Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Os primeiros Capítulos da Ordem: alguns testemunhos

18/10/2009

Frei Sandro Roberto da Costa, ofm (*)

Desde os inícios da Ordem, os momentos de encontro fraterno mais intensos ocuparam um lugar importante na vida dos irmãos, seja pela necessidade de pensar e organizar juntos os rumos da fraternidade e da missão, seja pelo prazer de se encontrar, conversar, comer, se alegrar juntos. Francisco sempre tomou as decisões mais importantes da fraternidade junto com seus irmãos. Depois de 1209, quando o papa Inocêncio III deu a aprovação oral para a Regra, os irmãos se espalharam por todas as regiões da Itália, e o seu número cresceu rapidamente. Sentiu-se a necessidade de uma reunião mais articulada para avaliar a caminhada e fixar algumas normas mais precisas. Em 1212 Francisco reuniu seus frades nos arredores de Assis, próximo ao mosteiro de São Verecundo. Diz o cronista do mosteiro: “Nos últimos tempos, o bem-aventurado Francisco pobrezinho freqüentes vezes se hospedou no mosteiro de São Verecundo… E nas imediações do mesmo mosteiro, o bem-aventurado Francisco realizou um capítulo dos trezentos primeiros irmãos, e o abade e os monges, generosamente, como puderam, doaram as coisas necessárias. Houve grande abundância de pão de cevada, de sêmola, de trigo, de milho, água potável límpida e vinho de maçã diluído em água para os mais fracos, como atestava o velho senhor André, que esteve presente; e houve grande abundância de favas e legumes” (Legenda da Paixão de São Verecundo, Fontes Franciscanas e Clarianas, 1449).

Entre estes momentos de encontro de todos os frades, destaca-se aquele que aconteceu em Assis, na festa de Pentecostes, no ano de 1217, que passou para a história como o Capítulo das Esteiras. É São Boaventura quem nos dá uma idéia desta grande reunião fraterna: “Também, já multiplicados os irmãos no decorrer do tempo, o solícito pastor começou a convocá-los ao Capítulo geral no eremitério de Santa Maria da Porciúncula, a fim de distribuir a cada um deles a porção da obediência, segundo a medida da distribuição divina na terra da pobreza (cf. Sl 77,54; Gn 41,52). Aí, embora houvesse penúria de todas as coisas necessárias – e uma vez se reunisse uma multidão de mais de cinco mil irmãos -, no entanto, com a ajuda da divina clemência, havia suficiência de alimento, acompanhava uma boa saúde corporal, e fluía a alegria espiritual”. (Legenda Maior IV, 10, 1-2, Fontes Franciscanas e Clarianas 576).

Imaginemos os frades se preparando para a viagem: hábito surrado, numa das mãos uma sacola com o mínimo necessário, na outra um cajado, sandálias aos pés ou descalços, punham-se a caminho. A festa de Pentecostes ocorre geralmente entre o fim do inverno e o início da primavera na Europa. A neve começa a derreter, aparecem os primeiros brotos nas árvores, as beiras das estradas se enfeitam de flores, os pássaros enchem os ares com seus cantos, festejando a vida que renasce. Os frades viajavam a pé, em grupo ou dois a dois, cruzando vales e montanhas, estradas poeirentas, sujeitos a assaltos, às intempéries. Mas viajavam contentes, pois iriam se encontrar com Francisco, aquele que lhes tinha mostrado o caminho do seguimento de Cristo e do seu Evangelho. Muitos frades iriam encontrá-lo pela primeira vez. Ver Francisco, abraça-lo, ouvi-lo, conversar com ele, saciar-se na fonte de sua santidade e sabedoria, poder partilhar com ele as angústias, dúvidas, incertezas e vitórias, valia qualquer sacrifício.

Calos nos pés, faces cansadas, hábitos empoeirados e suados, tudo o que os frades desejavam quando chegavam a Assis para o Capítulo era um leito macio, um banho quente, um prato de sopa. Como acomodar todos esses homens? Onde alojá-los? Como alimenta-los? Os habitantes de Assis não tiveram dúvida. Organizaram-se e, generosamente, ofereceram aos frades o que tinham de melhor. Como abrigo, esteiras. Daí o título de Capítulo das Esteiras. A mesa era frugal, mas farta. O cronista Jordão de Jano, um dos primeiros frades a ser enviado para a missão na Alemanha, nos dá um relato de um desses Capítulos, realizado em 1221: “… no ano do Senhor de 1221, no dia 23 de maio… no santo dia de Pentecostes, o bem-aventurado Francisco celebrou o Capítulo geral em Santa Maria da Porciúncula. A este Capítulo, conforme o costume então existente na Ordem, compareceram tanto os professos quanto os noviços; e os irmãos que compareceram foram calculados em três mil irmãos. A este capítulo esteve presente o senhor Rainério, cardeal diácono, com muitos outros bispos e religiosos. Por ordem dele, um bispo celebrou a missa. E acredita-se que o bem-aventurado Francisco então tenha lido o Evangelho, e outro irmão a epístola. No entanto, como os irmãos não tivessem casas para tantos irmãos, acomodavam-se sob esteiras em campo espaçoso e cercado, comiam e dormiam em vinte e três mesas dispostas de maneira ordenada… Neste Capítulo, o povo da terra servia com espírito de prontidão, fornecendo pão e vinho, alegres por uma reunião de tantos irmãos e pelo regresso do bem-aventurado Francisco. Neste Capítulo, o bem-aventurado Francisco, tendo tomado o tema “Bendito o Senhor meu Deus que adestra minhas mãos para o combate” (cf. Sl 18,35), pregou aos irmãos, ensinando as virtudes e admoestando à paciência e aos exemplos a dar ao mundo. De modo semelhante era feito o sermão ao povo: e tanto o povo quanto o clero ficavam edificados. Quem poderia explicar quanta caridade, paciência, humildade, obediência e alegria fraterna existiam naquele tempo entre os irmãos? De fato, não vi na Ordem um Capítulo como este, tanto pela multidão dos irmãos quanto pela solenidade dos que serviam. E embora fosse tão grande a multidão dos irmãos, no entanto, o povo fornecia tudo tão alegremente que, após sete dias de Capítulo, os irmãos foram obrigados a fechar a porta e a nada receber e a permanecer dois dias a mais para consumirem as coisas oferecidas e recebidas” (Crônica de Jordão de Jano, Fontes Franciscanas e Clarianas, 1270-1271). Uma vez terminado o Capítulo, os irmãos retornavam para suas casas, levando na mente e no coração as palavras e ensinamentos de Francisco, mas também o carinho e o exemplo de generosidade e doação dos habitantes de Assis, que tanto amavam Francisco e seus frades.
(*) Frei Sandro Roberto da Costa, é professor de História da Igreja e de Patrística no Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ).

É doutor em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

Download Nulled WordPress Themes
Download WordPress Themes Free
Premium WordPress Themes Download
Download WordPress Themes
online free course
download huawei firmware
Download Nulled WordPress Themes
free download udemy course

Conteúdo Relacionado