Lucas 1, 26-38
Frei Almir Guimarães
Somos viajantes no tempo da vida. Nascemos no seio de uma família, crescemos, caminhamos, descobrimos outras pessoas, convivemos, cantamos, alegramo-nos, vamos tentando descobrir o sentido de existir. O tempo é dom e mistério. Um dia após o outro e passos que vamos dando. Temos, no entanto, uma convicção muito dolorida. Paulo, o apóstolo, já havia escrito a respeito de um dilaceramento que existe em nós: queremos o bem e fazemos o mal, não queremos o mal e é o mal que praticamos. Verificamos esse fato em nossa história pessoal: nossos amores e nossos ódios, nossas manifestações de carinho e nos ímpetos de destruir os outros à nossa volta. Parece que uma força destruidora nos habita. Parece realmente que somos herdeiros de um desequilíbrio que a todos afeta. Somos seres dilacerados. “Adão, por que te escondes?” E Adão que, antes da falta, caminhava nu pelo Paraíso,teve consciência de que seu coração entrara numa terrível desordem.
Maria, aquela que viria a ser a Mãe de nossa esperança, o Filho do Altíssimo, desde o primeiro momento de sua concepção, foi preservada da desordem, do desequilíbrio interior. Rodopiamos em torno de nós mesmos, dobramo-nos diante de ídolos. Maria, aquela que seria o receptáculo humano da divindade, chama-se precisamente Imaculada, sem mancha, sem desordem interior. Ela perdurou o tempo de sua viagem na limpidez do coração: a serva do Senhor, queria que ela se fizesse a vontade de Deus. A mulher do sim. Agraciada é claro, mas alguém que colaborou com a graça. Deus sonhou com uma mulher toda transparência para ser a Mãe de seu Filho. Ela foi um sonho de Deus.
Ela poderia assim se exprimir: “Aqui estou eu diante de ti, Altíssimo, com minha história e minha trajetória. Sou filha de um povo de fé. Que em mim se faça a vontade do Altíssimo. O que nascer de mim vem de mim e vem do desígnio amoroso de Deus. O Senhor fez em mim maravilhas. Não tenho outro desejo senão ser a serva do Altíssimo. O que se opera em mim é obra do amor. O Senhor fez em mim a maravilha de um coração reto apenas desejoso dele. O Senhor, de fato, fez em mim maravilhas”.
“Que direi, que elogio farei da Virgem ilustre e preclara? Ela é superior a todos, com exceção de Deus; por natureza é mais formosa que os querubins, serafins e todo o exército angélico. Nem a língua do céu, nem a da terra, ou mesmo a dos anjos são suficientes para louva-la. É santíssima Virgem, pomba pura, esposa celeste, Maria, céu, templo e trono da divindade! O Cristo, sol que resplandece no céu e na terra, te pertence! Eis a nuvem luminosa que fizeste descer do céu o Cristo, raio brilhante para iluminar o mundo. Ave, cheia de graça, porta do céu, da qual o autor do Cântico declara entusiasmado em seu discurso: “És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada (Ct 4, 12). A Virgem é o lírio imaculado que gerou o Cristo, rosa imarcescível. Ó santa Mãe de Deus, ovelha imaculada, que deste à luz o Cordeiro, o Cristo, o Verbo encarnado em ti. Ó Virgem santíssima que encheste de espanto os exércitos angélicos! Prodígio estupendo nos céus: uma mulher revestida de sol, trazendo nos braços a luz! Prodígio estupendo nos céus: o tálamo nupcial acolhendo o Filho de Deus! Prodígio estupendo nos céus: o Senhor dos anjos se tornou o Filho da Virgem. Os anjos acusavam Eva; agora cobrem Maria de glória, pois ergueu Eva de sua queda e fez entrar no céu Adão que fora expulso do paraíso. É ela a medianeira do céu e da terra, nela se realizou a sua união” (Santo Epifânio, bispo, Lecionário Monástico I, p, 562-563).
“Deus deu a Maria o seu próprio Filho, único gerado de seu coração, igual a si, a quem amava como a si mesmo. No seio de Maria formou seu Filho, não outro qualquer, mas o mesmo, para que, por natureza, fosse realmente um só e o mesmo Filho de Deus e de Maria! Toda a criação é obra de Deus, e Deus nasceu de Maria. Deus criou todas as coisas e Maria deu à luz Deus! Deus que tudo fez, formou-se a si próprio no seio de Maria. E deste modo refez tudo o que tinha feito. Ele que pode fazer tudo do nada, não quis refazer sem Maria o que fora profanado” (Santo Anselmo, bispo, Lecionário Monástico I, p. 553-554).
“Salve, Senhora santa Rainha, santa Mãe de Deus, Maria, virgem convertida em templo, e eleita pelo santíssimo Pai do céu, consagrada por ele com o seu santíssimo amado Filho e o Espírito Santo Paráclito; que teve e tem toda a plenitude da graça e todo o bem! Salve, palácio de Deus! Salve, tabernáculo de Deus! Salve, casa de Deus! Salve, vestidura de Deus! Salve, Mãe de Deus. E vós, todas as santas virtudes, que pela graça e iluminação do Espírito Santo sois infundidas no coração dos fiéis, para, de infiéis que somos, nos tornardes fiéis a Deus” ( São Francisco de Assis).
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.