Frei Jacir de Freitas Faria [1]
A cada doze de outubro, o Brasil católico celebra o dia de Nossa Senhora Aparecida, nossa padroeira, assim como o “Dia das Crianças”. Mãe e filhos se encontram. No texto que inspira a nossa reflexão Jo 2,1-11, nas bodas de Caná, a mãe Maria propicia o encontro de Jesus com a sua missão. No milagre de Aparecida, no ano 1717, pescadores recolhem das águas do rio Paraíba do Sul uma imagem negra de Nossa Senhora da Conceição, que ficou conhecida como Nossa Senhora Aparecida.
Como no evangelho de Jo 2,1-11, o contexto era também de uma festa. No vale do Paraíba, donos de fazendas estavam oferecendo uma festa para o futuro governador da capitania de São Paulo e Minas de Ouro, Dom Pedro Miguel de Almeida. Pescadores pescam uma quantidade suficiente de peixes para alimentar os convidados dessa a festa, assim como a imagem que mudou o rumo da região.
A festa em Caná era de um casamento. Estavam Jesus e Maria como convidados e o vinho tinha acabado. E era somente o terceiro dia de uma festa que durava sete dias. Jesus transforma água em vinho. O que isso significa?
Maria pede ao seu Filho que resolvesse a situação. O seu objetivo era fazer com que Jesus fizesse o seu primeiro sinal como Salvador, o Messias que viria libertar Israel. Uma nova etapa na vida de Jesus estava iniciando. Um Novo Testamento, uma Nova Aliança estava sendo apresentada aos convidados por iniciativa de Maria.
O Primeiro Testamento, as tábuas da Lei, esteve representado pelas talhas de pedras. Jesus é o novo Moisés que inaugura um novo tempo. O vinho, naquele tempo, era o sinal de alegria nas festas, símbolo do amor nos casamentos, sinal de que a justiça da Lei estava sendo cumprida. No evangelho de João, Jesus é o novo esposo de Israel que, simbolicamente estava celebrando a sua festa de matrimonio com Israel. Jesus, depois de Caná, realizou outros seis sinais, os quais revelam a sua pessoa e missão.
A mãe, sabedora do papel do filho no novo Israel, pede para ele resolver imediatamente a questão, pois a festa não podia terminar e as promessas divinas nele deveriam se cumprir. Sendo Jesus o Messias, Ele passa a ser o esposo que deveria, por obrigação cultural, oferecer vinho durante a festa.
A resposta de Jesus não é muito elegante com a mãe, ao dizer-lhe: “Que queres de mim, mulher? A minha hora ainda não chegou.” (v.4). A hora de Jesus é a sua morte que o levaria à ressurreição. Maria nem se importa com a sua resposta e diz aos criados que façam tudo que ele ordenar. Muitos já explicaram o fato de Jesus não se dirigir a Maria como mãe, mas como mulher, dizendo que mulher, aqui representa a nova Eva, a mulher mãe de Israel, a esposa de Jesus, os novos judeus seguidores do Messias Jesus.
Não temos como discordar dessas afirmativas. No entanto, vale lembrar que tradição dos evangelhos apócrifos, no evangelho de Nicodemos, ao relatar esse mesmo episódio, diz que Jesus ao receber os criados com talhas de água enviadas por Maria, balança a cabeça, encolhe os ombros e diz rindo aos criados: “Faça o que ela está pedindo. Que filho pode negar um pedido de mãe? O melhor será atendê-la o quanto antes, porque senão irá insistir até conseguir o que quer. E disse aos criados: Enchei as talhas de água!”[2]
O relato apócrifo aparece mais lógico. Maria é a mãe que adianta a hora do filho. Nela estão todos que acreditaram e acreditam em Jesus, como Filho de Deus. Ela nos revela que seu Filho é o próprio vinho novo, o esposo da nova humanidade, simbolicamente representada pelas seis talhas de pedra. O seis relembra o dia da criação do ser humano (Gn 1,26), bem como a imperfeição, o incompleto. A besta do apocalipse é representada com o número 666. Por serem de pedras, as talhas recordam as tábuas da lei selada entre Deus e povo, na pessoa de Moisés, o “tirado das águas”. Agora, é Jesus, o novo Moisés, que pede para colocar água nas talhas e a transforma em vinho.
Jesus realizou o seu primeiro sinal e nele a glória de Deus. E todos crerem, mas quem roubou a cena no evento foi Maria. Não por menos, ela deveria aparecer também em nosso país. Ela é a Aparecida do Norte, do Brasil e de todos os cristãos, de modo especial, para os de fé católica. Que a mãe de Aparecida, a mesma Maria do Magnificat, cubra o nosso Brasil com seu manto de ternura e traga a paz para seu povo de outrora, Israel e Palestina, que estão guerra.
[1]Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze. Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos. https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ
[2] FARIA, Jacir de Freitas, História de Maria, mãe e apóstola de seu filho, segundo os evangelhos apócrifos. 3ª reimpressão. Petrópolis: Vozes, 2022, p 106.