Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Todos os Fiéis Defuntos

Todos os Fiéis Defuntos

Contemplarei o Senhor na Terra dos viventes

 

Frei Clarêncio Neotti

Temos três formulários para a Missa de hoje. Os três centrados no mistério pascal de Cristo, mas cada um com acento especial. O Celebrante pode escolher um deles e, se celebrar três Missas, como é costume multissecular, não precisa necessariamente usar um formulário depois do outro. O primeiro formulário realça o tema da fé e da esperança em Deus e no Cristo redentor, que nos darão a plenitude da vida. O verso do Salmo responsorial resume bem o tema: “Contemplarei a bondade do Senhor na terra dos viventes” (Sl 27,13). O segundo esquema sublinha a espera da vinda gloriosa do Senhor e a derrota da morte. De novo é o Salmo responsorial que faz a síntese: “Não se decepcionarão os que esperam em ti” (Sl 25,3). O terceiro formulário, que privilegiamos neste ano, ressalta o comportamento cristão durante a vida, em vista da escatologia, isto é, em vista da morte, que o espera, e da glorificação prometida. O Salmo responsorial destaca bem essa perspectiva: “A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivente” (Sl 42,3). Ou ainda o último versículo do Evangelho: “Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5,12).

A comemoração dos Mortos está muito bem posta junto à festa de Todos os Santos. As duas estão ligadas pela fé e pela esperança no destino eterno da criatura humana, redimida por Jesus Cristo. Os santos lembram a meta alcançada, em que não precisam mais da fé e da esperança, porque tudo é amor (1Cor 13,8). A celebração de hoje é toda tecida de esperança e fé e, por isso, bastante voltada para as boas obras realizadas por nossos mortos ou que devemos fazer nós, para alcançar a coroa da vida eterna (Ap 2,19). São Pedro expressou bem essa fé e essa espera/esperança, quando escreveu: “O Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, em sua grande misericórdia, regenerou-nos para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo dos mortos, para uma herança incorruptível, incontaminada e imarcescível, reservada nos céus para nós” (1Pd 1,3-4).

Pertencemos ao Senhor

A morte é o caminho necessário de todos os viventes (1Rs 2,2). Caminho que termina em Deus, de onde, um dia, saímos.

Se o Antigo Testamento não teve clareza com o que acontece ao ser humano depois da morte, o Novo Testamento é claro: Cristo conseguiu a vitória sobre a morte e levou a criatura a participar da vida incorruptível e eterna de Deus. O mesmo Senhor, que nos deu a vida, dá-nos a morte. “Tu. Senhor, tens poder sobre a vida e sobre a morte” (Sb 16,13). O mesmo Senhor, que nos criou por amor, acolhe-nos para um amor infinito, para uma perfeita comunhão com ele. São Pedro expressa–o com palavras fortes: “Fugindo da corrupção, tornamo-nos participantes da natureza divina” (2Pd 1,4).

Nossa vida e nossa morte pertencem ao Senhor (Eclo 11,14). Os bens que do Senhor recebemos e os bens que fizemos são do Senhor, embora tenham frutificado para nós. Nós inteiros, corpo e alma, pertencemos ao Senhor. São Paulo escreveu aos Romanos: “Se vivemos, é para o Senhor que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14,8). Por isso, a melhor atitude diante da morte é deixar-nos ficar serenamente na mão de Deus, como o fez Jesus, no momento em que morria na Cruz: “Nas tuas mãos, Senhor, entrego-me!” (Lc 23,46). A morte é um encontro festivo do amor divino e da vida humana. São Paulo mostra-se incisivo: “É preciso que este corpo corruptível se revista de incorrupção e que este ser mortal se revista de imortalidade” (1Cor 15,53). A morte é a ponte entre a bela vida terrena e passageira para a belíssima vida celeste, divina e eterna.

A figura da ponte nos lembra que há uma ligação entre os dois lados. Embora os mortos não possam retornar, nós formamos com eles uma comunhão, o que significa que há uma possibilidade de comunicar-nos com eles. Não no sentido de eles poderem aparecer, mas no sentido de nos podermos ajudar mutuamente. Ensina-nos o Concilio: “A união dos que estão na terra com os irmãos que descansam na paz de Cristo, de maneira nenhuma se interrompe, ao contrário, conforme a fé perene da Igreja, vê-se fortalecida pela comunicação dos bens espirituais. Pelo fato de os habitantes do céu estarem unidos mais intimamente com Cristo, consolidam com mais firmeza na santidade toda a Igreja, enobrecem o culto que ela oferece a Deus aqui na terra e contribuem de muitas maneiras para a sua mais ampla edificação” (Lumen Gentium, 49). Os mortos nos podem ajudar. Cito ainda o Concílio: “Por sua fraterna solicitude, a nossa fraqueza recebe o mais valioso auxílio” (Lumen Gentium, 49). Mas nós também podemos ajudá-los com nossa oração pessoal e comunitária, sobretudo com a Missa, mistério de morte e ressurreição, em que comungamos, como diz a primeira Oração Eucarística, “o Pão da vida eterna e o Cálice da nossa salvação”.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos para este domingo

Primeira Leitura: Sabedoria 3,1-9 ou 1-6.9

A Palavra que ouviremos, fonte de água viva, revela-nos que Deus tem em suas mãos a vida dos justos. Jesus se faz próximo de quem sofre, e, em seu toque cheio de compaixão, descobrimos que Deus está sempre visitando seu povo.

[A forma breve está entre colchetes.]

Leitura do livro da Sabedoria – [1A vida dos justos está nas mãos de Deus, e nenhum tormento os atingirá. 2Aos olhos dos insensatos parecem ter morrido; sua saída do mundo foi considerada uma desgraça, 3e sua partida do meio de nós, uma destruição; mas eles estão em paz. 4Aos olhos dos homens parecem ter sido castigados, mas sua esperança é cheia de imortalidade; 5tendo sofrido leves correções, serão cumulados de grandes bens, porque Deus os pôs à prova e os achou dignos de si. 6Provou-os como se prova o ouro no fogo e aceitou-os como ofertas de holocausto;] 7no dia do seu julgamento hão de brilhar, correndo como centelhas no meio da palha; 8vão julgar as nações e dominar os povos, e o Senhor reinará sobre eles para sempre. [9Os que nele confiam compreenderão a verdade, e os que perseveram no amor ficarão junto dele, porque a graça e a misericórdia são para seus eleitos.]

Palavra do Senhor.


Salmo Responsorial: 41(42)

A minha alma tem sede de Deus e deseja o Deus vivo.

  1. Assim como a corça suspira / pelas águas correntes, / suspira igualmente minha alma / por vós, ó meu Deus! – R.
  2. A minha alma tem sede de Deus / e deseja o Deus vivo. / Quando terei a alegria de ver / a face de Deus? – R.
  3. Peregrino e feliz caminhando / para a casa de Deus, / entre gritos, louvor e alegria / da multidão jubilosa. – R.
  4. Enviai vossa luz, vossa verdade: / elas serão o meu guia; / que me levem ao vosso monte santo, / até a vossa morada! – R.
  5. Então irei aos altares do Senhor, / Deus da minha alegria. / Vosso louvor cantarei ao som da harpa, / meu Senhor e meu Deus! – R.
  6. Por que te entristeces, minha alma, / a gemer no meu peito? / Espera em Deus! Louvarei novamente / o meu Deus salvador! – R.

Segunda Leitura: Apocalipse 21,1-7

Leitura do livro do Apocalipse de São João – Eu, João, 1vi um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. 2Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus, vestida qual esposa enfeitada para o seu marido. 3Então, ouvi uma voz forte que saía do trono e dizia: “Esta é a morada de Deus entre os homens. Deus vai morar no meio deles. Eles serão o seu povo, e o próprio Deus estará com eles. 4Deus enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem choro, nem dor, porque passou o que havia antes”. 5Aquele que está sentado no trono disse: “Eis que faço novas todas as coisas. 6Eu sou o alfa e o ômega, o princípio e o fim. A quem tiver sede eu darei, de graça, da fonte da água viva. 7O vencedor receberá essa herança, e eu serei seu Deus, e ele será meu filho”.

Palavra do Senhor.


Evangelho: Lucas 7,11-17

Aleluia, aleluia, aleluia.

Eu sou a ressurreição, / eu sou a vida, eu sou; / não morrerá para sempre / quem crê em mim, seu Senhor!

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas – Naquele tempo, 11Jesus dirigiu-se a uma cidade chamada Naim. Com ele iam seus discípulos e uma grande multidão. 12Quando chegou à porta da cidade, eis que levavam um defunto, filho único; e sua mãe era viúva. Grande multidão da cidade a acompanhava. 13Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: “Não chores!” 14Aproximou-se, tocou o caixão, e os que o carregavam pararam. Então, Jesus disse: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” 15O que estava morto sentou-se e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe. 16Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus, dizendo: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo”. 17E a notícia do fato espalhou-se pela Judeia inteira e por toda a redondeza.

Palavra da salvação.

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

Frei Ludovico Garmus

Comemoração de todos os fiéis falecidos

III Missa

Oração: “Ó Deus, fizestes o vosso Filho único vencer a morte e subir ao céu. Concedei a vossos filhos e filhas superar a mortalidade desta vida e contemplar eternamente a vós, Criador e Redentor de todos”

1 Primeira leitura: Sb 3,1-9

Foram aceitos como ofertas de holocausto

O livro da Sabedoria foi escrito no Egito, entre os anos 30 a.C. e 41 d.C., por um judeu de Alexandria, onde havia uma florescente comunidade judaica. A comunidade sofria perseguições, pois a maioria dos judeus não possuía direito de cidadania. Apenas os judeus mais ricos, que falavam grego, conseguiam o direito e eram isentos de pagar impostos. Os judeus mais pobres eram obrigados a pagar pesadas taxas. A comunidade estava, portanto, dividida entre judeus de cultura e costumes gregos, mais liberais, e os que falavam o aramaico e eram fiéis ao judaísmo. Em nosso texto há um conflito dentro da comunidade judaica entre os ímpios/insensatos e os justos, tema recorrente nos salmos (Sl 1). Os ímpios, mais próximos dos saduceus do Templo, não acreditavam na vida após a morte, enquanto os justos, mais próximos dos fariseus, acreditavam na ressurreição dos mortos (cf. At 23,6-10). Ο texto começa com uma afirmação de fé: “A vida dos justos (falecidos) está nas mãos de Deus”; portanto, não ficarão para sempre na morada dos mortos, como pensam os ímpios. Para estes, a vida dos justos é uma desgraça, pois não souberam aproveitar os prazeres que a vida oferece, e consideram a morte deles como uma tragédia. Na realidade, porém, os justos estão tranquilos na paz de Deus, como a criança saciada no colo de sua mãe (cf. Sl 131). Os pequenos sofrimentos a que foram submetidos são uma prova de que são dignos de Deus. De modo algum se comparam com a glória que a sabedoria divina preparou para os que o amam (cf. 1Cor 2,9). Os que confiam em Deus e perseveram no seu amor experimentarão sua graça e misericórdia.


Salmo responsorial: SI 41

A minha alma tem sede de Deus e deseja o Deus vivo.


2 Segunda leitura: Ap 21,1-58.6b-7

A morte não existirá mais.

A Segunda leitura inicia a visão que contém a última revelação do livro do Apocalipse, recebida pelo vidente. Ele vê um “novo céu e uma nova terra”. Na concepção bíblica, a expressão “céu e terra” engloba toda a realidade que existe entre os dois extremos. Indica a totalidade do mundo até então conhecido. A nova realidade substitui a anterior, marcada pelo pecado, pela violência e pela morte, derrotadas pelo Cordeiro. A nova realidade se caracteriza pela ausência do mal e presença do bem. A nova Jerusalém desce do céu, isto é, vem de Deus, e está vestida como uma noiva, para celebrar o casamento com o Cordeiro. Uma voz que sai do trono (Deus) explica o que é este casamento: “Esta é a morada de Deus entre os homens” (cf. Ap 7,15: Segunda leitura do 4 Domingo da Páscoa, Ano C). “Deus vai morar no meio deles”, como já morou em Jesus de Nazaré (cf. Jo 1,14; Mt 1,23). “Serei o seu Deus, e ele será o meu filho” (Ap 21,7). É a imagem da união conjugal que me-Thor expressa a comunhão de amor, entre Deus e o seu povo (cf. Ef 5,21-33). Nesta nova realidade não haverá mais morte, nem luto ou dor. Será a plena realização do Reino de Deus, anunciado por Jesus. Ele, o Cordeiro imolado, agora sentado no trono, é a garantia deste novo céu e nova terra: “Eis que faço novas todas as coisas” (Evangelho).

Aclamação ao Evangelho

Eu te louvo, ó Pai Santo, Deus do céu, Senhor da terra. Os mistérios do teu Reino aos pequenos, Pai, revelas!


3 Evangelho: Mt 5,1-12ª

Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus.

Nas bem-aventuranças Mateus explicita o programa do caminho a seguir aqui na terra para ganharmos a “grande recompensa nos céus (v. 10 e 12). Em respeito à tradição judaica, Mateus evita pronunciar a palavra “Deus” e a substitui pela palavra “Céus”. Assim, o “Reino dos Céus” em Mateus equivale a “Reino de Deus” em Marcos e em Lucas. O “Reino dos Céus” não se identifica com a recompensa final da vida eterna em Deus (cf. Mc 10,17-30). Antes, é o caminho que Jesus preparou para o cristão percorrer nesta vida, a fim de ganhar a vida eterna. A primeira bem-aventurança já diz: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus”.

Entre os bem-aventurados, Mateus cita três grupos (Raul Ruijs). O primeiro grupo é dos sofredores: os pobres, os aflitos, os mansos (humildes) e os que têm fome e sede de justiça (v. 3-6). O segundo grupo é dos que socorrem os necessitados do primeiro grupo: são os misericordiosos, os puros de coração e os que promovem a paz (v. 7-9). O terceiro grupo é composto pelos do primeiro e do segundo grupo, que vivem o projeto do Reino de Deus, anunciado e vivido por Jesus. São perseguidos porque são solidários com os pobres, os aflitos, os humildes e injustiçados e os defendem. São caluniados e perseguidos pelo simples fato de serem cristãos.

Não podemos pensar que a formulação de algumas bem-aventuranças no futuro signifique algo que o próprio Deus vai realizar somente na vida eterna, sem a nossa participação. Deus enviou seu Filho ao mundo para nos trazer o Reino de Deus, o reino que pedimos no Pai-nosso. Jesus pôs em prática o programa deste reino que veio anunciar. Quem quer seguir o caminho de Jesus deve assumir também o seu programa. Assim, os aflitos serão consolados quando nós os consolarmos. Os mansos possuirão a terra quando nós lutarmos com eles. Os que têm fome e sede de justiça serão saciados quando nós os defendermos. Os miseráveis e pobres alcançarão misericórdia quando nós tivermos compaixão deles. Os fiéis defuntos pelos quais hoje lembramos procuraram seguir o exemplo de Jesus e colocaram em prática as bem-aventuranças. Ele é o modelo para todos nós: “Jesus percorria todas as cidades e aldeias ensinando nas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando toda enfermidade e doença. Vendo o povo, Jesus sentiu compaixão dele porque estava cansado e abatido como ovelhas sem pastor” (Mt 9,35-36). Vamos também nós cuidar de nossos irmãos sofredores, mostrando a eles o amor misericordioso de nosso Bom Pastor.

Os sofrimentos causados pela pandemia da covid-19 nos deram a possibilidade de viver o caminho do Reino de Deus, proposto por Jesus nas bem-aventuranças.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

É bom crer

José Antonio Pagola

Muitas vezes se pensa que a fé é algo que tem a ver com a salvação eterna do ser humano, mas não com a felicidade concreta de cada dia, que é o que precisamente agora nos interessa. Além disso, há os que suspeitam que sem Deus e sem religião seriamos mais felizes. Por isso é conveniente lembrar algumas convicções cristas que caíram no esquecimento ou ficaram encobertas por uma apresentação errada ou insuficiente da fé. Eis a seguir algumas delas.

Deus nos criou só por anos, não para seu próprio proveito ou penando em seu interesse, mas buscando a nossa felicidade. A única coisa que interessa a Deus é o nosso bem.

Deus quer a nossa felicidade não só a partir da morte, na assim chamada “vida eterna, mas agora mesmo, nesta vida. Por isso está presente em nossa existência potenciando nosso bem, nunca nosso dano.

Deus respeita as leis da natureza e a liberdade de ser humano. Não força a liberdade humana nem a criação. Mas está junto de nós apoiando nossa luta por uma vida mais humana e atraindo nossa liberdade para o bem. Por isso, em cada momento contamos com a graça de Deus para sermos o mais felizes possível.

A moral não consiste em cumprir leis impostas arbitrariamente por Deus. Se Ele quer que demos ouvidos às exigências morais que levamos dentro do coração, é porque seu cumprimento é bom para nós. Deus não proíbe o que é bom para o ser humano nem obriga ao que pode ser prejudicial. Ele só quer o nosso bem.

Converter-se a Deus não significa decidir-se por uma vida mais infeliz e fastidiosa, mas orientar a própria liberdade para uma existência mais humana, mais sadia e, em última análise, mais feliz, ainda que isso exija sacrifícios e renúncia. Ser feliz sempre tem suas exigências.

Ser cristão é aprender a “viver bem” seguindo o caminho aberto por Jesus. As bem-aventuranças são o núcleo mais significativo e “escandaloso” desse caminho. Caminha-se para a felicidade com coração simples transparente, com fome e sede de justiça, trabalhando pela paz com entranhas de misericórdia, suportando o peso do caminho com mansidão. Este caminho traçado nas bem-aventuranças leva a conhecer já nesta terra a felicidade vivida e experimentada pelo próprio Jesus.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Finados

Johan Konings, S.J.

A Igreja considera o 1º de novembro – Todos os Santos dia santo de guarda, mas os fiéis “guardam” o dia 2, Finados que inclusive é feriado nacional. Por quê?

O povo dá mais importância à oração pelos familiares falecidos do que à celebração dos santos gloriosos. Acha que os parentes falecidos lhe estão mais próximos e precisam mais de oração. Por isso, Finados ganha de Todos os Santos. Também, o povo sofrido é mais sensível ao pensamento do sofrimento e da morte do que ao da glória. Glória, nunca conheceu, sofrimento, sim. (Por isso, celebra mais a Sexta-feira Santa que a Páscoa da Ressurreição!)

Mas os falecidos, não são santos também? Se não fossem santos, isto é, pertencentes ao “Santo”, a Deus, que sentido teria rezar por eles. Para aliviar as penas do purgatório? Mas isso tem sentido apenas porque já estão encaminhados para Deus. Só lhes falta o “acabamento”! A 2ª leitura de hoje diz que os batizados já co-ressuscitaram com Cristo. Se já somos “filhos de Deus” e ainda não se manifestou o que seremos (2ª leitura de Todos os Santos), os que já percorreram o caminho são santos, pertencem a Deus, mesmo se ainda lhes falta alguma purificação. A festa de Todos os Santos e o Dia dos Finados são uma coisa só: inclui toda a Igreja militante, padecente e triunfante. Se estamos convencidos disso, estes dias não se tornam dias tristes, mas dias para curtirmos o pensamento da glória e da paz que recebem os que procuram, durante sua caminhada na terra, o rosto amoroso do Pai.

Os santos “acabados” – a Igreja triunfante e os santos “em fase de acabamento” – as almas do purgatório são solidários com os que ainda estamos a caminho da santidade, a Igreja militante aqui na terra. Esta é a comunhão de todos os santos, que hoje celebramos. Temos presentes os que nos precederam, não nos fixando na sua imperfeição, mas no destino glorioso que lhes foi designado por Deus. Assim recordamos os nossos pais, que nos derrama vida e a fé cristã, os nossos irmãos e amigos que lembramos com grata saudade, por todo o bem que nos fizeram. E pensamos também em todos aqueles que estão ainda a caminho, os que estamos lutando lado a lado. Pois a “Igreja pelejante” aqui na terra é a que mais precisa das nossas preces.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão de Frei Diego Atalino de Melo