Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp.
Os crucificados importam a Deus porque na própria missão de seu filho já está implícito o risco da morte. Tudo o que Jesus disse e fez traz a terrível consequência do preço da morte. Seu jeito de anunciar o Pai é desestabilizador. Há algo no ministério de Jesus altamente perigoso e desconcertante, e isso nos custa a aceitar.
Joseph Moingt defende duas ações, não isoladas, do ministério de Jesus que foram contundentes no seu destino de crucificado: as refeições com os pecadores e publicanos e as curas praticadas em dia de sábado. Para o primeiro ato, Jesus revela algo inédito em relação à religião vigente: a compaixão com as pessoas vítimas de diversos interditos religiosos de então. Isso foi interpretado como contestação às práticas de exclusão praticadas pelos chefes do Templo. Já para o segundo ato, o curar em dia de sábado, Jesus deixa claro que a lei religiosa está abaixo das obrigações de serviço ao próximo. Para os que viviam do sistema religioso estas duas ações foram avassaladoras. Algo teria que ser feito, este homem não pode continuar vivo. Ele se tornou alguém perigoso, pois está revelando um Deus totalmente diferente daquele pregado pela religião oficial.
Porém, o golpe final ainda estava por vir. Jesus abala a estrutura hierárquica do Templo ao transferir a presença de Deus para o seu próprio corpo. Agora não é mais o santo dos santos o lugar da presença divina, mas o corpo dele, o qual carrega todas as nossas enfermidades e doenças. Deus vem ao homem, entra no coração dele, por meio da fé: “A tua fé te salvou”. Um corpo de um jovem galileu, marginalizado desde o seu nascimento, torna-se definitivamente o novo templo onde todos, e não mais alguns, podem ter acesso ao Pai. O que é mais terrível nisso tudo para os chefes religiosos é saber que muitos do povo estão encontrando Deus não mais na esfera do religioso, mas no profano, no secular, até então estigmatizado como impuro. O corpo de Jesus transita no cotidiano, tocando as existências malditas e esquecidas pela religião do Templo. Porém, agora Deus confunde os entendidos e quer estar no concreto da vida, lá nos porões escuros, ali onde ninguém podia admitir que Ele se revelaria. Subversivo, não?
Os líderes religiosos viram nesta denúncia que Jesus fez ao sistema do Templo algo extremamente perigoso pelo simples fato de emergir um novo tipo de ligação com Deus. Esta nova forma perigosa desmascara as pretensões hegemônicas da religião, pois agora é o Reino, não uma religião étnica, que busca incluir a todos. Além do mais, ele denuncia a influência totalitária da religião sobre a vida dos indivíduos. Segundo Moingt, “A religião (não o judaísmo) matou Jesus, ou seja, não era o judaísmo, tomado em si mesmo, que estava em questão, era mais que isto, era a essência mesma da religião tal como se realizava sob as diversas figuras em todos os tipos de instituições religiosas”. (J. Moingt, Deus que vem ao homem, v. I, p. 314).
Segue-se daí o seu tipo de morte. Não pode receber a sentença dos que creem na religião. Se ele insistiu tanto na profanidade e não no sagrado institucional, então deve receber o sinal dos profanos: a cruz. A cruz deverá ser para ele, simplesmente, o resultado de toda a sua pregação que desfez a imagem oficial de Deus. Não pode ser assassinado como um crente, mas um blasfemo que libertou a Deus da gaiola religiosa dos chefes do povo. Justo aqui reside a novidade da revelação: os crucificados importam a Deus porque a cruz se transforma em novo lugar de epifania. “A cruz é, assim, o lugar fora da religião, a cruz é certamente o lugar no qual ele devia morrer assim como tinha vivido” (J. Moingt, p. 317). E ele viveu com os excluídos, com os pecadores, ímpios e mesmo malditos. Os crucificados adquirem a categoria de bem-aventurados porque Deus os escolheu para revelar-se como Pai. Eles são tão importantes que se tornaram lugar teológico de revelação, justo pelo fato do filho de Deus ser o crucificado por excelência.
Para você, os crucificados têm algum valor? Onde eles entram na sua relação com Deus? Eles não são uma categoria sociológica, mas a via de revelação, pois lá onde tem gritos, gemidos, lágrimas, abandono, esquecimento, injustiça, Deus está silenciosamente sendo crucificado para nos recordar a sua preferência revolucionária. Amemos os crucificados de todos os tempos!
Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp, é missionário passionista e mestre em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente reside em Camaragibe – PE, no Seminário para a etapa do Postulantado dos Passionistas.