Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Perguntas contam decisivamente na definição de rumos e nos discernimentos para escolhas que incidem sobre a vida. Perguntar é tão essencial quanto responder bem. Por vezes, conta mais a clarividência da pergunta – capaz de contribuir para a lucidez decisiva da resposta. Para onde se caminha? Uma interrogação que precisa incidir nas dimensões pessoal, familiar e social. A resposta revela valores escolhidos, princípios respeitados e práticas comportamentais inspiradoras. Não se pode caminhar por qualquer via ou direção. A irresponsabilidade na definição do percurso a ser seguido pode levar a prejuízos pesados que demandam, além de longo tempo, muitos esforços e investimentos para superar fracassos. Para onde se caminha? Questão que incide diretamente na existência humana, configurando rumos e consequências. Essa pergunta remete à responsabilidade de cada pessoa na configuração de uma adequada resposta.
Reagir à interpelação – Para onde se caminha? – é tarefa cada vez mais difícil, considerando, dentre outros, os riscos que surgem com a cultura tecnológica. Há, por exemplo, uma expressiva disseminação de notícias falsas – a mentira passando-se por verdade. Sabe-se ainda que o ambiente digital é também lugar onde muitos espalham o ódio, ou buscam construir a própria imagem, alcançar reconhecimento, pela destruição perversa da inteireza moral de seu semelhante. Deixa-se de lado o compromisso com a verdade para se esconder em um covarde anonimato, buscando propagar juízos destrutivos. Perde-se o compromisso com o bem do outro, o bem de todos. No lugar desse compromisso, torna-se cada vez mais habitual a perversidade de quem vê no semelhante um concorrente. Uma visão equivocada, pois todos são operários na mesma vinha, cujos frutos e abundância dependem da cooperação mútua e da participação criativa de cada um.
Nessa crescente tendência de se buscar destruir o outro, com quem se diverge, cai em desuso a pergunta feita por Jesus Mestre aos acusadores da mulher adúltera. Jesus, com a sua pergunta, indicou que jogasse a primeira pedra quem não tivesse pecado. O questionamento do Mestre alcançou efeito estupendo pois fez com que todos saíssem, um a um, certamente convictos de seus próprios limites. Uma lição que precisa ser aprendida na contemporaneidade, pois rumos sombrios são tomados quando não se pensa na edificação do semelhante: é preciso zelar pela convivência humana e cidadã. O compromisso com esse zelo inclui muitos exercícios, inclusive uma reflexão cotidiana a partir dessa pergunta: para onde se caminha? Pode-se caminhar na direção das “sombras de um mundo fechado”, ou buscar gerar um “mundo aberto”, como nos diz o Papa Francisco, nos capítulos primeiro e terceiro de sua Carta Encíclica, Fratelli Tutti, sobre a amizade social. Somente se pode caminhar adequadamente, em direção a metas frutuosas quando o ser humano compreende que só pode alcançar a sua plenitude na sincera oferta de si mesmo.
A alegria de viver apenas se efetiva quando são encontrados rostos para amar. Esse encontro é remédio que cura preconceitos e discriminações, ódio e indiferenças. Caminhar-se-á na direção de um “mundo aberto” na medida em que vínculos são criados em comunhão e fraternidade, realidades mais fortes que a morte. Por isso, as relações interpessoais precisam ganhar amplitude para além dos territórios da própria família ou de pequenos grupos. O Papa Francisco fala de uma espécie de lei de êxtase – “sair de si mesmo para encontrar nos outros um acrescentamento de ser”. E lembra: “A partir da intimidade de cada coração, o amor cria vínculos e amplia a existência, quando arranca a pessoa de si mesma para o outro”.
Reconhecer, a partir da racionalidade e da espiritualidade, o valor único do amor é essencial para bem responder a esta pergunta: para onde se caminha? Há de se investir na constituição de uma estatura espiritual e humana que seja medida pelo amor. Assim, podem ser corrigidos descompassos, reorganizados raciocínios e redefinidas posturas, superando o que descompassa a vida e as limitações do viver humano. Consequentemente, encontra-se a cura para a enganosa perspectiva que leva tantas pessoas a pautarem a própria conduta considerando que a vida se resume à disputa por interesses. Uma visão distorcida que faz prevalecer o confronto – uns contra os outros, o tempo todo. A solidão, os medos e inseguranças, que são também consequências dessa perspectiva equivocada, levam a um caos insuportável. Para onde se caminha? Uma interrogação que não pode ser tratada de qualquer maneira, pois remete a responsabilidades cidadãs importantes, ao compromisso de cada um para que a humanidade tome novo rumo, a partir do encontro de qualificadas respostas.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo é Arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.