Oração, pobreza e fraternidade: três possibilidades que Francisco oferece para vencermos a crise que nos assombra
Frei Gustavo Medella
Francisco de Assis, o homem da Paz, jamais trilhou o caminho da omissão. Muito menos se apresentou como quem ficasse “em cima do muro” em questões que tocavam sua opção fundamental: viver o Evangelho de Jesus Cristo. Neste ponto era radical ao abraçar os valores irrenunciáveis daquela opção, entre eles: o espírito de oração e devoção, fonte de sua sabedoria e discernimento diante dos fatos; o apreço à pobreza, que lhe garantia profunda liberdade e credibilidade diante das pessoas e das situações; a consciência de que, em Cristo, Deus nos toma como filhos, irmãos e parceiros, pelo que a fraternidade se configura como elemento indissociável da vida franciscana.
Diante do exposto, desejo, nos tempos turbulentos que temos vivido em nosso país, recordar de que maneira estas três posturas de Francisco podem iluminar a nossa postura de irmãos e menores. Desejamos empreender nossas melhores forças para fomentar uma postura lúcida, equilibrada e construtiva perante a crise nacional que temos vivido em vários âmbitos.
Espírito de Oração e Devoção
“Altíssimo e glorioso Deus, iluminai as trevas do meu coração” (São Francisco, Oração diante do Crucifixo de São Damião).
Rezar é abrir o coração para a ação de Deus, é deixar-se iluminar pela luz do Espírito Santo, marcado sempre por um discernimento correto e sereno da realidade. É elevar a mente a Deus para manter os pés bens fincados no chão da realidade. Neste sentido, como seguidores de Francisco, precisamos “rezar” a crise que temos vivido. Isto inclui o cultivo de um profundo senso crítico diante dos noticiários, a superação de posturas ilusórias que podem nos levar à busca de soluções simples para problemas complexos enraizados desde as origens de nosso país, como é o caso do drama da corrupção. É preciso muito bom senso para não atropelarmos as instituições democráticas na ânsia de se alcançar uma solução repentina, quase que mágica, para uma contradição tão profunda e que diz respeito a todos nós.
Apreço à Pobreza
“Desafeiçoai-me de todas as coisas que existem debaixo do céu” (São Francisco).
Desapego é palavra-chave para vencermos a crise que nos assola. Todas as polêmicas levantadas, as estratégias empreendidas, os esforços aplicados nascem de um apego quase que doentio ao poder, seja ele político ou econômico. Sendo assim, os interesses coletivos da nação, os passos necessários para avançarmos enquanto povo, ficam obscurecidos por uma luta cega de disputa onde a meta é derrubar o outro para reinar sozinho. A graça de um coração desapegado não deveria faltar àqueles que se dispõem a assumir cargos públicos, sejam concursados, comissionados, nomeados e eleitos.
Reconhecimento de que somos irmãos
“O Senhor me deu irmãos” (Testamento de São Francisco)
Francisco de Assis possuía imensa facilidade para o diálogo. Isto porque reconhecia no outro, no diferente, um irmão, igualmente criado, salvo e amado por Deus. Ninguém lhe aparecia como adversário a ser vencido, anulado, morto. E é neste diálogo na busca pelo melhor que devemos acreditar. Jamais deixemos que nossos relacionamentos se contaminem por uma polarização improdutiva e pouco inteligente. Sem abrir mão de nossos valores e compromissos (prática da justiça, respeito à democracia, promoção dos pobres), estarmos abertos a ouvir e a falar, conscientes de que nosso Brasil só será bom de fato quando for bom para todos.
É claro que temos nossas preferências políticas, as linhas ideológicas e projetos de país nos quais acreditamos. E em tudo isto podemos ser diferentes. O que não podemos é abrir mão das mediações, dos processos e das instituições que nos permitem viver estas diferenças num ambiente democrático e pacífico. E é a troca destes valores por uma solução rápida e ilusória que causa certo medo. No entanto, sigamos firmes, na esperança
Imagem: O encontro de Francisco com o Sultão Melek el Kamil