Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Não existem três tipos de amor: o ‘ágape, o philia e o eros’

16/09/2020

                                                                                                                       Imagem Ilustrativa (fonte: Canva)

Uma reflexão a partir de 1Cor 12,1-13

Prazer na comida e no sexo são divinos!

Frei Jacir de Freitas Faria[1]  

Amor e perdão têm relação? O perdão não existe na condição humana. Ele é criação das religiões. Nessa perspectiva, ele tem relação com o Sagrado. O Sagrado para nós, cristãos, é Deus. Deus é amor! Então perdoar é amar. Podemos concordar com o fato de que existem três tipos de amor? Como Jesus fez releitura do amor do Primeiro Testamento? Nosso ponto de partida é a explicação que Paulo fez do amor em 1Cor12,1-13. Ela nos coloca um desafio: “E seu eu não tivesse o amor?” Amor ou caridade? Algumas bíblias traduzem o grego para caridade. Está correto. Estamos falando a partir de um texto bíblico. Vou explicar melhor.

Para a Psicologia, valendo-se de substantivos gregos, afirma-se que são três os tipos de amor: o amor ágape, amor philia e amor eros. Comecemos pelo último, o amor eros, do qual deriva o adjetivo erótico. Esse é um tipo de amor. É o da posse que se materializa na atração pelo corpo do outro para satisfazer o desejo. Trata-se do amor que sente falta de algo, e quer ter a posse dele. Ao ser saciado, esse amor cessa. O amor philia (amizade) é o sentimento de simpatia natural que temos por alguém ou por familiares. Trata-se de um amor que exige presença do outro, de modo que, nas relações, ambos crescem e se complementam. E o amor ágape? É o amor incondicional, que não espera nada do outro. É um modo raro de amar. Ele é para poucos.  Para entender essa afirmativa, permita-me ater ao sentido bíblico do amor ágape, no  Segundo Testamento, onde ele aparece em três situações: a) é o amor de Deus em relação ao ser humano; b) é o amor do ser humano em relação a Deus; c) é o amor do ser humano em relação ao próximo. Como entender isso? Recorro ao livro do Deuteronômio, o qual define o amor em dois movimentos. Em Dt 4,7 encontramos a frase “Qual povo tem um Deus tão próximo?” Trata-se do amor incondicional de Deus por Israel. Em Dt 6,4-9, a profissão de fé israelita reza: “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e as tuas posses!” Trata-se do amor do israelita para com Deus. Nos dois casos, o amor não coloca condições. No Segundo Testamento, em Mt 22,37, fazendo referência a Dt 6,4-7, Jesus acrescenta outra condição para o amor ágape: amar o próximo como a ti mesmo, mesmo que esse próximo seja o teu inimigo.

A definição mais clara do amor ágape está em Cor12,1-13. Ele diz que o amor ágape é paciente, é bondoso, não é invejoso, não é vaidoso, não se ensoberbece, não faz nada de inconveniente, não é interesseiro, não se encoleriza, não guarda rancor; não se alegra com a iniquidade, mas se alegra com a verdade. É um amor incondicional. O amor é o que vai permanecer, pois ele é o Sagrado. Deus é esse amor e, porque nós somos imagem e semelhança de Deus, somos chamados a viver esse amor. E Paulo vai além: poderemos falar todas as línguas; termos o dom da profecia; conhecer todos os mistérios; saber toda a ciência; termos muita fé a ponto de transportar montanhas; doarmos todos nossos bens aos pobres; entregar-nos ao martírio. Podemos ter tudo isso, mas se não tivermos o amor, nada seremos. Paulo sabe o quanto é difícil vivenciar o amor ágape.

Pois bem, voltemos à pergunta inicial.  Há três tipos de amor? Não. Nós somos um misto de relações que se resume num único amor. O amor tem relação com Deus? Não. Uma pessoa que não tem religião pode viver um amor ágape. Sim, os três tipos de amor têm relação com Deus, na maioria das vezes, de forma negativa. Explico-me melhor. Infelizmente, o que se constata é que, muitas vezes, nós queremos possuir Deus, como no amor Eros, e descartá-lo, dependendo dos nossos interesses. Deus tem sido um objeto de consumo e prazer para o mercado da fé. O amor Philia nas comunidades, nas congregações religiosas, na Igreja tem sido, infelizmente, não um crescimento horizontal nas relações, mas espaço de competições, ciúmes, disputa de poder etc. O amor de uma mãe, que na essência, deveria ser ágape, não é, pois ela não aceitar perder o filho para a nora. Pais afirmam: “Criei os filhos com tanto amor e olha o que eles são”. Estamos saudosos do amor ágape. Ou será que ele nunca existiu entre nós? Longe de mim ser pessimista.

Para finalizar, quero dar voz às palavras de sabedoria do Papa Francisco, registradas no livro TerraFutura, publicado no último dia 9 de setembro de 2020. A fala de Francisco tem a ver com o amor eros e o amor ágape. Referindo-se ao prazer na comida e no sexo, o papa afirmou: “O prazer vem diretamente de Deus, não é católico ou cristão ou qualquer coisa, é simplesmente divino. O prazer de comer serve para nos manter saudáveis através da alimentação, assim como o prazer sexual é feito para tornar o amor mais belo e dar continuidade à espécie”. E Francisco ainda acrescentou que um dos mais belos filmes a que ele já assistiu foi a Festa de Babette. Para ele, esse filme é “um hino à caridade cristã, ao amor”. Veja que bela inspiração. Francisco, um papa, diz que o prazer no sexo é sagrado. Em outros tempos, um papa condenaria como herege um fiel que dissesse isso. Francisco coloca o prazer da comida e do sexo no patamar divino, que revela o Sagrado. Em síntese, ele disse que existe somente um único tipo de amor. O resto é pura especulação. E assim como o perdão, o amor nos eterniza.

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[1] Doutor em Teologia Bíblica pela Faje (BH); mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma); professor de Exegese Bíblica no Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA-BH). É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB), sacerdote Franciscano, autor de dez livros e coautor de treze. Último livro: O Medo do Inferno e arte de bem morrer: da devoção apócrifa à Dormição de Maria às irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte (Vozes, 2019).

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