Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Solenidade de Pentecostes

Solenidade de Pentecostes

Ou mudamos muito ou estragamos tudo

 

Frei Gustavo Medella

“Se tirais o seu respiro, elas perecem e voltam para o pó de onde vieram. Enviais o vosso Espírito e renascem, e da terra toda a face renovais” (Sl 103). O Espírito Santo, cuja vinda se celebra na Solenidade de Pentecostes, é o dinamismo de Deus Trindade agindo pelo amor na vida do mundo. É dom gratuito e mais que suficiente – é abundante – para guiar a humanidade pelos caminhos da felicidade e da salvação.

Quando o Espírito falta, não pela carência de oferta, mas pela pouca adesão daqueles a quem é oferecido, o coração torna-se frágil e vulnerável à investida de desejos e tentações que têm a força de destruir e desagregar, desde a ganância, o egoísmo, a prepotência, a autossuficiência, o apego ao poder. Sem o Espírito, o ser humano investe suas melhores forças para construir sua pior ruína, para caminhar na direção do “pó de onde veio”.

Depois da pandemia, o mundo tem a oportunidade de redescobrir o que de fato é essencial e capaz de oferecer um sentido mais profundo para a vida que seja capaz de transcender a absolutização do dinheiro, por exemplo, como bem maior a ser buscado.

Rever profundamente o sistema econômico que rege a humanidade seria tarefa fundamental para este tempo decisivo que o mundo está vivendo. Caso haja a humildade de uma retomada diferente de tudo o que tem sido a regra até então – desigualdade social, destruição do meio ambiente, o lucro colocado acima da vida – certamente será mais fácil fazer a experiência do Espírito que revivifica e revigora. Caso contrário, a caminhada em direção ao pó e ao perecimento pode ganhar uma cadência ainda mais acelerada.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos para este domingo

Primeira Leitura: Gênesis 11,1-9

1Toda a terra tinha uma só linguagem e servia-se das mesmas palavras. 2E aconteceu que, partindo do oriente, os homens acharam uma planície na terra de Senaar e aí se estabeleceram. 3E disseram uns aos outros: “Vamos, façamos tijolos e cozamo-los ao fogo”. Usaram tijolos em vez de pedra, e betume em lugar de argamassa. 4E disseram: “Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja o céu. Assim, ficaremos famosos e não seremos dispersos por toda a face da terra”. 5Então o Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os homens estavam construindo. 6E o Senhor disse: “Eis que eles são um só povo e falam uma só língua. E isso é apenas o começo de seus empreendimentos. Agora, nada os impedirá de fazer o que se propuseram. 7Desçamos e confundamos a sua língua, de modo que não se entendam uns aos outros”. 8E o Senhor os dispersou daquele lugar por toda a superfície da terra, e eles cessaram de construir a cidade. 9Por isso, foi chamada Babel, porque foi aí que o Senhor confundiu a linguagem de todo o mundo e daí dispersou os homens por toda a terra.


Salmo Responsorial: 103(104)

Enviai o vosso Espírito, Senhor, / e da terra toda a face renovai.

  1. Bendize, ó minha alma, ao Senhor! / Ó meu Deus e meu Senhor, como sois grande! / De majestade e esplendor vos revestis / e de luz vos envolveis como num manto. – R.
  1. Quão numerosas, ó Senhor, são vossas obras, / e que sabedoria em todas elas! / Encheu-se a terra com as vossas criaturas. / Bendize, ó minha alma, ao Senhor! – R.
  1. Todos eles, ó Senhor, de vós esperam / que a seu tempo vós lhes deis o alimento; / vós lhes dais o que comer e eles recolhem, / vós abris a vossa mão e eles se fartam. – R.
  1. Se tirais o seu respiro, eles perecem / e voltam para o pó de onde vieram; / enviais o vosso espírito e renascem / e da terra toda a face renovais. – R.

Segunda Leitura: Romanos 8,22-27

Irmãos, 22sabemos que toda a criação, até o tempo presente, está gemendo como que em dores de parto. 23E não somente ela, mas nós também, que temos os primeiros frutos do Espírito, estamos interiormente gemendo, aguardando a adoção filial e a libertação para o nosso corpo. 24Pois já fomos salvos, mas na esperança. Ora, o objeto da esperança não é aquilo que a gente está vendo; como pode alguém esperar o que já vê? 25Mas, se esperamos o que não vemos, é porque o estamos aguardando mediante a perseverança. 26Também o Espírito vem em socorro da nossa fraqueza. Pois nós não sabemos o que pedir nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor com gemidos inefáveis. 27E aquele que penetra o íntimo dos corações sabe qual é a intenção do Espírito. Pois é sempre segundo Deus que o Espírito intercede em favor dos santos.


Jesus ressuscitado está vivo na comunidade

 Evangelho: Jo 20,19-30

* 19 Era o primeiro dia da semana. Ao anoitecer desse dia, estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo das autoridades dos judeus, Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: «A paz esteja com vocês.» 20 Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos ficaram contentes por ver o Senhor.

21 Jesus disse de novo para eles: «A paz esteja com vocês. Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês». 22 Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: «Recebam o Espírito Santo. 23 Os pecados daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados.»

* 19-23: O medo impede o anúncio e o testemunho. Jesus liberta do medo, mostrando que o amor doado até à morte é sinal de vitória e alegria. Depois, convoca seus seguidores para a missão no meio do mundo, infunde neles o Espírito da vida nova e mostra-lhes o objetivo da missão: continuar a atividade dele, provocando o julgamento. De fato, a aceitação ou recusa do amor de Deus, trazido por Jesus, é o critério de discernimento que leva o homem a tomar consciência da sentença que cada um atrai para si próprio: sentença de libertação ou de condenação.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

Pentecostes

Oração: “Ó Deus que, pelo mistério da festa de hoje, santificais a vossa Igreja inteira, em todos os povos e nações, derramai por toda a extensão do mundo os dons do Espírito Santo, e realizai agora no coração dos fiéis as maravilhas que operastes no início da pregação do Evangelho”.

  1. Primeira leitura: At 2,1-11

Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar.

João coloca a doação do Espírito Santo no dia da Páscoa, quando Jesus ressuscitado aparece aos apóstolos reunidos no Cenáculo (Evangelho). O evangelho de Lucas (cap. 24), também, situa no mesmo dia as manifestações de Jesus Ressuscitado aos discípulos de Emaús e aos apóstolos, concluindo com a promessa do Espírito Santo e a Ascensão de Jesus ao céu. Nos Atos dos Apóstolos, porém, a Ascensão acontece quarenta dias após a Páscoa e, dez dias depois, na festa judaica de Pentecostes, a vinda do Espírito Santo. Na origem, Pentecostes era uma festa agrícola ligada à colheita do trigo, celebrada sete semanas após a festa da Páscoa. Era uma festa de peregrinação. Nesta festa o israelita devia comparecer diante de Deus e apresentar os primeiros frutos da colheita do trigo. No II século a.C., a festa de Pentecostes passou a comemorar a promulgação da Lei de Moisés no Sinai, feita 50 dias após a saída do Egito (cf. Ex 19,1-16). Na teofania do Sinai, a descida de Deus era acompanhada por “trovões, relâmpagos (…), fortíssimo som de trombetas (…) em meio ao fogo” (Ex 19,16-19). Rabi Johanan dizia a respeito: A voz divina “saiu e se repartiu em setenta vozes ou línguas, de modo que todos os povos a entendessem; e cada povo ouviu a voz em sua própria língua”. Lucas conhecia tal tradição. Por isso fala que a doação do Espírito se dá em meio a um “barulho” e “forte ventania”. Com a voz do Sinai, repartida em setenta línguas, a Lei de Moisés tornou-se conhecida em todo o mundo e unia os judeus dispersos no Império Romano. Agora, a partir de Jerusalém (At 1,8), também o Evangelho é pregado a todos os povos, citados em nosso texto. A diversidade das línguas nas quais cada um entendia a mensagem do Evangelho é um convite aos apóstolos e discípulos, impulsionados pelo Espírito Santo, a levarem a mensagem de Jesus a todos os povos e culturas. Quando Lucas escreve, de certa forma, todos os povos do Império Romano estão ouvindo a mensagem do Evangelho, levada pelos discípulos e discípulas que aprenderam ou conheciam suas línguas.

Salmo responsorial: Sl 103 

     Enviai o vosso Espírito, Senhor,

            e da terra toda a face renovai.

  1. Segunda leitura: 1Cor 12,3b-7.12-13

Fomos batizados num único Espírito,

para formarmos um único corpo.

Paulo fala longamente para a comunidade de Corinto sobre os dons do Espírito Santo (1Cor 11,2-16; 12,1–14,39). Sem estes dons, nada podemos fazer, nem mesmo dizer: “Jesus é o Senhor”. Os dons ou “carismas” são “atividades”, serviços ou manifestações do Espírito “em vista do bem comum”; cada membro presta serviço para o bem do mesmo corpo. Paulo usa a imagem do corpo que tem muitos membros, mas forma uma única unidade. O Espírito nos unifica num só Corpo com o Cristo: “judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito”. O Espírito Santo distribui seus dons ou carismas em vista do bem da comunidade, e não para distinguir esta ou aquela pessoa. A manifestação do Espírito se dá em todos os membros da comunidade. Não é privilégio do clero, dos religiosos ou de “grupos carismáticos”. O projeto imperial de Babel era de impor o domínio, unindo todas as raças e culturas por meio de uma só língua (Gn 11,1-9: primeira leitura da Vigília). Deus, porém, pôs fim a tal domínio, multiplicando as línguas e culturas. É na diversidade de línguas e culturas que Deus quer ser louvado e adorado. Em Pentecostes Deus refaz a unidade pela mensagem do Evangelho, a ser anunciado a todos os povos, preservando, porém, as diferentes culturas e raças. O que nos une é a linguagem do amor a Deus e ao próximo (Evangelho).

Aclamação ao Evangelho:

Vinde, Espírito Divino,

   e enchei com vossos dons os corações dos fiéis;

    e acendei nele o amor como um fogo abrasador.

  1. Evangelho: Jo 20,19-23

Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio:

Recebei o Espírito Santo!

No domingo da Ascensão ouvimos, no evangelho de Lucas, que Jesus prometia aos discípulos enviar-lhes a “força do alto”, o Espírito Santo, antes de começarem a anunciar “a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações”. Hoje, segundo João, Jesus no dia de sua ressurreição, se manifesta aos discípulos e concede o dom do Espírito Santo e a paz. Depois de lhes dizer “a paz esteja convosco”, Jesus se identifica, mostrando-lhes as mãos e o lado perfurados. Ele é o mesmo Jesus crucificado, que cumpriu sua missão, a obra de nossa salvação e volta ao Pai (Jo 20,17). Antes, porém, deixa-nos a tarefa de continuar a sua missão: “Como o Pai me enviou também eu vos envio”. Ao voltar para junto do Pai, Jesus promete estar sempre conosco: “Eis que estou convosco, todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20). A presença de Cristo se dá pelo seu Espírito, o Advogado e Consolador, que estará sempre ao lado de seus discípulos. Pelo dom de sua vida Jesus nos reconciliou com Deus, manifestando o amor misericordioso do Pai. O presente da Páscoa que nos deixa é o Amor: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados”. Agora confia aos seus discípulos a missão de manifestar este mesmo amor misericordioso: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados…”. O perdão dado e recebido reconstrói os vínculos do Amor, reconstrói a paz. “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”, que é Amor (Mt 5,9). Nossa missão é vivermos o que anunciamos aos outros. Para isso recebemos a “força do alto”, o Espírito Santo.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Na paz, começa a Igreja, Corpo do Senhor

Frei Clarêncio Neotti

Poderíamos encontrar no Evangelho de hoje os principais dons da Páscoa. Primeiro, o próprio Cristo ressuscitado. O Evangelho seria apenas um tema literário se a Páscoa não nos tivesse dado Jesus glorioso, triunfador da morte. Houve momentos em que os discípulos pensaram que tudo se havia acabado (cf Lc 24,13-24). Por isso mesmo, o segundo dom é consequência do primeiro: a paz (v. 19), ou seja, o retorno do equilíbrio ao coração da criatura humana, com a dimensão da confiança e da humildade para com Deus; com a dimensão para o próprio eu, o ser íntimo da pessoa, confortado pela certeza de não ter sido enganado; e com a dimensão para os outros, com quem pode criar comunidade e repartir a alegria (v. 20) dos fatos e da caminhada. Essa paz só é possível à medida que damos e recebemos perdão. Quando Jesus hoje diz aos Apóstolos: “A paz esteja convosco”, tanto pode significar uma saudação quanto a manifestação do perdão, de que, aliás, eles andavam muito necessitados, depois de havê-lo deixado quase sozinho na Paixão e na Morte.

O terceiro dom é o envio. Vencido o pecado e vencida a morte, Jesus reparte com os Apóstolos a missão de salvar (perdoar pecados = salvar). A mesma missão que Jesus recebera do Pai e cumprira com fidelidade, agora a passa aos Apóstolos: “Como o Pai me enviou, eu vos envio” (v. 21). Tudo quanto ele dissera, di-lo-á cada Apóstolo agora (Jo 17,8), com a mesma autoridade. Tudo quanto ele fizera, fá-lo-á cada um deles, e poderão fazer coisas ainda maiores (Jo 14,12). Até a vinda de Jesus, homem nenhum conseguira fazer a ligação entre o céu e a terra. Feito o caminho por Jesus, todos podem andar por ele. Os pecados perdoados na terra serão perdoados também pelo céu.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Esse vento diferente...

Frei Almir Guimarães

Era um vento estranho, de uma suave violência,
como uma brisa de furação
ou o leve murmúrio de uma tempestade.
Esse vento foi entrando pelas gretas das portas chaveadas
e das janelas fechadas.

♦ Belíssima solenidade esta do fogo, do vento violento e brisa suave. O Espírito, o Advogado, o Defensor… Mistério da Trindade. O Pai, o Filho unidos. O Filho gerado não criado. Entre eles um sopro o Espírito. O Pai envia o Filho e o Espírito o unge nas águas do Jordão. O Filho e o Espírito. O Filho é o Ungido. No alto da cruz, no momento da morte, segundo João, “Jesus entrega o seu Espírito”. Espírito com E maiúsculo. Ele cumpriu a promessa de não nos deixar órfãos. Esse Espírito que pairava sobre o caos primordial para tudo organizar, depois da Ascensão do Senhor paira sobre os apóstolos na manhã de Pentecostes. Vento e fogo, sopro que movimenta e chamas que iluminam e que ardem. Vivemos a era do Espírito. A Igreja não tem outra finalidade senão a de auscultar o vento do Espírito. Ela é criatura do Espírito.

♦ Ele é movimento, empurra para frente. Vento, chama crepitante, água viva, pomba que se desloca. Sopra, dilata, recria, transforma, inspira.

♦ É ação. Preside os começos do universo. Age na concepção do Verbo Encarnado, no batismo do Messias, nos primeiros passos da Igreja, na luminosa e ventosa manhã de Pentecostes. Paulo nos convida a entrarmos na dinâmica do Espírito: “Se vivemos do Espírito, andemos também segundo o Espírito” (Gl 5,25).

♦ É liberdade. Não nos escraviza na lei fria, no legalismo, no rubricismo. Onde está o Espírito de Deus está a liberdade. Faz com que a Igreja se liberte dos grilhões históricos, culturais, ideológicos e religiosos. Na medida em que vai se libertando de tudo isso, torna-se Igreja libertadora.

♦ É novidade. Normalmente se atribui ao Espírito o excepcional, o extraordinário. Ele não se compraz com caminhos batidos. É força de vida nova, fonte inesgotável de criatividade. Entra em conivência com toda sorte de novidade quando esta venha a favorecer a instauração do Reino. A presença do Espírito na Igreja faz com que esta se embrenhe por caminhos de um futuro não previsível.

♦ O Espírito é impregnação. É água que penetra tudo. Ao lado das imagens do Espírito como movimento e ação, há outras que apontam para impregnação, interiorização, habitação, morada. Nesta mesma linha vão as imagens do óleo e da unção. Apoiado nessas imagens Agostinho haverá de falar do Espírito como alma da Igreja. Dizemos que estamos “repletos” do Espírito Santo.

♦ O Espírito é comunhão. Abolindo fronteiras e barreiras o Espírito liga, une, reúne. O relato da manhã de Pentecostes bem ilustra essa dimensão de comunhão. Várias línguas, várias culturas e todos se entendendo. Completamente impregnada do Espirito a comunidade encontra nele saúde, equilíbrio e alegria.

 O Espírito é memória. Jesus mesmo disse que quando ele e o Pai enviassem o Espírito ele haveria de permitir que os discípulos se lembrassem de tudo quando ele havia dito. O Espírito atualiza no hoje de cada geração a presença de Jesus de Nazaré que passando pela morte foi ressuscitado pelo Pai. Graças ao Espírito pudemos nos transformar em filhos no Filho. A vinda de Cristo na proclamação da Escritura e na celebração sacramental se realiza graças à invocação do Espírito, dita “epíclese”. Não existe oração eucarística sem esta imploração do Espírito sobre as pessoas e os dons.


Texto para reflexão

Normalmente, no Antigo Testamento, quando o Espírito de Deus aparece evidencia-se de uma forma espetacular: há uma agitação na natureza, há terremotos, vulcões, ventania. Digamos assim: a manifestação de Deus provoca uma espécie de alteração na ordem cósmica, introduzindo uma nova experiência, um novo ciclo, um novo tempo. No Novo Testamento tudo é depurado. A experiência de contato com Deus, através do acolhimento amigável de Deus, continua a ser uma experiência de fusão, mas expressa de modo mais íntimo e despojado. Quando os discípulos recebem o Espírito estão numa casa, numa rua anônima da cidade, não diante de um monte de chamas; o Espírito desce sem que tenha havido um fenômeno natural fora do comum. O Espírito agora é dado no cotidiano, na nossa humanidade; é dado de forma sutil, interior, escondida. A corrente de ar forte que terá ressoado pela casa onde eles se encontravam em nada se compara à convulsão atmosférica descrita no livro do Êxodo.

José Tolentino Mendonça
Nenhum caminho será longo
Paulinas, p. 57-58


Quase em forma de oração

Sem o Espírito, Deus se faz distância,
o Cristo permanece no passado,
o Evangelho é letra morta,
a Igreja é uma simples organização,
a autoridade, dominação,
a missão, uma propaganda,
o culto, uma evocação,
o agir cristão uma moral de escravo.
Mas nele:
O cosmos é soerguido e geme na parturição do Reino,
Cristo Jesus se faz presente,
o Evangelho é dinamismo de vida,
a Igreja significa comunhão trinitária,
a autoridade é um serviço libertador,
a missão é um Pentecostes,
a liturgia é memorial e antecipação
e o agir cristão é deificado,

Metropolita Ignatios de Lattaquié (Síria)


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Abertos ao Espírito

José Antonio Pagola

Não falam muito, nem se fazem notar. Sua presença é modesta e calada, mas são “sal da terra”. Enquanto houver no mundo essas mulheres e esses homens atentos ao Espírito de Deus, será possível continuar esperando. Eles são o melhor dom para uma Igreja ameaçada pela mediocridade espiritual.

Sua influência não provém do que fazem, nem do que falam ou escrevem, mas de uma realidade mais profunda. Encontram-se retirados nos mosteiros ou escondidos no meio da gente. Não se destacam por sua atividade e, não obstante, irradiam energia interior onde estão.

Não vivem de aparências. Sua vida nasce do mais profundo de seu ser. Vivem em harmonia consigo mesmos, atentos a fazer coincidir sua existência com o chamado do Espírito que os habita. Sem que eles mesmos se deem conta, são o reflexo do Mistério de Deus na terra.

Têm defeitos e limitações. Não estão imunizados contra o pecado. Mas não se deixam absorver pelos problemas e conflitos da vida. Voltam constantemente ao fundo de seu ser. Esforçam-se para viver na presença de Deus. Ele é o centro e a fonte que unifica seus desejos, palavras e decisões.

Basta colocar-se em contato com eles para tomar consciência da dispersão e agitação que há dentro de nós. Junto a eles é fácil perceber a falta de unidade interior, o vazio e a superficialidade de nossa vida. Eles nos fazem pressentir dimensões que desconhecemos.

Esses homens e mulheres abertos ao Espírito são fonte de luz e de vida. Sua influência é oculta e misteriosa. Estabelecem com os outros uma relação que nasce de Deus. Vivem em comunhão com pessoas que jamais viram. Amam com ternura e compaixão pessoas que não conhecem. Deus as faz viver em união profunda com a criação inteira.

No meio de uma sociedade materialista e superficial, que tanto desqualifica e maltrata os valores do espírito, quero trazer à memória esses homens e mulheres “espirituais”. Eles nos lembram o anseio maior do coração humano e a Fonte última onde se apaga toda sede.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Os dons do Espírito Santo

Pe. Johan Konings

Pentecostes, festa do “Divino Espírito Santo”, é uma oportunidade para entender melhor uma realidade central de nossa fé: o Espírito de Deus que nos é dado em virtude de nossa fé em Jesus Cristo.

Jesus glorioso manda o Espírito Santo de junto do Pai. No Evangelho, João narra como, no próprio dia da Páscoa, Jesus comunica aos apóstolos e o Espírito Santo, para que exerçam o poder de perdoar os pecados. Pois Jesus é “o cordeiro que tira o pecado do mundo” (Jô 1,29), e os discípulos devem continuar essa missão.

Já São Lucas distingue diversos momentos. Depois de ter falado da Páscoa da Ressurreição e da Ascensão de Jesus como entrada na glória, Lucas descreve a manifestação do Espírito Santo, aos cinquenta dias depois da Páscoa, no Pentecostes (que significa “quinquagésimo dia”) (1ª leitura). Nesse dia, em que a religião de Israel comemora o dom da lei no monte Sinai, descem sobre os apóstolos como que línguas de fogo, para que eles proclamem o evangelho a todos os povos, representados em Jerusalém pelos romeiros da festa, que ouvem a proclamação cada qual em sua própria língua.

Entre os primeiros cristãos, os de Corinto gostavam demais do “dom das línguas”, pelo qual eles podiam exclamar frases em línguas estranhas. Mas Paulo os adverte de que os dons não se devem tornar fonte de desunião. Os fiéis, com sua diversidade de dons, devem completar-se, como os membros de um mesmo corpo (2ª leitura). No milagre de Pentecostes, um fala e todos entendiam (em sua própria língua). No “dom das línguas”, ou glossolalia, corre-se o perigo de que todos falem e ninguém entenda. Por isso, Paulo prefere um falar que todos entendam (ler 1Cor 14).

Nós hoje devemos renovar o milagre de Pentecostes: falar uma língua que todos entendem: a linguagem da justiça e do amor. É a linguagem de Cristo, e é uma “língua de fogo!” Aliás, o evangelho nos lembra que a primeira finalidade do dom do Espírito é tirar o pecado do mundo (Jo 20, 22-23). A linguagem do Espírito é a linguagem da justiça e do amor. Por outro lado, devemos reconhecer a enorme diversidade de dons no único “corpo” da Igreja. Somos capazes de considerar as nossas diferenças (pastorais, ideológicas etc.) como um mútuo enriquecimento? Colocamo-las em comum? O diálogo na diversidade pode ser um dom do Espírito muito atual.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella