Pe. Ademir Guedes Azevedo
A sociedade de consumo investe tempo para produzir e propagar a ideia de que só é possível realização pessoal se cada um entrar nesta onda desenfreada, no intuito de conquistar a chamada “autonomia”. No entanto, tudo isso tem um preço: a família é sacrificada, as relações pessoais são esquecidas e o cuidado de si mesmo é banalizado; consequentemente, a vida torna-se vazia e mecânica. Perde-se a criatividade e a capacidade de contemplar e de ouvir. Assim, inculca-se o ideal de produtividade a partir do que cada um consegue fazer mais, sempre competindo com o outro. Surgem as cobranças e o tempo é usado para produção de coisas. O ser humano deixa de ser reconhecido como uma pessoa e torna-se uma máquina. Enquanto ele pode produzir, será útil. Se não tem mais força, então torna-se descartável.
O Evangelho enxerga o ser humano não a partir daquilo que ele consegue produzir mais do que os outros. A lógica evangélica relaciona-se com a Graça. Não é por um mérito que se avalia o sujeito. Vê-se isso na parábola do patrão que sai convidando operários para a sua vinha (cf. Mt 20,1-16). No final do dia, aqueles que foram contratados por último receberam o mesmo pagamento dos que foram contratados por primeiro. Hoje, isso soa estranho aos que são educados na lógica do mercado. Como é possível alguém que trabalha menos, ganhar a mesma quantia de quem trabalha mais?
Mateus propõe uma lógica bem diferente daquela que estamos acostumados a avaliar e a medir os outros. Nessa parábola, o evangelista enfatiza o Reino de Deus como dom e não como uma mercadoria. O capitalismo considera os mais fortes e astutos, que usam da inteligência para elaborar estratégias, que estudam e trabalham mais. Porém, o Reino de Deus tem outra lógica e abre a porta para quem aceita o convite. Não exige diplomas, nem qualificação profissional. A única sabedoria que esse reino valoriza é a da cruz. O diploma essencial é aquele que se recebe na escola da comunidade. A atitude fundamental não parte de estratégias financeiras, mas reside unicamente no amor.
Nesta parábola de Mateus, os primeiros trabalhadores ficam indignados com o patrão quando percebem que ele pagou a mesma quantia aos que foram convocados por último. A tradição cristã interpretou esses primeiros trabalhadores como sendo os judeus, pois eles foram os primeiros a serem chamados. São mais velhos na fé no Deus de Israel. Mateus está sempre em diálogo com aqueles que legislavam as leis. No entanto, apresenta Jesus contestando toda forma de farisaísmo. Para ele, Jesus dá plenitude a lei, sem aboli-la. O Mestre ensina a viver na esperança do Reino de Deus. As vezes pensamos que Deus ama mais aqueles que estão mais próximos dele. Mas essa parábola apresenta a gratuidade como fonte de tudo. Enquanto a sociedade de consumo fomenta cada vez mais o ideal do super-homem, o evangelho continua insistindo na graça e não no mérito! Por isso, “meus pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor.” (Is 55,8).
Tudo isso serve para refletirmos sobre o modo de ser e agir dos discípulos de Jesus no mundo de hoje, pois tudo indica que a forma atual que este chegou não é obra de Deus. Trata-se de um mundo que aos poucos se corrompe pela ação humana, principalmente com o avanço da técnica que causa enormes catástrofes. Estamos no mundo e precisamos viver nele na ótica do Evangelho, assumindo sempre os compromissos que edificam uma fraternidade universal. Por isso, a gratuidade deve ser mais forte que a competitividade mercantil; a lógica que mede as relações por meio da produtividade deve ceder lugar à caridade que enxerga sempre a pessoa e não o seu nível de produção. Esse é o paradigma cristão que precisamos ter como norma de vida!
Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp, é missionário passionista e mestre em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente reside em Camaragibe – PE, no Seminário para a etapa do Postulantado dos Passionistas.