
(Simbolismo do Cântico das Criaturas)
Livro de: François Chenique
Louvado sejas meu Senhor, com todas as tuas criaturas,
Muito particularmente pelo senhor nosso Irmão, o SOL
Que nos dá os dias e com o qual nos iluminas;
Ele é belo e radiante, com grande esplendor,
De Ti, Altíssimo, traz o testemunho!
E louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã.
A LUA, e pelas ESTRELAS
Que formastes no céu, claras, preciosas e belas
Louvado sejas, meu Senhor, por nosso irmão; o VENTO,
E pelo AR, pelas NUVENS, pelo SERENO e POR TODOS OS TEMPOS
Com os quais sustentas as tuas criaturas!
Louvado sejas meu Senhor, por nossa
Irmã a ÁGUA, QUE É MUITO UTIL, PRECIOSA e CASTA!
Louvado sejas, meu Senhor, por nosso Irmão o FOGO,
Com o qual iluminas a noite,
E que é belo e alegre, robusto e forte!
E louvado sejas, meu Senhor, por nossa Irmã, a MÃE TERRA
Que nos mantém e nos governa.
E produz os diversos frutos e as coloridas flores e as verdes ervas!
Louvado sejas, meu Senhor, POR TODOS AQUELES QUE PERDOAM O
PELO TEU AMOR, e SUPORTAM ENFERMIDADES e TRIBULAÇÃO…
Bem-aventurados aqueles que as suportam em paz.
Louvado sejas, meu Senhor, pela Irmã a MORTE CORPORAL, da qual
Homem algum pode escapar.
Ai daqueles que ela encontrar em pecado…
Bem-aventurados os que ela encontrar na tua santíssima vontade,
Porque a morte segunda não lhes fará mal!
Louvai e bendizei ao meu Senhor,
E rendei-lhes graças e servi-O
com grande humildade!
Altíssimo, onipotente e bom Senhor, teus são o LOUVOR, a GLÓRIA e a BÊNÇÃO!
Introdução:
São Francisco nada escreveu sobre o Cântico das Criaturas, mas, toda a sua vida é um comentário sobre este Cântico, cujas circunstâncias de composição são bem conhecidas.
O Cântico é como o testamento espiritual!
O comentário sobre o Cântico será simbólico e metafísico porque são esses os seus característicos fundamentais, que surgem assim que começamos a penetrar o sentido profundo das imagens que o compõem. Os símbolos que o compõem podem ser agrupados em torno de seis temas fundamentais: a Terra, o Ar, a Água, o Fogo, a Lua e o Sol.
Cap. I. Como foi composto o Cântico das Criaturas
Para entendermos esses simbolismos os aplicaremos aos três caminhos fundamentais: o caminho da ação, o caminho da devoção e o caminho do conhecimento…
- O francês foi para São Francisco como a língua materna da alma, a língua da poesia, a língua da religião e da fé, e de suas melhores recordações…
- Francisco sentiu, durante toda a vida que tinha alma de trovador. Quando jovem percorria as ruas de Assis, à noite, à frente de um grupo de menestréis amadores…Depois de sua conversão continuou cantando dessa maneira, mas dessa vez, seus louvores – as Laudes – dirigiam-se a Deus Pai, à Virgem, às virtudes…. As Laudes de Francisco foram compotas em Latim. A última, o Cântico das Criaturas, foi composta na língua popular de Saint-Damie em certa manhã de verão de 1225 depois de uma noite de vivo sofrimento…
- A inspiração para o Cântico das Criaturas nasce da oração dos três jovens na fornalha ardende, conforme o relato do profeta Daniel, (III, 52-90), no qual todas as criaturas são convidadas a louvar a Deus. Confiram alguns versículos.
Cap. II. Os símbolos do Cântico das Criaturas
Para comentar o Cântico das Criaturas nos colocamos desde já numa perspectiva metafísica e no mundo dos símbolos: é o caminho necessário para compreender e explicar o passo intelectual de São Francisco. A inteligência contemplativa vê as coisas como Deus as vê e o coração purificado aprende as misteriosas mensagens que elas nos dirigem da parte do Criador. O simbolismo [é uma ciência sagrada.
- São Francisco não era um sábio. Ignorava a Teologia e não gostava que seus companheiros estudassem nas Universidades. Disse de si mesmo e de seus companheiros “éramos pessoas simples: eramus idiotae”. Contudo a inteligência esclarecida pela graça e pelos dons do Espírito Santo, em especial os da Sabedoria, da Ciência e da Inteligência, adquire sobre Deus e sobre o mundo criado luzes que ciência humana alguma pode ensinar ou transmitir.
- Esses dons citados produzem a contemplação definida por São Tomaz como uma visão simples, intuitiva, de Deus das coisas divinas, que provém do amor e vai para o amor. Assim, o Cântico das Criaturas é como o perfume sutil da altíssima contemplação que Francisco recebera: a fé como virtude teologal e a inteligência como dom do Espírito Santo. (sexta beatitude..):
“Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”
- Uma conclusão do autor: “É possível admitir que o Cântico das Criaturas tinha sido levado a São Francisco pelos anjos, enquanto dormia”. (Uma situação análoga aos “sonhos bíblicos”
São Francisco dirige-se a Deus em termos bíblicos: Deus é o Senhor, aquele a quem se serve e ao qual se está unido por deveres… (ADONAI)
Esse Senhor é o Rei que governa o universo. A ele só devidos o louvor, a honra e a glória e toda a bênção.
O louvor consiste em reconhecer e exaltar a grandeza de Deus
Essas quatro palavras: louvor, glória, honra e bênção derivam de uma atitude louvatória…
O Cântico nos aparece então como um eco, na terra, do louvor ininterrupto que ecoa no Céu.
Esse bom senhor é chamado de Onipotente e Altíssimo porque esses são os títulos e as qualidade de Deus. Altíssimo refere-se à Essência divina e Onipotente à “possibilidade universal”.
Sob outros aspectos os atributos de Deus fazem-se visíveis na criação desde que se tenha o coração purificado (cfr. Ef.1,18).
O nome de Deus é inefável e incomunicável porque Deus em sua essência é incognoscível e seu nome não pode ser nem conhecido nem pronunciado.
Essa visão das coisas é bíblica e cristã
Segue depois apresentando os outros destaques simbólicos como a lua, e as estrelas, o Irmão Vento, o ar, as nuvens, o sereno e todo o tempo.
Cap.III. Os caminhos espirituais Fundamentais
Há os elementos voltados para o conhecimento; outros que se ligam à atividade voluntária e afetiva, e outros ainda que são a origem de suas ações. Esta condição humana possibilita definir os caminhos pelos quais o homem traça a trajetória e metas de sua existência, percorrendo concomitantemente os três caminhos: espiritual, do conhecimento, da devoção (ou da oração).
- A primeira fase da vida espiritual é o caminho purificador no qual a alma enfrenta seus inimigos, liberta-se dos sentidos e prepara os caminhos de Deus.
- A segunda etapa da vida espiritual é o caminho iluminativo: a luz do Espírito Santo ilumina os que, pela fé, possuem o Cristo em seu coração.
- A terceira fase, enfim, é a união: o homem chega à plenitude do amor e do conhecimento de Deus. É deificado e se faz participante da natureza divina. carrega as marcas de Deus em sua própria vida. ( Chagas / estigmas)
Cap. IV. O Caminho da Ação
- O caminho da ação impõe-se a todos os homens pelo fato de serem os homens dotados de faculdades de ação próprias para se integrarem na vida espiritual.
- A ação do homem só tem sentido se ela for finalizada por um aspecto sacrificial ou ritual, o que quer dizer que ela deve se integrar em uma perspectiva devocional ou contemplativa que a ultrapassa, mas lhe dá todo o seu sentido.
- Nesta perspectiva a Terra é o símbolo da Morte, e o Ar é o símbolo do Combate espiritual.
1. A Terra é o símbolo da morte: Nesse caminho a terra é o símbolo da morte; da terra fomos tirados, (Gen. 2, 7) e a ela retornaremos (Gen. 3, 19). A certeza da morte fortifica em nós o sentimento da precariedade do mundo criado. Se a velhice, o sofrimento e a morte testemunham o caráter efêmero da vida humana, ao mesmo tempo nos incitam a procurar o que não está submetido ao nascimento e à morte, “O homem cujos dias são como o feno, assim se murchará como a flor do campo” (Salmo 103, 15-16).
O desapego dos bens do mundo é a única atitude razoável para o homem espiritual que na terra não passa de um peregrino e de um viajante que não tem morada permanente.
A contemplação dos grandes espetáculos da natureza reforça nele o sentimento de sua pequenez, e lhe faz ver a indiferença do cosmos quanto ao destino dos seres que o povoam.
O tempo é breve: Os que usam deste mundo são como se dele não usassem, porque a figura desse mundo passa. (1Cor. 7, 29-31).
2. O AR, é o símbolo do combate espiritual: Quando se fala de combate espiritual não se trata de somente se retirar deste mundo e de fugir do mal. É necessário afirmar a presença do Divino e praticar o bem.
É necessário tomar a armadura de Deus e vestir-se com a couraça da justiça. (Ef. 6, 13-17).
Como Filhos da Luz e filhos do Dia, sejamos sóbrios e vigilantes e nos revistamos com a couraça da fé e da caridade na esperança da salvação. (1Tes. 5, 5-8).
Não temos que combater somente a carne e o sangue, mas temos que lutar contra os Principados e Potestades, contra os governadores dessas trevas do mundo, contra os espíritos das malícias espalhados pelos ares… “Tomai a armadura de Deus, para que possais resistir ao dia mau e estar completos em tudo” (Ef. 6. 12-13).
3. A Água, símbolo da Paz: Uma extensão de água calma que reflete o céu azul é o símbolo da Paz.
A Paz é o estado da alma convicta da presença Divina e, se a como for, do amor espontâneo que ela tem pelo divino que está presente nela.
A paz é o estado de contentamento do homem resignado e completamente submisso à vontade Divina, que o preserva de toda ambição espiritual. (Lc. 17, 7-10).
A paz reflete a filiação divina: ‘Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados Filhos de Deus” (Mt. 5, 9).
Sob um outro modo de ver, a água é símbolo de pureza, de regeneração corporal, psíquica e espiritual (lembrando o banho batismal que nos purifica).
4. O Fogo, símbolo do amor: O fogo sempre foi símbolo do amor e da Caridade: do amor de Deus e do próximo.
No caminho da ação ele significa as boas obras feitas para os outros (o próximo) em razão do amor que se tem a Deus! É em nome de Jesus que devemos fazer o bem.
O julgamento final não será pautado pelos milagres que tivermos feito, mas se guiará pelo que fizermos ou não fizermos (omissão) ao nosso próximo. (Mt 25, 31-46).
5. A Lua, símbolo do sacrifício: A lua, cuja luz desaparece desde que o sol se levanta, é o símbolo do sacrifício oferecido a Deus.
Além do sacrifício eucarístico, que é fundamental no cristianismo, toda ação, todo trabalho, podem ser oferecidos a Deus como sacrifício.
Recebem com isso um caráter sagrado pelo retorno que operam para aquele que é a origem de tudo.
Cada um, segundo a graça que recebeu, comunique-a aos outros como bons despenseiros das diferentes graças que Deus nos dá…
6. O Sol, símbolo da ascese: O sol é o símbolo da divindade e, no caso particular do caminho da ação, simboliza a ascese que vai das simples austeridades até o martírio (físico ou mental), suportado por amor ao Evangelho.
“Eu vim trazer fogo à terra e que quero eu, senão que ele se acenda? ” (Lc 12, 49) “Porque todos serão salgados no fogo” (Mc. 9- 49).
O caminho do Cristo é doce, e o fardo que Ele impõe é leve. “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim eu sou pobre e humilde de coração, e achareis descanso para vossas almas” (Mt 11. 28-30).
Cap. V. O Caminho da Devoção (Oração)
No caminho da devoção ou oração a Terra é o símbolo de Pureza fecunda, enquanto o Ar lembra a ação do Espírito Santo em seus dons. A Água é o símbolo da beleza e o Fogo é o símbolo da Bondade/ A Lua simboliza a noite mística, enquanto o Sol é o símbolo da União transformadora, na qual culmina e se ultrapassa o caminho da devoção.
Cap. VI. O Caminho do Conhecimento
O caminho do conhecimento corresponde no cristianismo, a um ensinamento preciso do Evangelho de São João: “A vida eterna, porém, consiste em que eles conheçam por um só verdadeiro Deus a Ti e a Jesus Cristo que tu enviaste” (Jo 17. 3).
A Libertação pelo conhecimento é também ensinada: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo. 8. 32). A libertação pelo conhecimento é a identificação do ser e do conhecer, ou ainda a realização metafísica que supõe a transformação do conhecimento virtual ou teórico em conhecimento verdadeiro, onde conhecedor, conhecimento e conhecido são apenas um. Esse conhecimento, porém, não é apenas um simples sistema de conceitos: é a verdade, traduzida no comportamento do discípulo e como uma compreensão existencial do ensinamento divino: “Aquele que pratica a verdade achega-se para a luz” (Jo.3, 21).
Os símbolos nos diversos caminhos
A Irmã Terra: símbolo da morte//: a pureza fecunda//: natureza
O Ar: símbolo do combate espiritual//: os dons do E. Santo//: a Escritura inspirada
A Água: símbolo da paz//: beleza//: sacramental e maternal
O Fogo: símbolo o Amor//:bondade// luz e conhecimento
A Lua: símbolo do sacrifício//:noite mística//: treva divina e sacrifício
O Sol: símbolo da Ascese// União transformadora//: deificação
Frei Anacleto Luiz Gapski


