista o ponto de partida da nossa vocação e missão.


Frei Fidêncio Vanboemmel, ex-Ministro Provincial por 9 anos da Província da Imaculada, é o moderador da Formação Permanente e mestre em espiritualidade franciscana. 

Premium WordPress Themes Download
Free Download WordPress Themes
Download Premium WordPress Themes Free
Premium WordPress Themes Download
download udemy paid course for free
download coolpad firmware
Download Best WordPress Themes Free Download
lynda course free download