O texto sobre o qual vamos refletir hoje é Lc 21,25-28.34-36. A Igreja propõe a leitura de textos apocalípticos e escatológicos (fim dos tempos) no tempo litúrgico do Advento, tempo de espera para celebrar o Natal, bem como de catequese espiritual. Por que refletir sobre catástrofes, fim do mundo como preparação para celebrar a memória do nascimento de Jesus e a promessa de sua nova vinda, chamada de Parusia? Trata-se de medo ou de modo de apresentar o triunfo de Deus sobre a história humana?
Primeiro, uma breve explicação do advento, palavra latina que significa “uma vinda, aproximação ou chegada”. Nas religiões do império romano, advento simbolizava a visita de uma divindade ao seu templo, bem como de pessoas ilustres e imperadores às cidades e províncias do império. Foi a partir do século IV que o cristianismo passou a utilizar o termo advento para celebrar o Natal, visto que já estava bem conhecido o uso do termo também grego, Parusia, para falar da segunda vinda de Cristo.
Alguns símbolos acompanham a liturgia nos quatro domingos que antecedem o Natal. Uma coroa, construída de forma circular para significar o amor de Deus que não tem fim. O verde das folhas simboliza a vida e a esperança em Deus com a vinda de Jesus para nos salvar. Já as quatro velas, três roxas e uma rosa, significam a luz de Cristo que vem para nos iluminar. Roxo é preparação, purificação. A cor rosa é a alegria, por isso, ela é acessa no terceiro domingo do advento. Esperança, paz, alegria e o amor é o que representa cada vela.
Dito isso, procuremos entender o que a comunidade lucana quer nos dizer, sua relação com a linguagem apocalíptica. Jesus havia dito para os seus discípulos que chegaria um dia em que o imponente e luxuosos templo de Templo de Jerusalém seria destruído, não ficaria pedra sobre pedra (Lc 21,5-7). Eles, então, lhe perguntaram quando aconteceria isso, e qual sinal apareceria para indicar que essas coisas estariam para acontecer (Lc 21,5-7).
A resposta de Jesus está em Lc 21,25-28.34-36, passagem que anuncia o terror, o desastre ecológico que espalharia medo por toda parte. Na verdade, ninguém e nem Jesus sabia o dia do fim, isto é, da libertação desse mundo com suas estruturas injustas. Ele disse que estaria próximo, mas quando? Você acredita no fim do mundo? Tem medo do fim do mundo?
Na verdade, estamos diante de uma linguagem apocalíptica. Trata-se de um modo de pensar judaico que entrou no cristianismo. No modo de pensar apocalíptico há dois mundos, o de cima e o de baixo. No céu está tudo perfeito, mas no mundo cá de baixo, não. Por isso, ele vai ser destruído. Muitos acreditavam no modo como a sociedade romana estava organizada, com suas hierarquias.
Nós conhecemos o Apocalipse, o último livro da Bíblia. Na verdade, existem dezenove outros livros apocalípticos apócrifos do Primeiro Testamento, os quais não foram considerados inspirados pelos judeus e cristãos.[1] Esses apocalipses narram visões, revelações de viagens de personagens aos céus ou aos infernos, onde se encontram com anjos, com Deus, com as almas dos mortos e até com o Anticristo. O objetivo dessas revelações e visões é mostrar que a justiça de Deus vai salvar a história humana que está em crise. A partir de um fim catastrófico do mundo, determinado por Deus, um novo tempo de salvação paradisíaca há de chegar para os israelitas justos sobreviventes e pela ressurreição para os demais. Deus inaugurará uma história única, a terrestre e a celeste, sem as estruturas sociais e políticas. Há também nove apocalipses apócrifos do Segundo Testamento. São revelações, de cunho gnóstico, aos apóstolos. Eles também defendem a liderança apostólica e gnóstica de Pedro. Também a Tiago. irmão do Senhor, o Senhor faz revelações de cunho gnóstico e judaico-cristão. Tiago sofrerá no retorno de sua alma para o Pleroma, Deus. Ele tem medo, mas Jesus o conforta.
No século V, temos o testemunho de um texto apócrifo intitulado de Apocalipse de Tomé. Escrito em latim, ele dá continuidade ao pensamento judaico apocalíptico. Na Alta Idade Média (séc. V-X), Apocalipse de Tomé foi bem difundido na Europa. Trata-se de coisas reveladas a Tomé que acontecerão nos últimos sete dias: fome, guerra, terremotos em diversos lugares, neve, gelo, secas, muitas doenças nos povos, sacerdotes sem paz entre si e mundanos. Grandes sinais no céu aparecerão, e os seus poderes serão abalados. Portanto, esse modo de ver o mundo de cima e o de baixo nunca deixou de acompanhar o nosso modo de pensar. Ainda pensamos apocalipticamente. Poucos são os que não têm medo do fim do mundo.
Jesus afirma que os poderes serão abalados na ordem geral, no cosmo. Ele fala em ficar de joelhos e de pé. A preocupação em manter a situação como está nos impede de transformar a realidade. Quem estava ao lado da ordem estabelecida ficava de joelho diante dos sistemas políticos, religiosos, econômicos e sociais. Jesus nos pede para ficar de pé diante do Filho do Homem, isto é, de Deus encarnado, de ter orgulho de ser Filho de Deus, de mudar o que precisa ser mudado. Estar de cabeça erguida diante do sistema que mataA sabedoria de Jesus consiste em entender que na roda da vida tudo gira, tudo muda, nada é eterno. Só Deus é Eterno! Essas palavras de Jesus desconcertam o nosso modo de viver. Jesus apresenta as mudanças que virão.
Nossas normas e regras serão derrocadas. Em nossos dias, seria como insistir em manter a submissão da mulher ao homem, porque sempre foi assim. Não podemos mudar o modo de nos relacionarmos afetivamente, pois isso não faz parte da estrutura homem e mulher. O Papa Francisco chama a atenção para a questão do amor acima de tudo em todas as estruturas. Aceitar o diferente! Jesus nos desafia a não nos conformarmos com os esquemas preestabelecidos que temos em nossas mentes e nas estruturas sociais e religiosas.
Para além de ficar esperando o fim do mundo, mudemos nossas estruturas sociais, nosso modo de ser, pensar e de se relacionar. A indiferença em relação ao outro e as injustiças retardam a vinda de Jesus. O Apocalipse é logo ali! O Natal está perto! Entremos no clima natalino, não o do consumo, mas o da Esperança, da paz, da alegria e do amor. Amém!
Frei Jacir de Freitas Faria