Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Nossa responsabilidade para com o planeta Terra

17/07/2007

                                                                                                                                                               Imagem ilustrativa (fonte: Canva)

Frei Sinivaldo S. Tavares, OFM

As conclusões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) vieram confirmar o que já temíamos: o “aquecimento global”, provocado pelo modo de produção e de consumo humanos, representa um dado irreversível. Não se trata, infelizmente, de um alarme falso, mas sim de uma constatação baseada em dados empíricos recolhidos pelos milhares de cientistas espalhados em 130 paises que compõem o IPCC, organismo ligado à ONU. Até então julgávamos ser suficiente preservar e cuidar da Terra com compreensão, compaixão e amor, atentos a não ultrapassar o limite intransponível que, uma vez transposto, modificaria o estado da Terra. A partir de agora, todavia, duas estratégias se nos apresentam com urgência: adaptar-se à nova situação e minorar os efeitos maléficos.

Diante da gravidade desta situação, enquanto cristãos, não podemos fugir à incisividade de algumas questões: como testemunhar o evangelho de Jesus Cristo numa época caracterizada por esta atitude antropocêntrica selvagem? Inseridos numa cultura, que reduz as criaturas a meros objetos do arbitrário e egocêntrico bel-prazer de uma parcela pequena da humanidade, como celebrar a comunhão agápica significada na Eucaristia? Estas são indagações que, sufocadas muitas vezes no mais íntimo de nós, deveriam mais e mais conquistar expressão e voz, a fim de dobrar corações enrijecidos e mentes obscurecidas pela vontade de um progresso desmedido e irresponsável.

Neste contexto precisamente, a consideração acerca da intrínseca dimensão cósmica do Mistério da Encarnação do Verbo da Vida resulta não só plausível, mas particularmente relevante. Pois o mistério da Encarnação desvela, em última instância, a dimensão intimamente crística de toda a Criação. Segundo o testemunho das Escrituras sagradas, é por meio de Cristo que todas as coisas foram criadas e é por seu intermédio que todas as coisas, no vigor do Espírito, retornam a Deus Pai, único princípio e fim da criação. A relação que intercorre entre Jesus Cristo e a inteira criação é, portanto, dúplice: Ele é, por um verso, o primogênito de toda criatura e, por outro, o recapitulador da inteira realidade criada.

Pelo fato de que tudo quando existe tenha sido criado n’Ele, por Ele, para Ele e por meio d’Ele, Jesus Cristo é, para todos os efeitos, o primogênitoc de toda criatura (cf. Cl 1,12-20). Cristo foi estabelecido pelo Pai como primogênito, porque, na verdade, somente n’Ele e por meio d’Ele a realidade inteira recupera seu verdadeiro sentido, seu significado mais profundo. A Encarnação emerge, então, como o sentido interno da criação. O sentido mais remoto, bem como a finalidade mais precípua da inteira realidade criada e de cada uma das criaturas, torna-se presente em Jesus Cristo, o primogênito entre muitos irmãos e irmãs. Compreendida assim, a Encarnação emerge como o horizonte de sentido no interior do qual repousa a complexidade do cosmos inteiro.

Se a Criação encontra sua razão de ser no mistério da Encarnação, então é também verdade que cada criatura, apesar de ínfima e insignificante, carrega em si, impressos, traços do Filho unigênito de Deus. Existe, neste sentido, um parentesco cósmico entre a inteira realidade criada e Jesus Cristo. O mistério do Verbo que se fez carne emerge como a perfeita explicitação desta íntima relação entre Deus e as criaturas, pois constitui o cumprimento do desígnio terno e amoroso do Criador. O mistério da Encarnação é, por excelência, expressão deste parentesco cósmico. Importa, neste caso, resgatar o valor perene desta dimensão intrinsecamente crística da inteira realidade criada.

Jesus Cristo é também o recapitulador universal, o reconciliador, conforme atesta o hino litúrgico de Ef 1,9-10: “E assim, ele nos deu a conhecer o mistério de seu plano e sua vontade, que propusera, em seu querer benevolente, na plenitude dos tempos realizar: o desígnio de, em Cristo, reunir todas as coisas: as da terra e as do céu”. Isto pressuposto, nada mais conseqüente do que reconhecê-lo como o recapitulador, aquele que levará a realidade inteira à plenitude, ao seu mais perfeito cumprimento. Isto significa dizer que é precisamente em Jesus Cristo que cada criatura encontra sua máxima realização. N’Ele e através d’Ele, a inteira realidade criada redescobre sua mais íntima vocação: criaturas de Deus, vocacionadas à comunhão plena com Ele. Em Cristo somos, de fato, predestinados a sermos pessoas humanas novas e a participar plenamente, juntamente com todas as criaturas que também serão transfiguradas, da glória do Deus criador (cf. Rm 8,28s).

Enquanto prolongamento do mistério da Encarnação no aqui e agora de nossa experiência de fé, a Eucaristia constitui o memorial permanente daquele singular gesto de Deus de abraçar cada uma das criaturas e de envolvê-las todas num único abraço, em Jesus Cristo e por meio d’Ele. Trata-se da atitude do Cristo de assumir, purificando e elevando, cada uma das criaturas e as criaturas todas como parte integrante do seu corpo. Nada escapa à força da presença de Deus que, no seu Filho Jesus Cristo, alcança e penetra a inteira realidade criada, sem anular ou sufocar a singularidade de cada criatura.

A Eucaristia é, neste sentido, a prefiguração daquela realidade última que nos é dado esperar na fé, como promessa a ser cumprida. A realidade inteira será transfigurada na imagem bíblica dos novos céus e da nova terra e nós seremos transformados em seres humanos novos. Seremos, graças à íntima presença e ação do Espírito Santo, conformados cada vez mais à imagem e semelhança do Filho Unigênito do Pai. Da mesma forma a história e o cosmos inteiro serão transfigurados no Reino de Cristo, mediante a ação interior e eficaz do Espírito Santo que faz novas todas as coisas. Esta é a razão pela qual os textos do Segundo Testamento concebem a ação peculiar do Espírito de Deus como cristificação das pessoas, da história e da totalidade do cosmos.

A corporeidade de Cristo, cuja memória se atualiza na celebração eucarística, é aquele nó capaz de unir mediante um vínculo estreito a existência de cada pessoa humana à história da inteira humanidade e ainda a todo o cosmos, e isto graças ao mistério da Encarnação do Filho de Deus. A expressão “corpo de Cristo” exprime os reais alcances desta inter-relação: 1) corpo enquanto expressão da vida de Jesus compreendida na totalidade de seus gestos e de suas palavras, culminados na entrega suprema do próprio corpo como verificação de sua inteira vida e da credibilidade de sua mensagem; 2) “Corpo de Cristo” entendido como cada pessoa que se conforma a Cristo, fazendo da própria vida uma oblação agradável a Deus; 3) “Corpo de Cristo” enquanto seu corpo histórico, a Igreja, comunidade daquelas pessoas que vivem a partir da consciência de que a pregação e o testemunho de Jesus, que adquiriram singular credibilidade na sua paixão e ressurreição, continuam acontecendo na história das pessoas e do mundo; 4) “Corpo de Cristo” enquanto história que se quer construir, passo a passo, segundo os valores do Evangelho até a plena emergência do Reino de Deus; 5) “Corpo de Cristo”, enfim, enquanto inteira criação na sua complexidade, obra que o Pai realiza mediante o Espírito Santo que inabita o inteiro cosmos, obra de transformação deste mundo no único “corpo de Cristo”.

Estas são as reais extensões do Corpo de Cristo propiciadas pela Ressurreição do Crucificado e pela Efusão do Espírito Santo sobre a comunidade dos fiéis. E é precisamente na celebração eucarística que experimentamos a relação íntima e profunda que existe entre estas distintas dimensões do “corpo de Cristo”. O corpo de Cristo eucarístico recolhe em si todas estas distintas dimensões lembradas acima, respeitando e valorizando cada uma delas na sua singularidade, numa complexa tessitura em que os fios se entrelaçam como em uma teia.

O antropólogo e místico jesuíta, Pe. Teihard de Chardin, autor do célebre texto A Missa sobre o Mundo, escreve: “Quando Cristo desce sacramentalmente em cada um de seus fiéis, não é apenas para conversar com ele […]; quando ele diz, por meio do sacerdote: ‘Hoc est corpus meum’, essas palavras transbordam o pedaço de pão sobre o qual são pronunciadas: elas fazem nascer o Corpo místico inteiro. Para além da Hóstia transubstanciada, a operação sacerdotal estende-se ao próprio Cosmo. […] A Matéria toda sofre, lenta e irresistivelmente, a grande Consagração”.

João Paulo II, na encíclica Ecclesia de Eucharishia, n. 8, em tom de confidência, escreve: “Este cenário tão variado das minhas celebrações eucarísticas, faz-me experimentar intensamente o seu caráter universal e, por assim dizer, cósmico. Sim, cósmico! Porque, mesmo quando tem lugar no pequeno altar de uma igreja de aldeia, a Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo. Une o céu e a terra. Abraça e impregna toda a criação. O Filho de Deus fez-se homem para, num supremo ato de louvor, devolver toda a criação Àquele que a fez surgir do nada. Assim, Ele, o sumo e eterno Sacerdote, entrando com o sangue da sua cruz no santuário eterno, devolve ao Criador e Pai toda a criação redimida”.Não se tornariam mais perceptíveis ainda, nesta perspectiva, os meandros sutis daquela trama que o Poverello tecia com singular imaginação criativa,entrelaçando o “Cântico das Criaturas”, o “Sacramento do Corpo e do Sangue do Senhor” e o Mistério da Encarnação do Filho Unigênito de Deus que, por amor, se fez “pobre e crucificado”?

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