Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Transfiguração do Senhor

Transfiguração do Senhor

Escutar só a Jesus

 

José Antonio Pagola

Jesus toma consigo seus discípulos mais Íntimos e os leva a uma “montanha alta”. Não é a montanha à qual o tentador o tinha levado para oferecer-lhe o poder e a glória de “todos os reinos do mundo”. É a montanha na qual seus mais íntimos vão poder descobrir o caminho que leva à glória da ressurreição.

O rosto transfigurado de Jesus “resplandece como o sol” e manifesta em que consiste sua verdadeira glória. Ela não provém do diabo, mas de Deus, seu Pai. Não se alcança pelos caminhos do poder mundano, mas pelo caminho paciente do serviço oculto, pelo sofrimento e a crucifixão.

Junto a Jesus aparecem Moisés e Elias, talvez como representantes da lei e dos profetas. Não têm o rosto resplandecente, mas apagado. Não se põem a ensinar aos discípulos, mas “conversam com Jesus”. A lei e os profetas estão orientados e subordinados a Ele.

Mas Pedro não consegue intuir o caráter único de Jesus: “Se queres, farei três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Ele coloca Jesus no mesmo plano que Moisés e Elias. A cada um sua tenda. Não sabe que Jesus não pode ser equiparado a ninguém.

É Deus mesmo que faz Pedro calar. “Ainda estava falando”, quando, entre luzes e sombras, ouvem sua voz misteriosa: “Este é meu Filho amado”. Ele tem o rosto glorificado pela ressurreição. “Escutai-o”. E a mais ninguém. Meu Filho é o único legislador, mestre e profeta. Não deveis confundi-lo com ninguém.

Os discípulos caem no chão “cheios de espanto”. Dá-lhes medo “escutar só a Jesus” e seguir seu caminho humilde de serviço ao reino até a cruz. É o próprio Jesus que os liberta de seus temores. “Aproximou-se” deles como só Ele sabia fazê-lo, “tocou-os”, como tocava os enfermos, e lhes disse: Levantai-vos, não tenhais medo” de escutar-me e de seguir só a mim.

Também nós cristãos de hoje temos medo de escutar só a Jesus. Não nos atrevemos a colocá-lo no centro de nossa vida e comunidade. Não o deixamos ser a única e decisiva Palavra. É o próprio Jesus que pode libertar-nos de tantos medos, covardias e ambiguidades se nos deixarmos transformar por Ele.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas desta Festa

Primeira Leitura – Daniel 7,9-10.13-14

9Eu continuava olhando até que foram colocados uns tronos, e um ancião de muitos dias aí tomou lugar. Sua veste era branca como neve e os cabelos da cabeça, como lã pura; seu trono eram chamas de fogo, e as rodas do trono, como fogo em brasa. 10Derramava-se aí um rio de fogo que nascia diante dele; serviam-no milhares de milhares, e milhões de milhões assistiam-no ao trono; foi instalado o tribunal e os livros foram abertos. 13Continuei insistindo na visão noturna, e eis que, entre as nuvens do céu, vinha um como filho de homem, aproximando-se do ancião de muitos dias, e foi conduzido à sua presença. 14Foram-lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos, nações e línguas o serviam: seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá.


Sl 96(97)
Deus é rei, é o Altíssimo, / muito acima do universo.

Deus é rei! Exulte a terra de alegria, / e as ilhas numerosas rejubilem! /
Treva e nuvem o rodeiam no seu trono, / que se apoia na justiça e no direito. – R.

As montanhas se derretem como cera / ante a face do Senhor de toda a terra; /
e assim proclama o céu sua justiça, / todos os povos podem ver a sua glória. – R.

Porque vós sois o Altíssimo, Senhor, † muito acima do universo que criastes, /
e de muito superais todos os deuses. – R.


Segunda Leitura – 2 Pedro 1,16-19

Caríssimos, 16não foi seguindo fábulas habilmente inventadas que vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, mas, sim, por termos sido testemunhas oculares da sua majestade. 17Efetivamente, ele recebeu honra e glória da parte de Deus Pai, quando do seio da esplêndida glória se fez ouvir aquela voz que dizia: “Este é o meu Filho bem-amado, no qual ponho o meu benquerer”. 18Esta voz, nós a ouvimos, vinda do céu, quando estávamos com ele no monte santo. 19E assim se nos tornou ainda mais firme a palavra da profecia, que fazeis bem em ter diante dos olhos, como lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o dia e levantar-se a estrela da manhã em vossos corações.

Palavra do Senhor.


Evangelho – Mateus 17,1-9

Naquele tempo, 1Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e os levou a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. 2E foi transfigurado diante deles; o seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz. 3Nisto apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus. 4Então Pedro tomou a palavra e disse: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. 5Pedro ainda estava falando quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra. E da nuvem uma voz dizia: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo meu agrado. Escutai-o!” 6Quando ouviram isso, os discípulos ficaram muito assustados e caíram com o rosto em terra. 7Jesus se aproximou, tocou neles e disse: “Levantai-vos e não tenhais medo”. 8Os discípulos ergueram os olhos e não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus. 9Quando desciam da montanha, Jesus ordenou-lhes: “Não conteis a ninguém esta visão até que o Filho do homem tenha ressuscitado dos mortos”.

Palavra da salvação.

Mergulhar com Jesus no mistério do Pai

Frei Ludovico Garmus, OFM (*)

A cena da transfiguração de Jesus acontece na viagem de Jesus a Jerusalém, onde seria preso, condenado à morte e crucificado. A viagem começa em Cesareia de Filipe, no extremo norte da tetrarquia de Herodes Filipe, onde Jesus faz uma pergunta crucial aos discípulos sobre sua pessoa e missão: “Quem as pessoas dizem que eu sou?”. “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro, em nome seu e dos discípulos confessa Jesus como o Cristo, o Messias tão esperado pelo povo. Pedro, certamente, pensava num Cristo, descendente do grande rei Davi, portanto, um Messias rei, que haveria de expulsar os dominadores romanos, instaurar um reino de justiça e reformar a religião judaica. Por isso pôs-se a repreender a Jesus quando ele começava a ensinar aos discípulos como seria a sua missão como Messias: “O filho do homem devia sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas, que devia ser morto e ressuscitar depois de três dias”. Jesus, porém, olhando para os discípulos, repreendeu a Pedro e chamou-o de Satanás, porque tentava desviá-lo da missão que o Pai lhe deu: “Tu não tens senso para as coisas de Deus, mas para as dos homens”.

Na sequência vem um convite de Jesus dirigido a quem deseja segui-lo a renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz, a por em risco a própria vida para salvá-la. E a viagem de Jesus rumo a Jerusalém continua, Jesus na frente, seguido pelos discípulos. De modo que “seis dias depois” chegam aos pés de um “monte alto e afastado”. Jesus gostava de lugares assim para rezar, para estar a sós com o Pai do Céu. Mas desta vez leva consigo três dos discípulos mais achegados: Pedro, Tiago e João. No passado, Moisés foi convidado a subir sozinho o monte Sinai, a fim de receber de Deus a Lei. Agora Jesus convida alguns discípulos para o acompanharem. Eles não sabiam o que ia acontecer. Mas Jesus os estava convidando a mergulhar com ele no mistério de seu Pai. Quis assim levantar um pouquinho o véu que encobria o mistério de sua identidade e de sua missão como Messias.

Marcos é sóbrio ao descrever a transfiguração, chamando a atenção apenas à extraordinária brancura das vestes de Jesus. Mais importante é o que diz sobre as figuras que aparecem em companhia de Jesus: “Apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus”.

Moisés, depois de libertar o povo do Egito, foi convidado por Deus a subir ao monte Sinai (Horeb). Foi envolvido pela nuvem que encobria o monte Sinai. Mergulhou no mistério de Deus durante quarenta dias e quarenta noites. Ouviu tudo o que Deus queria comunicar ao povo e pôs por escrito nas duas tábuas da Lei. Moisés estava acostumado a se encontrar com Deus e vivia na sua intimidade. Quando voltava para junto do povo depois destes encontros com Deus, ficava com o rosto marcado com um brilho extraordinário. Por isso, ocultava o rosto com um véu. Sobre Moisés o próprio Deus falou assim: “Ele é um homem de confiança em toda a minha casa. Com ele falo face a face, às claras e não por figuras; ele contempla o semblante do Senhor” (Nm 12,7-8).

Elias é o profeta que recebe mensagens de Deus e as comunica aos reis e às pessoas. É o profeta que teve um encontro especial com Deus no monte Horeb, o monte em que Deus havia revelado os dez mandamentos a Moisés. Elias e os profetas são pessoas que têm uma intimidade particular com Deus. São pessoas que intercedem junto a Deus em favor do povo e recebem diretamente de Deus as palavras que devem comunicar ao povo em seu nome. São pessoas que mergulham no mistério de Deus.

Estes dois personagens estão conversando com Jesus, assim como estavam acostumados a conversar com Deus. Jesus, para nós cristãos, é o Filho de Deus. Portanto, estão conversando com o Filho de Deus. Certamente, gostaríamos também nós de entrar nesta conversa ou de saber qual era o assunto sobre que conversavam. Marcos não nos revela o assunto da conversa, mas Lucas diz que “falavam de sua morte, que teria lugar em Jerusalém”. A cena era tão bonita que os discípulos até esqueceram o detalhe da morte da qual Jesus lhes falava e que o esperava em Jerusalém. Levado pelo entusiasmo, mas também pelo temor diante da visão sagrada, Pedro propõe a Jesus: “Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Foi só Pedro dizer isso, esquecendo o destino trágico do Mestre em Jerusalém, e a maravilhosa visão sumiu, encoberta por uma nuvem de sombra. O véu do mistério que envolvia a Jesus foi erguido apenas um pouquinho, mas logo tudo se recolhe ao mistério da nuvem. E desta nuvem ressoou uma voz, explicando o que acabavam de ver: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!” Jesus era o filho amado, querido de Deus, apesar da morte que o aguardava em Jerusalém. Mas seu destino final não seria o da morte e sim da glória da ressurreição. Aos discípulos, a todos nós, cabe escutar, ouvir bem os ensinamentos e explicações que o próprio Jesus está dando sobre sua missão e sobre a missão de cada cristão: que o Filho do Homem vai ser rejeitado pelos chefes religiosos, vai ser morto, mas ao terceiro dia vai ressuscitar; que o discípulo deve tomar a cruz todos os dias e segui-lo; que para ganhar a vida é preciso saber perdê-la por causa de Jesus e do Evangelho. Assim como os judeus escutam as palavras de Moisés e dos Profetas, agora os discípulos de Jesus devem também escutar e seguir as palavras e ensinamentos de Jesus. Para entender o que se passa no mistério da nuvem, símbolo do mistério de Deus, é necessário agora ouvir com fé os ensinamentos do próprio Jesus. É destes ensinamentos ouvidos e praticados no dia a dia da vida cristã é que vai brotando e se aprofundando o conhecimento de Jesus Cristo.

Terminada a visão, ao descerem da montanha, Jesus proíbe de falar aos outros, o que acabaram de ver e ouvir. “Até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos”. Diz o texto que eles obedeceram a ordem, mas entre si se perguntavam o que significaria “ressuscitar dos mortos”. Era difícil entender que Jesus como o Messias, confessado por Pedro e esperado por todo o povo, como o descendente real de Davi, não tomaria o poder em Jerusalém, como imaginavam. Mais difícil ainda era compreender que Jesus, após sofrer a morte, haveria de ressuscitar; que para ganhar a vida era necessário perdê-la. Era cedo demais para entender tudo isso. Somente seria possível uma compreensão mais exata da pessoa e da missão de Jesus depois de sua morte e ressurreição, e da experiência de sua presença viva na fé da comunidade pós-pascal. Era preciso escutar o que o próprio Jesus estava dizendo aos discípulos e diria, no futuro, no seio das comunidades cristãs que anunciavam e viviam a sua boa nova.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

A glória do Senhor passou pelo sangue redentor

Frei Clarêncio Neotti

Quando a oração diz que Jesus é o esplendor do Pai, diz o mesmo que glória do Pai. Também o estribilho do Salmo Responsorial (SI 97) da nossa missa fala do esplendor do rosto de Cristo, como glória do Pai. Seria muito difícil, senão impossível, imaginar glória sem luz. Por isso o evangelista diz que “seu rosto brilhava como sol e suas vestes se tornaram brancas como a luz” (v. 2). O mesmo Cristo que, na Última Ceia, disse: “Glorifica-me junto a ti, concedendo-me a glória que tinha junto contigo antes que o mundo fosse criado” (Jo 17,5), afirmou ser a luz do mundo (Jo 8,12; 9,5). No monte Sinai, Deus apareceu envolto em uma nuvem resplandecente como um fogo (Êx 24,15-17), falou do meio da nuvem e estabeleceu uma aliança com o povo por meio de Moisés. E Moisés aspergiu o povo com o “Sangue da aliança que o Senhor fez conosco” (Êx 24, 8). No monte da Transfiguração, “uma nuvem brilhante os envolveu”, e Deus falou do meio da nuvem, confirmou a divindade do Filho (v. 5).

A comparação não é minha é da Carta aos Hebreus: “Moisés, ao concluir a proclamação de todos os mandamentos da Lei, tomou o sangue e aspergiu com o sangue não só o próprio livro, mas também todo o povo, dizendo: “Este é o sangue
do testamento que Deus nos ordenou” (Hb 9,19-20). E a Carta aos Hebreus acrescenta a famosa frase: “Não há remissão sem efusão de sangue” (Hb 9,22). Os Apóstolos seriam os mensageiros da nova Aliança de Deus com o novo Povo. O sangue a ser derramado pela remissão dos pecados seria o sangue do próprio Filho de Deus.

Parece evidente pela narração de Mateus que os Apóstolos não entenderam logo o significado da Transfiguração. E o máximo que eles viram da glória do Senhor foi ‘na medida de sua possibilidade’, como lembra a oração litúrgica bizan-
tina; de sua possibilidade agora. Porque, mais tarde, eles se tornaram as testemunhas da morte e ressurreição do Senhor (At 3,15).


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

A glória ilumina a cruz

Pe. Johan Konings, SJ

A festa da Transfiguração é fortemente celebrada na Igreja Oriental, que contempla muito o Cristo glorioso no seu caminho de sofrimento: a glória ilumina a cruz.

Esta é também a impressão ao se ler o evangelho de hoje, especialmente em Mc 9,2-10 (ano B), no início da seção que apresenta as três predições da paixão (Mc 8,32-34; 9,30-32; 10,32-34). Parece que a Transfiguração é a resposta antecipada ao escândalo da cruz: Pedro em 8,32 rejeita a cruz, mas é convidado por Jesus a presenciar a Transfiguração, sinal de união de Jesus com o Pai e manifestação da autoridade de Jesus, que toma os traços do Filho do Homem glorioso, o executor do plano de Deus e fundador de seu Reino conforme Dn 7,13-14. Contudo, os discípulos não compreendem; só à luz da ressurreição compreenderão (9,10).

Já os outros evangelistas acentuam os traços que caracterizam seus respectivos escritos. Mateus 17,1-9 (ano A) insiste muito na aprendizagem dos discípulos. Não menciona sua incompreensão, pelo contrário, mostra Jesus animando-os a ir a caminho (Mt 17,7). A visão da glória do Senhor deve ser, também para nós, um estímulo para seguir confiantes pelo caminho do discipulado: “Levantai-vos, não tenhais medo”.

Em Lc 9,28-36 (ano C) o aspecto de mistério é mais forte. Lucas explicita o detalhe de Moisés e Elias que conversam com Jesus. Em 2Rs 2, Elias é arrebatado ao céu, e a crença judaica acreditava que o corpo de Moisés tinha sido levado ao céu. Assim, Moisés e Elias são as testemunhas celestiais que aparecem a Jesus em oração (9,29-31). Falam a Jesus, em diálogo celestial, sobre o “êxodo” (saída) que ele devia levar a termo em Jerusalém. Jerusalém é muito acentuada no evangelho de Lc, sobretudo na parte central que aqui inicia, apresentada como uma grande viagem de Jesus a Jerusalém. Pois é em Jerusalém que o mensageiro de Deus deve ser rejeitado, mas é de lá também que a palavra do anúncio sairá para o mundo inteiro, como Lucas mostra no seu segundo livro, Atos dos Apóstolos.

Lucas menciona também que não apenas a nuvem (= presença de Deus) cobriu os discípulos, mas que eles entraram na nuvem, ainda que cheios de temor (Lc 9,34). Isso foi interpretado pelos grandes místicos como o entrar na escuridão mística, o largar as certezas humanas para presenciar a manifestação de Deus em Jesus Cristo. Em sentido semelhante podemos interpretar o mal-entendido de Pedro, que quer erguer três tendas, uma para Jesus, uma para Moisés e uma para Elias. Isso seria humano demais. A “Tenda” por excelência é a própria nuvem da presença de Deus, que está em Cristo Jesus (cf. a shekiná da mística judaica).

Assim, esta festa nos convida a deixar-nos envolver pelo mistério do Filho no qual o Pai coloca todo seu beneplácito e ao qual devemos unir-nos em obediência para com ele realizar o plano que o Pai lhe confiou com os plenos poderes do Filho do homem (cf. I” leitura).

Onde possível, seria bom celebrar hoje a missa segundo o rito oriental, com aquela solenidade que lembra a glória do céu aparecendo na terra.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella