“Existe uma entidade não-dimensional de amor, e ela dá significado a todos nós – não pela obediência, mas pela pura irresistibilidade”, escreve Brendan MacCarthaigh, c.f.c., religioso, que trabalha na Índia há mais de 50 anos, em artigo publicado por La Croix International, 18-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo (http://www.ihu.unisinos.br).
Eis o artigo.
Como a espécie da raça humana teve um longo caminho para seguir para se tornar orgulhosa do que se diz ser, homo sapiens, até homo sapiens technologicens.
Quando em nossa idade adulta nós nos deparamos com “sobre o que é isso tudo?”, nós nos encontramos sem respostas. Todas as outras espécies parecem claras a respeito disso, mas nós não.
Filósofos vem e vão, suas teorias duram um tempo, e então alguém encontra um “mas”. Teólogos mais ainda. Mesmo os evangelistas. Vejam nós. Religiões estão rindo hostilmente uma das outras, política idem, e nosso comportamento insistentemente justificado é mortalmente infantil.
Isso parece, para mim, que a raiz de toda a nossa miséria é nosso Deus.
A covid-19 está nos ajudando a identificá-la mais de perto.
Você não precisa ser um historiador para reconhecer que nós criamos Deus. Houve tribos com chefes, houve monarquias com reis, eles vieram de alguma forma para se verem com Direitos Divinos e até mesmo poderes, que se traduziam em autoridade sobre a vida e a morte de todos os corpos e almas em seu território.
Modelando-se em monarcas e monarquias, os líderes religiosos deram a si mesmos infalibilidade e autoridade para decidir o que você poderia ou não ler, fazer, e mesmo após a morte – sob ameaça de punição horrível: uma noção que ainda é amplamente aceita.
Nós inventamos e tomamos decisões sobre conceitos como eternidade, infinito, onisciência, onipotência, infalibilidade e assim por diante, e ainda os promovemos.
Além disso, insistimos que nós, quem quer que sejamos, estamos definitivamente certos sobre o significado do cosmos e de tudo o que nele há, e deduzimos – ilustrando nossa compreensão miserável até mesmo de legalidades elementares – que se eu estiver certo e você difere de mim, você está errado. Além do mais, por estar errado, você é culpado e deve ser alienado e/ou punido.
Você pode possivelmente resgatar sua liberdade de viver entregando sua liberdade à Nossa maneira de responder “Sobre o que é isso tudo”, caso contrário, você está condenado de maneiras tanto corporais quanto políticas, religiosas, sociais, relacionais e assim por diante.
Mas nem tudo está perdido: você ainda pode retornar ao redil executando certos ritos e rituais e, portanto, está livre para fazer o mesmo novamente. E de novo.
A experiência humana convenceu o mundo inteiro da preeminência do amor
Enquanto tivermos um Deus, não vejo como podemos escapar dessa situação horrível. Nada do que escrevi acima o surpreende.
Cada um de vocês vai insistir que não é assim em sua interpretação particular de seu Deus particular, mas com um pouco de reflexão, você se verá obrigado a ceder. Se você optou pelo ateísmo – simplesmente não existe Deus – sua posição é totalmente consistente e inteligente.
Mas te deixa desconfortável: essa coisa da morte se intrometer, insiste em uma resposta melhor do que depois dela não deve haver nada.
Como me parece, e eu disse algo útil (espero) sobre isso na reflexão anterior, o cerne de toda a vida humana é a tensão entre o medo e o amor.
A combinação de causas químicas e outras que levaram ao surgimento da pessoa humana contém em si essas duas forças, o medo e o amor. Se você insiste em usar o conceito de criação – eu seguro meu pé nisso – então o Big Bang foi criado.
Eu admito, não sei o que exatamente ele significa, mas acho que se espalha em dimensões muito além de nossa experiência cósmica de agora.
Mas deixe-me seguir minha interpretação: a experiência humana convenceu o mundo inteiro da preeminência do amor sobre todos os fenômenos humanos em termos de realização.
Esqueça sua incompreensibilidade essencial: nós o experimentamos de inúmeras maneiras e continuamos fazendo isso. Outra maneira de fazer essa afirmação é, envolve dimensões que não podemos especificar.
E isso me levou a afirmar que todo o amor que o cosmos experimenta, em cada ser natural, é ele mesmo o repositório de tudo que cada um aspira como realização de sua vida. Demos a ele o nome de amor. Nós o diminuímos usando o nome de Deus, mas isso é realmente o que Deus significa em nosso contexto: amor.
Certamente não sou o primeiro a tocar nessa base, e você mesmo poderia citar muitas escrituras para reforçá-la.
Mas eu penso que quando nós diminuímos essa referência do amor a Deus, nós então capturamos o monstro encolhido nessas páginas. Isso não é qualquer pessoa, muito menos a trindade ou um infinito disso, ou daquilo.
Existe uma entidade não-dimensional de amor, e ela dá significado a todos nós – não por obediência, mas por pura irresistibilidade. Onde essa não é a nossa percepção, fomos enganados.
E isso é o que nós fazemos para nosso mundo, nós precisamos nos livrar do Deus como atualmente o promovemos, e trazer de volta a completude do amor. Ou então o medo vencerá. Deus abençoe.